Acessibilidade / Reportar erro

Automutilações: uma problemática dos limites

Self-mutilations: a problem of limits

Les automutilations: une problématique des limites

Automutilaciones: una problemática de límites

O objetivo do presente artigo é analisar a estreita relação entre o fenômeno das automutilações e a problemática dos limites, tendo como ponto de partida o ataque à pele como condição de possibilidade para essa prática. A pele remete à sensorialidade e às primeiras noções de eu, tendo como função proteger nossa individualidade e fundamentar nossa troca com o outro. Ela contém uma premissa de integração, constituindo-se como uma fronteira que marca os limites da própria existência. Nas automutilações, a agressão à pele denuncia um prejuízo na construção da diferenciação entre sujeito e objeto, deixando em evidência uma confusão nos limites do sujeito. Nossa hipótese é a de que o recurso ao corpo, mais especificamente o ataque à pele, nas automutilações, surge como uma tentativa de contenção do eu em momentos nos quais o sujeito sente que pode haver o risco da perda da integridade narcísica.

Palavras-chave:
Automutilação; limites; pele; diferenciação


Resumos

This paper analyzes the close relationship between self-mutilation and the problem of limits, understanding the attack on the skin as a condition of possibility for this practice. The skin, which leads us to sensoriality and the first notions of self, acts to protect our individuality and support our interactions with the Other. It contains a premise of integration, constituting a boundary that marks the limits of existence itself. In self-mutilations, the attack on the skin reveals a loss in the the differentiation between subject and object, revealing a confusion in the subject’s limits. The text posits that the recourse of the body, by attacking the skin, in self-mutilations, emerges as an attempt to contain the self in moments when the subject feels at risk of losing their narcissistic integrity.

Key words:
Self-mutilation; limits; skin; differentiation

Cet article analyse la relation étroite entre le phénomène d’automutilation et le problème des limites, en comprenant l’attaque de la peau comme une condition de possibilité de cette pratique. La peau, qui renvoie à la sensorialité et aux premières notions de soi, agit pour protéger notre individualité et soutenir nos interactions avec l’Autre. Elle contient une prémisse d’intégration, constituant une frontière qui marque les limites l’existence elle-même. Dans les automutilations, l’atteinte à la peau révèle une perte dans la construction de la différenciation entre sujet et objet, témoignant d’une confusion dans les limites du sujet. Le texte postule que le recours au corps, en attaquant la peau, dans les automutilations, émerge comme une tentative de contenir le soi dans les moments où le sujet sent en danger de perdre son intégrité narcissique.

Mots clés:
Automutilation; limites; peau; différenciation


El objetivo de este artículo es analizar la estrecha relación entre el fenómeno de las automutilaciones y el problema de los límites, teniendo como punto de partida el ataque a la piel como condición de posibilidad para esta práctica. La piel se refiere a la sensorialidad y a las primeras nociones del yo, teniendo como función proteger nuestra individualidad y fundamentar nuestro intercambio con el otro. Contiene una premisa de integración, constituyendo una frontera que marca los límites de la existencia misma. En las automutilaciones, la agresión a la piel revela una pérdida en la construcción de la diferenciación entre sujeto y objeto, evidenciando una confusión en los límites del sujeto. Nuestra hipótesis es que recurrir al cuerpo, más específicamente atacar la piel, en las automutilaciones, aparece como un intento de contener al yo en momentos en los que el sujeto siente que puede haber riesgo de pérdida de la integridad narcisista.

Palabras clave:
Automutilacion; límites; piel; diferenciación


Em circunstâncias favoráveis a pele se torna o limite entre o eu e o não eu.

Dito de outro modo, a psique começa a viver no soma e uma vida psicossomática de um indivíduo se inicia.

(Winnicott, 1962/1983, p. 60Winnicott, D. W. (1983). A integração do ego no desenvolvimento da criança. In O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional (pp. 55-61). Artmed. (Trabalho originalmente publicado em 1962).)

Reflexões sobre a temática das automutilações não são recentes, como poderíamos pensar ao nos depararmos com o alarmante aumento de casos relatados nos últimos vinte anos. Encontramos descrições desses fenômenos na literatura desde o século VI A.C., tanto em cultos e rituais de antigas civilizações como em ritos de passagens de povos primitivos e sociedades tribais, descartando a hipótese de um fenômeno atual ou exclusivo de nossa sociedade contemporânea (Araújo, 2005Araujo, L. (2005). Tatuagem, piercing e outras mensagens do corpo. Cosac Naify.).

A partir do século XIX, começam a surgir novas formas de aparição das automutilações, que não reenviam necessariamente a nenhum sentido prévio, nem designam perten-cimentos a clãs ou a tribos sociais (Favazza, 1987/2011Favazza, A. (2011). Bodies under siege: self-mutilation, nonsuicidal self-injury, and body modification in culture and psychiatry (3ª ed.). John Hopkins University Press. (Trabalho originalmente publicado em 1987).). Descritas majoritariamente pela psiquiatria, tais formas revelam sujeitos em estados extremos de vulnerabilidade psíquica, praticando atos de automutilação com o intuito de se livrar de uma carga de sofrimento para a qual não conseguem dar outro destino. Na direção oposta, essas automutilações se descolam de um registro social para entrar nos domínios da psicopatologia.

Essa nova formatação das automutilações ganha destaque na atualidade, encontrando-se cada vez mais presente. Nas últimas duas décadas, a psicanálise passou a se ocupar de forma mais direta dessa problemática, trazendo contribuições importantes ao entendimento desse campo. Na clínica, os atos não se limitam aos cortes superficiais na pele, como são frequentemente representados, mas dizem respeito a uma série de condutas diferenciadas que têm em comum os danos infligidos à própria pele, envelope corporal que delimita fronteiras. A pele contém uma premissa de integração e de unidade, construída em um tempo no qual a existência do ser se encontrava atrelada apenas ao corpo e às sensações, sem a dimensão da palavra.

O “universo” das automutilações

Descrevendo um breve percurso histórico das automutilações no campo da psiquiatria, a primeira definição mais elaborada do termo surge no século XIX. Lorthiois (1909)Lorthiois, M. M. (1909). De l’automutilation: mutilations et suicides étranges. Vigot Frères. denomina as automutilações como lesões feitas pelo próprio indivíduo em seus tecidos ou órgãos, configurando um ataque à integridade do corpo, e destaca as dimensões da volição e da intencionalidade do ato. A partir da década de 1960, há um aumento significativo no número de estudos publicados sobre a temática das automutilações, deixando em evidência o registro sindrômico desse quadro clínico e sua relação com o campo da psicopatologia.

Sublinhamos as contribuições de Ping-Nie Pao (1969)Pao, P-N. (1969). The syndrome of delicate self-cutting. British Journal of Medical Psychology, 42, 195-206., que descreve a chamada Syndrome of Delicate Self-Cutting, ou “síndrome da escarificação delicada”; de Rosenthal et al. (1972)Rosenthal, R. J., Rinzler, C., Wallsh, R., & Klausner, E. (1972). Wrist-cutting syndrome: the meaning of a gesture. American Journal of Psychiatry, 128(11), 1363-1368., que cunham a Síndrome dos Cortadores de Punho; de Ross e McKay (1979)Ross, R. R., & McKay, H. B. (1979). Self-mutilation. Lexington Books., Pattison e Kahan (1983)Pattison, E. M., & Kahan, J. (1983). The deliberate self-harm syndrome. American Journal of Psychiatry, 140(7), 867-872. e Armando Favazza (1987/2011)Favazza, A. (2011). Bodies under siege: self-mutilation, nonsuicidal self-injury, and body modification in culture and psychiatry (3ª ed.). John Hopkins University Press. (Trabalho originalmente publicado em 1987).. No final da década de 1980, observamos um acréscimo feito à definição das automutilações: se caracterizam por um dano autoinfligido intencionalmente a uma parte de seu próprio corpo, sem a intenção consciente de morte (Feldman, 1988Feldman, M. D. (1988). The challenge of self-mutilation: a review. Comprehensive Psychiatry, 29, 252-69.), contendo ainda as dimensões da não letalidade e da inadequação social, presentes nessas práticas (Walsh & Rosen, 1988Walsh, B. W., & Rosen, P. (1988). Self-mutilations: theory, research and treatment. Guilford Press.).

