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Parâmetros fitotécnicos e condições microclimáticas para videira vinífera conduzida sob dupla poda sequencial

Plant parameters and microclimatic conditions for wine grapes cultivated under sequential double pruning

Resumos

A qualidade do vinho depende da qualidade da uva produzida. As condições microclimáticas incidentes no período de crescimento e desenvolvimento da videira, especialmente na fase do estabelecimento do fruto até a colheita, afetam a qualidade do fruto. A dinâmica da água no solo tem papel importante sobre a qualidade do mosto produzido à vinificação. Em São Paulo, nas bacias de maior concentração atual da vitivinicultura ocorre um período chuvoso que se estende de novembro a fevereiro, que alcança grande parte das variedades da região em fase de crescimento e maturação da baga, o que afeta negativamente a qualidade da uva e do vinho, na maioria das safras. Por outro lado, nas mesmas regiões ocorre um período mais favorável, que é o outono/inverno com potencial de soma térmica promissor para o crescimento da videira e com incidência de um longo período de baixa pluviometria, que vai de abril a outubro. Um experimento foi conduzido, objetivando estudar o cultivo da videira nas duas estações microclimáticas descritas. Avaliou-se a composição físico-química do fruto e a condições microclimáticas para maturação da baga da videira, de 2008 a 2010. Os resultados mostraram que as variedades de videira estudas desenvolveram maior potencial de qualidade da baga, quando cultivada no período de outono-inverno, sendo o efeito mais marcante sobre Vitis vinifera.

Vitis; qualidade da uva; vinho


The wine quality depends on the quality grapes produced. Actual micrometeorological conditions occurring in the time frame of grapevine growth and development will impact berry quality, especially from berry set to the harvest. Soil-water dynamics plays an important role on the quality grape must achieved at the vinification. In the São Paulo State (Brasil) in the regions of greatest clustering of vintners, there is a marked rainy time-frame from November to February, which matches with the vine time-cycle when the majority of grape varieties are in the berry set to berry maturation bracket, which negatively affects the grape and wine quality in most of the harvests. In contrast, for the same region there is more favorable condition in the autumn/winter time, which has a promise heat summation for proper grape growing, characterized by a long time-frame of low pluviometric rate (April to October). An experiment was conducted aiming at study the cultivation o grapevines in both described ''climatic windows''�. Physico-chemical composition of and microclimatic conditions for berry maturation during 2008 to 2010 were analysed. Results showed that the studied grape varieties developed better berry quality potential when cultivated in the autumn/winter time and this effect was more pronounced for Vitis vinifera.

Vitis; grape quality; wine


MANEJO DE SOLO, ÁGUA E PLANTA

Parâmetros fitotécnicos e condições microclimáticas para videira vinífera conduzida sob dupla poda sequencial

Plant parameters and microclimatic conditions for wine grapes cultivated under sequential double pruning

Antonio O. SantosI; Jose L. HernandesIII; Mário J. Pedro Jr.II; Glauco S. RolimIV

I Instituto Agronômico (IAC), Bolsista do CNPq, Rod. Dom Gabriel Paulino Bueno Couto, Km 65. C P 26, CEP 13212-240, Jundiaí, SP. Fone: (11) 4582-8155; 4582-8184. E-mail: odairsan@iac.sp.gov.br

II Instituto Agronômico (IAC), Bolsista do CNPq, Rod. Dom Gabriel Paulino Bueno Couto, Km 65. C P 26, CEP 13212-240, Jundiaí, SP. Fone: (11) 4582-8155; 4582-8184. E-mail:mpedro@iac.sp.gov.br

III Instituto Agronômico (IAC), CEP 13212-240, Jundiaí, SP. Fone (11) 4582-8155; 4582-8184. E-mail: jlhernandes@iac.sp.gov.br

IVInstituto Agronômico (IAC), CEP 13212-240, Jundiaí, SP. Fone (11) 4582-8155; 4582-8184. E-mail: glaucorolim@gmail.com

