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Relações entre Burnout, Traços de Personalidade e Variáveis Sociodemográficas em Trabalhadores Brasileiros

Relationship between Burnout, Personality Traits and Sociodemographic Variables in Brazilian Workers

Relaciones entre Burnout , Rasgos de Personalidad y Variables Sociodemográficas en Trabajadores Brasileños

Resumo

O Burnout é caracterizado pela exaustão emocional, despersonalização e baixa realização no trabalho. O objetivo desta pesquisa foi investigar as relações entre variáveis sociodemográficas e traços de personalidade, segundo o modelo dos Cinco Grandes Fatores, no desfecho da síndrome. Os seguintes questionários: sociodemográfico, Inventário de Burnout no Trabalho e Marcadores Reduzidos de Personalidade foram respondidos, em plataforma on-line, por 343 profissionais brasileiros do setor de serviços (75,50% mulheres, n = 259) atuantes nas áreas da saúde, educação, serviços administrativos, segurança, bancários e atendimento ao público (e.g., telemarketing, call centers). Os resultados não apontam para relações estatisticamente significativas entre as variáveis sociodemográficas e o Burnout. Os traços de personalidade desempenharam relação preditiva mais relevante com os três fatores do Burnout, sendo o Neuroticismo o maior preditor. A partir dos dados, pode-se dizer que os recursos pessoais podem exercer um importante papel no desenvolvimento do Burnout, com especial atenção ao Neuroticismo.

Palavras-chave:
stress ocupacional; traços de personalidade; demografia; qualidade de vida no trabalho

Abstract

Burnout is characterized by emotional exhaustion, depersonalization, and low personal accomplishment at work. The objective of this research was to investigate the relationship between sociodemographic variables and personality traits, according to the Big Five theory, in the outcome of the syndrome. The sociodemographic questionnaire, the Work Burnout Inventory and the Reduced Personality Markers were answered in an online platform by 343 Brazilian professionals from the service sector (75.50% women, n = 259), working in the areas of health, education, administrative services, security, banking and customer service (e.g. telemarketing, call centers). The results do not point to a statistically significant relationship between sociodemographic variables and burnout. Personality traits had a more predictive relationship with the three factors of burnout, which Neuroticism was the most important predictor. Personal resources, especially Neuroticism, can play an important role in the development of burnout.

Keywords:
occupational stress; personality traits; demographic characteristics; quality of work life

Resumen

El burnout se caracteriza por el agotamiento emocional, la despersonalización y la reducción de la realización en el trabajo. El objetivo de esta investigación fue investigar las relaciones entre variables sociodemográficas y rasgos de personalidad, según el modelo de los Cinco Grandes Factores, en el desenlace del síndrome. El cuestionario sociodemográfico, el Inventario de Burnout en el Trabajo y los Marcadores Reducidos de la Personalidad fueron contestados, en una plataforma digital, por 343 profesionales brasileños (75,50% mujeres, n = 259) en el sector de servicios (p. ej., áreas de salud, educación, seguridad). Los resultados no apuntan a una relación estadísticamente significativa entre las variables sociodemográficas y el burnout. Los rasgos de personalidad desempeñaron relación predictiva más relevante con los tres factores del burnout, siendo el Neuroticismo el principal predictor. Fue observado que los recursos personales pueden desempeñar un importante papel en el desarrollo del burnout, con especial atención al Neuroticismo.

Palabras clave:
estrés ocupacional; rasgos de personalidad; demografía; calidad de vida en el trabajo

O burnout tem sido compreendido como uma resposta aos estressores crônicos interpessoais e emocionais experienciados pelo indivíduo no seu ambiente de trabalho (Maslach & Leiter, 2016Maslach, C., & Leiter, M. (2016). New insights into burnout and health care: Strategies for improving civility and alleviating burnout. Medical Teacher. doi: 10.1080/0142159X.2016.1248918
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; Maslach, Schaufeli, & Leiter, 2001Maslach, C., Schaufeli, W. B., & Leiter, P. L. (2001). Job burnout. Annual Review of Psychology, 52, 397-422. doi: 0066-4308/01/0201-0397$14.00
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). Devido aos efeitos negativos desta síndrome, tanto nos indivíduos quanto nas organizações (Shanafelt et al, 2012Shanafelt, T. D., Boone, S., Tan, L., Dyrbye, L. N., Sotile, W., Satele, D., West, C. P., Sloan, J., & Oreskovich, M. R. (2012). Burnout and satisfaction with work-life balance among US physicians relative to the general US population. Archives of Internal Medicine, 172(18), 1377-1385. doi: 10.1001/archinternmed.2012.3199
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), diversos pesquisadores buscam compreender quais são os aspectos pessoais e contextuais que auxiliam no desenvolvimento, manutenção e agravamento dos seus sintomas (Laschinger & Fida, 2014; Purvanova & Muros, 2010Purvanova, R., & Muros, J. (2010). Gender differences in burnout: A meta-analysis. Journal of Vocational Behavior, 77(2), 168-185. doi: 10.1016/j.jvb.2010.04.006
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; Swider & Zimmerman, 2010Swider, B. W., & Zimmerman, R. D. (2010). Born to burnout: A meta-analytic path model of personality, job burnout, and work outcomes. Journal of Vocational Behavior, 76(3), 487-506. doi: 10.1016/j.jvb.2010.01.003
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; You, Huang, Wang, & Bao, 2015You, X., Huang, J., Wang, Y., & Bao, X. (2015). Relationships between individual-level factors and burnout: A meta-analysis of chinese participants. Personality and Individual Differences, 74, 139-145. doi: 10.1016/j.paid.2014.09.048
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).

Maslach e Jackson (1981) foram as primeiras autoras a operacionalizarem o burnout como um construto composto por três dimensões distintas, mas relacionadas entre si: a Exaustão Emocional, a Despersonalização e a Baixa Realização no Trabalho. A Exaustão Emocional é compreendida como uma sensação de esgotamento mental e físico, na qual o indivíduo acredita não mais dispor da energia e vitalidade que antes possuía para desempenhar suas tarefas no cotidiano do trabalho (Maslach & Leiter, 2016Maslach, C., & Leiter, M. (2016). New insights into burnout and health care: Strategies for improving civility and alleviating burnout. Medical Teacher. doi: 10.1080/0142159X.2016.1248918
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). A Despersonalização, também reportada na literatura como cinismo, é a dimensão interpessoal da síndrome e refere-se a respostas insensíveis e impessoais, aparentando certo distanciamento para com os colegas de trabalho, clientes e, inclusive, para com a instituição em que trabalha (Maslach et al., 2001Maslach, C., Schaufeli, W. B., & Leiter, P. L. (2001). Job burnout. Annual Review of Psychology, 52, 397-422. doi: 0066-4308/01/0201-0397$14.00
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). E, por fim, a Baixa Realização no Trabalho se refere à tendência de o profissional avaliar-se negativamente, julgando-se incompetente perante sua atuação profissional (Maslach & Jackson, 1981).

