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Pesquisa participativa sob a lógica do cuidado: análise compartilhada em um CAPS AD

Participatory research under the logic of care: Shared analysis in a CAPS AD

La recherche participative sous la logique du soin: analyse partagée dans un CAPS AD

Investigación participativa bajo la lógica del cuidado: análisis compartido en un CAPS AD

A pesquisa procurou explorar as experiências de adoecimento com base no ponto de vista dos usuários de um CAPS AD III. A metodologia empregada neste estudo se baseia em um desenho qualitativo e se divide em duas etapas. Na primeira, foi realizada uma entrevista semiestruturada com os participantes — Entrevista Narrativa de Adoecimento McGill-MINI —, e, na segunda, os participantes foram parte integrante do processo de validação, análise dos resultados e elaboração do arcabouço temário. Os resultados anunciam narrativas atravessadas por desamparo psíquico, abandono familiar, perdas e falta de credibilidade, efeito de um processo excludente em que a droga se sobrepõe ao sujeito. A pesquisa participativa sob a lógica do cuidado (Tangvald-Pedersen & Bongaardt, 2016Tangvald-Pedersen, O., & Bongaardt, R. (2016). Towards a tinkering participatory research method in mental health. Scandinavian Journal of Disability Research 19(1), 1-11. <http://doi.org/10.1080/15017419.2016.1222305>.
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) possibilitou um diálogo reflexivo acerca da experiência de adoecimento aproximando pesquisadores e participantes, que são como diferentes contadores de histórias, permitindo que a tessitura do fenômeno descrito pudesse enriquecer a compreensão uns dos outros.

Palavras-chave:
Pesquisa participativa; CAPS AD; McGill-mini narrativa; primeira pessoa


Resumos

This research explores the experiences of illness from the point of view of users of a CAPS AD III. Based on a qualitative design, the study comprised two stages: in the first, a Narrative Interview of Illness McGill-MINI, a semi-structured interview protocol, was carried out with the participants; in the second, the participants took part in the validation process, analysis of results and elaboration of the thematic framework. The results reveal narratives crossed by psychic helplessness, family abandonment, losses, and lack of credibility — the effect of an excluding process in which the drug overrides the subject. Participatory research under the logic of care (Tangvald-Pedersen & Bongaardt, 2016Tangvald-Pedersen, O., & Bongaardt, R. (2016). Towards a tinkering participatory research method in mental health. Scandinavian Journal of Disability Research 19(1), 1-11. <http://doi.org/10.1080/15017419.2016.1222305>.
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) enabled a reflective dialogue on the experience of illness, bringing together researchers and participants as different storytellers, allowing the weaving of the phenomenon to enrich their mutual understanding.

Key words:
Participatory research; CAPS AD; McGill-mini narrative; first person

Cette recherche explore les expériences de la maladie du point de vue des utilisateurs d’un CAPS AD III. Basée sur un design qualitatif, l’étude s’est déroulée en deux étapes : dans la première, un entretien narratif semi-structurée (Narrative Interview of Illness McGill-MINI) a été réalisée avec les participants; dans la seconde, les participants ont pris part au processus de validation, d’analyse des résultats et d’élaboration du cadre thématique. Les résultats révèlent des récits traversés par l’impuissance psychique, l’abandon familial, les pertes et le manque de crédibilité — l’effet d’un processus d’exclusion dans lequel la drogue chevauche le sujet. La recherche participative sous la logique du soin (Tangvald-Pedersen & Bongaardt, 2016Tangvald-Pedersen, O., & Bongaardt, R. (2016). Towards a tinkering participatory research method in mental health. Scandinavian Journal of Disability Research 19(1), 1-11. <http://doi.org/10.1080/15017419.2016.1222305>.
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) a permis un dialogue réflexif sur l’expérience de la maladie, réunissant chercheurs et participants comme des différents conteurs, permettant au tissage du phénomène d’enrichir leur compréhension mutuelle.

