INTRODUÇÃO
A hanseníase, condição de evolução clínica crônica, é frequentemente relacionada a um desfecho desfavorável de incapacidades físicas em olhos, mãos e pés 1,2 . Para além de seu impacto físico, está ligada também a impactos de natureza psicológica e social, com forte associação com o estigma e o preconceito 2,3 . Desde a década de 1980, com a introdução da poliquimioterapia (PQT), tem ocorrido redução da prevalência e, bem mais lentamente, da detecção, mundialmente. Entretanto, ainda persistem áreas com elevada detecção de casos novos, a exemplo do Brasil, acometendo inclusive crianças3.
Por ser considerada uma doença com letalidade não significativa, o óbito relacionado à hanseníase não é comumente reconhecido como um evento clínico de relevância, tornando-se um aspecto, muitas vezes, negligenciado em termos de sua evolução 4 . A não regularidade da análise de óbito relacionado à hanseníase potencializa, na realidade, a sua ocorrência e a sua não vinculação à hanseníase. Em 2012, foram registradas 7.800 mortes associadas à hanseníase e 151 mil anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALYs) em todo o mundo 5 .
Entre 2000 e 2011, foram identificados 7.732 óbitos relacionados à hanseníase a partir do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde (MS), seja como causa básica, seja como associada (causas múltiplas). O coeficiente médio anual ajustado por idade foi de 0,43 óbito por 100 mil habitantes, com tendência de redução nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e de estabilidade nas regiões Norte e Nordeste do país 4,6 . Por sua vez, a ocorrência de casos novos de hanseníase apresentou distribuição espacial também heterogênea, atingido, de forma desigual, diferentes regiões de saúde do país, concentrando-se, principalmente, nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste 7 . Os óbitos associados à hanseníase estão ligados ao manejo e ao monitoramento de complicações, por exemplo, incapacidades físicas e deformidades pelo diagnóstico tardio e tratamento não oportuno, como também à ocorrência de eventos de agudização por episódios reacionais e eventos adversos à PQT.
No Estado da Bahia, foram notificados 2.548 novos casos de hanseníase em 2015, a maioria (66,5%) classificada como multibacilar. O coeficiente de detecção geral foi de 16,76 casos por 100 mil habitantes, considerado de alta endemicidade 7,8 . No entanto, são limitadas as evidências acerca do desfecho de mortalidade nesse Estado. A análise da carga e da distribuição espacial da mortalidade relacionada à hanseníase tem sido potencialmente útil para monitorar e avaliar a qualidade das ações de controle da doença em áreas endêmicas 9,10 . Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo analisar as tendências e os padrões espaço-temporais da mortalidade relacionada à hanseníase no Estado da Bahia, no período de 1999 a 2014.
MÉTODO
Área do estudo
A Bahia é o quarto maior Estado brasileiro por população, com uma estimativa de 15,2 milhões de habitantes em 2015, e o quinto maior em extensão, com densidade populacional de cerca de 25 habitantes/km2. A maior parte dos municípios é de pequeno porte (inferior a 100 mil habitantes), e aproximadamente 30% de sua população vive em áreas rurais. Sua capital é a cidade de Salvador, localizada na região leste do Estado 11 .
No ranking nacional de Produto Interno Bruto (PIB), o Estado da Bahia é o oitavo do país e o primeiro da região Nordeste. No entanto, com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,660 em 2014, encontra-se na faixa de desenvolvimento médio 11 . O Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM), integrando áreas de emprego, renda, educação e saúde, em 2013, incluiu os municípios baianos em um contexto socioeconômico bastante desfavorável em relação à maioria dos municípios de outros Estados brasileiros. Entre os 100 municípios com IFDM mais baixos do país, 41 foram registrados em municípios baianos 12 . Apresenta ainda intensa desigualdade social ao ocupar a quarta posição do índice de Gini (0,559) no país 13 . Neste estudo, utilizou-se como unidade de análise os 417 municípios que integram as nove regiões de saúde do Estado da Bahia ( Figura 1 ).
Desenho e população do estudo
Realizou-se um estudo ecológico de base populacional. Calcularam-se os coeficientes de mortalidade e os riscos relativos para ocorrência de óbito relacionado à hanseníase, com tendência temporal por meio de análise de Joinpoints. Foram aplicados diferentes métodos de análise espacial para identificar as áreas geográficas de alto risco para mortalidade específica.
Foram incluídos todos os óbitos ocorridos no Estado da Bahia entre 1999 e 2014, nos quais a hanseníase foi mencionada na declaração de óbito como causa básica de morte ou associada (causas múltiplas de morte) 14 .
As causas de morte relacionadas à hanseníase foram identificadas de acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde em sua décima revisão (CID-10): A30: “Hanseníase”; A30.0: “Hanseníase indeterminada”; A30.1: “Hanseníase tuberculoide”; A30.2: “Hanseníase tuberculoide borderline”; A30.3: “Hanseníase dimorfa”; A30.4: “Hanseníase lepromatosa borderline ”; A30.5: “Hanseníase lepromatosa”; A30.8: “Outras formas de hanseníase”; A30.9: “Hanseníase não especificada”; e B92: “Sequelas de hanseníase” 14 .
Fonte de dados
Os dados de mortalidade do Estado da Bahia foram obtidos a partir do Sistema Nacional de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde e disponíveis no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde 15 .