Os fatores relacionados ao burnout são muitos, sendo, em geral, agrupados em fatores ocupacionais, organizacionais e individuais(Maslach et al., 2001Maslach, C., Schaufeli, W. B., & Leiter, P. L. (2001). Job burnout. Annual Review of Psychology, 52, 397-422. doi: 0066-4308/01/0201-0397$14.00
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; Shirom, 2003Shirom, A. (2003). Job-related burnout: A review. In J.C. Quick, & L.E. Tetrick (Eds.), Handbook of occupational health psychology (pp. 245-264). Washington: APA.). Os estudos precursores sobre o burnout focavam, majoritariamente, nos grupos profissionais das áreas assistencialistas (e.g. saúde, educação, assistência social), uma vez que acreditava-se que estas ocupações tinham características facilitadoras para o esgotamento profissional, a saber: (1) contato direto e constante com problemas físicos, emocionais e psicológicos do público; (2) exposição prolongada a altos níveis de estresse; e (3) a crença de que, normalmente, as pessoas que escolhiam tais profissões estavam mais propensas a se desiludirem com a realidade das dificuldades do trabalho (Freudenberger, 1974Freudenberger, H. J. (1974). Staff burn-out. Journal of Social Issues, 30(1), 159-165. doi: 10.1111/j.1540-4560.1974.tb00706.x
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). No entanto, estudos posteriores apontam que mais importante que o viés ocupacional, isto é, as características peculiares a cada categoria profissional, a forma disfuncional como o trabalho está estruturado (e.g. sobrecarga de trabalho, baixa autonomia, poucas recompensas, conflitos interpessoais) caracterizam os fatores organizacionais capazes de melhor explicar o surgimento e agravamento dos sintomas (Demerouti, Nachreiner, Bakker, & Schaufeli, 2001Demerouti, E., Nachreiner, F., Bakker, A. B., & Schaufeli, W. B. (2001). The job demand-resources model of burnout. Journal of Applied Psychology, 86(3), 499-512.; Maslach & Leiter, 1997Maslach, C., & Leiter, M. P. (1997). What causes burnout?. In C. Maslach, & M. P. Leiter (Eds.), The truth about burnout: How organizations cause personal stress and what to do about it (pp. 38 - 60). San Francisco, Califórnia: Wiley.; Maslach, Schaufeli, & Leiter, 2001Maslach, C., Schaufeli, W. B., & Leiter, P. L. (2001). Job burnout. Annual Review of Psychology, 52, 397-422. doi: 0066-4308/01/0201-0397$14.00
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; Maslach & Leiter, 2016Maslach, C., & Leiter, M. (2016). New insights into burnout and health care: Strategies for improving civility and alleviating burnout. Medical Teacher. doi: 10.1080/0142159X.2016.1248918
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).

Por conta dos impactos organizacionais e o interesse em compreendê-los, o foco das pesquisas sobre o burnout tem sido acerca dos fatores contingenciais que permeiam as organizações, das peculiaridades do fazer profissional de cada ocupação, deixando-se à margem fatores individuais, como os traços de personalidade e variáveis sociodemográficas (Bostjancic, Kocjan, & Stare, 2015Bostjancic, E., Kocjan, G. Z., & Stare, J. (2015). Role of socio-demographic characteristics and working conditions in experiencing burnout. Suvremena psihologija, 18(1), 43-60.; Swider & Zimmerman, 2010Swider, B. W., & Zimmerman, R. D. (2010). Born to burnout: A meta-analytic path model of personality, job burnout, and work outcomes. Journal of Vocational Behavior, 76(3), 487-506. doi: 10.1016/j.jvb.2010.01.003
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). Pesquisar o papel desses fatores no desfecho do burnout é importante para se ter uma maior compreensão do perfil de vulnerabilidade dos indivíduos afetados pela síndrome (Campos, Angélico, Oliveira, & Oliveira, 2015Campos, I. C. M., Angélico, A. P., Oliveira, M. S., & Oliveira, D. C. R. (2015). Fatores sociodemográficos e ocupacionais associados à síndrome de burnout em profissionais de enfermagem. Psicologia Reflexão e Crítica, 28(4), 764-771. doi: 10.1590/1678-7153.201528414
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).

Traços de personalidade e o Burnout

O modelo teórico de Recursos e Demandas no Trabalho (Demerouti, Nachreiner, Bakker, & Schaufeli, 2001Demerouti, E., Nachreiner, F., Bakker, A. B., & Schaufeli, W. B. (2001). The job demand-resources model of burnout. Journal of Applied Psychology, 86(3), 499-512.), o qual entende que as tensões emocionais num dado ambiente laboral são fruto do desequilíbrio entre as altas demandas da organização (e.g. carga de trabalho, pressão por produtividade) sobre o funcionário e os recursos por ela disponibilizados para lidar com essas demandas (e.g. feedback, progressão de carreira), tem sido bastante aceito para se compreender os fatores que levam ao desfecho do burnout no trabalho (Bakker, Demerouti, & Sanz-Vergel, 2014Bakker, A. B., Demerouti, E., & Sanz-Vergel, A. I. (2014). Burnout and work engagement: The JD-R approach. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 1, 389-411. doi: 10.1146/annurev-orgpsych-031413-091235.
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; Demerouti et al., 2001Demerouti, E., Nachreiner, F., Bakker, A. B., & Schaufeli, W. B. (2001). The job demand-resources model of burnout. Journal of Applied Psychology, 86(3), 499-512.). Recentemente, Schaufeli e Taris (2014Schaufeli, W. B., & Taris, T.W. (2014). A critical review of the job demands-resources model: Implications for improving work and health. In G. F., Bauer, & O., Hämmig. (Eds). Bridging occupational, organizational and public health. Amsterdam: Springer.) acrescentaram ao modelo original a variável de recursos pessoais, referindo-se às características psicológicas próprias do indivíduo capazes de impactar seu ambiente de trabalho, como os traços de personalidade, por exemplo (Dalanhol, Freitas, Machado, Hutz, & Vazquez, 2017Dalanhol, N. S., Freitas, C. P. P., Machado, W. L., Hutz, C. S., & Vazquez, A. C. S. (2017). Engajamento no trabalho, saúde mental e personalidade em oficiais de justiça. Psico, 48(2), 109-119. doi: 10.15448/1980-8623.2017.2.25885
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).

A partir do enfoque teórico do modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF), a personalidade pode ser entendida por meio de cinco fatores independentes, mas inter-relacionados, a saber: Extroversão, Abertura à experiência, Socialização, Conscienciosidade e Neuroticismo. Os traços de personalidade podem interferir tanto nos padrões comportamentais e emocionais do indivíduo quanto no desempenho, bem-estar e saúde mental apresentado por ele(a) em seu trabalho (Dalanhol et al., 2017Dalanhol, N. S., Freitas, C. P. P., Machado, W. L., Hutz, C. S., & Vazquez, A. C. S. (2017). Engajamento no trabalho, saúde mental e personalidade em oficiais de justiça. Psico, 48(2), 109-119. doi: 10.15448/1980-8623.2017.2.25885
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; Judge, Higgins, Thoresen, & Barrick, 1999Judge, T. A., Higgins, C. A., Thoresen, C. J., & Barrick, M. R. (1999). The big-five personality traits, general mental ability, and career success across the life span. Personnel Psychology, 52(3), 621-652. doi: 10.1111/j.1744-6570.1999.tb00174.x
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).