A importância atribuída ao corpo como local privilegiado de sofrimento traz um ponto de contato importante entre os fenômenos automutilatórios e o período da adolescência, momento de prevalência de aparição dessas práticas (Gicquel & Corcos, 2011Gicquel, L., & Corcos, M. (2011). Les automutilations à l’adolescence. Dunod.). Tanto nas automutilações quanto na adolescência, o corpo toma a frente da cena, abrindo espaço para descargas da excitação via ato. Apesar de o presente artigo não ter como enfoque a adolescência, gostaríamos de destacar esse período de intensas ressignificações, ao mesmo tempo corporais, psíquicas, sociais e familiares. Na adolescência, nos deparamos com o tempo de reaparecimento de torrentes pulsionais e emocionais que vão abalar as bases narcísicas e edípicas do psiquismo do sujeito, exigindo uma série de rearranjos importantes. Na mesma direção, poderíamos sublinhar que, no fenômeno das automutilações, o eu do sujeito também se encontra ameaçado, encontrando como resposta radical defensiva o recurso ao corpo e ao ato.

Sobre o termo automutilação, destacamos que o mesmo comporta duas dimensões: 1) mutilação: a violência daquilo que é experimentado e que seria justamente o caráter violento do ato que torna essa prática socialmente inaceitável; 2) auto: tentativa dos sujeitos de recuperar a atividade diante de alguma vivência anterior à qual foram submetidos passivamente (Matha, 2010Matha, C. (2010). De l’inscription à la representation: les scarifications à l’adolescence comme recherche de symbolisation? La psychiatrie de l’enfant, 53(1), 255-283. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-la-psychiatrie-de-l-enfant-2010-1-page-255.htm>.
https://www.cairn.info/revue-la-psychiat...
). Dessa forma, os próprios sujeitos fazem o corpo sofrer, acreditando que obterão algum domínio, mesmo que precário, diante de uma dor psíquica descomunal. Pommereau (2006)Pommereau, X. (2006). Les violences cutanées auto-infligées à l’adolescence. Enfances & Psy, 3(32), 58-71. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-enfances-et-psy-2006-3-page-58.htm>.
https://www.cairn.info/revue-enfances-et...
também aponta para essa característica da automutilação como tentativa de retomar uma posição ativa e, Dargent e Matha (2011)Dargent, F., & Matha, C. (2011). Blessures de l’adolescence. PUF., adicionam a camada da reflexividade presente nas condutas automutilatórias. De acordo com as autoras, o sujeito seria, ao mesmo tempo, ativo (quando se inflige as feridas) e passivo (vivendo na própria pele os machucados), sendo a vítima e seu próprio carrasco.

Com base nas contribuições de Corcos e Richard (2006)Corcos, M., & Richard, B. (2006). L’emotion mutilée: approche psychanalytique des automutilations à l’adolescence. La psychiatrie de l’enfant, 49(2), 459-476., destacamos que as automutilações nos dão notícias de uma falha no sistema de paraexcitação, se levarmos em conta as discussões teóricas advindas do segundo dualismo pulsional de Freud (1920/1996a)Freud, S. (1996a). Além do princípio do prazer. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 18, pp. 12-75). Imago. (Trabalho originalmente publicado em 1920)., em especial acerca do modelo da vesícula. Esse modelo consiste em uma espécie de dispositivo protetor antiestímulo, protegendo-nos contra possíveis excitações recebidas, reduzindo suas intensidades. No entanto, quando o aumento da excitação é maior do que a capacidade de proteção da vesícula, ela acaba sendo rompida, veiculando um excesso pulsional que transborda as possibilidades psíquicas de representação.

As automutilações surgem em um cenário no qual o acesso ao pensamento está prejudicado, de forma que o corpo é quem faz o papel de paraex-citação (Corcos, 2009/2013Corcos, M. (2013). La terreur d’exister. Dunod. (Trabalho originalmente publicado em 2009).; Dargent & Matha, 2011Dargent, F., & Matha, C. (2011). Blessures de l’adolescence. PUF.). Face ao terror do que escapa às capacidades de representação psíquica, as emoções que provêm do corpo não conseguem tomar a forma de pensamentos, materializando e manifestando, na forma de automutilações, um sofrimento psíquico que não consegue ser colocado em palavras ou encontrar uma via de expressão simbólica que não seja através de um ataque ao corpo. Trata-se de um sofrimento do qual o sujeito não sabe exatamente de que se trata, uma vez que ele não está inserido em uma cadeia representacional. É nesse contexto que a tendência à ação surge como possibilidade de saída diante do impasse gerado pelo excesso: o agir passa a tomar conta da cena.

O campo da atuação deixa em evidência a falta de espaço para o processamento psíquico. Haveria uma espécie de “curto-circuito” entre o impulso e a ação, tendo como características fundamentais um caráter impulsivo, repetitivo e atual (Mayer, 2001Mayer, H. (2001). Passagem ao ato, clínica psicanalítica e contemporaneidade. In M. R. Cardoso (Org.), Adolescência: reflexões psicanalíticas (pp. 81-101). Nau.). Nesse sentido, as automutilações surgem como uma das resultantes possíveis do agir, consequência do encontro com o excesso pulsional que o aparelho psíquico não é capaz de suportar e elaborar. O ato automutilatório constituir-se-ia como uma possibilidade de descarga para o sujeito em questão, assim como uma tentativa de contenção desse excesso pulsional que transborda.

No entanto, o agir das automutilações contém uma especificidade que merece destaque: o ataque à própria pele como condição de possibilidade para o ato em si. Com o intuito de explicitar a complexidade do campo e a razão pela qual optamos por utilizar a palavra automutilações no plural, discorreremos sobre as diferentes modalidades que constituem o “universo” das automutilações. Não há um consenso entre os diferentes autores sobre quais categorias específicas caracterizam o fenômeno das automutilações — alguns autores incluem subtipos que outros excluem. Portanto, optamos por destacar práticas que causam danos diretos à pele, sendo elas as escarificações (também conhecidas pelo termo cutting), as queimaduras, os arranhões, as abrasões cutâneas e as escoriações.

As automutilações mais frequentes na clínica são as escarificações (Favazza, 1987/2011Favazza, A. (2011). Bodies under siege: self-mutilation, nonsuicidal self-injury, and body modification in culture and psychiatry (3ª ed.). John Hopkins University Press. (Trabalho originalmente publicado em 1987).). Podem ser definidas como a presença de um ou vários cortes realizados no próprio corpo de forma intencional, deixando marcas entalhadas na forma de cicatrizes (Pommerau, Brun & Moutte, 2009). As incisões costumam ser superficiais e sem intenção de morte. Faz-se necessário diferenciá-las da flebotomia, prática na qual são realizados um ou mais cortes profundos na veia, normalmente nos punhos e vinculados a uma intenção de morte (De Luca, Bonnichon & Marty, 2012De Luca, M.; Bonnichon, D., & Marty, F. (2012). Les scarifications à l’adolescence: un équivalent suicidaire? La psychiatrie de l’enfant, 55(2), 637-678.).