O SIM contém dados referentes a todas as declarações de óbito preenchidas por profissionais médicos. Nessa declaração, devem constar as causas básicas de morte e associadas, além de variáveis relacionadas, como: sexo, idade, raça/cor, nível educacional, estado civil, local de residência ou ocorrência de morte. Uma vez preenchida pelo médico responsável, cabe às secretarias municipais e estaduais de saúde a entrada desses dados no sistema 14 .
Os dados populacionais foram obtidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 16 , com base nos Censos Demográficos do Estado (2000 e 2010) e nas estimativas de população para os anos intercensitários (1999, 2001-2009 e 2011-2014) .
Análise de dados
Procedeu-se ao cálculo dos coeficientes brutos de mortalidade (com seus intervalos de confiança de [IC] 95%), estratificados pelas variáveis disponíveis, expressas por 100 mil habitantes. Os coeficientes padronizados por idade foram calculados pelo método direto de padronização, utilizando a população brasileira de 2010 como padrão. As categorias de idade empregadas na padronização e no cálculo dos coeficientes específicos por idade foram: 0-14, 15-29, 30-39, 40-49, 50-59, 60-69 e ≥ 70 anos.
Para determinar as diferenças entre os grupos, calculou-se o risco relativo (RR) com seus respectivos IC 95%. Utilizou-se o teste do Qui-quadrado para identificar diferenças estatisticamente significantes entre os grupos.
Para análise da tendência temporal do coeficiente de mortalidade relacionada à hanseníase, assim como a mortalidade proporcional (total de óbitos ligados à hanseníase sob o total de óbitos ocorridos por 100 mil habitantes), realizou-se a regressão por Joinpoints de Poisson (análise por pontos de inflexão), utilizando-se o Joinpoint Regression Program , versão 4.4.2). Essa técnica estatística regula o ajuste de uma série de linhas, bem como de seus pontos de inflexão, em uma escala logarítmica por meio do teste de tendências anuais 17 . Com intuito de obter a melhor linha de cada segmento, utilizou-se o método de permutação de Monte Carlo como teste da significância estatística.
A partir da definição dos seguimentos, foram calculadas a Variação Percentual Anual (Annual Percentual Change - APC) e a Variação Percentual Média Anual (Average Annual Percentual Change - AAPC), ao longo de toda a série histórica analisada (2001-2014), com seus respectivos IC 95% 17 .
Para análise dos padrões espaço-temporais dos coeficientes de mortalidade relacionada à hanseníase, utilizaram-se como unidade de análise geográfica os municípios de residência da Bahia (n = 417, divisão territorial de 2010). Foram excluídos os óbitos em que o município de residência era desconhecido.
Para reduzir as variações aleatórias e proporcionar maior estabilidade dos coeficientes de mortalidade em municípios com populações pequenas e eventos raros, calcularam-se os coeficientes de mortalidade suavizados (por 100 mil habitantes) por meio do método Bayesiano Empírico Local 18 .
Avaliou-se ainda a presença de autocorrelação local utilizando o índice de Moran local. O método baseado no uso do indicador de associação espacial local (Local Indicators of Spatial Association - LISA) possibilitou o reconhecimento de áreas de associação espacial. Os resultados expressaram os munícipios ao redor dos quais há aglomeração de valores que se assemelham. Quatro categorias foram geradas, cada uma fazendo referência a um quadrante do diagrama de dispersão de Moran. Neste estudo, o quadrante alto-alto representou clusters de elevados coeficientes de mortalidade relacionada à hanseníase; o quadrante baixo-baixo, clusters de baixos coeficientes de mortalidade; alto-baixo, municípios com alto coeficiente de mortalidade por hanseníase cercados por municípios com baixos coeficientes; e baixo-alto, municípios com baixo coeficiente cercado por municípios com altos coeficientes de mortalidade por hanseníase 19 . Os mapas foram utilizados considerando municípios com diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05).
Para a análise de dependência espacial, foram utilizados os índices G e Gi* (Gi star) de Getis-Ord, que determinam um escore conhecido como Z e o respectivo valor P, o qual revela a aglomeração espacial de valores com significância estatística. As análises partiram do princípio de que um valor alto do escore Z e um pequeno valor p de um parâmetro indicavam uma aglomeração espacial de valores elevados, enquanto um baixo escore Z negativo e um pequeno valor p, um agrupamento espacial de valores baixos 20 . Esses índices identificaram a presença de agregados de altos valores ou de baixos valores dentro do agregado de municípios.
Essa ferramenta verificou cada característica dentro do contexto de características vizinhas. Para ser um ponto crítico estatisticamente significativo, um município deve ter um valor alto e estar rodeado por outros recursos com valores também altos. A soma local para uma característica e seus vizinhos foi comparada proporcionalmente à soma de todas as características. Quando a soma local foi muito diferente da esperada, e essa diferença foi muito grande para ser o resultado de uma chance aleatória, obtinha-se uma pontuação Z estatisticamente significativa 20 .
As análises estatísticas foram realizadas utilizando o software Stata, versão 11.2 (StataCorp LP, College Station, TX, USA). O software ArcGIS, versão 9.3 (Environmental Systems Research Institute – ESRI, Redlands, CA, USA), e o software TerraView, versão 4.2.2 (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, São José dos Campos, SP, Brasil), foram empregados, respectivamente, para o cálculo de indicadores de autocorrelação e a construção de mapas temáticos.
Considerações éticas
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil (CAAE 19258214.2.0000.5054; parecer número 544.962, de 28 de fevereiro de 2014). A análise foi baseada exclusivamente em dados anônimos de natureza secundária, disponíveis publicamente, sem possibilidade de identificação dos indivíduos.