O fator de Extroversão descreve até que ponto as pessoas são assertivas, dominantes e comunicativas, tendendo a experienciar mais emoções positivas, como otimismo e entusiasmo, e a buscarem excitação na interação com outras pessoas (Judge et al., 1999Judge, T. A., Higgins, C. A., Thoresen, C. J., & Barrick, M. R. (1999). The big-five personality traits, general mental ability, and career success across the life span. Personnel Psychology, 52(3), 621-652. doi: 10.1111/j.1744-6570.1999.tb00174.x
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). Por apresentarem emoções positivas, espera-se que pessoas com altos níveis de extroversão sejam mais esperançosas quanto ao futuro e tenham mais recursos para manterem um bom desempenho em suas ocupações e um bom relacionamento com seus pares (Judge & Ilies, 2002Judge, T. A., & Ilies, R. (2002). Relationship of personality to performance motivation: A metanalytic review. Journal of Applied Psychology, 87(4), 797-807. doi: 10.1037//0021-9010.87.4.797
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) e, comumente, é encontrada relação negativa entre esse traço de personalidade e os três fatores do burnout (Swider & Zimmerman, 2010Swider, B. W., & Zimmerman, R. D. (2010). Born to burnout: A meta-analytic path model of personality, job burnout, and work outcomes. Journal of Vocational Behavior, 76(3), 487-506. doi: 10.1016/j.jvb.2010.01.003
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).

O Neuroticismo, por sua vez, é um traço caracterizado por uma maior tendência à instabilidade emocional, ansiedade e humor deprimido (Ashton, 2013Ashton, M. C. (2013). Individual differences and personality. Ontário: Academic Press.). A instabilidade emocional e a propensão ao pessimismo dos indivíduos com elevados níveis desse traço dificultam o emprego de estratégias adequadas para lidar com um ambiente de trabalho de muitas demandas, sendo estes mais suscetíveis ao adoecimento psíquico no trabalho (Huang, Ryan, Zabel, & Palmer, 2014Huang, J. L., Ryan, A. M., Zabel, K. L., & Palmer, A. (2014). Personality and adaptive performance at work: A meta-analytic investigation. Journal of Applied Psychology, 99(1), 162-179. doi: 10.1037/a0034285
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). Estudos apontam para o Neuroticismo como sendo o traço de personalidade mais relacionado ao burnout e relacionando-se significativamente a todos os fatores da síndrome (Swider & Zimmerman, 2010Swider, B. W., & Zimmerman, R. D. (2010). Born to burnout: A meta-analytic path model of personality, job burnout, and work outcomes. Journal of Vocational Behavior, 76(3), 487-506. doi: 10.1016/j.jvb.2010.01.003
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).

A Abertura à experiência está atrelada às pessoas mais flexíveis, intelectualmente curiosas, que dão preferência às soluções mais criativas do que às mais superficiais e tradicionais (Ashton, 2013Ashton, M. C. (2013). Individual differences and personality. Ontário: Academic Press.). Pessoas com maior tendência à Abertura à experiência normalmente apresentam bom desempenho no trabalho, no entanto, a dificuldade em se sujeitar a determinadas condições da própria organização pode resultar em problemas a nível de relacionamento interpessoal (Heineck & Anger, 2010Heineck, G., & Anger, S. (2010). The returns to cognitive abilities and personality traits in Germany. Labour Economics, 17, 535-546. doi: 10.1016/j.labeco.2009.06.001
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).

Já o traço de Socialização diz respeito a pessoas mais propensas a demonstrar altruísmo, gentileza e comportamentos pró-sociais (Ashton, 2013Ashton, M. C. (2013). Individual differences and personality. Ontário: Academic Press.). Essas pessoas, frequentemente, prezam por bons relacionamentos interpessoais no seu ambiente de trabalho e tendem a obter maior suporte social por parte dos seus pares, o que, muitas vezes, funciona como fator protetivo contra o burnout (You, Huang, Wang, & Bao, 2015You, X., Huang, J., Wang, Y., & Bao, X. (2015). Relationships between individual-level factors and burnout: A meta-analysis of chinese participants. Personality and Individual Differences, 74, 139-145. doi: 10.1016/j.paid.2014.09.048
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). Por fim, a Conscienciosidade é marcada por características que incluem organização, perfeccionismo e disciplina, autocontrole e responsabilidade no cumprimento de objetivos e tarefas (Ashton, 2013Ashton, M. C. (2013). Individual differences and personality. Ontário: Academic Press.). Este traço está muito relacionado à capacidade e vontade de trabalhar com empenho, zelo e ao bom desempenho profissional (Heineck & Anger, 2010Heineck, G., & Anger, S. (2010). The returns to cognitive abilities and personality traits in Germany. Labour Economics, 17, 535-546. doi: 10.1016/j.labeco.2009.06.001
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). Ainda não há consentimento sobre o quanto este traço é capaz de predizer o burnout, mas resultados obtidos em metanálises de diferentes países apontam para uma possível influência de aspectos culturais (Swider & Zimmerman, 2010Swider, B. W., & Zimmerman, R. D. (2010). Born to burnout: A meta-analytic path model of personality, job burnout, and work outcomes. Journal of Vocational Behavior, 76(3), 487-506. doi: 10.1016/j.jvb.2010.01.003
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; You et al., 2015).

Variáveis sociodemográficas e o Burnout

Variáveis sociodemográficas, como idade, sexo e escolaridade, por exemplo, vêm sendo associadas ao burnout (Marinaccio et al., 2013Marinaccio, A., Ferrante, P., Corfiati, M., Di Tecco, C., Rondinone, B. M., Bonafede, M., Ronchetti, M., Persechino, B., & Iavicoli, S. (2013). The relevance of socio-demographic and occupational variables for the assessment of work-related stress risk. BMC Public Health, 13(1), 1-9. doi: 10.1186/1471-2458-13-1157
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). No entanto, os resultados encontrados mostram-se inconsistentes, seja pelas diferenças metodológicas adotadas ou por diferenças regionais e culturais (Campos et al., 2015Campos, I. C. M., Angélico, A. P., Oliveira, M. S., & Oliveira, D. C. R. (2015). Fatores sociodemográficos e ocupacionais associados à síndrome de burnout em profissionais de enfermagem. Psicologia Reflexão e Crítica, 28(4), 764-771. doi: 10.1590/1678-7153.201528414
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).

Pesquisas apontam que as mulheres tendem a experienciar maiores níveis de sintomas de ansiedade, estresse e depressão quando comparadas aos homens (Arnten, Jansson, & Archer, 2008Arnten, A. A., Jansson, B., & Archer, T. (2008). Influence of affective personality type and gender upon coping behavior, mood, and stress. Individual Differences Research, 6(3), 139-168.). Segundo Bostjancic, Kocjan e Stare (2015Bostjancic, E., Kocjan, G. Z., & Stare, J. (2015). Role of socio-demographic characteristics and working conditions in experiencing burnout. Suvremena psihologija, 18(1), 43-60.), estudos prévios sobre o burnout apontam para a existência de diferenças entre homens e mulheres, mas os resultados não são definitivos. Comumente, mulheres apresentam maiores níveis de Exaustão enquanto homens, de Despersonalização (Shirom, 2003Shirom, A. (2003). Job-related burnout: A review. In J.C. Quick, & L.E. Tetrick (Eds.), Handbook of occupational health psychology (pp. 245-264). Washington: APA.; Maslach & Leiter, 2016Maslach, C., & Leiter, M. (2016). New insights into burnout and health care: Strategies for improving civility and alleviating burnout. Medical Teacher. doi: 10.1080/0142159X.2016.1248918
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). Todavia, algumas pesquisas mostram o contrário, sugerindo, inclusive, que o tipo de profissão e políticas de fomento à igualdade de gêneros na organização influenciam a não diferenciação dos níveis de burnout entre os sexos (Aguayo, Vargas, Cañadas, & De La Fuente, 2017Aguayo, R., Vargas, C., Cañadas, G., & De la Fuente, E. (2017). Are socio-demographic factors associated to burnout syndrome in police officers. Anales de Psicologia, 33(2), 383-392. doi: 10.6018/analesps.33.2.260391.
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; Purvanova & Muros, 2010Purvanova, R., & Muros, J. (2010). Gender differences in burnout: A meta-analysis. Journal of Vocational Behavior, 77(2), 168-185. doi: 10.1016/j.jvb.2010.04.006
https://doi.org/10.1016/j.jvb.2010.04.00...
; Taka et al., 2016Taka, F., Nomura, K., Horie, S., Takemoto, K., Takeuchi, M., Takenoshita, S., Murakami, A., Hiraike, H., Okinaga, H., & Smith, D. R. (2016). Organizational climate with gender equity and burnout among university academics in Japan. Industrial Health, 54(6), 480-487. doi: 10.2486/indhealth.2016-0126
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).