As queimaduras configuram o segundo fenômeno de maior frequência no âmbito das automutilações (Richard, 2005Richard, B. (2005). Les comportements de scarification chez l’adolescent. Neuropsychiatrie de l’enfance et de l’adolescence, 53, 134-141.). Costumam aparecer em menor número do que as escarificações e dizem respeito a casos mais extremos. São resultado da ação do fogo diretamente na pele ou do uso de algum produto abrasivo — frequentemente queimaduras de cigarro ou por uso de substâncias presentes em sprays. Essas feridas costumam ser profundas e ter uma cicatrização mais difícil.

Outros dois fenômenos destacados por nós como parte do universo das automutilações são as abrasões cutâneas e as escoriações. As abrasões cutâneas são autoferidas causadas por fricção ou raspagem feitas na própria pele de forma repetida, geralmente com as unhas. As escoriações são lesões realizadas pelo próprio sujeito por atrito com algum objeto duro, normalmente paredes, armários e espelhos, que costumam deixar hematomas. Ambas são menos frequentes do que os cortes e as queimaduras, podendo aparecer em conjunto com estes ou separadas (Pommereau, 2006Pommereau, X. (2006). Les violences cutanées auto-infligées à l’adolescence. Enfances & Psy, 3(32), 58-71. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-enfances-et-psy-2006-3-page-58.htm>.
https://www.cairn.info/revue-enfances-et...
).

Por último, incluímos a categoria do skin picking (American Psychiatric Association, 2014American Psychiatric Association. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Artmed.), que consiste em beliscar a própria pele, de forma a deixar feridas, seja pela manipulação de um machucado pré-existente (picada de insetos ou acne) ou criando novos ferimentos e interferindo com sua cicatrização. Nessa categoria, também podemos inserir o arrancar de peles no entorno das unhas, ato que vai além da onicofagia, uma vez que a pele ao redor fica machucada.

Com base nas diferentes formas de automutilações explicitadas acima, percebemos que esses fenômenos são atos que visam agredir a pele de diferentes maneiras e em diferentes contextos. Não acreditamos, contudo, que eles estariam ligados apenas a uma destrutividade aparente. Na psicanálise, a pele tem estreita relação com o início da vida e o nascimento do psiquismo. Envelope corporal e psíquico que delimita fronteiras entre os mundos interno e externo, ela faz referência a uma noção de integração (corporal, assim como psíquica) e de continuidade, sendo através de sua apropriação que o sujeito começa a compreender a diferença entre eu e não-eu e a tecer suas relações consigo e com o mundo.

Neste cenário, podemos nos perguntar qual a relação existente entre a pele e as condutas de automutilação. Por que, nestas condutas, a pele é o órgão de ataque escolhido? Que notícias podemos ter acerca dessas práticas se compreendermos o papel da pele na constituição psíquica dos sujeitos, assim como nas relações que surgem a partir desse envelopamento corporal?

A pele que habito

A primeira relação que desenvolvemos com o mundo parte de nosso contato corporal com o outro, o chamado popularmente de “pele a pele”. De acordo com Le Breton (2010)Le Breton, D. (2010). Se reconstruire par la peau: marques corporelles et processus initiatique. Revue française de psychosomatique, 2(38), 85-95. Recuperado de: <http://www.cairn.info/revue-francaise-de-psychosomatique-2010-2-page-85.h>.
http://www.cairn.info/revue-francaise-de...
, antropólogo e sociólogo francês, a pele tem uma importância ímpar como lugar de relação e comunicação com o mundo

e consigo mesmo. Ela permite que sejamos reconhecidos enquanto indivíduos e é por causa do “acabamento” fornecido pela pele que podemos ser nomeados e identificados como nós mesmos. O sentimento de si se enraíza “em uma carne que individualiza” (p. 87; tradução nossa) a partir das sensações corporais experimentadas através da pele, instância de fabricação de identidade.

A pele remete ainda à sensorialidade e às primeiras noções de eu, estreitamente vinculadas ao corpo e às sensações. Todavia, para que uma integração do corpo e do psiquismo aconteça, será necessário um outro que cuide e se ocupe do bebê, desempenhando uma função materna e de alteridade. Assim, entramos no registro da intersubjetividade: desde os primórdios da vida psíquica, temos nossa sobrevivência (e, posteriormente, nossas funções psíquicas e sentimento de si) atrelada aos cuidados de um outro sujeito.

Destacamos os escritos de um teórico que bastante contribuiu para a temática da pele como tendo um lugar de importância nos primórdios do psiquismo: o psicanalista francês Didier Anzieu. A partir de suas observações, advindas dos atendimentos psicológicos fornecidos aos pacientes do setor hospitalar de dermatologia (especialmente pacientes que sofriam de eczemas graves), Anzieu começou a intuir a importância da pele na constituição psíquica, assim como nas relações intersubjetivas.

Tendo como suporte o campo da biologia, Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985). aponta a complexidade advinda da pele, a qual ele considera “mais que um órgão” (p. 29), uma vez que seria dotada de estrutura, funções e importância ímpares. Em relação aos outros órgãos dos sentidos, a pele é destacada pelo autor como a mais vital: é possível viver sem a visão ou a audição, mas sem a integridade da maior parte da pele não é possível sobreviver. Na mesma direção, destacamos a importância atribuída às funções da pele, uma vez que ela surge no período embrionário, bem antes dos outros sistemas (por volta do fim do segundo mês de gestação), e que a biologia relaciona a precocidade do aparecimento das funções do corpo humano com sua importância em termos do desenvolvimento maturacional.

Ainda de acordo com Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985)., sublinhamos que a pele é, ao mesmo tempo, substrato orgânico e imaginário, que possui como função proteger nossa individualidade e fundamentar nossa troca com o outro. Inspirado no eu-corporal de Freud (1923/1996b)Freud, S. (1996b). O ego e o id. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 19, pp. 15-80). Imago. (Trabalho originalmente publicado em 1923). e no valor que o mesmo atribui à pele como principal fonte da qual derivam as sensações que posteriormente auxiliarão a formar o eu, Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985). traz à tona uma discussão importante acerca da constituição do eu como espaço psíquico continente. Tendo como base os trabalhos de Bion sobre o espaço mental como continente e a gênese da capacidade de pensar, Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985). formula uma origem corporal para todo o processo de pensar, sugerindo que o bebê “aprende” a pensar a partir do corpo, inicialmente a partir da superfície da pele — a construção do continente psíquico implica as experiências vividas no corpo primitivo.

Dessa forma, constatamos que o psiquismo se apoia nessa função reflexiva da pele para, posteriormente, constituir um desdobramento reflexivo do eu consciente, de forma que o pensamento nasce a partir do corpo. Nessa direção, Cupa (2006)Cupa, D. (2006). Une topologie de la sensualité: le moi-peau. Revue française de psychosomatique, 1(29), 83-100. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-francaise-de-psychosomatique-2006-1-page-83.htm>.
https://www.cairn.info/revue-francaise-d...
aponta que é baseado nesse modelo da reflexividade tátil que se constroem outras reflexividades posteriores: se ver, se ouvir, se cheirar, se provar; até finalmente chegarmos à reflexividade do pensamento verbal, uma vez que “o código linguístico é o único que pode pensar a si mesmo” (p. 88; tradução nossa).

Corroborando a ideia das automutilações como um recurso ao corpo em um cenário no qual o acesso ao pensamento está prejudicado e destacando a dimensão de um ato que visa à própria pele do sujeito, encontramos suporte nas teorias de Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985). sobre a importância da pele e do corpo nas origens do psiquismo, tendo como contribuição especial seu notório conceito de eu-pele.