Mots clés:
Recherche participative; CAPS AD; McGill-mini récit; première personne


La investigación buscó explorar las experiencias de enfermedad a partir del punto de vista de los usuarios de CAPS AD III. La metodología utilizada en este estudio se basa en un diseño cualitativo y se divide en dos etapas. En la primera, se realizó una entrevista semiestructurada con los participantes — Entrevista Narrativa de Enfermedad McGill-MINI — y, en la segunda, los participantes fueron parte integral del proceso de validación, análisis de resultados y elaboración del marco temático. Los resultados anuncian narrativas atravesadas por el desamparo psíquico, el abandono familiar, las pérdidas y la falta de credibilidad, efecto de un proceso excluyente en el que la droga se superpone al sujeto. La investigación participativa bajo la lógica del cuidado (Tangvald-Pedersen & Bongaardt, 2016Tangvald-Pedersen, O., & Bongaardt, R. (2016). Towards a tinkering participatory research method in mental health. Scandinavian Journal of Disability Research 19(1), 1-11. <http://doi.org/10.1080/15017419.2016.1222305>.
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) permitió un diálogo reflexivo sobre la experiencia de la enfermedad, reuniendo a investigadores y participantes, que son como diferentes narradores, permitiendo que la tesitura del fenómeno descrito pudiera enriquecer la comprensión de cada uno.

Palabras clave:
Investigación participativa; CAPS AD; mininarrativa McGill; primera persona


Introdução

Pela aprovação da Lei Federal 10.216, de abril de 2001 (Brasil, 2001Brasil. (2001). Ministério da Saúde – Lei 10.216 de 6 de abril de 2001. Brasília/DF. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Recuperado em 10 de novembro, 2020 de: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm>.
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) houve uma importante mudança na saúde mental. O novo modelo considera a liberdade um aspecto central para o protagonismo, a reinserção social, a superação do reducionismo biomédico e o resgate da autonomia e da cidadania do usuário.

Assim, o CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas) constitui-se como um serviço de base comunitária, lugar de referência de cuidado e proteção para usuários e familiares, orienta-se pelos princípios da Redução de Danos, que pode ser definida, segundo Machado e Boarini (2013)Machado, L. V., & Boarini, M. L. (2013). Políticas sobre drogas no Brasil: a estratégia de redução de danos. Psicol. cienc. prof. [online]. 33(3), 580-595. ISSN 1414-9893. <https://doi.org/10.1590/S1414-98932013000300006>.
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como uma forma de cuidar, descentrando o foco da abstinência e privilegiando o direito à saúde e o respeito à liberdade daquele que não deseja ou não consegue interromper o uso da droga.

Nessa perspectiva, a pesquisa procurou explorar as narrativas de experiências de adoecimento sob o ponto de vista dos usuários de um CAPS AD III, deslocando-os do lugar de usuários de drogas ou álcool para o lugar de quem vive essa experiência e, por isso, está apto a analisá-la ao lado de outras pessoas com quem compartilha esse contexto. Ter uma voz emerge como ponto essencial para que os usuários façam parte de uma abordagem participativa.

O objetivo desta pesquisa é, portanto, promover vozes sempre tão estigmatizadas pela sociedade e possibilitar, por meio de pesquisa participativa, o (auto)reconhecimento dos usuários como experienciadores do processo de adoecimento, capazes de analisar e compartilhar suas experiências como forma de diminuir o estigma e a minimização desses usuários pelas lentes sociais.

A metodologia empregada neste estudo se baseia em um desenho qualitativo e se divide em duas etapas. Na primeira, foi realizada a entrevista semiestruturada com os participantes e, na segunda, os entrevistados participam do processo de validação e análise dos resultados, sob a perspectiva da pesquisa participativa conforme descrevemos a seguir.

Métodos

A pesquisa foi realizada em um município com 77.432 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2012). Censo Brasileiro de 2010. IBGE.), que sediou uma clínica psiquiátrica de 1968 a 2021. No final de 2007, foi proposta pela SES – Secretaria do Estado de Saúde — através da coordenação de saúde mental, a implantação de um CAPS II no município, para pessoas com transtornos mentais graves, e, em outubro de 2009, a implantação do CAPS AD veio fortalecer a política de desinstitucionalização. Essas ações permitiram criar condições terapêuticas para que esses sujeitos continuassem seus tratamentos nos serviços, o que, de fato, contribuiu para que a realidade hospitalocêntrica da região fosse modificada.

Ao analisar a rede de atenção psicossocial constituída do município, verifica-se, como componentes da Atenção Básica, 28 Unidades de Saúde da Família (USF) e mais 6 subunidades, cobrindo cerca de 100% da população; 1 Clínica da Família; 1 Ambulatório Especializado; 2 Equipes do NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família); 1 CAPS II para transtornos mentais graves, 1 CAPS AD que foi implantado em 2009 e convertido para a versão 24h em 2015 (CAPS AD III), 1 ambulatório em Saúde Mental; 1 U PA 24h e 1 SAMU regional.