Quanto a variável idade, acredita-se que pessoas mais velhas possuem mais tempo de experiência profissional e, com isso, tendem a apresentar maior repertório de estratégias para enfrentar o estresse e adversidades do trabalho (Bostjancic et al., 2015Bostjancic, E., Kocjan, G. Z., & Stare, J. (2015). Role of socio-demographic characteristics and working conditions in experiencing burnout. Suvremena psihologija, 18(1), 43-60.). No entanto, em revisão sistemática (Campos et al., 2015Campos, I. C. M., Angélico, A. P., Oliveira, M. S., & Oliveira, D. C. R. (2015). Fatores sociodemográficos e ocupacionais associados à síndrome de burnout em profissionais de enfermagem. Psicologia Reflexão e Crítica, 28(4), 764-771. doi: 10.1590/1678-7153.201528414
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) sobre o burnout em profissionais de enfermagem, foram encontrados estudos que apontavam para relação positiva entre idade e os fatores do burnout, ou seja, profissionais mais velhos estariam mais vulneráveis.

Trabalhadores com maior nível educacional são retratados como mais suscetíveis ao burnout pela literatura (Holmes, Alves, Holmes, Viana, & Santos, 2014Holmes, E., Alves, J., Holmes, D., Viana, Y., & Santos, S. (2014). Síndrome de burnout em enfermeiros da Estratégia Saúde da Família. Revista de Enfermagem UFPE, 8(7), 1841-1847. doi:10.5205/reuol.5963-51246-1-RV.0807201402
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), possivelmente por estas pessoas geralmente assumirem cargos de maior importância e responsabilidade ou pelo descontentamento com o fato de o trabalho não atender às suas expectativas (Maslach et al., 2001Maslach, C., Schaufeli, W. B., & Leiter, P. L. (2001). Job burnout. Annual Review of Psychology, 52, 397-422. doi: 0066-4308/01/0201-0397$14.00
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). Estes resultados chamam atenção, já que níveis mais elevados de estresse no trabalho estão mais associados a profissionais menos qualificados (Lunau, Siegrist, Dragano, & Wahrendorf, 2015Lunau, T., Siegrist, J., Dragano, N., & Wahrendorf, M. (2015). The association between education and work stress: Does the policy context matter? Plos One, 10(3), 1-17 doi: 10.1371/journal.pone.0121573
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; Marinaccio et al., 2013Marinaccio, A., Ferrante, P., Corfiati, M., Di Tecco, C., Rondinone, B. M., Bonafede, M., Ronchetti, M., Persechino, B., & Iavicoli, S. (2013). The relevance of socio-demographic and occupational variables for the assessment of work-related stress risk. BMC Public Health, 13(1), 1-9. doi: 10.1186/1471-2458-13-1157
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).

Diante do exposto, a presente pesquisa teve por objetivo investigar a relação entre variáveis individuais, aqui representadas pelos traços de personalidade e variáveis sociodemográficas, e profissionais sobre o desfecho do burnout. Para tal, foi selecionada uma amostra composta por trabalhadores brasileiros do setor terciário da economia.

Método

A presente pesquisa faz parte de um projeto mais amplo que tem por finalidade desenvolver e buscar evidências de validade de uma nova medida para avaliação do burnout, intitulada de Inventário de Burnout no Trabalho (IBT, Damásio & Borsa, 2017) e construída para o contexto brasileiro. O método utilizado para este estudo foi o correlacional para se compreender melhor a relação entre variáveis individuais no desfecho do burnout, uma vez que a literatura carece de dados conclusivos sobre isso.

Participantes

A amostra, do tipo não probabilística, contou com 343 trabalhadores de todas as regiões do país. Com relação às características sociodemográficas, n = 259 (75,50%) dos participantes declararam ser do sexo feminino e as idades variaram dos 19 aos 63 anos (M = 35,23; DP = 9,07). Os participantes avaliados eram profissionais do terceiro setor da economia (e.g. profissionais da saúde, educação, serviços administrativos, segurança). Nesta pesquisa, foram avaliados profissionais de todas as regiões do território nacional, sendo n = 167 (48,68%) do Nordeste, n = 72 (21,00%) do Sudeste, n = 60 (17,49%) do Sul, n = 30 (8,75%) do Centro-Oeste e n = 14 (4,08%) do Norte. Quanto ao nível de escolaridade, predominaram os profissionais com Pós-Graduação (57,10%, n = 196), seguidos por Ensino Superior Completo (28,60%, n = 98), Ensino Superior Incompleto (9,90%, n = 34), Ensino Médio Completo (3,20%, n = 11) Ensino Médio Incompleto (0,9%, n = 3) Ensino Fundamental Completo (0,3%, n = 1). Com relação à renda mensal, a maioria dos profissionais possuía renda superior a 10 salários mínimos (35,32%; n = 121), seguidos por aqueles com renda entre 5 e 10 salários (34,40%; n = 118) e aqueles com renda entre 1 e 5 salários (30,28%; n = 104).

Instrumentos

Questionário sociodemográfico: foi utilizado um questionário sociodemográfico de autorrelato e estruturado para coletar os seguintes dados demográficos: sexo, idade, escolaridade, profissão, renda, horas de trabalho, horas extras trabalhadas, carga de trabalho e localidade de residência.