Em seu artigo intitulado “La peau: du plaisir à la pensée”, Anzieu (1974/2007)Anzieu, D. (2007). La peau: du plaisir à la pensée. In C. Chabert (Org.), Psychanalyse des limites (pp. 15-25). Dunod. (Trabalho originalmente publicado em 1974). faz uma apresentação inicial do fenômeno, descrevendo-o como “a primeira diferenciação do eu no âmago do aparelho psíquico se apoia sobre as sensações da pele e consiste em uma figuração simbólica da mesma. É isto que eu proponho chamar de eu-pele” (p. 22; tradução nossa). Alguns anos mais tarde, Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985). publica um livro intitulado O eu-pele, no qual complementa sua descrição:

(...) por eu-pele designo uma representação de que se serve o eu da criança durante fases precoces de seu desenvolvimento para se representar a si mesma como eu que contém os conteúdos psíquicos, a partir de sua experiência da superfície do corpo. (p. 61)

Partindo das definições apresentadas, podemos compreender que a noção de eu-pele é a primeira representação que o eu faz de si mesmo, na qual já haveria a possibilidade de conter conteúdos, mas com a capacidade de representar ainda bastante precária. Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985). propõe que pensemos o eu-pele como uma metáfora, uma vez que ele se encontra entre um eu-cor-poral e um eu-psíquico. O eu-pele se ancora no eu-corporal na tentativa de se apropriar das sensações experimentadas e de organizá-las em algum formato possível de representação.

Nos casos de automutilação, essa capacidade de contenção estaria prejudicada. Dargent (2010)Dargent, F. (2010). Corps scarifié, adolescence marquée. Revue française de psychosomatique, 2(38), 131-143. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-francaise-de-psychosomatique-2010-2-page-131.htm>.
https://www.cairn.info/revue-francaise-d...
relaciona essa prática com falhas importantes, quantitativa e qualitativamente, na constituição do eu-pele. Segundo a autora, há um ataque ao corpo, evidenciando falhas bastante profundas na constituição egoica dos sujeitos em questão. Tais práticas aparecem como linguagem do corpo, privilegiada em um momento no qual ainda não havia palavras para ajudar a compor a experiência, apenas o registro pré-verbal. Partindo dessas contribuições, podemos nos perguntar acerca dos prejuízos que adviriam dessas falhas precoces na constituição do eu-pele.

Para a criação do conceito de eu-pele, Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985). tem como base a segunda tópica freudiana, especialmente a partir de “Além do princípio do prazer” (1920/1996a) e de “O ego e o id” (1923/1996b), quando Freud modifica sua imagem plana de representação do aparelho psíquico do “modelo pente” para o “modelo tridimensional da vesícula”. Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985). aponta que essa passagem corresponde ao deslocamento de um enfoque dado aos conteúdos psíquicos (conscientes e inconscientes) para uma compreensão do psiquismo como entidade continente, que possibilita a entrada em um mundo tridimensional. Fechando suas observações com “Uma nota sobre o bloco mágico” (Freud, 1925[1924]/1996cFreud, S. (1996c). Uma nota sobre o bloco mágico. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 19, pp. 253-259). Imago. (Trabalho originalmente escrito em 1924 e publicado em 1925).), Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985). observa o apoio do eu sobre a pele, uma vez que encontra nesse texto a estrutura topográfica do eu descrita como o equivalente a um envelope continente.

Retomando a ideia de Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985). de que a atividade psíquica se apoia em uma função biológica, o eu-pele, então, se desenvolveria encontrando apoio nas diversas funções da pele, dentre as quais o autor destaca três: 1) a função de contenção, na qual a pele funcionaria como uma espécie de bolsa que contém e retém algo em seu interior; 2) a função de proteção, sendo a pele uma barreira que protege da intervenção do mundo externo, tida como superfície de separação e demarcando um limite entre dentro e fora; e 3) a função de comunicação, na qual a pele surge como lugar e meio através dos quais as relações entre sujeito e objetos e/ou outros sujeitos serão estabelecidas.

O eu-pele se constituiria enquanto envelope psíquico, contendo duas camadas que diferem em estrutura e função. Tendo como origem essa dupla herança epidérmica e proprioceptiva, encontrada na própria pele, o eu-pele adquire a possibilidade, tanto de estabelecer barreiras (entre fora e dentro, estando na base de todo o limite entre o eu e o outro), assim como de filtrar as trocas (entre as instâncias psíquicas internas e entre mundo interno/mundo externo). Nessa direção, em consonância com Cupa (2006)Cupa, D. (2006). Une topologie de la sensualité: le moi-peau. Revue française de psychosomatique, 1(29), 83-100. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-francaise-de-psychosomatique-2006-1-page-83.htm>.
https://www.cairn.info/revue-francaise-d...
, podemos pensar em um duplo envelopamento que adviria do eu-pele, constituído por um eixo de contenção/proteção e um eixo de comunicação. A autora esquematiza o pensamento de Anzieu, destacando a presença de dois envelopes possíveis: o envelope de excitação e o envelope de comunicação.

Baseado nos escritos freudianos de 1920 sobre o modelo da vesícula e da paraexcitação, o envelope de excitação seria constituído por uma camada voltada para o mundo externo, que mediaria qualquer estímulo recebido, protegendo o mundo interno — a realidade psíquica. Por um lado, esse envelope permite que parte da excitação passe, filtrando as quantidades (de prazer e de dor); por outro, o paraexcitação mantém em um sistema fechado o montante pulsional, até que uma descarga se torne necessária.

Já o envelope de comunicação, baseado nas notas sobre o bloco mágico de Freud, seria a segunda camada existente no eu-pele. Ele seria constituído por uma camada interna, voltada para os sinais sensoriais, cinestésicos, e para o funcionamento psíquico. Tal envelope possui uma dupla face, voltada para o mundo interno e externo, constituindo uma interface que separa os dois mundos, mas os coloca em comunicação. Cupa (2006)Cupa, D. (2006). Une topologie de la sensualité: le moi-peau. Revue française de psychosomatique, 1(29), 83-100. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-francaise-de-psychosomatique-2006-1-page-83.htm>.
https://www.cairn.info/revue-francaise-d...
propõe que é o envelope de comunicação que permite o acesso à reflexividade, uma vez que sua camada interna possui uma face voltada para fora e uma face voltada para dentro, o que possibilita a criação de uma zona de contato entre sujeito e objeto. De acordo com a autora, pode-se dizer que o primeiro envelope filtra as quantidades, enquanto o segundo filtra as qualidades das experiências.

Cada um dos envelopes que constitui o eu-pele possui uma função diferente e complementar. O primeiro envelopa o sujeito e dá a ele a possibilidade de contenção e de filtragem das intensidades que o atinjam através do sistema de paraexcitação. Já o segundo liga o mundo interno ao mundo externo, tornando possível a comunicação entre as próprias sensações do mundo interno, assim como estabelecendo uma ponte entre esses dois mundos.

Compreender o eu-pele como um envelope é fundamental, na medida em que nos informa que, através dele, o sujeito passa a possuir uma noção de integração que é amparada pela própria pele. O mundo deixa de ser experienciado apenas bidimensionalmente, com toda a adesividade característica do “pele a pele”, e começa-se a delinear a noção de tridimensionalidade, possibilitando diferentes formas de relação com os objetos, a partir de diferentes camadas da experiência. A pele passa a conter uma premissa de integração, de unidade. Se, por um lado, a pele marca um distanciamento entre o ambiente e o mundo interno, constituindo-se como uma espécie de fronteira que marca os limites da própria existência, ao mesmo tempo é ela que vai mediar a relação com os outros (Douville, 2004Douville, O. (2004). L’automutilation, mise en perspectives de quelques questions. Champ Psy, 4(36), 7-24. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-champ-psychosomatique-2004-4.htm>.
https://www.cairn.info/revue-champ-psych...
).