RESUMO

A qualidade do vinho depende da qualidade da uva produzida. As condições microclimáticas incidentes no período de crescimento e desenvolvimento da videira, especialmente na fase do estabelecimento do fruto até a colheita, afetam a qualidade do fruto. A dinâmica da água no solo tem papel importante sobre a qualidade do mosto produzido à vinificação. Em São Paulo, nas bacias de maior concentração atual da vitivinicultura ocorre um período chuvoso que se estende de novembro a fevereiro, que alcança grande parte das variedades da região em fase de crescimento e maturação da baga, o que afeta negativamente a qualidade da uva e do vinho, na maioria das safras. Por outro lado, nas mesmas regiões ocorre um período mais favorável, que é o outono/inverno com potencial de soma térmica promissor para o crescimento da videira e com incidência de um longo período de baixa pluviometria, que vai de abril a outubro. Um experimento foi conduzido, objetivando estudar o cultivo da videira nas duas estações microclimáticas descritas. Avaliou-se a composição físico-química do fruto e a condições microclimáticas para maturação da baga da videira, de 2008 a 2010. Os resultados mostraram que as variedades de videira estudas desenvolveram maior potencial de qualidade da baga, quando cultivada no período de outono-inverno, sendo o efeito mais marcante sobre Vitis vinifera.

Palavras-chave:Vitis, qualidade da uva, vinho

ABSTRACT

The wine quality depends on the quality grapes produced. Actual micrometeorological conditions occurring in the time frame of grapevine growth and development will impact berry quality, especially from berry set to the harvest. Soil-water dynamics plays an important role on the quality grape must achieved at the vinification. In the São Paulo State (Brasil) in the regions of greatest clustering of vintners, there is a marked rainy time-frame from November to February, which matches with the vine time-cycle when the majority of grape varieties are in the berry set to berry maturation bracket, which negatively affects the grape and wine quality in most of the harvests. In contrast, for the same region there is more favorable condition in the autumn/winter time, which has a promise heat summation for proper grape growing, characterized by a long time-frame of low pluviometric rate (April to October). An experiment was conducted aiming at study the cultivation o grapevines in both described ''climatic windows''. Physico-chemical composition of and microclimatic conditions for berry maturation during 2008 to 2010 were analysed. Results showed that the studied grape varieties developed better berry quality potential when cultivated in the autumn/winter time and this effect was more pronounced for Vitis vinifera.

Key words:Vitis, grape quality, wine

INTRODUÇÃO

A qualidade do vinho é diretamente ligada ao ponto ótimo da maturação da uva, sendo este um evento que envolve a maturação fisiológica (biossíntese evolucionária na baga), a maturação tecnológica (acúmulo de açúcar + ácidos) e a maturação fenólica (acúmulo quali-quantitativo de taninos, pigmentos e compostos ligados ao sabor e aroma) (Mandelli et al., 2003).

O fruto da videira é, essencialmente, uma fábrica bioquímica. Além da síntese dos metabólitos essenciais primários (água, aminoácidos, minerais, micronutrientes) a baga tem a habilidade de sintetizar outros componentes que definem um vinho, em particular (p.e. componentes de sabor e aroma) (Gholami et al., 1995).

O desenvolvimento da baga consiste de duas curvas sigmóides sucessivas de crescimento, separadas por um ''retardo''. O primeiro período de crescimento tem início na floração estendendo-se até aproximadamente 60 dias. Durante o primeiro período de crescimento a baga é formada e os embriões da semente são produzidos; uma rápida divisão celular ocorre nas primeiras semanas e, no final deste período, o total do número de células da baga está estabelecido (Harris et al., 1968). A dimensão na divisão celular tem importância no eventual tamanho da baga e a dinâmica da água no solo influencia este processo. Há vários solutos que se acumulam na baga durante este primeiro período e, aparentemente, todos atingem um máximo ao redor da fase do pintor (Possner et al.,1985). Os mais importantes são o ácido málico e tartárico. Esses compõem a acidez do vinho e, portanto, são críticos para a qualidade do mesmo. Igualmente, no primeiro período se acumulam os ácidos hidroxicinámicos, importantes em virtude do seu envolvimento com reações de escurecimento e por serem precursores de fenóis voláteis (Licker et al., 1999). Os taninos, incluindo as catequinas monoméricas, também se acumulam no primeiro período de crescimento da baga. Estão presentes na casca e na semente e quase ausentes na polpa; são responsáveis por caracteres de amargor e adstringência no vinho e também relevantes na fixação da cor (Kennedy et al., 2001). Há outros componentes, não menos importantes para a qualidade do vinho, que se acumulam na primeira fase de crescimento: minerais, aminoácidos, micronutrientes e componentes do aroma (p.e. metoxipirazinas).