Inventário de Burnout no Trabalho (IBT, Damásio & Borsa, 2017): este instrumento foi elaborado a partir do modelo de três dimensões do burnout proposto por Maslach e Jackson (1981): Exaustão Emocional, Despersonalização e Baixa Realização no Trabalho. O processo de construção do IBT foi conduzido segundo proposta de Damásio e Borsa (2017) que abarca diferentes etapas incluindo a conceituação do construto (definição constitutiva e operacional), a elaboração dos itens e a análise qualitativa (avaliação por juízes e público alvo) e quantitativa dos itens (análise fatorial exploratória e confirmatória e consistência interna). O IBT é um instrumento composto por 25 itens, sendo 9 de Exaustão Emocional (e.g. “Estou me sentindo emocionalmente esgotado(a) no meu trabalho”), 8 de Despersonalização (e.g. “Não tenho conseguido ser atencioso com as pessoas as quais preciso lidar no meu trabalho”) e 8 de Baixa Realização no Trabalho (e.g. “Tenho sentido que o meu trabalho não vale a pena”). É composto por uma escala Likert de 5 pontos (1 = Discordo fortemente a 5 = Concordo fortemente). Nos estudos iniciais de validade (Damásio & Borsa, 2017Damásio, B. F., & Borsa, J. C. (2019). Manual do Inventário de Burnout no Trabalho. Manuscrito não publicado.), o instrumento apresentou carga fatorial variando de 0,64 (Baixa Realização no Trabalho) a 0,90 (Exaustão Emocional) e bons índices de ajuste para modelo de segunda ordem (χ2 = 1032,5, p < 0,001; χ2/gl = 3,79; RMSEA = 0,08; CFI = 0,97; TLI = 0,96). Quanto aos índices de confiabilidade, todas as dimensões apresentaram valores para o alpha de Chronbach adequados, variando de α = 0,90 (Baixa Realização no Trabalho) a α = 0,94 (Exaustão Emocional).

Marcadores Reduzidos de Personalidade (Hauck-Filho, Machado, Teixeira, & Bandeira, 2012Hauck-Filho, N., Machado, W., Teixeira, M. A. P., & Bandeira, D. R. (2012). Evidências de validade de marcadores reduzidos para a avaliação da personalidade no modelo dos cinco grandes fatores. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(4), 417-423. doi: 10.1590/S0102-37722012000400007
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): esse instrumento, baseado no modelo dos Cinco Grande Fatores de Personalidade é composto por 25 adjetivos divididos que complementam o enunciado “Eu sou uma pessoa...” com uma escala Likert de 5 pontos (1 = Discordo totalmente e 5 = Concordo totalmente). Os autores encontraram índices de consistência interna variando de α = 0,78 (Abertura à experiência) a α = 0,83 (Extroversão).

Procedimento de coleta dos dados

Os profissionais foram selecionados a partir dos critérios do Relatório da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (IBGE, 2007Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2007). Classificação Nacional de Atividades Econômicas. In Comissão Nacional de Classificação. Recuperado de https://cnae.ibge.gov.br/?view=estrutura.
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). Desta forma, a lista de áreas profissionais criadas para esta pesquisa compreende 16 subsetores, a saber: profissionais do comércio, turismo e lazer, educação, restaurantes, profissionais da saúde, bancos e consultoria financeira, transportes e serviços de entrega, corretagem de imóveis, assistência social, assistência técnica em geral, atendimento (pessoal, telemarketing, call-centers etc.), serviços administrativos ou jurídicos, marketing e publicidade, segurança pública ou privada, serviços relacionados ao setor de informação e serviços de arquitetura, engenharia, testes e análises técnicas. As profissões representadas por número igual ou menor a 20 indivíduos foram agrupadas em uma nova categoria chamada “Outras Profissões”. Dentre as áreas inseridas nesta categoria estão, por exemplo: atendimento (e.g. pessoal, telemarketing) e corretagem de imóveis.

Para colaborarem com o estudo, os participantes foram convidados por e-mail ou por meio de redes sociais diversas (e.g. Facebook) e solicitados a responderem e indicarem o questionário para outras pessoas (Snowball sampling, Patton, 2002Patton, M. Q. (2002). Qualitative research & evaluation methods. London: Sage Publications.). Foram informados sobre a não-obrigatoriedade da participação, sendo que quem optou por participar, respondeu ao questionário por meio de uma plataforma online. As primeiras páginas do questionário continham uma breve apresentação do projeto e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres humanos, os dados foram coletados após aprovação do Conselho de Ética em Pesquisa do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob número CAEE 62340016.0.0000.5582.

Procedimento de análise dos dados

Inicialmente, foram realizadas análises descritivas (média, frequência e porcentagem) das variáveis sociodemográficas da amostra para melhor conhecimento da mesma. Para analisar as diferenças das médias entre os fatores do burnout e as variáveis sexo e escolaridade (Profissionais até Ensino Superior Incompleto e Profissionais com Ensino Superior Completo e Pós-Graduação) foi conduzida uma MANOVA.

A partir dos escores totais das variáveis avaliadas, verificou-se que o pressuposto de normalidade da amostra não foi atendido (Kolmogorov-Smirnov, p < 0,001; Shapiro-Wilk, p < 0,001). A solução para este problema foi a utilização do procedimento de bootstrapping (Efron, 1979Efron, B. (1979). Bootstrap methods - Another look at the jackknife. The annals of statistics, 7(1), 1-26. doi: 10.1007/978-1-4612-4380-9_41
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), que visa aproximar a distribuição da amostra de uma distribuição normal. Para tal, foi adotado método de reamostragem simples, número de amostras N = 1000, nível do intervalo de confiança de 95% e tipo de intervalo de confiança corrigido e acelerado por viés (BCa). Após, foram realizadas análises de correlação bivariada de Spearman entre os traços de personalidade e os fatores de burnout, entre as variáveis sociodemográficas e os fatores do burnout e entre as variáveis laborais e os fatores do burnout. Foi utilizado o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23, para a realização de tais análises.

Para analisar melhor os resultados das relações entre as variáveis, uma modelagem por equações estruturais foi implementada. Nesta pesquisa, as variáveis profissionais e sociodemográficos foram inseridas para controlar as variáveis individuais (traços de personalidade). A modelagem por equações estruturais foi realizada por meio da versão 7.11 do software Mplus, utilizando o método de estimação Weighted Least Squares Mean and Variance Adjusted (WLSMV), o qual é útil para dados ordinais não distribuídos normalmente. Para avaliar o modelo global, foram considerados os índices de ajuste Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA), Comparative Fit Index (CFI) e Tucker-Lewis Index (TLI). Segundo a literatura, o valor do RMSEA deve ser inferior a 0,08 (com intervalo de confiança de 90% inferior a 0,10), enquanto os valores de CFI e TLI devem ser maiores que 0,95 (Brown, 2006Brown, T. A. (2006). Confirmatory factor analysis for applied research. New York: Guilford.).

Resultados

Os dados apresentados na Tabela 1 e 2 são referentes aos coeficientes de correlação bivariada de Spearman entre as variáveis analisadas. Das variáveis sociodemográficas analisadas, apenas a escolaridade apresentou relação estatisticamente significativa com as três dimensões do burnout, sendo esta relação fraca e negativa (Tabela 1). Com relação aos fatores contextuais, observou-se que renda, quantidade de horas trabalhadas semanalmente e carga de trabalho apresentaram relações estatisticamente significativa com os três fatores do burnout. Renda apresentou relação fraca e negativa com os três fatores e as horas de trabalho. Enquanto carga de trabalho apresentou maior magnitude e relação positiva com o burnout (Tabela 1). Quanto aos traços de personalidade, os coeficientes de correlação apontaram relação negativa e estatisticamente significativa entre os três fatores do burnout e os traços de Extroversão, Socialização e Conscienciosidade, e positiva e estatisticamente significativa com Neuroticismo. Vale ressaltar que Neuroticismo apresentou os coeficientes de maior magnitude. O único traço de personalidade que não apresentou relação significativa com o burnout foi a faceta Abertura à experiência (Tabela 2).

