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Novos Tempos, Novas Agendas pela Cidadania Ambiental

Depois de quatro anos de muitos retrocessos, desmontes, violência e estupidez, 2023 começou com novos ares, trazidos pela posse do presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva e sua equipe. Diferente das últimas gestões do PT no governo federal, desta vez, a temática ambiental foi colocada de forma mais presente, central e transversal. Isso começou já na COP 27, que ocorreu em dezembro de 2022, onde as então deputadas federais eleitas Marina Silva e Sônia Guajajara participaram, junto com presidente eleito Lula, de conversas, reuniões e declarações que indicavam os novos rumos para a presença do Estado brasileiro nos fóruns e na agenda das mudanças climáticas globais (G1 MUNDO, 2022). A nova gestão apontou que a emergência climática seria chave nas ações do Brasil nos próximos 4 anos e permearia as práticas de governo para além do Ministério de Meio Ambiente. E que seria central na agenda de transformação do Brasil como liderança na transição para uma economia de baixo carbono, alinhada à prática socioambiental, tão genuína dos movimentos sociais, populações tradicionais e povos originários brasileiros.

Tal comprometimento se apresentou nos anúncios da nova estrutura do governo, com a criação de novos ministérios que configuram um quadro muito mais real da diversidade social do Brasil. Referimo-nos à criação do Ministério dos Povos Indígenas e do retorno do Ministério do Meio Ambiente. Além disso, a questão do Brasil se tornar uma liderança mundial no combate às mudanças climáticas apareceram nas falas do ministro da Casa Civil, assim como do Ministro da Fazenda. Também, o novo presidente do BNDES, chamou a atenção para o papel do banco em criar linhas de crédito para incentivar o desenvolvimento sustentável e a inovação na promoção de uma economia de baixo carbono. O reconhecimento dos direitos das populações tradicionais e povos originários também teve destaque nos discursos de posse dos ministros de Direitos Humanos e da Cidadania, assim como do Ministério da Igualdade Racial. Pela primeira vez, se observa, pelo menos no discurso, a internalização da temática ambiental e da justiça ambiental como componente central, no pensar e propor de um novo Brasil, em suas estruturas institucionais e práticas políticas. Depois de 30 anos da Rio 92, a agenda ambiental finalmente se tornou presente e protagonista das ações do Estado brasileiro. Ainda um longo e desafiador caminho pela frente, mas como um forte indicativo de mudança.

Ao mesmo tempo, com a tentativa de golpe que ocorreu em 08 de janeiro de 2023, onde os prédios símbolo dos Três Poderes foram barbaramente atacados e depredados (SARINGER, 2023SARINGER, G. Prédios dos Três Poderes são esvaziados após invasão bolsonarista . UOL, 2023. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/01/08/predios-dos-tres-poderes-vazios.htm> Acesso em 22 fev. 2023.
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), o desafio de promover o desenvolvimento sustentável com a temática ambiental em uma posição de protagonismo pelo Estado brasileiro, se alinha ao fortalecimento das instituições democráticas brasileiras. A experiência de resistência e luta dos povos originários, populações tradicionais, assim como outras minorias e maiorias marginalizadas pela raça, gênero e classe contribuirão com força para este processo. As posses das ministras dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e da Igualdade Racial, Anielle Franco, representaram como ninguém a resistência do povo brasileiro frente as desigualdades, violência e a discriminação presente nas práticas do dia a dia. As suas falas lembraram as práticas de existência, resistência e reexistência presentes no Brasil e como elas se tornam chave diante a tentativa de fragilizar a democracia brasileira e o novo governo, comprometido em combater as desigualdades por meio de um caminho que conjugue o desenvolvimento econômico, com o social e o ambiental.