(Im)possibilidades de separação

No que diz respeito à importância da pele na relação entre sujeitos, encontramos, também nas contribuições de Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985)., a construção de uma fantasia de pele comum à mãe e ao bebê nos primórdios da vida psíquica, na qual haveria a troca direta, tanto das excitações quanto das comunicações entre ambos, levando o bebê a ter a sensação de que sua pele se encontra colada à da mãe. Contida nessa ideia, há uma fantasia de indis-criminação de peles necessária para a constituição psíquica do bebê, que aos poucos vai “arrancando” a pele da mãe até sentir-se ele próprio.

Na mesma direção, encontramos nas contribuições de Joyce McDougall (1987)McDougall, J. (1987). Um corpo para dois. In Conferências brasileiras. Xenon. a noção de um corpo para dois: a fantasia constitutiva de todo ser humano de “fazer um” com a mãe-universo da primeira infância. De acordo com a autora, encontraríamos o protótipo biológico dessa fantasia nas vivências intrauterinas, nas quais o corpo materno sustentava e provia todas as necessidades vitais do embrião, assim como suas próprias necessidades biológicas, sendo fonte de energia e existência, ao mesmo tempo, dos dois seres envolvidos. A partir dessa primeira fantasia somatopsíquica, uma diferenciação progressiva entre o par mãe-bebê vai começando a se formar, distinguindo aos poucos ambas as personagens, assim como o psíquico vai também se diferenciando do somático.

Cabe ressaltar que, em relação ao momento inicial do par mãe-bebê, estamos em consonância com a ideia de que existiria um gradiente dinâmico e progressivo entre os estados de indiferenciação primitiva e de intersubjetividade, baseadas nos escritos de Golse e Roussillon (2010)Golse, B., & Roussillon, R. (2010). La naissance de l’objet. PUF., de forma que não compartilhamos da visão de um início totalmente indiferenciado e fusionado entre o par. Apesar disso, ressaltamos a dimensão importante dessa fantasia apresentada por Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985)., que evoca a importância do outro enquanto objeto que auxilia a tornar possível a constituição subjetiva do bebê — neste caso, a partir do compartilhamento fantasmático de peles, assim como da fantasia de dois corpos compartilhados de McDougall (1987)McDougall, J. (1987). Um corpo para dois. In Conferências brasileiras. Xenon..

De acordo com Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985)., o eu-pele da mãe serve de apoio e sustento, contribuindo para a constituição do eu-pele do bebê. Nessa direção, Cupa (2006)Cupa, D. (2006). Une topologie de la sensualité: le moi-peau. Revue française de psychosomatique, 1(29), 83-100. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-francaise-de-psychosomatique-2006-1-page-83.htm>.
https://www.cairn.info/revue-francaise-d...
ressalta que o eu-pele é um envelope de maternagem, termo de Brazelton retomado por Anzieu (1985/2000)Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985)., uma vez que, inicialmente, a mãe é o próprio envelope — desde a vida intrauterina, o útero funciona como espécie de vesícula protetora. A função de paraexcitação é constituída, a princípio, pelo ventre materno, possibilitando o desenvolvimento de um campo de sensibilidade comum a ambos. A mãe deve auxiliar a criar uma experiência de continente para o bebê. O eu-pele envolve e protege o psiquismo, assim como a pele envolve e protege os órgãos internos do corpo.

A partir da troca corporal com a mãe, o bebê começa a constituir um “dentro” e um “fora”, garantindo um limite, assim como a integridade de seu envelope corporal. Dessa forma, o eu-pele também se configura como uma estrutura intermediária entre a mãe e o bebê, de forma que a confusão inicial de peles vai dando lugar à diferenciação entre as peles física e psíquica de ambos. Todavia, para que o eu-pele se constitua, faz-se necessário que as experiências de troca entre mãe e bebê ocorram de forma satisfatória e em um ritmo de sintonia entre o par.

No que diz respeito às automutilações, este início não teria acontecido de forma minimamente satisfatória, deixando uma série de falhas na constituição desse envelope psíquico. Essas falhas se inscrevem no corpo, culminando em um envelope perfurado que não dá ao sujeito a segurança necessária para sentir-se coeso e integrado. Nesse sentido, nossa hipótese é a de que o recurso ao corpo, mais especificamente o ataque à pele, nas automutilações, surge como uma tentativa de contenção do eu em momentos nos quais o sujeito sente que pode haver o risco da perda da integridade narcísica.

Essa ideia vai de encontro com as contribuições deixadas por Freud (1941[1938]/1996d)Freud, S. (1996d). Achados, ideias, problemas – Breves escritos. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 23, pp. 317-318). Imago. (Trabalho originalmente escrito em 1938 e publicado em 1941). no fim de sua vida, a respeito da inscrição das impressões pré-verbais. Se, por um lado, ele afirma que os acontecimentos mais precoces, quando o eu ainda não está em condições de sintetizar e/ou metabolizar as experiências vividas por ele, ficam registrados de forma mais intensa no corpo do sujeito, ele também ressalta a fraqueza do poder de síntese egoica encontrada no momento da experiência (Roussillon, 2012Roussillon, R. (2012). Pertinence du concept de symbolisation primaire. Exploration en psychanalyse. Recuperado de: <https://reneroussillon.files.wordpress.com/2014/07/symb-primaire-13-c.pdf>.
https://reneroussillon.files.wordpress.c...
).

Se, nas condutas automutilatórias, encontramos um eu fragilizado e ameaçado pelo risco da perda da integridade narcísica, podemos pensar que, em um momento bastante inicial da vida, no qual os acontecimentos precoces são registrados no corpo, esses sujeitos teriam vivido experiências para as quais o eu ainda não estava preparado psiquicamente para elaborá-las, deixando como rastro uma série de falhas na constituição psíquica. As vivências ocorridas nos momentos de constituição do eu-pele não teriam se passado de forma satisfatória entre o par mãe-bebê, culminando em falhas narcísicas e na possibilidade de contenção e de integração daquele sujeito.

McDougall (1987)McDougall, J. (1987). Um corpo para dois. In Conferências brasileiras. Xenon. aponta que o fracasso no processo inicial da fantasia de compartilhamento de um mesmo corpo entre o par mãe-bebê pode levar a dificuldades futuras na “capacidade da criança de integrar e de reconhecer como seus o seu corpo, seus pensamentos, seus afetos” (p. 20). Tal comprometimento inicial levaria o bebê a procurar recriar a ilusão de unidade corporal em momentos de sofrimento físico ou psíquico. Esses sofrimentos assegurariam a existência daquele sujeito, encarnando a problemática no corpo e em uma realidade puramente biológica, na tentativa de extinguir (ou preservar) o psíquico.

Interessante ressaltar que há um paradoxo intrínseco à fantasia de compartilhamento do mesmo corpo descrita por McDougall (1987)McDougall, J. (1987). Um corpo para dois. In Conferências brasileiras. Xenon.: se, por um lado, o bebê a utiliza como recurso diante das frustrações advindas da cesura do nascimento, por outro, há uma dimensão de recusa a uma completa fusão, lutando para diferenciar-se do corpo e do ser da mãe. Nesse fenômeno, o ato de machucar a própria pele contém em si uma luta similar à da fantasia primordial de união.