Tabela 1
Correlação de Spearman entre as variáveis sociodemográficas, contextuais e os fatores do burnout
Tabela 2
Correlação de Spearman entre os traços de personalidade e os fatores do burnout

Uma MANOVA foi realizada para avaliar a hipótese de que haveria diferenças das médias dos níveis de burnout entre os sexos e entre os níveis de escolaridade desta amostra. O teste de igualdade de covariância de Box demonstrou que os dados apresentavam homogeneidade de variância (Box M = 24,27, p = 0,185). No entanto, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os sexos [V = 0,014, F(3, 337) = 1,58, p = 0,19], nem entre os níveis de escolaridade [V = 0,004, F(3, 337) = 0,41, p = 0,74] e os fatores de burnout (Tabela 3).

Tabela 3
Comparação entre as médias dos fatores do burnout e a escolaridade

Em seguida, foi realizada uma modelagem por equações estruturais para compreender a relação entre as variáveis individuais de personalidade, os fatores sociodemográficos e contextuais sobre o burnout chegando-se a um modelo final satisfatório (χ2 = 2586,98; gl = 1476; χ2/gl = 1,75; CFI = 0,96; TLI = 0,96; RMSEA (I.C. 90%) = 0,047 [0,045, 0,051]), sugerindo que o modelo é adequado (Figura 2). Neste modelo, foi demonstrado que os traços de personalidade foram as variáveis de maior influência sobre o desfecho do burnout. Dos traços de personalidade, Neuroticismo apresentou relação estatisticamente significativa e positiva com os três fatores da síndrome (βEE = 0,60, p < 0,001; βDP = 0,48, p < 0,001; βBRT = 0,62, p < 0,001), além de ter sido a variável que apresentou maior magnitude nas relações. O traço de Abertura à experiência, também apresentou relação estatisticamente significativa e positiva com as três dimensões do burnout (βEE = 0,14, p < 0,01; βDP = 0,11, p < 0,05; βBRT = 0,13, p < 0,05). Já o traço de Socialização apresentou relação estatisticamente significativa e negativa apenas com a dimensão da Despersonalização (βDP = -0,32, p < 0,001). Com relação às variáveis de controle, inseridas no modelo para controlar os efeitos das variáveis de personalidade, apenas as variáveis profissionais apresentaram relação significativa com os fatores do burnout. A renda desempenhou relação negativa com os três fatores do burnout (βEE = -0,23, p < 0,001; βDP = -0,33, p < 0,001; βBRT = -0,25, p < 0,001), enquanto horas de trabalho (βEE = 0,20, p < 0,001; βDP = 0,27, p < 0,001; βBRT = 0,17, p < 0,001) e carga de trabalho (βEE = 0,32, p < 0,001; βDP = 0,17, p < 0,001) apresentaram relação positiva. As variáveis sexo, idade e escolaridade não apresentaram relação significativa com o burnout neste modelo (Figura 1).

Figura 1
Relação entre as variáveis profissionais (sexo, idade, escolaridade, renda, horas de trabalho, horas extras e carga de trabalho) e os traços de personalidade (Neuroticismo, Extroversão, Socialização, Conscienciosidade e Abertura à experiência) sobre o desfecho dos três fatores do burnout (Exaustão Emocional, Despersonalização e Baixa Realização no Trabalho)

Discussão

Com base nos dados analisados, observou-se que não houve diferença estatisticamente significativa entre a variável sexo e os fatores do burnout. Vale salientar que a literatura apresenta informações contraditórias quanto a esse aspecto (Heinemann & Heinemann, 2017Heineman, L. V., & Heineman, T. (2017). Burnout research: Emergence and scientific investigation of a contested diagnosis. SAGE Open, 7(1), 1-12. doi: 10.1177/2158244017697154
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). Em geral, observam-se maiores níveis de Exaustão Emocional em mulheres e de Despersonalização em homens (Bostjancic et al., 2015Bostjancic, E., Kocjan, G. Z., & Stare, J. (2015). Role of socio-demographic characteristics and working conditions in experiencing burnout. Suvremena psihologija, 18(1), 43-60.). Porém, segundo metanálise realizada por Purvanova e Muros (2010Purvanova, R., & Muros, J. (2010). Gender differences in burnout: A meta-analysis. Journal of Vocational Behavior, 77(2), 168-185. doi: 10.1016/j.jvb.2010.04.006
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), os tamanhos de efeito encontrados nas comparações entre cada um dos dois fatores centrais do burnout (Exaustão Emocional e Despersonalização) e a variável sexo foram pequenos. Muitas vezes, esta diferença de resultados, quando presente, pode ser explicada por outros motivos, como o efeito do viés cultural (Maslach et al., 2001Maslach, C., Schaufeli, W. B., & Leiter, P. L. (2001). Job burnout. Annual Review of Psychology, 52, 397-422. doi: 0066-4308/01/0201-0397$14.00
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; Purvanova & Muros, 2010Purvanova, R., & Muros, J. (2010). Gender differences in burnout: A meta-analysis. Journal of Vocational Behavior, 77(2), 168-185. doi: 10.1016/j.jvb.2010.04.006
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), condições de trabalho (Taka et al., 2016Taka, F., Nomura, K., Horie, S., Takemoto, K., Takeuchi, M., Takenoshita, S., Murakami, A., Hiraike, H., Okinaga, H., & Smith, D. R. (2016). Organizational climate with gender equity and burnout among university academics in Japan. Industrial Health, 54(6), 480-487. doi: 10.2486/indhealth.2016-0126
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) e presença ou ausência de suporte social na organização (Rivera-Torres, Araque-Padilla, & Montero-Simó, 2013Rivera-Torres, P., Araque-Padilla, R. A., & Montero-Simó, M. J. (2013). Job stress across gender: The importance of emotional and intellectual demands and social support in women. International Journal of Environmental Research and Public Health, 10, 375-389. doi: 10.3390/ijerph10010375
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).

Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas das médias dos fatores do burnout nas diferentes faixas etárias. Embora alguns autores reportem uma maior incidência do burnout em profissionais mais jovens (Bostjancic et al., 2015Bostjancic, E., Kocjan, G. Z., & Stare, J. (2015). Role of socio-demographic characteristics and working conditions in experiencing burnout. Suvremena psihologija, 18(1), 43-60.), seja pela imaturidade, falta de experiência profissional ou pouco repertório de estratégias para lidar com os estressores no trabalho (Gomez-Urquiza, Vargas, De La Fuente, Fernandez-Castillo, & Canadas-De La Fuente, 2017Gomez-Urquiza, J. L., Vargas, C., De la Fuente, E., Fernandez-Castillo, R., & Canadas-De la Fuente, G. A. (2017). Age as a risk factor for burnout syndrome in nursing professionals: A meta-analytic study. Research in Nursing & Health, 40, 99-110. doi: 10.1002/nur.21774
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), estudos apontam para a uma baixa relevância da idade como preditor do burnout (Aguayo et al., 2017Aguayo, R., Vargas, C., Cañadas, G., & De la Fuente, E. (2017). Are socio-demographic factors associated to burnout syndrome in police officers. Anales de Psicologia, 33(2), 383-392. doi: 10.6018/analesps.33.2.260391.
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). Quando o ambiente organizacional é permeado de estressores, os recursos utilizados pelos funcionários, experientes ou não, podem não ser suficientes para que eles lidem com os afetos negativos gerados pelo trabalho (Aguayo et al., 2017Aguayo, R., Vargas, C., Cañadas, G., & De la Fuente, E. (2017). Are socio-demographic factors associated to burnout syndrome in police officers. Anales de Psicologia, 33(2), 383-392. doi: 10.6018/analesps.33.2.260391.
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). É sabido que em cenários de crise econômica, há maior tendência ao adoecimento psíquico dos funcionários, seja pelo medo de demissão, aumento de sobrecarga de trabalho ou perda de benefícios (Maslach & Leiter, 2016Maslach, C., & Leiter, M. (2016). New insights into burnout and health care: Strategies for improving civility and alleviating burnout. Medical Teacher. doi: 10.1080/0142159X.2016.1248918
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). O fato de o cenário econômico brasileiro estar passando por transformações nos últimos anos talvez impeça que essa diferença seja observada, já que tais características impactam indivíduos de ambos os sexos e de todas as faixas etárias.