O início da segunda fase de crescimento da baga coincide com o evento do ''pintor'' e é caracterizado pelo amolecimento e coloração do fruto; praticamente, dobra em tamanho entre o início da segunda fase de crescimento e a colheita.

Notadamente, componentes aromáticos sintetizados na primeira fase de crescimento da baga, declinam (g/baga) durante o amadurecimento da baga. Isto inclui vários dos compostos de metoxipirazinas responsáveis pelo caráter vegetal/herbáceo de alguns vinhos. O declínio nos níveis de pirazinas está relacionado com os níveis de radiação solar incidentes na zona de frutificação com a dinâmica da água no solo, dentre outros fatores (Hashizume & Samuta, 1999). Portanto, ocasionalmente esses compostos são indesejáveis em certos níveis e o manejo no vinhedo pode ser usado para reduzi-los.

A maturação da baga é bastante dependente da temperatura do ar, assim como qualquer reação bioquímica-enzimática, dest' arte a soma térmica é útil como indicadora da capacidade do local para a maturação de determinada variedade.

No Estado de São Paulo existem, na região da ''média altitude'', condições microclimáticas e da dinâmica da água no solo, que são contrastantes, considerando-se as duas ''janelas climáticas'' existentes para cultivo, ou seja, a estação tradicional de primavera-verão e, alternativamente, a de outono-inverno. Dentre os fatores mais importantes se encontra a disponibilidade hídrica, que se dá de modo diferente em relação ao desenvolvimento do ciclo da videira, nas duas estações. Ocorre uma distribuição de chuva que caracteriza uma estação com a chuva mais concentrada na colheita e a outra com esta concentração localizada mais na fase de crescimento dos ramos, de acordo com a Normal climática da região (Pedro-Jr et al., 2004); assim, condições contrastantes podem existir, do ponto de vista do microclima, passíveis de influenciar o desenvolvimento fenológico da videira, tal como as condições de maturação da baga, que poderão levar a diferenças quanto à qualidade da uva colhida nas duas janelas climáticas discutidas.

Este estudo objetivou avaliar a composição físico-química da produção e as condições microclimáticas para maturação da baga da videira cultivada sob dupla poda, na média altitude paulista.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido em vinhedos das cultivares/porta-exerto Syrah/''Paulsen'' (entrando em produção, conduzida em Y com espaçamento de 3 x 2 m), Bordô/IAC-766 e Bordô-Clone Barberinha/IAC-766 (estabelecidas há cinco anos, conduzidas em espaldeira a 2 x 1 m). Os vinhedos foram submetidos a dupla poda sequencial. A poda de produção de inverno foi realizada nos meses de janeiro/fevereiro-2008 e a poda de produção de verão foi feita nos meses de julho/agosto do mesmo ano. Podas curtas foram realizadas deixando-se 2 a 3 gemas por esporão no inverno e 5 a 6 gemas no verão; utilizou-se Dormex (4%) para indução da quebra de dormência. Durante o período vegetativo foram feitas as desbrotas eliminando-se os brotos laterais e o broto apical dos ramos. Os tratos culturais foram feitos de acordo com o recomendado para a região enquanto os tratamentos fitossanitários para controle de doenças fúngicas foram realizados com a aplicação semanal de fungicidas à base de Mancozeb.

O delineamento experimental foi inteiramente casualizado com cinco repetições de cada tratamento (cultivar), com parcela experimental composta por três plantas, sendo a central a útil. A produção por planta (kg planta-1), a massa dos cachos (g), a qualidade da baga (colorimetria) e a ecofisiologia da videira, foram avaliadas em 2008 e 2009. Para as duas últimas safras, 2009 e 2010, foi feito o acompanhamento da curva de maturação determinando-se a evolução dos valores de sólidos solúveis (°Brix), acidez total, além da análise da pigmentação fenólica (antocianina, totais fenólicos, taninos), para a variedade de Vitis vinifera estudada.