Na mesma direção, podemos compreender as automutilações como investimento de uma representação de si que tenta construir uma diferenciação entre si mesmo e o objeto. Corcos e Richard (2006)Corcos, M., & Richard, B. (2006). L’emotion mutilée: approche psychanalytique des automutilations à l’adolescence. La psychiatrie de l’enfant, 49(2), 459-476. afirmam que os sujeitos que se automutilam teriam grande dificuldade em se ver separados de seus objetos primários, em particular a mãe (ou cuidador primordial), por conta de um vínculo inicial insatisfatório, no que diz respeito a se sentir seguro em relação a seus próprios limites e aos limites do outro. Existiria uma tentativa de se tornar mais autônomo por detrás desses atos, assegurando seus próprios limites através do corpo.

Em consonância com Roussillon (2007)Roussillon, R. (2007). Le Moi-peau et la réflexivité. In C. Chabert, D. Cupa, R. Kaës, & R. Roussillon (Orgs.), Didier Anzieu: le Moi-peau et la psychanalyse des limites (pp. 89-102). Érès., sublinhamos que a problemática central da pele é a da diferenciação eu/não-eu, uma vez que a função principal do eu-pele seria realizar um primeiro esboço de delimitação entre o eu e o ambiente — um envelope tátil que delimita um interior e um exterior. Conforme apontado anteriormente, contudo, esse processo de diferenciação, que culminará no limite entre sujeitos, só pode se efetuar se um primeiro tempo tiver se passado de forma satisfatória: o da construção da fantasia de uma pele comum entre mãe e bebê. As nuances desse momento compartilhado pelo par vão constituir as particularidades do processo de diferenciação, podendo culminar em falhas prematuras no processo.

McDougall (1987)McDougall, J. (1987). Um corpo para dois. In Conferências brasileiras. Xenon. aponta que separação e diferença não são necessariamente vivenciadas pelo par mãe-bebê como uma conquista psíquica positiva, podendo, em um contexto de falhas estruturais, serem vivenciadas como uma verdadeira ameaça ao eu e “temidas como realidades que diminuem e esvaziam o sujeito daquilo que lhe parece vital para sobreviver” (p. 23). Nesses casos, o temor seria de despedaçamento, caso houvesse o rompimento da unidade mãe-bebê ainda na ilusão de um corpo fusionado, levando a uma impossibilidade de deixar esse compartilhamento de corpos e culminando em uma vivência de um corpo fragmentado, com pedaços próprios e pedaços do outro misturados, indissociáveis e irreconhecíveis como separados.

No caso das automutilações, sujeito e objeto não estão devidamente diferenciados, de forma que há uma confusão entre ambos os corpos e os limites do sujeito encontram-se falhos, denunciados pela problemática trazida à tona pelo ataque à própria pele. No momento de constituição do eu-pele, a presença do outro é fundamental para que o sujeito passe a se sentir envelopado e habitando sua própria pele, tanto física, quanto psíquica. Para que este caminho se desenvolva, o sujeito precisa conseguir ir “descolando” aos poucos sua pele da pele materna, constituindo seu próprio envelope, único e distinto do envelope de sustentação da mãe.

Faz-se necessário refletir acerca da qualidade da presença do objeto nesse momento inicial da constituição psíquica, uma vez que a construção da fantasia da pele comum depende da qualidade dos cuidados maternos e da sintonia e da comunicação precoces estabelecidas entre o par mãe-bebê. É o campo sensório-motor que, no momento inicial da vida, encontra-se em primeiro plano, tanto no nível da experiência (das sensações experimentadas) quanto no nível da comunicação, do compartilhamento de afetos entre ambos, e esse campo é sentido através das relações entre as peles.

Se a qualidade de presença do outro não foi suficiente, gerando problemas nos vínculos e nas relações com os objetos, a capacidade do sujeito de habitar a própria pele e de se sentir integrado e coeso pode ficar prejudicada. Nesse caso, os objetos podem vir a ser sentidos como ameaçadores, uma vez que os limites entre sujeito e objeto não estão estabelecidos de forma segura ou garantidos no tempo e no espaço. Se a pele é o órgão que delimita fisicamente onde termina o sujeito e começa o objeto, o ataque à pele nos dá notícias desse limite falho e de uma “confusão de peles” que permanece ao longo da história do sujeito.

Separação x diferenciação: ecos de uma história primeva

A questão dos limites entre sujeito e objeto nos reenvia para a problemática da separação, que ocupa um importante lugar de reflexão para nossa discussão. De acordo com Roussillon (2013)Roussillon, R. (2013). La séparation et la dialectique présence/abscence. In C. Chabert (Org.), Les séparations (pp. 213-230). Érès., a separação reflete um dos paradigmas essenciais da psicopatologia de nossa época. Se, por um lado, ela se relaciona com os conflitos psíquicos e edipianos, por outro, ela nos envia para um tempo primevo, no qual vivemos os primeiros encontros com o objeto e a construção dos primeiros vínculos intersubjetivos a partir dos quais o sujeito se constitui. Esse tempo primevo tem relação com a pele, órgão que delimita fisicamente onde termina o sujeito e começa o objeto; e com a prática das automutilações, figurando como alvo principal das mesmas. Nesse cenário, o outro pode ser entendido como ameaçador ao eu, uma vez que ambos estariam “misturados” em um retorno à fantasia de fazer “um” com o objeto primordial (Anzieu, 1985/2000Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985).; McDougall, 1987McDougall, J. (1987). Um corpo para dois. In Conferências brasileiras. Xenon.).

Com base na clínica das automutilações, percebemos que a questão da separação é primordial. As crises (e recaídas) costumam ser desencadeadas em um contexto de perda e/ou de separação de algum familiar, de um cônjuge ou pessoa à qual o paciente atribui uma importância ímpar, ou, ainda, na iminência dessa separação/perda. Há uma interrupção que pode ser a perda de um vínculo afetivo, seja um rompimento amoroso ou o término de uma grande amizade, ou uma interrupção que ocorre após uma perda real da pessoa em questão, em casos de falecimento. Nesses casos, a pessoa que ocupa um lugar de cuidado ou de proximidade essencial se ausenta, falece ou, por qualquer outra razão, deixa de ocupar esse lugar, mesmo que temporariamente. Cabe dizer que não devemos considerar apenas as experiências reais de separação, fatos da realidade concreta, mas a realidade psíquica que acompanha sempre os sujeitos.

É importante ressaltar que essa vivência de separação ou perda que antecede os atos automutilatórios costuma ser acompanhada de intenso sentimento de angústia e uma vivência de aniquilamento de si, podendo gerar sintomas físicos (dentre eles: tontura, falta de ar, sensação de “cabeça oca”, nó na garganta ou dor no peito). Podemos pensar nas angústias impensáveis, de Winnicott (1974/1994)Winnicott, D. W. (1994). O medo do colapso. In Explorações psicanalíticas (2ª ed., pp. 70-76). Artmed. (Trabalho originalmente publicado em 1974)., que levam o sujeito para um vazio da não-integração e o sentimento de não-existência. Nesses casos, como não há limite claro entre sujeito e objeto, a separação do outro pode levar ao sentimento de aniquilamento de si, uma vez que um objeto externo é investido narcisicamente por estar confundido com o eu.

Sobre a temática da separação, Jean-Michel Quinodoz (1991/2014)Quinodoz, J-M. (2014). La solitude apprivoisée: l’angoisse de séparation en psychanlyse (5ª ed.). PUF. (Trabalho originalmente publicado em 1991). apresenta contribuições importantes, circunscrevendo a separação em um contexto de relação entre pessoas. O autor a define como uma situação na qual uma pessoa se afasta de outra com quem mantinha uma relação de confiança (seja temporariamente, seja de forma definitiva). A separação pode gerar sentimentos de solidão, tristeza, raiva ou dor, mas também de alívio e de liberdade, sem que um polo exclua o outro. Se essa separação é temporária, o afastamento do outro no tempo e no espaço não significa obrigatoriamente o fim do vínculo afetivo com o objeto ou sua perda de amor, uma vez que a relação não necessita da presença constante do objeto para ser sentida como real e contínua. A característica provisória da separação implica a esperança de retorno, mesmo que toda separação revele o medo de uma possível perda definitiva do outro ou de seu amor.