RESULTADOS
Nos 16 anos do estudo, foram registrados o total de 1.152.262 óbitos. A hanseníase foi identificada em 481 declarações de óbito (mortalidade proporcional: 0,04%; IC95%: 0,00-0,05), das quais 188 (39,1%) como causa básica de óbito e 293 (60,9%) como causa associada. O número médio anual de mortes relacionadas à hanseníase foi de 30 óbitos por ano (IC 95%: 23,4-36,7).
A causa de morte na CID-10 mais frequente relacionada à hanseníase foi a “hanseníase não especificada” (A30.9), tanto como causa básica quanto associada (88,8% dos óbitos, ou 167/188; e 87%, ou 255/293, respectivamente). Entre as causas específicas (A30.0 a A30.5), a hanseníase virchowiana (A30.5) foi mais comumente mencionada (1,6%, ou 3/188, como causa básica; e 4,1%, ou 12/293, como associada). Sequelas de hanseníase (B92) foram identificadas em 5,9% (11/188) como causa básica de morte e em 6,8% (20/293) como causa associada ( Tabela 1 ).
Tabela 1 Distribuição de óbitos relacionados à hanseníase, segundo códigos da CID-10, no Estado da Bahia, Brasil, 1999-2014
Códigos CID-10 | Causa básica | Causa associada |
Causa múltipla (básica + associada) |
|||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | |
Hanseníase indeterminada (A30.0) | 1 | 0,5 | 4 | 1,4 | 5 | 1,0 |
Hanseníase tuberculoide (A30.1) | 1 | 0,5 | 0 | 0,0 | 1 | 0,2 |
Hanseníase tuberculoide borderline (A30.2) | 1 | 0,5 | 1 | 0,3 | 2 | 0,4 |
Hanseníase dimorfa (A30.3) | 2 | 1,1 | 0 | 0,0 | 2 | 0,4 |
Hanseníase lepromatosa borderline (A30.4) | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 |
Hanseníase lepromatosa (A30.5) | 3 | 1,6 | 12 | 4,1 | 15 | 3,1 |
Outras formas de hanseníase (A30.8) | 2 | 1,1 | 1 | 0,3 | 3 | 0,6 |
Hanseníase não especificada (A30.9) | 167 | 88,8 | 255 | 87,0 | 422 | 87,7 |
Sequelas de hanseníase (B92) | 11 | 5,9 | 20 | 6,8 | 31 | 6,4 |
Todos | 188 | 100,0 | 293 | 100,0 | 481 | 100,0 |
CID-10: Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (10ª revisão)
O coeficiente médio de mortalidade relacionada à hanseníase foi de 0,21 óbito/100 mil habitantes (IC 95%: 0,13-0,29). O risco relativo foi maior no sexo masculino (RR: 2,38; IC 95%: 1,09-5,20), faixa etária ≥ 70 anos (RR: 74,79; IC 95%: 9,57-582,20) e residência na região oeste do Estado (RR: 4,08; IC 95%: 2,33-7,15). Embora não tenha verificado maior risco relativo estatisticamente significante, o coeficiente de mortalidade foi maior em pessoas que eram separadas, de raça/cor preta e residentes no interior do Estado ( Tabela 2 ).
Tabela 2 Coeficientes brutos de mortalidade (por 100 mil habitantes) de hanseníase estratificados por sexo, faixa etária, raça/cor e região de residência no Estado da Bahia, Brasil, 1999-2014
Variáveis | Óbitos | Coeficiente de mortalidade brutoa | RR | IC 95% - RR | P-valor | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | Coeficiente | IC 95% | ||||
Óbitos totais | 481 | 100 | 0,21 | 0,13-0,29 | - | - | - |
Sexo/gênero | |||||||
Masculino | 330 | 68,61 | 0,30 | 0,19-0,46 | 2,38 | 1,09-5,20 | 0,024 |
Feminino | 151 | 31,39 | 0,13 | 0,06-0,24 | Ref | - | - |
Grupo etário (anos) | |||||||
< 15 | 3 | 0,62 | <0,00 | 10,0-0,09 | Ref | - | - |
15-29 | 29 | 6,03 | 0,05 | 0,01-0,17 | 2,01 | 0,18-22,20 | 0,559 |
30-39 | 56 | 11,64 | 0,18 | 0,06-0,49 | 8,72 | 0,97-78,04 | 0,019 |
40-49 | 58 | 12,06 | 0,25 | 0,09-0,66 | 11,59 | 1,29-103,71 | 0,005 |
50-59 | 88 | 18,3 | 0,56 | 0,24-1,25 | 25,72 | 3,09-213,67 | <0,001 |
60-69 | 88 | 18,3 | 0,85 | 0,37-1,91 | 39,16 | 4,71-325,27 | <0,001 |
≥ 70 | 159 | 33,05 | 1,76 | 0,95-3,24 | 74,79 | 9,57-582,20 | <0,001 |
Estado civilb | |||||||
Casado | 143 | 29,73 | 0,29 | 0,15-0,54 | 0,32 | 0,04-2,58 | 0,264 |
Separado | 15 | 3,12 | 0,83 | 0,13-4,91 | Ref | - | - |
Solteiro | 178 | 37 | 0,15 | 0,08-0,27 | 0,17 | 0,02-1,33 | 0,055 |
Viúvo | 53 | 11,02 | 0,75 | 0,26-2,09 | 0,76 | 0,07-7,36 | 0,817 |