A temática socioambiental hoje mobilizada pelas populações tradicionais e povos originários oferece uma oportunidade ao contribuir e reorientar os caminhos do país. A Revista Ambiente & Sociedade, nos seus mais de 25 anos de existência, se tornou um dos espaços relevantes de reflexão da temática socioambiental, inicialmente por meio de contribuições de acadêmicos, mas hoje também abrindo espaço para as contribuições de lideranças e ativistas. Em 2021 a revista publicou o Tema em Destaque: Insurgências Decoloniais e Horizontes Emancipatórios: Contribuições da Ecologia Política baseado nas discussões realizadas no III Congresso Latino-Americano de Ecologia Política que ocorreu em Salvador, na UFBA em 2019. Neste material foram publicadas 4 narrativas das mesas que tratavam da resistência de populações tradicionais e povos originários frente aos retrocessos que se colocavam e estruturavam na gestão federal conduzida pelo então Presidente Jair Bolsonaro. Nela, quatro mulheres formaram a mesa Chico Mendes Vive! onde traziam suas falas vigorosas sobre os ataques à sua existência e modo de vida e a reação a eles (Chico Mendes Vive!). Elas eram Angela Mendes, filha de Chico Mendes e Secretária da Mulher do Conselho Nacional dos Povos Tradicionais Extrativistas, Claudelice Santos, hoje advogada e irmã de José Cláudio e Maria do Espírito Santo, ambos assassinados por defenderem um território coletivo, Edel Moraes, na época vice-presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, e Sônia Guajajara, na época coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Poucos meses antes, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em um programa de televisão havia questionado a relevância de Chico Mendes nas discussões ambientais brasileiras em uma tentativa de apagar o seu papel e legado e, ao mesmo tempo, recontar a história a partir de novos protagonistas como os garimpeiros ilegais, grileiros de terras e desmatadores. Hoje, com muita felicidade, duas delas estão em posições de destaque e importância no atual governo. Sônia Guajajara como Ministra dos Povos Indígenas e Edel Moraes como Secretária das Populações Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente.

As expectativas do futuro e os primeiros sinais de construção de um novo caminho com protagonismo dos fundamentos socioambientais estão na mesa. No primeiro mês de governo, a pauta dos povos originários e da conservação socioambiental estão presentes no noticiário, no Congresso, no Supremo Tribunal Federal assim como no executivo federal. Há muita expectativa e trabalho pela frente. O novo governo propõe a revisão completa dos retrocessos ambientais criados na era Bolsonaro. Isso significa considerar o cancelamento de medidas que causaram desmontes em instituições públicas e que ocasionaram o aumento do desmatamento na Amazônia, no Cerrado e nos demais biomas brasileiros, assim como a reativação do Fundo Amazônia, que estava congelado desde 2019 em virtude da má gestão e da agressiva política internacional adotada pelo governo anterior.

As saídas que agora figuram no horizonte devem passar pelo enfrentamento dos desafios por meio de articulações capazes de fortalecer arranjos de produção e governança. Apesar de renovadas as esperanças em torno de uma nova gestão, a partir de janeiro de 2023, é preciso que a sociedade civil mantenha o olhar atento e, quando necessário, exerça pressão sobre o governo, a fim de garantir que as pautas ambiental e climática voltem à ordem do dia.

Assim, cheios de desafios, oportunidades e esperança, e desejando um Feliz 2023 para todas e todos, abrimos o Volume 26 da Revista Ambiente & Sociedade.

No artigo: Identificação de Prioridades através do Método de Estruturação de Problemas para reduzir as dependências dos Serviços Ecossistêmicos na Distribuição de Eletricidade, os autores Pablo Ricardo Belosevich Sosa, Leandro Duarte Santos, Bruna Fatiche Pavani, Amanda Nunes Ribeiro, Paulo Antônio de Almeida Sinisgalli, Wilson Cabral de Souza Júnior e Sandro Luis Schlindwein identificam ações que mitigam os riscos e dependências em relação aos Serviços Ecossistêmicos associados a uma empresa de distribuição de energia elétrica. Como resultado, obtiveram uma visão estruturada de ações que possibilita uma gestão focada na longevidade tanto dos SEs quanto da atividade econômica.

Os autores Adela Parra-Romero e Cesar Camilo Castillo Estupiñan, no artigo: Estamos na mesma montanha? Por uma abertura ontológica da conservação dos páramos nos Andes, por meio de etnografia e revisão documental, realizaram uma análise ontológica do processo de delimitação e os conflitos que ele tem causado nas regiões de Santurbán e Sumapaz na Colômbia. Sustentam que os desafios enfrentados pelo ecossistema exigem uma conservação reflexiva e uma política ambiental baseada na abertura ontológica que conceba o páramo como uma composição de práticas onde intervêm diferentes maneiras de fazer-mundo.

O artigo: Mudança do regime de proteção das Áreas de Preservação Permanentes no código florestal de 2012, dos autores Liane Amelia Chaves, Sandra Mara Alves da Silva Neves, Maria Aparecida Pierangeli, Solange Kimie Ikeda Castrillon e Jesã Pereira Kreitlow, avalia a perda de áreas protegidas, enquadradas na categoria das APPs hídricas, em virtude do Código Florestal de 2012, no rio Cabaçal. Concluiu-se que a cobertura vegetal nas Áreas de Preservação Permanente foi suprimida para que os usos urbano e agropecuário fossem implantados, caracterizando-as como de conflitos devido à flexibilização da legislação ambiental.