Para a determinação dos índices de calorimétrico, indicativos da qualidade da uva, foi feita a fermentação de 5 kg de uva amostrada nos tratamentos. Procedeu-se à vinificação, até a fase da descuba, quando as amostras foram submetidas a espectrofotômetro, para leituras nos comprimentos de onda, de 420 e 520 nm.

O teor de sólidos solúveis foi determinado por refratômetro manual com escala de 0 a 32 °Brix a partir de amostras compostas por quatro bagas maceradas, sendo uma da parte superior, uma da parte inferior e duas da parte central do cacho.

Os valores de pH foram determinados potenciometricamente em pHmetro, no suco da fruta e a acidez total foi determinada empregando-se NaOH (0,1 N) para titulação, até atingir pH 8,1 e expresso em meq L-1.

Para determinação de níveis de antocianinas e totais fenólicos foram colhidas amostras compostas de 50 bagas de uva, em cada tratamento. As bagas foram homogeneizadas com mixer e, sobre o macerado resultante, foi feita extração com etanol hidratado, sob agitação; posteriormente, adicionou-se HCl 1M às amostras e se fez a leitura em espectrofotômetro, seguindo-se procedimento descrito por Iland et al. (2004); as determinações de taninos totais foram feitas utilizando-se a mesma amostragem anterior e sobre o macerado homogeneizado procedeu-se à precipitação dos taninos, através de metil-celulose, com posterior leitura em espectrofotômetro, seguindo-se metodologia descrita por Sarneckis et al. (2006).

Em cada local experimental foi instalada uma estação meteorológica automática, e dados sobre radiação solar, temperatura e umidade relativa média do ar, precipitação pluviométrica e velocidade média do vento. Os dados foram armazenados com intervalo de 30 min; foram calculados extratos do balanço hídrico climático (Thornwaithe & Matter, 1955), operacionalizado segundo Rolim et al. (1998), com a evapotranspiração (ETr) modelada de acordo com Santos et al. (2000).

Os valores médios obtidos dos parâmetros fenológicos e fitotécnicos foram submetidos a análise de variância (teste F) e comparação de médias pelo teste Tukey a 5% de probabilidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os parâmetros agronômicos e físico-químicos da videira colhidos no verão (poda normal, no inverno) e no inverno (poda no verão) e os dados que descrevem o regime microclimático em que se deu a maturação da uva, são apresentados na Tabela 2.

Para a safra de verão (SV) a soma térmica disponível para cumprir o ciclo é maior que a safra de inverno (SI), o que contribui para, no caso de 'Syrah', o ciclo se tenha expandido no cultivo de outono/inverno. O aumento da duração do ciclo na safra de inverno pode ser fator positivo na comparação com a safra de verão pois, naquele caso, os cachos permanecem mais tempo em processo de maturação no campo, o que pode resultar em maior complexidade química do fruto, visando à vinificação (Jackson & Lombardi, 1993).

Por outro lado, na maioria dos casos a intensidade de cor é mais elevada na colheita de inverno, tendo em vista que a formação e a maturação da baga ocorreram sob condições de disponibilidade hídrica declinante (Figura 1A); em comparação com o cultivo do verão ocorre o contrário, verificando-se o armazenamento hídrico crescente, no período de maturação (Figura 1B). Tem-se, de fato, para a safra de verão e de inverno, um número de dias com chuva semelhantes nos dois eventos, porém o balanço hídrico mostra que a concentração da chuva ocorre da fase de estabelecimento dos frutos até a maturação, enquanto para na safra de inverno aquela concentração se dá na fase de crescimento dos ramos até a floração. Por sua vez, os dados da ETr (Tabela 2) são mais elevados para os ciclos da variedade syrah e bordô, na safra de inverno, revelando que o déficit de pressão de vapor é maior no ambiente da safra de inverno, o que caracteriza um microclima mais seco em SI.