Raça/corb | |||||||
Branca | 66 | 13,72 | 0,13 | 0,05-0,34 | Ref | - | - |
Preta | 72 | 14,97 | 0,23 | 0,09-0,55 | 1,92 | 0,51-7,17 | 0,319 |
Parda | 256 | 53,22 | 0,21 | 0,12-0,33 | 1,58 | 0,52-4,73 | 0,407 |
Residência na capitalb | |||||||
Sim | 77 | 16 | 0,17 | 0,07-0,41 | Ref | - | - |
Não | 403 | 84 | 0,22 | 0,15-0,32 | 1,21 | 0,46-3,16 | 0,694 |
Região de residênciab | |||||||
Norte | 53 | 11 | 0,33 | 0,11-0,94 | 2,5 | 0,26-24,07 | 0,410 |
Nordeste | 15 | 3 | 0,11 | 0,01-0,67 | Ref | - | - |
Sul | 38 | 8 | 0,13 | 0,04-0,46 | 0,96 | 0,08-10,66 | 0,978 |
Sudoeste | 45 | 9 | 0,15 | 0,05-0,47 | 1,36 | 0,14-13,08 | 0,788 |
Leste | 101 | 21 | 0,14 | 0,06-0,31 | 1,14 | 0,13-9,50 | 0,900 |
Centro-leste | 51 | 11 | 0,16 | 0,05-0,44 | 1,21 | 0,12-11,70 | 0,864 |
Oeste | 66 | 14 | 0,47 | 0,18-1,17 | 4,08 | 2,33-7,15 | <0,001 |
Extremo-sul | 85 | 18 | 0,69 | 0,30-1,57 | 5,35 | 0,62-45,81 | 0,085 |
Centro-norte | 26 | 5 | 0,21 | 0,05-0,90 | 2,21 | 0,20-24,43 | 0,504 |
IC: intervalos de confiança; RR: risco relativo;
a Coeficiente anual média bruto (por 100 mil habitantes), calculado com base no número médio de mortes relacionadas à hanseníase no numerador, e tamanho populacional no centro do período estudado como denominador. Os dados populacionais sobre raça/cor foram obtidos a partir dos Censos Nacionais Brasileiros (2000 e 2010). O tamanho da população em relação à raça/cor para o meio do período foi derivado das estimativas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD);
b Dados não disponíveis em todos os casos (Estado civil: 2; Raça/cor: 87; Residência na capital: 1; e Região de residência: 1)
Tendência temporal
O coeficiente bruto de mortalidade relacionada à hanseníase apresentou aumento significativo da tendência temporal (AAPC 7,3; IC 95%: 4,5 a 10,3) durante o período do estudo. Houve crescimento entre os homens (AAPC 10,4; IC 95%: 6,3 a 14,7) e estabilidade entre as mulheres. O mesmo se observou na maioria das faixas etárias até 2012, seguindo de redução significativa até o final do período. A redução foi mais acentuada entre a faixa etária ≥ 70 anos. Verificou-se incremento mais acentuado entre brancos (AAPC 11,2; IC 95%: 4,7 a 18,1) e pardos (AAPC 7,9; IC 95%: 3,2 a 12,7), com manutenção do valor entre os negros. Apenas a região centro-norte registrou tendência de crescimento na série completa (AAPC 6,7; IC 95%: 0,2 a 13,5); nas demais, verificou-se redução, de forma mais acentuada na região oeste (AAPC -23,5; IC 95%: -37,1 a -6,9) ( Tabela 3 ).
Tabela 3 Análise de regressão por Joinpoint dos coeficientes brutos de mortalidade relacionada à hanseníase no Estado da Bahia, Brasil, 1999-2014
Indicador/ Variáveis |
Tendência 1 | Tendência 2 | Período total | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Período | APC | IC 95% | Período | APC | IC 95% | AAPC | IC 95% | |
Bahia - Total | 1999-2014 | 7,3 * | 4,5 a 10,3 | - | - | - | 7,3 * | 4,5 a 10,3 |
Sexo/gênero | ||||||||
Masculino | 1999-2014 | 10,4* | 6,3 a 14,7 | - | - | - | 10,4 * | 6,3 a 14,7 |
Feminino | 1999-2014 | 4,6 | -0,4 a 9,9 | - | - | - | 4,6 | -0,4 a 9,9 |
Grupo etário (anos) | ||||||||
< 15 | - | - | - | - | - | - | - | - |
15-29 | 1999-2012 | -4,0 | -12,3 a 5,0 | 2012-2014 | -90,5 * | -98,3 a -47,5 | -4 | -12,3 a 5,0 |
30-39 | 1999-2012 | 10,1 * | 1,5 a 19,5 | 2012-2014 | -90,2 * | -97,5 a -53,7 | -20,3 * | -34,4 a -3,1 |
40-49 | 1999-2014 | 3,6 | -2,4 a 10,0 | 3,6 | -2,4 a 10,0 | |||
50-59 | 1999-2012 | 13,1 * | 2,9 a 24,3 | 2012-2014 | -92,3 * | -98,7 a -52,9 | -20,9 * | -36,9 a -0,8 |
60-69 | 1999-2012 | 11,6 * | 4,1 a 19,7 | 2012-2014 | -89,1 * | -97,1 a -58,5 | -18,1 * | -30,8 a -3,2 |
≥ 70 | 1999-2012 | 6,3 | -0,5 a 13,7 | 2012-2014 | -91,3 * | -97,6 a -68,6 | -23,8 * | -35,1 a -10,5 |
Raça/cor | ||||||||
Branca | 1999-2014 | 11,2 * | 4,7 a 18,1 | 11,2 * | 4,7 a 18,1 | |||