Na descrição fornecida acima, contudo, podemos afirmar que o indivíduo sabe em quem ele investiu, quem lhe faz falta e, o principal, sabe que ele é ele mesmo e continuará sendo, mesmo depois que a outra pessoa partir. Em outras palavras, a ausência da pessoa investida traz prejuízo para seu campo afetivo, mas não ameaça a estrutura egoica desse sujeito. Mesmo nas situações de separações definitivas, como um falecimento que convoca um trabalho de luto, a perda desse sujeito não leva à perda do próprio eu.

Quinodoz (1991/2014)Quinodoz, J-M. (2014). La solitude apprivoisée: l’angoisse de séparation en psychanlyse (5ª ed.). PUF. (Trabalho originalmente publicado em 1991). ressalta a existência de outra forma de compreensão do fenômeno da separação: nesses casos, a ausência da pessoa considerada importante traz à tona uma angústia que é experimentada quando o sujeito se dá conta de que ele e o objeto não são um. Haveria a sensação de que o objeto leva consigo partes da própria pessoa quando se afasta. A ausência do outro traz a percepção dolorosa de sua presença como não-eu e estamos diante de um problema diferente, uma vez que a integridade narcísica do sujeito não está garantida. Para esse fenômeno descrito, o autor propõe utilizarmos o termo “diferenciação”, guardando a palavra “separação” apenas para o primeiro caso.

Sendo assim, temos duas operações possíveis que levam em conta a seara das separações: enquanto a separação propriamente dita pressupõe uma relação anterior entre dois sujeitos diferentes, contemplando a noção de que cada um é uno e discriminado perante o outro, de forma que, quando esse outro, que não é igual, se vai, não há maiores riscos para o eu do sujeito que permaneceu; na diferenciação, a separação é vivida antes que surjam em cena dois sujeitos distintos, ou seja, sujeito e objeto ainda estão entrelaçados e confundidos. É indispensável que o processo de diferenciação esteja instaurado, para que o sujeito possa suportar uma situação de separação, sem sentir que uma parte do seu próprio eu é perdida junto com o outro que parte. Caso contrário, a separação será vivida como perda de uma parte de si, provocada pela perda do objeto.

Se as experiências de separação surgem excedendo as capacidades do bebê em momentos nos quais os processos de diferenciação ainda estavam sendo instaurados, pode haver falhas na capacidade futura do sujeito em lidar com as separações ao longo de sua vida, como nos casos de automutilação. Essas situações de sua história primeva fazem eco com situações anteriores de separações e perdas vivenciadas pelo sujeito ao longo de toda sua vida e que excederam suas capacidades de paraexcitação, culminando na estreita relação entre separação e automutilação.

Nesse sentido, apostamos na ideia de que os fenômenos de automutilação constituem uma defesa frente a uma ameaça de perda do outro, que é sentida como ameaça de perda de seu próprio eu. Teria havido uma precocidade nas vivências de separação e ausência do objeto primordial, sem que os processos de diferenciação já estivessem operando no bebê, não respeitando seu tempo de constituição necessário. Nesses casos, a ausência precoce do outro antecipa a percepção de sua presença como não-eu, e estamos diante de um problema diferente, uma vez que a integridade narcísica do sujeito não está garantida.

A dificuldade de separação encontrada nos quadros de automutilação pode ser entendida como um reflexo da história inicial das relações objetais vividas por esse sujeito. Esse fato nos remete ao início da vida psíquica, no qual sujeito e objeto ainda possuem limites bastante difusos. Uma questão importante é compreender como o sujeito se funda, com base na ilusão de ser quase indiscriminado de outro sujeito, mas precisa diferenciar-se dele para efetivamente se tornar um sujeito.

A partir da questão de como nasce um sujeito, podemos complementar a discussão com a questão de como nasce, também, o objeto. Importante entender a partir de quando o objeto começa a ser percebido como objeto e, posteriormente, como sujeito, o que abre para pensarmos a questão do início da vida através da intersubjetividade. Com base nos trabalhos de Golse e Roussillon (2010)Golse, B., & Roussillon, R. (2010). La naissance de l’objet. PUF., podemos afirmar que o início do psiquismo e o nascimento do objeto são indissociáveis, uma vez que o sujeito vai caminhando rumo à autonomia e, com isso, o objeto vai se tornando cada vez mais perceptível como objeto separado do sujeito. A ausência objetal só pode se tornar suportável para a criança, uma vez que tenha havido, anteriormente, uma presença suficiente do objeto, de forma que ele possa ter sido internalizado.

A temática das separações nos leva à dialética do par presença/ausência, que comanda o trabalho de elaboração da experiência de separação. É a alternância da presença e da ausência dos objetos primordiais que vai instaurar os processos de diferenciação e, futuramente, de separação. O equilíbrio entre o par presença/ausência é que vai garantir, inicialmente, a experiência interna de continuidade psíquica, operação narcísica fundamental (Roussillon, 2013Roussillon, R. (2013). La séparation et la dialectique présence/abscence. In C. Chabert (Org.), Les séparations (pp. 213-230). Érès.).

Nesse sentido, o problema da separação consiste na passagem da presença para a ausência, passagem do descolamento entre o investimento da representação interna do outro e sua percepção externa. Para que essa operação seja bem-sucedida, existe um tempo próprio de maturação psíquica do bebê, mas existe também a necessidade de uma presença objetal “suficientemente boa”, utilizando uma expressão winnicottiana, para que não haja o risco de, com a desaparição do objeto e de sua percepção, a representação do objeto ser “arrancada” junto com ele.

Considerações finais

Conforme explorado anteriormente, destacamos que o recurso ao corpo, e mais especificamente à pele, na prática das automutilações, traz à tona a problemática da confusão de limites entre sujeito e objeto no início da vida, que se prolonga até a idade adulta. Os vividos da primeira infância e da adolescência seguem fazendo eco aos novos vividos da vida adulta, sempre em movimento contínuo de um tempo que não é linear, mas que se repete em espiral ao longo de toda a vida. A partir da importância que ganha a pele nessas práticas, sublinhamos ainda uma reflexão sobre o início da vida psíquica a partir de uma dinâmica de constituição psíquica que leve em conta a intersubjetividade. A vida psíquica e a integração corpo-mente advêm dos elementos sensoriais e rítmicos. Somos despertados pelas sensações e começamos a habitar nossos próprios corpos através delas. O corpo guarda uma história dos primórdios, que é sempre atual.

Se, nos casos de automutilação, os limites entre sujeito e objeto encontram-se confusos, podemos pensar que sujeito e objeto não estão devidamente diferenciados, de forma que há uma confusão entre ambos os corpos e as delimitações do sujeito encontram-se falhas. Nesses casos, observamos que a capacidade do sujeito de habitar a própria pele e de se sentir integrado e coeso está prejudicada, de modo que os objetos podem ser sentidos como ameaçadores, uma vez que as fronteiras entre sujeito e objeto não estão estabelecidas de forma segura ou garantidas no tempo e no espaço. As automutilações surgem como um dos recursos radicais utilizados como forma defensiva frente ao colapso do eu, frente à ameaça de perda da integridade narcísica, uma vez que a ameaça de perda do objeto diante de uma vivência de separação transforma-se em ameaça de perda de si mesmo.