A variável referente ao nível de escolaridade também não apresentou relações estatisticamente significativas com os fatores do burnout. Alguns autores sugerem que profissionais mais qualificados tendem a sofrer maiores níveis de burnout, já que, frequentemente, assumem posições de maior responsabilidade e exigência (Marinaccio et al., 2013Marinaccio, A., Ferrante, P., Corfiati, M., Di Tecco, C., Rondinone, B. M., Bonafede, M., Ronchetti, M., Persechino, B., & Iavicoli, S. (2013). The relevance of socio-demographic and occupational variables for the assessment of work-related stress risk. BMC Public Health, 13(1), 1-9. doi: 10.1186/1471-2458-13-1157
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). Todavia, não há um consenso na literatura (Lunau et al., 2015Lunau, T., Siegrist, J., Dragano, N., & Wahrendorf, M. (2015). The association between education and work stress: Does the policy context matter? Plos One, 10(3), 1-17 doi: 10.1371/journal.pone.0121573
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), uma vez que outros estudos apontam que profissionais com baixa escolaridade estão mais sujeitos a piores condições de trabalho e menor bem-estar no trabalho, o que também poderia justificar níveis elevados de burnout (Kahneman & Deaton, 2010Kahneman, D., & Deaton, A. (2010). High income improves evaluation of life but not emotional well-being. PNAS, 107(38), 16489 - 16493. doi: 10.1073/pnas.1011492107
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; Shanafelt et al., 2012Shanafelt, T. D., Boone, S., Tan, L., Dyrbye, L. N., Sotile, W., Satele, D., West, C. P., Sloan, J., & Oreskovich, M. R. (2012). Burnout and satisfaction with work-life balance among US physicians relative to the general US population. Archives of Internal Medicine, 172(18), 1377-1385. doi: 10.1001/archinternmed.2012.3199
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).

Com relação às variáveis de controle, a modelagem por equações estruturais demonstrou que as variáveis profissionais apresentaram maior relação preditiva com o burnout quando comparadas às variáveis sociodemográficas. Renda, quantidade de horas trabalhadas e carga de trabalho mostraram-se variáveis mais relevantes no desfecho da síndrome que as variáveis sociodemográficas, corroborando com o que a literatura (Aguayo et al., 2017Aguayo, R., Vargas, C., Cañadas, G., & De la Fuente, E. (2017). Are socio-demographic factors associated to burnout syndrome in police officers. Anales de Psicologia, 33(2), 383-392. doi: 10.6018/analesps.33.2.260391.
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). Em contextos laborais em que a organização não prioriza o equilíbrio entre as demandas e os recursos por ela oferecidos, é praticamente inevitável que o ambiente de trabalho não seja adoecedor. Variáveis como a sobrecarga de trabalho, jornadas longas de trabalho e baixos salários são apenas alguns exemplos, avaliados na presente pesquisa, que podem desestimular o trabalho, favorecer conflitos e facilitar o processo de esgotamento dos funcionários (Hu & Schaufeli, 2011; Mchugh & Ma, 2014).

No que diz respeito aos traços de personalidade, os dados obtidos apontam para o Neuroticismo como principal fator de predição das três dimensões do burnout. O Neuroticismo está associado a indivíduos com menor energia e vitalidade, maior tendência à procrastinação e a interpretar os eventos da vida de forma negativa e pessimista (Ashton, 2013Ashton, M. C. (2013). Individual differences and personality. Ontário: Academic Press.). A alta relação entre Neuroticismo e Exaustão Emocional sugere que indivíduos com altos escores nesse traço são mais suscetíveis a sentirem-se esgotados pelas obrigações do trabalho (Swider & Zimmerman, 2010Swider, B. W., & Zimmerman, R. D. (2010). Born to burnout: A meta-analytic path model of personality, job burnout, and work outcomes. Journal of Vocational Behavior, 76(3), 487-506. doi: 10.1016/j.jvb.2010.01.003
https://doi.org/10.1016/j.jvb.2010.01.00...
; You et al., 2015You, X., Huang, J., Wang, Y., & Bao, X. (2015). Relationships between individual-level factors and burnout: A meta-analysis of chinese participants. Personality and Individual Differences, 74, 139-145. doi: 10.1016/j.paid.2014.09.048
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). Ademais, sua relação com Despersonalização tem a ver com o aspecto da instabilidade emocional, irritabilidade e impulsividade presentes em altos níveis desse traço, podendo levar a comportamentos de cinismo, agressividade e distanciamento emocional para com os pares no ambiente de trabalho e clientes (Queirós, Kaiseler, & Silva, 2013Queirós, C., Kaiseler, M., & Silva, L. A. (2013). Burnout as predictor of aggressivity among police officers. European Journal of Policing Studies, 1(2), 110-135.). Outro fato importante é a inclinação à fragilidade emocional e baixa autoestima associadas a esse traço (Ashton, 2013Ashton, M. C. (2013). Individual differences and personality. Ontário: Academic Press.) e que podem influenciar na interpretação inadequada do indivíduo sobre seu desempenho, gerando redução de sentimento de realização profissional (Bakker, Van Der Zee, Lewig, & Dollard, 2006).

É sabido que a dimensão da Exaustão Emocional exerce papel central no processo de desenvolvimento do burnout, sendo preditor das dimensões de Despersonalização e Baixa Realização no Trabalho (Maslach & Leiter, 2016Maslach, C., & Leiter, M. (2016). New insights into burnout and health care: Strategies for improving civility and alleviating burnout. Medical Teacher. doi: 10.1080/0142159X.2016.1248918
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). O fato de o Neuroticismo ter apresentado maior magnitude na relação com o fator da Exaustão é um importante dado para se pensar como uma variável de crucial importância para o desfecho da síndrome. Mesmo que outros aspectos possam estar associados, como condições inadequadas de trabalho, altos níveis de Neuroticismo estão ligados a maior propensão a subestimar seu próprio desempenho profissional e a apresentar fortes reações emocionais em situações estressantes (Bakker et al., 2006), indivíduos com altos níveis de Neuroticismo podem ter seu desgaste físico, cognitivo e emocional potencializado ou, até mesmo, acelerar o processo de esgotamento, distanciamento e redução do senso de auto eficácia, típicos do burnout.