Preta | 1999-2014 | 4,4 | -1,4 a 10,6 | 4,4 | -1,4 a 10,6 | |||
Parda | 1999-2014 | 7,9 * | 3,2 a 12,7 | 7,9 * | 3,2 a 12,7 | |||
Região de residência | ||||||||
Norte | 1999-2014 | 4,6 | -1,8 a 11,3 | 4,6 | -1,8 a 11,3 | |||
Nordeste | 1999-2012 | -0,6 | -4,9 a 4,0 | 2012-2014 | -81,0 * | -92,0 a -55,2 | -20,3 | -28,4 a -11,2 |
Sul | 1999-2009 | 22,7 * | 2,9 a 46,4 | 2009-2014 | -64,7 * | -78,7 a -41,5 | -19 | -32,6 a -2,7 |
Sudoeste | 1999-2014 | 4,3 | -5,2 a 14,7 | 4,3 | -5,2 a 14,7 | |||
Leste | 1999-2012 | 5,5 | -0,6 a 11,8 | 2012-2014 | -87,7 * | -96,0 a -62,3 | -20,8 * | -31,2 a -8,9 |
Centro-leste | 1999-2012 | 9,8 | -0,7 a 21,3 | 2012-2014 | -90,3 * | -98,6 a -35,1 | -20,6 | -37,5 a 0,8 |
Oeste | 1999-2012 | 3,0 | -5,1 a 11,8 | 2012-2014 | -88,9 * | -97,7 a -47,0 | -23,5 * | -37,1 a -6,9 |
Extremo-sul | 1999-2014 | 6,1 | -4,4 a 17,9 | 6,1 | -4,4 a 17,9 | |||
Centro-norte | 1999-2014 | 6,7 * | 0,2 a 13,5 | 6,7 * | 0,2 a 13,5 |
APC: mudança percentual média; AAPC: mudança percentual média anual; IC 95%: intervalo de confiança de 95%;
*Significativamente diferente de 0 (p < 0,05)
A tendência de mortalidade proporcional caracterizou-se pelo incremento significativo (AAPC 5,3; IC 95%: 2,2 a 8,3). Entre os homens (AAPC 6,6; IC95%: 2,7 a 10,6), a tendência foi de aumento, e nas mulheres, de manutenção. Constatou-se tendência geral de manutenção em todas as faixas etárias, com exceção da faixa de 60-69 anos (AAPC 11,5; IC 95%: 5,9 a 17,5). A raça/cor branca evidenciou incremento em todo o período (AAPC 7,7; IC 95%: 1,5 a 14,3). A região extremo-sul mostrou tendência de crescimento mais significativa (AAPC 10,3; IC 95%: 3,4 a 17,6), enquanto a região sul foi a única que registrou tendência de queda (AAPC -3,5; IC 95%: -17,0 a 12,1) ( Tabela 4 ).
Tabela 4 Análise de regressão por Joinpoint da mortalidade proporcional relacionada à hanseníase no Estado da Bahia, Brasil,1999-2014
Indicador / variáveis | Tendência 1 | Tendência 2 | Período total | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Período | APC | IC 95% | Período | APC | IC 95% | AAPC | IC 95% | |
Bahia - Total | 1999-2014 | 5,3 * | 2,2 a 8,3 | 5,3 * | 2,2 a 8,3 | |||
Sexo/gênero | ||||||||
Masculino | 1999-2014 | 6,6 * | 2,7 a 10,6 | 6,6 * | 2,7 a 10,6 | |||
Feminino | 1999-2014 | 2,6 | -1,6 a 7,1 | 2,6 | -1,6 a 7,1 | |||
Grupo etário (anos) | ||||||||
< 15 | - | - | - | - | - | - | - | - |
15-29 | 1999-2014 | -6,3 | -12,2 a 0,1 | -6,3 | -12,2 a 0,1 | |||
30-39 | 1999-2014 | 5,5 | -0,8 a 12,3 | 5,5 | -0,8 a 12,3 | |||
40-49 | 1999-2014 | 2,0 | -5,2 a 9,9 | 2,0 | -5,2 a 9,9 | |||
50-59 | 1999-2014 | 4,7 | -0,8 a 10,4 | 4,7 | -0,8 a 10,4 | |||
60-69 | 1999-2014 | 11,5 * | 5,9 a 17,5 | 11,5 * | 5,9 a 17,5 | |||
≥ 70 | 1999-2014 | 1,4 | -2,0 a 4,9 | 1,4 | -2,0 a 4,9 | |||
Raça/cor | ||||||||
Branca (caucasiana) | 1999-2014 | 7,7 * | 1,5 a 14,3 | 7,7 * | 1,5 a 14,3 | |||
Preta (afro-brasileira/afrodescendente) | 1999-2014 | 0,7 | -5,1 a 6,9 | 0,7 | -5,1 a 6,9 | |||
Parda (raça mista /pardo-brasileira) | 1999-2014 | 2,0 | -2,4 a 6,5 | 2,0 | -2,4 a 6,5 | |||
Região de residência | ||||||||
Norte | 1999-2014 | 2,7 | -3,7 a 9,6 | 2,7 | -3,7 a 9,6 | |||
Nordeste | 1999-2012 | -2,1 | -6,3 a 2,2 | 2012-2014 | 81,4 | -20,5 a 314,3 | 6,3 | -4,2 a 17,9 |
Sul | 1999-2008 | 15,8 | -3 a 38,3 | 2008-2016 | -26,7 | -47,2 a 1,7 | -3,5 | -17 a 12,1 |
Sudoeste | 1999-2014 | 7,1 * | 0,2 a 14,4 | 7,1 * | 0,2 a 14,4 | |||
Leste | 1999-2014 | 5,2 * | 1,1 a 9,5 | 5,2 * | 1,1 a 9,5 | |||
Centro-leste | 1999-2014 | 7,0 | -0,6 a 15,1 | 7,0 | -0,6 a 15,1 | |||
Oeste | 1999-2014 | 2,2 | -3,4 a 8,1 | 2,2 | -3,4 a 8,1 | |||
Extremo-sul | 1999-2014 | 10,3 * | 3,4 a 17,6 | 10,3 * | 3,4 a 17,6 | |||
Centro-norte | 1999-2014 | 4,5 | -1,9 a 11,3 | 4,5 | -1,9 a 11,3 |
APC: mudança percentual média; AAPC: mudança percentual média anual; IC 95%: intervalo de confiança de 95%;