Os detalhes do microclima discutidos evidenciam que as condições para a maturação fisiológica e fenólica da videira no outono/inverno (SI) são diferentes daquelas da SV, podendo ser mais favoráveis, principalmente para Vitis vinifera Para as variedades americanas e híbridas, menos exigentes que as viníferas verdadeiras, as condições da SV e da SI tendem a produzir resultados menos contrastantes, considerando-se apenas a disponibilidade térmica e hídrica; realmente, para a variedade bordô se observa que a intensidade de cor apresentou sensibilidade de uma safra para outra, tendo diminuído na SI (Tabela 1). Por outro lado, o clone de bordô (barberinha) revelou aumento na intensidade de cor na safra de inverno, o que mostra o comportamento diferente para uma mesma variedade, quanto à pigmentação fenólica, frente à marcha microclimática e à dinâmica da água no solo (Figuras 1A e 1B).

Outros autores observaram resultados semelhantes, quanto à relação entre a qualidade da uva e a disponibilidade hídrica na fase de desenvolvimento e crescimento da baga. Ojeda et al. (2004) mostraram que um déficit hídrico controlado aplicado antes e após o ''pintor'' produziu resultados positivos em relação à pigmentação fenólica da uva. Santos & Kaye (2009), também demonstraram, trabalhando com Syrah, uma relação entre disponibilidade hídrica e qualidade da baga, em especial para o intervalo entre a fase do pintor até a colheita.

Os dados referentes à massa dos cachos e à massa de bagas para os dois clones de bordô estudados evidenciam que, para SI, a produção é menor, com dimensão do cacho e da baga reduzidos na SI. É provável que a disponibilidade hídrica na primeira fase de crescimento da mesma seja fator determinante para o decréscimo da dimensão da baga e por extensão, seu peso, como se observa para 'syrah' e 'clone barberinha', em virtude de, nesta fase, estar localizada a maior intensidade da divisão celular, em relação à expansão. Na verdade, em relação à safra de verão o cultivo de outono/inverno tem o estabelecimento do fruto e as primeiras fases da formação da baga coincidindo com o final das chuvas de verão; o contrário ocorre exatamente no período da SV, conforme se constata pelos valores de armazenamento da água no solo (Figura 1A e 1B).

Os dados apresentados sugerem que a partir das condições de cultivo da videira observadas neste trabalho, em alguns casos pode ser adequada a recomendação da inversão de safra para a videira cultivada sob dupla poda, fazendo-se a derrubada de cachos na safra de verão, ainda na sua formação, estabelecendo-se a produção da videira no outono/inverno, principalmente para Vitis vinifera. As Tabelas 1 e 2 sugerem,, em conjunto com as Figuras 1A e 1B, melhores condições para maturação tecnológica e maturação fenólica da uva na safra de inverno, sobremaneira para os anos ''típicos'' nos quais o cultivo de outono/inverno ocorre sem as flutuações térmicas causadas pela dinâmica de massas polares mas que, em alguns anos, podem estacionar temporariamente sobre a região.

Por outro lado, a inversão de safra discutida requer a determinação do índice de carga mais favorável (carga de cachos/massa vegetativa) para se alcançar melhores índices de maturação da baga, além de um cuidado bastante rigoroso na adubação do vinhedo. Outrossim, um rodízio de áreas de produção se faz necessário para não sobrecarregar o vinhedo, o que poderia causar queda na sua vida útil. O controle do vigor pode ser feito com o manejo do dossel e/ou manejo no desbaste de cachos, buscando-se o melhor ajuste da carga. Hernandes et al. (2010), em experimento com outras variedades submetidas a dupla poda, na mesma região do estudo, mostraram a ocorrência de um relativo desgaste fisiológico advindo exclusivamente do cultivo sequencial da videira, o que foi quantificado através do controle nos níveis de reservas das plantas. Da discussão se depreende que um manejo específico da videira conduzida sob dupla poda deva ser estabelecido e sistematizado, sob pena de se ter que cotejar os ganhos em qualidade da produção obtidos, com as perdas pelo impacto negativo sobre o crescimento e desenvolvimento, advindos de uma pressão maior sobre o nível de reservas de planta.