Indivíduos com altos escores de Socialização, normalmente, tendem a ser mais cuidadosos e compreensivos, dando atenção ao bem-estar e às necessidades dos outros, além de perceberem melhor o suporte social, contribuindo para o manejo das tensões no trabalho (Huang et al., 2014Huang, J. L., Ryan, A. M., Zabel, K. L., & Palmer, A. (2014). Personality and adaptive performance at work: A meta-analytic investigation. Journal of Applied Psychology, 99(1), 162-179. doi: 10.1037/a0034285
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). Portanto, é menos provável que indivíduos com tal perfil lidem com as outras pessoas de forma fria e emocionalmente distante (You et al., 2015You, X., Huang, J., Wang, Y., & Bao, X. (2015). Relationships between individual-level factors and burnout: A meta-analysis of chinese participants. Personality and Individual Differences, 74, 139-145. doi: 10.1016/j.paid.2014.09.048
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). De tal forma, pode-se considerar uma consequência que esta característica de personalidade esteja relacionada negativamente ao fator de Despersonalização (Swider & Zimmerman, 2010Swider, B. W., & Zimmerman, R. D. (2010). Born to burnout: A meta-analytic path model of personality, job burnout, and work outcomes. Journal of Vocational Behavior, 76(3), 487-506. doi: 10.1016/j.jvb.2010.01.003
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).

Por fim, o fator de Abertura à experiência apresentou relação estatisticamente significativa, fraca e positiva com a Exaustão Emocional e Despersonalização, contrariando os achados da literatura (Swider & Zimmerman, 2010Swider, B. W., & Zimmerman, R. D. (2010). Born to burnout: A meta-analytic path model of personality, job burnout, and work outcomes. Journal of Vocational Behavior, 76(3), 487-506. doi: 10.1016/j.jvb.2010.01.003
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). Pessoas com altos índices neste traço tendem a serem mais abertas a novas ideias, discussões e a busca por soluções mais criativas dos problemas cotidianos (Ashton, 2013Ashton, M. C. (2013). Individual differences and personality. Ontário: Academic Press.). Os dados encontrados nesta pesquisa talvez possam ser indicativos de que a relação entre as organizações e os trabalhadores avaliados nesta pesquisa não contemplam soluções criativas ou, por vezes, não contribuam para a autonomia dos mesmos, fato este que está intimamente ligado ao agravamento de estressores no trabalho (Byron, Khazanchi, & Nazarian, 2010Byron, K., Khazanchi, S., & Nazarian, D. (2010). The relationship between stressors and creativity: A meta-analysis examining competing theoretical models. Journal of Applied Psychology, 95(1), 201-212. doi: 10.1037/a0017868
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).

É importante frisar que o traço de Abertura à experiência costuma apresentar relação fraca com os fatores do burnout, sugerindo que as características contextuais, como aspectos socioculturais, possam exercer influência nessa relação (Swider & Zimmerman, 2010Swider, B. W., & Zimmerman, R. D. (2010). Born to burnout: A meta-analytic path model of personality, job burnout, and work outcomes. Journal of Vocational Behavior, 76(3), 487-506. doi: 10.1016/j.jvb.2010.01.003
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). Outro viés a ser destacado é que indivíduos com altos índices de Abertura à experiência tendem a estar mais abertos a experienciarem novas possibilidades e a buscarem opções de resolução de problemas que talvez pessoas com outros perfis de personalidade tenham mais receio em executar como, por exemplo, buscarem outros locais de trabalho ou até mesmo mudarem de profissão.

Com base no exposto acima, é possível afirmar que os traços de personalidade podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento dos sintomas do burnout, atuando como preditores mais significativos que a idade, sexo e escolaridade. Especificamente, o Neuroticismo foi a característica de personalidade mais importante na predição dos fatores da síndrome e, portanto, pode ser considerado um fator de risco a ser levado em conta. Esse resultado está em consonância com os estudos que buscam compreender a relação entre os fatores de personalidade e os sintomas de burnout (Swider & Zimmerman, 2010Swider, B. W., & Zimmerman, R. D. (2010). Born to burnout: A meta-analytic path model of personality, job burnout, and work outcomes. Journal of Vocational Behavior, 76(3), 487-506. doi: 10.1016/j.jvb.2010.01.003
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; You et al., 2015You, X., Huang, J., Wang, Y., & Bao, X. (2015). Relationships between individual-level factors and burnout: A meta-analysis of chinese participants. Personality and Individual Differences, 74, 139-145. doi: 10.1016/j.paid.2014.09.048
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).

A presente pesquisa teve por objetivo analisar as relações entre os traços de personalidade, variáveis sociodemográficos e os fatores do burnout numa amostra de trabalhadores brasileiros do setor terciário. Além disso, buscou-se analisar o quanto os traços de personalidade responderiam como preditores de cada uma das três dimensões do burnout. A partir dos resultados obtidos, foi possível evidenciar a importância das características individuais sobre o burnout, sendo os traços de personalidade as variáveis preditivas que mais se destacaram no modelo testado.

Ademais, corroborou-se dados prévios da literatura que apontam para o Neuroticismo como um traço importante a ser analisado para se compreender o desgaste emocional no trabalho (Dalanhol et al., 2017Dalanhol, N. S., Freitas, C. P. P., Machado, W. L., Hutz, C. S., & Vazquez, A. C. S. (2017). Engajamento no trabalho, saúde mental e personalidade em oficiais de justiça. Psico, 48(2), 109-119. doi: 10.15448/1980-8623.2017.2.25885
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). Vale ressaltar que os dados aqui apresentados não têm por objetivo atrelar ao indivíduo a causa para o desgaste emocional oriundo do trabalho, já que é conhecido o impacto das características laborais no adoecimento psíquico do trabalhador (Maslach & Leiter, 2016Maslach, C., & Leiter, M. (2016). New insights into burnout and health care: Strategies for improving civility and alleviating burnout. Medical Teacher. doi: 10.1080/0142159X.2016.1248918
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). No entanto, é importante que se compreenda melhor o papel dos traços de personalidade no adoecimento psicológico, aqui representado pelo burnout, para se pensar em estratégias de intervenção e educação que contribuam para a promoção de qualidade de vida nas empresas. Outro aspecto a ser frisado é o da necessidade de mais pesquisas que investiguem a importância de se considerar os traços de personalidade na seleção profissional com base no perfil exigido para a vaga ou cargo (Nikolaou & Foti, 2017Nikolaou, I., & Foti, K (2017). Personnel selection and personality. In V. Zeigler-Hill, & T. K. Shackelford (Eds.), The SAGE handbook of personality and individual differences. (pp. 458 - 474). Oakland, Califórnia: SAGE Publications Ltd.). Nunca pensando com um viés segregacionista, mas em como contribuir para o melhor aproveitamento das potencialidades e talentos de cada indivíduo.

Embora os resultados tenham sido importantes para a realidade brasileira, esta pesquisa também apresentou limitações no que tange ao viés elitista da amostra, uma vez que a maior parte dos respondentes apresentavam pós-graduação e renda familiar superior a 10 salários mínimos. Para uma melhor compreensão das relações aqui apresentadas, sugere-se novas investigações focadas nas características específicas de cada grupo profissional e que considerem outros perfis sociodemográficos, incluindo participantes de outros estados e regiões do Brasil. Outro aspecto que deve ser salientado é a necessidade de realização de novas pesquisas com grupos clínicos e que possam elucidar melhor a relação do burnout com características individuais e laborais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2018
  • Revisado
    14 Jun 2019
  • Aceito
    22 Jul 2019
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