*Significativamente diferente de 0 (p < 0,05)
Distribuição espacial e clusters de alto risco
No período, 36,4% (152/417) dos municípios da Bahia registraram pelo menos um óbito relacionado à hanseníase. As Figuras 2 A e 2 B revelam a distribuição espacial dos coeficientes médios brutos e suavizados, respectivamente. Os coeficientes anuais médios de mortalidade entre municípios variaram de 0,0 a 2,23 óbitos/100 mil habitantes, enquanto os coeficientes de mortalidade suavizados, de 0,0 a 1,32 óbito/100 mil habitantes. Foram identificados municípios com altos coeficientes de mortalidade relacionada à hanseníase (>1,0 óbito/100 mil habitantes) em todas as regiões da Bahia, com concentração, principalmente, nas regiões extremo-sul e oeste. O método Bayesiano gerou coeficientes de mortalidade corrigidos mais estáveis ( Figura 2 B).

Figura 2 Distribuição de óbitos relacionados à hanseníase, segundo códigos da CID-10 no Estado da Bahia, Brasil, 1999-2014. (A) Mapas dos coeficientes bruto de mortalidade por 100.000 habitantes; (B) Mapas dos coeficientes suavizados de mortalidade por 100.000 habitantes; (C) Mapas por Getis-Ord GI (Desvio Padrão); (D) Mapas Moran Map (LISA)
Para todos os óbitos relacionados à hanseníase, o índice de Moran I global apresentou autocorrelação espacial positiva significativa nos quatro períodos de tempo: 1999-2002 (0,021; p = 0,053), 2003-2006 (0,062; p < 0,001), 2007-2010, p < 0,001) e 2011-2014 (0,069; p < 0,001), evidenciando a existência de dependência espacial entre os coeficientes dos municípios com padrões semelhantes. A Figura 2 C apresenta os clusters de municípios identificados de acordo com a análise LISA para os coeficientes de mortalidade nos quatro períodos de tempo. Ao longo de todos os períodos, identificaram-se áreas com municípios com elevados coeficientes de mortalidade situados nas regiões extremo-sul, norte e oeste do Estado.
A análise de hotspots (Getis-Ord Gi*) dos coeficientes de mortalidade relacionada à hanseníase não apresentou significância estatística de aglomerado espacial em todos os períodos de tempo: 1999-2002 (0,054; p = 0,476), 2003-2006 (0,056; p = 0,408), 2007-2010 (0,054; p = 0,268) e 2011-2014 (0,061; p = 0,476). Foram mantidas nas regiões extremo-sul, oeste e norte áreas potenciais de risco ( Figura 2 D).
DISCUSSÃO
O estudo demonstra que a ocorrência de mortes relacionadas à hanseníase no Estado da Bahia representa um problema de saúde pública relevante nessa série histórica de 16 anos. Os maiores riscos de ocorrência estiveram associados a homens, idosos e residentes no interior do Estado, principalmente na região oeste da Bahia. A tendência geral foi de crescimento, porém com diferentes padrões entre as regiões de saúde. As áreas de maior risco localizavam-se em espaços com elevada endemicidade, formando aglomerados, principalmente, nas regiões extremo-sul e oeste do Estado.
A alta mortalidade relacionada à hanseníase entre os homens pode refletir padrões de adoecimento, de cuidado e de atenção à saúde diferenciados na perspectiva de gênero 21 . Em estudo realizado no Estado da Bahia, também foi identificado risco associado ao homem para a ocorrência de casos novos com grau de incapacidade física 2 no momento do diagnóstico 22 . Ademais, os indicadores operacionais desse Estado revelaram pior desempenho quando a pessoa acometida pela hanseníase era do sexo masculino. Entre os homens, por exemplo, a proporção de cura foi menor, porém maior a proporção de abandono e de notificações de recidiva 23 . Outro estudo de base populacional nacional, que incluiu todos os óbitos ocorridos no Brasil de 2000 a 2011, revelou maior risco para desfecho de óbito no sexo masculino 6 . Da mesma forma, estudo realizado no Estado de Mato Grosso confirmou essa tendência 24 .