Outros autores mostraram resultados semelhantes para o comportamento de variedades de videira conduzidas no período de outono inverno, comparativamente ao de primavera-verão, para região com características microclimáticas, topográficas e de dinâmica da água no solo similares às do presente estudo. Fávero et al. (2006) e Amorim et al. (2005) apresentaram, trabalhando com a cultivar Syrah, resultados que descrevem o decréscimo na dimensão da baga produzida, além do aumento nos níveis de pigmentação fenólica no cultivo de outono/inverno, na comparação com o cultivo tradicional de primavera-verão. Os autores apresentaram, ainda, resultados conclusivos que apontam para melhores condições de cultivo e índices de maturação da baga mais favoráveis, quando se deslocou o cultivo da videira para se obter a colheita no inverno.

Na Figura 2 se apresenta a evolução da maturação da baga para duas safras sequênciais para a cultivar Syrah, conduzida sob dupla poda. Observa-se uma clara diferenciação entre as condições químicas da baga alcançadas no cultivo de verão e no inverno. No cultivo de verão de 2009 (Figura 2A), os níveis de sólidos solúveis ultrapassaram ligeiramente 15 °Brix e a curva para acidez total decresceu até alcançar valores próximos de 100 mg L-1 na colheita. Enquanto a soma térmica é suficiente para deprimir o ácido málico até níveis adequados para vinificação, uma soma de fatores do clima e solo, atuando conjuntamente, não permitiu que os valores de sólidos solúveis se elevassem até níveis considerados mais propícios para a vinificação, pois se notam valores apenas razoáveis, considerando-se o padrão genético desta variedade. Por outro lado, na safra de inverno (2010) (Figura 1B), as condições microclimáticas e de água no solo concorreram para compor um ''terroir'' quando então se alcançaram praticamente os mesmos valores em acidez total mas com índices de sólidos solúveis bem mais altos, atingindo 21 °Brix.


Os resultados da análise para a pigmentação fenólica e teor de sólidos solúveis da cultivar Syrah, nas duas estações de crescimento estudadas, são apresentados na Tabela 3. Notou-se aumento nos teores de antocianina e polifenois, assim como no teor de sólidos solúveis, quando a variedade foi colhida no inverno, muito embora se tivesse observado redução no nível de taninos para esta condição.

Os dados sugerem maior potencial de qualidade para o vinho produzido a partir da uva obtida na colheita de inverno. Mota et al. (2009), encontraram resultados semelhantes para a mesma variedade, colhida no inverno, em região de altitude de Minas Gerais. Os autores mostraram rendimento vínico superior na colheita de inverno, nos aspectos de pigmentação fenólica, na comparação com os de colheita de verão.

Os dados observados a partir do regime microclimático regional e os resultados obtidos na composição do rendimento e na produtividade final da videira permitem afirmar que existem condições para a produção de uma segunda safra da videira, na região de estudo, visando ao suco e ao vinho, sem a necessidade de se lançar mão de irrigação; particularmente se vislumbra, para Vitis vinifera, de exigências microclimáticas semelhantes àquelas da variedade testada neste estudo, a possibilidade de se produzir uma baga com maior potencial qualitativo para vinificação, na comparação com a produção da época tradicional de primavera-verão.

CONCLUSÕES

1. O cultivo de outono-inverno para a videira em São Paulo é viável desde que sejam adotadas medidas preventivas visando à manutenção da vida útil das variedades, entre as quais a rotação de quadros e o rigor no controle da nutrição mineral.

2. Nas condições experimentais deste trabalho a baga da uva produzida no inverno, destinada à vinificação, apresentou maior potencial qualitativo.

LITERATURA CITADA

Protocolo 207.10 – 17/11/2010

Aprovado em 27/09/2011

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      27 Set 2011
    • Recebido
      27 Set 2011
  • Unidade Acadêmica de Engenharia Agrícola Unidade Acadêmica de Engenharia Agrícola, UFCG, Av. Aprígio Veloso 882, Bodocongó, Bloco CM, 1º andar, CEP 58429-140, Campina Grande, PB, Brasil, Tel. +55 83 2101 1056 - Campina Grande - PB - Brazil
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