  • Financiamento/Funding: Este trabalho recebeu apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nivel Superior – Capes / This work is supported by Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nivel Superior – Capes.

Referências

  • American Psychiatric Association. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 Artmed.
  • Anzieu, D. (2000). O Eu-pele (2ª ed.). Casa do Psicólogo. (Trabalho originalmente publicado em 1985).
  • Anzieu, D. (2007). La peau: du plaisir à la pensée. In C. Chabert (Org.), Psychanalyse des limites (pp. 15-25). Dunod. (Trabalho originalmente publicado em 1974).
  • Araujo, L. (2005). Tatuagem, piercing e outras mensagens do corpo Cosac Naify.
  • Corcos, M. (2013). La terreur d’exister Dunod. (Trabalho originalmente publicado em 2009).
  • Corcos, M., & Richard, B. (2006). L’emotion mutilée: approche psychanalytique des automutilations à l’adolescence. La psychiatrie de l’enfant, 49(2), 459-476.
  • Cupa, D. (2006). Une topologie de la sensualité: le moi-peau. Revue française de psychosomatique, 1(29), 83-100. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-francaise-de-psychosomatique-2006-1-page-83.htm>.
    » https://www.cairn.info/revue-francaise-de-psychosomatique-2006-1-page-83.htm
  • Dargent, F. (2010). Corps scarifié, adolescence marquée. Revue française de psychosomatique, 2(38), 131-143. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-francaise-de-psychosomatique-2010-2-page-131.htm>.
    » https://www.cairn.info/revue-francaise-de-psychosomatique-2010-2-page-131.htm
  • Dargent, F., & Matha, C. (2011). Blessures de l’adolescence PUF.
  • De Luca, M.; Bonnichon, D., & Marty, F. (2012). Les scarifications à l’adolescence: un équivalent suicidaire? La psychiatrie de l’enfant, 55(2), 637-678.
  • Douville, O. (2004). L’automutilation, mise en perspectives de quelques questions. Champ Psy, 4(36), 7-24. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-champ-psychosomatique-2004-4.htm>.
    » https://www.cairn.info/revue-champ-psychosomatique-2004-4.htm
  • Favazza, A. (2011). Bodies under siege: self-mutilation, nonsuicidal self-injury, and body modification in culture and psychiatry (3ª ed.). John Hopkins University Press. (Trabalho originalmente publicado em 1987).
  • Feldman, M. D. (1988). The challenge of self-mutilation: a review. Comprehensive Psychiatry, 29, 252-69.
  • Freud, S. (1996a). Além do princípio do prazer. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 18, pp. 12-75). Imago. (Trabalho originalmente publicado em 1920).
  • Freud, S. (1996b). O ego e o id. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 19, pp. 15-80). Imago. (Trabalho originalmente publicado em 1923).
  • Freud, S. (1996c). Uma nota sobre o bloco mágico. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 19, pp. 253-259). Imago. (Trabalho originalmente escrito em 1924 e publicado em 1925).
  • Freud, S. (1996d). Achados, ideias, problemas – Breves escritos. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 23, pp. 317-318). Imago. (Trabalho originalmente escrito em 1938 e publicado em 1941).
  • Gicquel, L., & Corcos, M. (2011). Les automutilations à l’adolescence Dunod.
  • Golse, B., & Roussillon, R. (2010). La naissance de l’objet PUF.
  • Le Breton, D. (2010). Se reconstruire par la peau: marques corporelles et processus initiatique. Revue française de psychosomatique, 2(38), 85-95. Recuperado de: <http://www.cairn.info/revue-francaise-de-psychosomatique-2010-2-page-85.h>.
    » http://www.cairn.info/revue-francaise-de-psychosomatique-2010-2-page-85.h
  • Lorthiois, M. M. (1909). De l’automutilation: mutilations et suicides étranges Vigot Frères.
  • Matha, C. (2010). De l’inscription à la representation: les scarifications à l’adolescence comme recherche de symbolisation? La psychiatrie de l’enfant, 53(1), 255-283. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-la-psychiatrie-de-l-enfant-2010-1-page-255.htm>.
    » https://www.cairn.info/revue-la-psychiatrie-de-l-enfant-2010-1-page-255.htm
  • Mayer, H. (2001). Passagem ao ato, clínica psicanalítica e contemporaneidade. In M. R. Cardoso (Org.), Adolescência: reflexões psicanalíticas (pp. 81-101). Nau.
  • McDougall, J. (1987). Um corpo para dois. In Conferências brasileiras Xenon.
  • Menninger, K. (1970). Eros e tânatos: o homem contra si próprio Ibrasa. (Trabalho originalmente publicado em 1938).
  • Pattison, E. M., & Kahan, J. (1983). The deliberate self-harm syndrome. American Journal of Psychiatry, 140(7), 867-872.
  • Pao, P-N. (1969). The syndrome of delicate self-cutting. British Journal of Medical Psychology, 42, 195-206.
  • Pommereau, X. (2006). Les violences cutanées auto-infligées à l’adolescence. Enfances & Psy, 3(32), 58-71. Recuperado de: <https://www.cairn.info/revue-enfances-et-psy-2006-3-page-58.htm>.
    » https://www.cairn.info/revue-enfances-et-psy-2006-3-page-58.htm
  • Pommereau, X., Brun, M., & Moutte, J-P. (2009). L’adolescence scarifiée L’Harmattan.
  • Quinodoz, J-M. (2014). La solitude apprivoisée: l’angoisse de séparation en psychanlyse (5ª ed.). PUF. (Trabalho originalmente publicado em 1991).
  • Richard, B. (2005). Les comportements de scarification chez l’adolescent. Neuropsychiatrie de l’enfance et de l’adolescence, 53, 134-141.
  • Rosenthal, R. J., Rinzler, C., Wallsh, R., & Klausner, E. (1972). Wrist-cutting syndrome: the meaning of a gesture. American Journal of Psychiatry, 128(11), 1363-1368.
  • Ross, R. R., & McKay, H. B. (1979). Self-mutilation Lexington Books.
  • Roussillon, R. (2007). Le Moi-peau et la réflexivité. In C. Chabert, D. Cupa, R. Kaës, & R. Roussillon (Orgs.), Didier Anzieu: le Moi-peau et la psychanalyse des limites (pp. 89-102). Érès.
  • Roussillon, R. (2012). Pertinence du concept de symbolisation primaire. Exploration en psychanalyse Recuperado de: <https://reneroussillon.files.wordpress.com/2014/07/symb-primaire-13-c.pdf>.
    » https://reneroussillon.files.wordpress.com/2014/07/symb-primaire-13-c.pdf
  • Roussillon, R. (2013). La séparation et la dialectique présence/abscence. In C. Chabert (Org.), Les séparations (pp. 213-230). Érès.
  • Walsh, B. W., & Rosen, P. (1988). Self-mutilations: theory, research and treatment Guilford Press.
  • Winnicott, D. W. (1983). A integração do ego no desenvolvimento da criança. In O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional (pp. 55-61). Artmed. (Trabalho originalmente publicado em 1962).
  • Winnicott, D. W. (1994). O medo do colapso. In Explorações psicanalíticas (2ª ed., pp. 70-76). Artmed. (Trabalho originalmente publicado em 1974).
Editor/Editor: Prof. Dr. Nelson da Silva Junior

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Set 2022

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2021
  • Revisado
    28 Fev 2022
  • Aceito
    28 Maio 2022
Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental Av. Onze de Junho, 1070, conj. 804, 04041-004 São Paulo, SP - Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: secretaria.auppf@gmail.com