As desigualdades de gênero devem ser compreendidas como um dos elementos centrais para abordagem no campo da saúde coletiva, desdobrando-se em reflexões nos espaços políticos e de atenção à saúde. Estudo realizado sobre concepção de gênero com profissionais de saúde da atenção primária indicou que os serviços são percebidos como espaços feminizados, o que se traduz no seu dia a dia por um reforço à ideia do corpo masculino como lócus do não cuidado, em oposição ao corpo feminino visto como lócus desse cuidado 21 .
Como esses espaços são prioritários para o desenvolvimento das ações de prevenção e controle da hanseníase, estratégias devem ser refletidas para superar as barreiras culturais e institucionais, com foco na maior inclusão da população masculina nos serviços de saúde 25 . Portanto, as questões de desigualdade de gênero em saúde devem também ser consideradas nas discussões referentes à mortalidade relacionada à hanseníase.
Da mesma forma que entre os homens, os idosos apresentaram risco acrescido de óbito, corroborando os dados referentes ao Brasil e a outros estudos realizados dessa natureza 4,6,26 . O Ministério da Saúde do Brasil publicou em 2016 uma nota informativa recomendando estratégias específicas na atenção básica, diante do elevado número de casos de hanseníase com diagnóstico tardio entre os idosos 27 . Essa decisão embasou-se em estudo brasileiro que contextualizou dados nacionais e locais de maior frequência de formas multibacilares de hanseníase em homens, a partir dos 20 anos, e o aumento da detecção em maiores de 60 anos, com fatores fisiológicos relacionados à proteção hormonal na mulher e à imunossenescência do idoso 28 . Essa condição é relatada como uma desregulação imunológica do envelhecimento, o que contribui para o aumento da susceptibilidade a doenças infecciosas e degenerativas, tendo como exemplo a baixa resposta vacinal 29,30 . Nessa perspectiva, o cenário nacional é indicativo de maior ocorrência de casos mais graves e óbitos nessa faixa etária. Associado ao risco acrescido de óbito identificado neste estudo, esse fato reafirma a importância de se verificarem fatores além dos aspectos biológicos, característicos do envelhecimento e de outras comorbidades 31,32 . O processo de envelhecimento e a associação de hanseníase com doenças crônicas não transmissíveis trazem a necessidade de se estabelecer longitudinalmente a atenção na perspectiva da integralidade 22,23 . O aumento da expectativa de vida reafirma a importância de políticas de saúde que priorizam essa população.
Em outro estudo, alguns dos fatores de risco associados ao óbito na população idosa incluíram dificuldade de locomoção, idade avançada e gênero masculino 33 . Considerando que a hanseníase tem alto potencial de causar incapacidades físicas 34 , o fator locomoção poderá tomar proporção ainda maior entre os idosos ao se avaliar o deslocamento até os serviços de saúde. Torna-se fundamental o desenvolvimento de medidas que ampliem acesso à informação, cuidado e atenção à saúde em uma perspectiva de reduzir as chances de desfechos fatais antecipados.
A maior ocorrência de óbitos por hanseníase no interior do Estado mantém o mesmo padrão epidemiológico do que foi observado para os casos novos da doença registrados no Estado da Bahia 22 , assim como em outros estudos realizados no Brasil 35 . Esse aspecto remete à importância de considerar o planejamento e a organização das ações em redes de atenção à saúde voltadas às condições crônicas em geral e às infecciosas, como a hanseníase 3,4,22,23 . Destaca-se que mais de 90% dos municípios baianos são considerados de pequeno porte (menos de 100 mil habitantes), e, em torno de 50% deles, sua população é menor que 15 mil habitantes 11 . Especificamente na região oeste do Estado, estão presentes municípios com essas características demográficas. Alguns compõem importante cluster de detecção de casos novos de hanseníase identificados em estudo de âmbito nacional. Esses municípios baianos, associados a municípios vizinhos dos Estados do Tocantins e do Piauí, formam um importante cluster com possibilidade de transmissão de hanseníase, com risco de 2,6 a 3,5 vezes maior em comparação com outras áreas do país 36 .
Outro possível fator associado ao maior risco de óbito na região oeste da Bahia é a existência de aglomerados espaciais de municípios com desempenho inadequado no desenvolvimento das ações de controle, a exemplo da baixa proporção de cura de casos novos e da elevada proporção de diagnóstico tardio 23 . Estudos adicionais nessa região são fundamentais para identificar possíveis barreiras de acesso às ações de prevenção e de controle da hanseníase, incluindo medidas eficazes para redução das probabilidades de morte.
Ressalta-se a baixa qualidade na investigação clínica dos óbitos, pelo fato de a grande maioria de seus registros de óbito identificados referir-se à hanseníase inespecífica. Questões, como longitudinalidade do cuidado, não reconhecimento das formas clínicas da doença, falta de informação pelos familiares, falhas na rede de atenção de referência e contrarreferência, entre outras, podem contribuir com esse cenário 4,22,23 .
No Estado da Bahia, verificou-se uma tendência de incremento contrária ao coeficiente de mortalidade observado no Brasil 6 , inclusive ao declínio dos coeficientes de casos novos nesse Estado 7 . Em outro estudo realizado no Estado, constatou-se que a tendência de incremento de indicadores operacionais remetem ao diagnóstico tardio 22 . Portanto, torna-se importante discutir em que medida a tendência de crescimento de desfechos desfavoráveis (incapacidade e morte) está vinculada ao acesso e à qualidade da assistência prestada nesses municípios.