Os autores Cleyton Martins da Silva, Danilo Pinto Moreira Junior, João Rogério Borges de Amorim Rodrigues, Bruno Siciliano e Graciela Arbilla participaram do projeto “Ares Novos para a Primeira Infância”, com o objetivo de obter evidências para estabelecer um plano para reduzir a exposição das crianças à poluição do ar. Os resultados mostram níveis de MP2,5 altos quando comparados com as recomendações da OMS e a necessidade de ações coordenadas para reduzir as emissões de poluentes primários e de precursores de poluentes secundários. No artigo: Ares novos para a primeira infância: as crianças são o futuro do planeta.

Com o intuito de orientar os tomadores de decisão, no artigo: Diretrizes para o planejamento e desenho de esquemas de pagamento por serviços ambientais, os autores Bartira Rodrigues Guerra e Victor Eduardo Lima Ranieri analisam esquemas brasileiros frente às boas práticas recomendadas na literatura científica. Concluem que o monitoramento da prestação do SE ou seus proxies e segmentação espacial foram práticas observadas. O mesmo não aconteceu com contratos flexíveis e pagamentos maiores que os custos de provisão. Esses resultados são úteis para reforçar os pontos fortes e apontar possíveis vulnerabilidades no desenho.

Os autores Thais Pantoja de Carvalho, Jorge Angelo Simões Malcher e Daguinete Maria Chaves Brito, no artigo, A percepção socioeconômica dos atingidos pelas usinas hidrelétricas do rio Araguari/AP, Amazônia Oriental, analisam as percepções dos moradores do município de Ferreira Gomes sobre os impactos sociais e econômicos de três hidrelétricas instaladas no rio Araguari, Amapá. Concluem que as hidrelétricas estabeleceram novas dinâmicas sociais e econômicas no cotidiano da população, em sua maioria de forma negativa e afetaram direta e indiretamente a qualidade de vida, saúde, renda, custo de vida e segurança da população local.

Os autores Rizza Regina Oliveira Rocha e Victor Manoel Pelaez Alvarez avaliaram a experiência da fiscalização de agrotóxicos, realizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, em função dos tipos de autuação, sua evolução temporal e distribuição no território brasileiro. Identificaram um crescimento de 100% das autuações ao longo do período 2009-2017, porém um decréscimo de 21% e 60% nos anos 2018 e 2019. Também, o direcionamento da fiscalização não foi compatível com os locais que concentram o consumo de agrotóxicos. No artigo: A Fiscalização Ambiental De Agrotóxicos No Brasil.

No artigo: Práticas tradicionais e desenvolvimento sustentável: indicadores locais de sustentabilidade entre caiçaras e quilombolas da Bocaina, os autores Jeni Vaitsman, Nathalia Silva Duarte, Lenaura Vasconcelos Lobato e Rômulo Paes-Sousa buscaram adaptar uma agenda global/nacional ao nível do território e construir indicadores específicos capazes de apreender sua “localização”. Com base em dados secundários com informações socioeconômicas, ambientais e sobre oferta de serviços públicos, foram construídos 87 indicadores locais com o objetivo de acompanhar as metas e objetivos da Agenda 2030 no território.

Os autores Paulo Cesar Rausch, Lenita Agostinetto e Ana Emilia Siegloch, no artigo: Descarte de resíduos de medicamentos pela população rural, caracterizaram o descarte de medicamentos pela população do município de Correia Pinto/SC. Concluem que o saneamento básico é precário, pois 64,7% das pessoas consomem água sem tratamento e não são atendidas pela coleta de resíduos, apesar de 94,9% utilizar a fossa séptica como tratamento do esgoto. Elevado percentual da população (63,43%) relataram a utilização diária de medicamentos. Cerca de 75% descartam as sobras do tratamento e os medicamentos vencidos de forma inadequada.

Finalmente, o artigo: Tendências e concepções de educação ambiental das ações cadastradas no SisEA/MS e realizadas em Ladário/MS, das autoras Maria Rita Mendonça Vieira e Angela Maria Zanon, analisa as concepções de Educação Ambiental (EA) nas propostas cadastradas no Sistema Estadual de Informação em Educação Ambiental de Mato Grosso do Sul (SisEA/MS). A vertente conservadora foi predominante nas ações, com vista a uma mudança comportamental do indivíduo, desconsiderando a dimensão sociopolítica. São mostrados caminhos para a superação destas tendências na busca de práticas que busquem a transformação da realidade.

Desejamos a todas e todos uma ótima leitura!

References

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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