Casos acompanhados em um serviço de referência na cidade de Salvador (capital da Bahia) percorreram um longo itinerário terapêutico até a realização do diagnóstico. Entre os fatores que contribuíram para o diagnóstico tardio, foram identificados: falta de capacitação dos profissionais de saúde nos serviços de saúde para diagnosticar precocemente a enfermidade, estigma e preconceito que favorecem o silêncio em torno da doença, além da automedicação 37 . Nesse contexto, o estigma desempenha um papel importante na vida das pessoas acometidas e de suas famílias, ao ser motivo de exclusão e de rejeição social 38 , podendo, inclusive, interferir na busca de serviços de saúde e adesão ao tratamento.
A tendência da mortalidade proporcional manteve-se e até aumentou em algumas regiões, com maior incremento na região extremo-sul, a qual é, historicamente, reconhecida por sua elevada endemicidade, inclusive para casos novos em crianças 39 . Agregando a análise de tendência temporal com diferentes ferramentas de análise espacial, identificou-se grande número de municípios com ocorrência de óbito por hanseníase ao longo do tempo, seguindo padrão heterogêneo característico do comportamento espacial da detecção desse agravo 40 . Da mesma forma, foi verificada a formação de clusters espaciais e espaço-temporais de elevado risco para a mortalidade, confirmando maior gravidade nas regiões extremo-sul, oeste e norte do Estado.
A distribuição de áreas com alta ocorrência de casos de óbito na Bahia pode ser explicada por fatores sociais e históricos associados à manutenção das desigualdades sociais 6,41,42 . No Brasil, estudo de base nacional mostrou que a distribuição da hanseníase está relacionada a municípios com indicadores socioeconômicos baixos, alta urbanização e desigualdade social, localizados, principalmente, nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste 6,43 . Outro estudo verificou que a ampliação da cobertura do Programa Bolsa Família (transferência de renda) impactou significativamente na redução da hanseníase 44 . Nesse sentido, o desenvolvimento social e humano reduz situações de iniquidade social e torna-se estratégia fundamental para controle da hanseníase e de outras doenças tropicais negligenciadas 45,46 .
Do ponto de vista operacional, torna-se relevante o desenvolvimento de pesquisas de âmbito municipal com vistas a reconhecer barreiras de acesso e fragilidades dos serviços de saúde, sobretudo na atenção básica e nos serviços de referência (municipais e estadual), na oferta de ações que promovam diagnóstico e tratamento oportuno e seguimento dos casos. A atenção integral à saúde também deve incluir os casos de hanseníase e suas famílias mesmo após a alta da PQT, com vistas a diagnosticar e tratar oportunamente episódios de reações hansênicas e complicações graves, prevenindo a ocorrência de óbitos relacionados à hanseníase 47-49 .
O uso da base de dados secundários de mortalidade pode levar a possíveis limitações deste estudo. Questões, como inconsistências e não completitude, podem ter subdimensionado os achados aqui descritos. É importante considerar a subnotificação de causas de óbitos, a exemplo de proporção de óbitos por causas mal definidas. Pode ter havido desempenho diferencial das regiões de saúde do Estado da Bahia na cobertura, no registro e na investigação dos óbitos, o que teria também gerado subdimensionamento do problema, em especial nas áreas mais pobres do Estado. Outra limitação, relacionada à utilização de coeficientes brutos de mortalidade na análise espacial, é a sua instabilidade na expressão do risco de um evento raro ou quando a população do local é pequena. Para reduzir essa limitação, foram utilizados coeficientes suavizados calculados pelo método Bayesiano de estimação local. Importante considerar que, a despeito dessas eventuais limitações, trata-se de uma base de dados de amplitude estadual integrando toda a série histórica disponível para a CID-10 de 16 anos, o que garante representatividade do estudo. A análise fundamentada em causas múltiplas de morte buscou ampliar a sensibilidade da captação dos óbitos e aumentar ainda mais o potencial do estudo.
O óbito por hanseníase representa um evento significativo e negligenciado na Bahia, com padrão desigual de ocorrência. Sobretudo, as regiões oeste e extremo-sul necessitam ser priorizadas, por serem áreas mais vulneráveis de alto risco para a mortalidade. O fato de acometer mais homens revela o caráter social do adoecimento e da morte, neste caso possivelmente influenciada por questões de gênero. Da mesma forma, a população idosa necessita de estratégias específicas para qualificar o acesso e o cuidado prestados.
A hanseníase é uma doença passível de diagnóstico e tratamento custo-efetivo, com possíveis complicações preveníveis, priorizando-se o acompanhamento longitudinal de casos, famílias e comunidades em especial, pelas equipes da atenção básica à saúde. No entanto, a tendência de crescimento dos coeficientes de mortalidade, assim como da mortalidade proporcional por hanseníase, revela vulnerabilidades institucionais e programáticas nesse Estado.
Além de subsidiar a discussão e levantar perguntas de pesquisa relativas à associação da imunossenescência e à ocorrência do grupo multibacilar e de complicações da hanseníase no sexo masculino, o estudo também sinaliza a necessidade de utilização dos indicadores de mortalidade como forma de monitorar a endemia, principalmente em relação às possíveis complicações advindas da terapêutica instituída para o tratamento específico, bem como o tratamento das reações hansênicas, de comorbidades prevalentes, como diabetes e hipertensão arterial, e complicações crônicas relacionadas à própria doença.