Os usuários/participantes

A pesquisa foi apresentada aos usuários durante o primeiro semestre de 2018, com conversas individuais enquanto eles compareciam ao serviço para realizar o Projeto Terapêutico Singular (PTS). O critério inicial de inclusão foi contemplar usuários que frequentavam o serviço há mais tempo (pelo menos seis meses). Inicialmente, selecionamos 22 pessoas, 15 homens (entre 23 e 59 anos) e sete mulheres (entre 25 e 56 anos), que se predispuseram a colaborar, e realizamos as entrevistas individuais, seguindo o roteiro da entrevista MINI, conforme descrito abaixo.

A entrevista durava cerca de uma hora e meia, tendo sido gravada no celular. Em seguida, era enviada para o e-mail e salva no computador. Todavia, é preciso ponderar que tal público frequentemente faz uso irregular do dispositivo, razão pela qual nem todos se vincularam à pesquisa até o final. Assim sendo, um critério para a manutenção dos participantes na pesquisa foi a frequência regular, isto é, em torno de três vezes na semana. Dos 22 usuários entrevistados, apenas nove participaram da fase final do processo, a validação compartilhada do material, que ainda será apresentada.

Os participantes assinaram o Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), aprovado por CEP (CAAE: 85633818.6.0000.5263), foram informados que poderiam interromper a participação na pesquisa a qualquer momento e que o anonimato e a confidencialidade seriam preservados por meio do uso de nomes fictícios que foram dados pelos próprios participantes. O material audiogravado e transcrito está armazenado em computador, cujo acesso se dá por senha conhecida exclusivamente pelos pesquisadores.

Entrevista Narrativa de Adoecimento McGill-MINI

Como instrumento metodológico para a obtenção das narrativas individuais, utilizamos a Entrevista Narrativa de Adoecimento McGill-MINI (Leal et al., 2016Leal, E. M., Souza, A. N., Serpa Júnior, O. D., Oliveira, I. C., Dahl, C. M., Figueiredo, A. C., Salem, S., & Grouleau, D. (2016). McGill Entrevista Narrativa de Adoecimento – MINI: tradução e adaptação transcultural para o português. Ciência & Saúde Coletiva, 21(8), 2393-2402.), que é um roteiro semiestruturado de entrevista qualitativa desenhado para suscitar narrativas de adoecimento em pesquisas em saúde (Groleau et al., 2006Groleau, D., Young, A., & Kirmayer, L.J. (2006). The McGill Illness Narrative Interview (MINI): An Interview Schedule to Elicit Meanings and Modes of Reasoning Related to Illness Experience. Transcult Psychiatry, 43(4):697-717. <Error! Hyperlink reference not valid.>.), e desenvolvido pelo grupo de pesquisa em Psiquiatria Social e Transcultural da Universidade Mc Gill localizada em Montreal, Canadá. Cabe ressaltar que este modelo de entrevista narrativa foi traduzido em 2007 para português e adaptado para o Brasil. A duração global do processo foi de aproximadamente um ano, com início no segundo semestre de 2007 e término no segundo semestre de 2008.

A MINI foi projetada para ser uma ferramenta útil para pesquisas no campo da saúde, com o objetivo de compreender ou investigar o comportamento em saúde, ou a experiência de adoecimento e seus significados atribuídos, ligados a qualquer problema, condição ou evento de saúde de indivíduos e/ou grupos (Groleau et al., 2006Groleau, D., Young, A., & Kirmayer, L.J. (2006). The McGill Illness Narrative Interview (MINI): An Interview Schedule to Elicit Meanings and Modes of Reasoning Related to Illness Experience. Transcult Psychiatry, 43(4):697-717. <Error! Hyperlink reference not valid.>.). Diferente do modelo de entrevista de história de vida, que geralmente é composto somente por perguntas abertas, a MINI é um roteiro de perguntas semiestruturadas (que permitem a comparação sistemática das narrativas) com respostas abertas (que permitem ao entrevistado contar livremente sua história). Existe uma preocupação em seguir o roteiro, composto por cinco seções e 46 perguntas, pois é a partir desse que o entrevistado é convidado a falar de um tema que a princípio ele não abordaria espontaneamente (Groleau et al., 2006Groleau, D., Young, A., & Kirmayer, L.J. (2006). The McGill Illness Narrative Interview (MINI): An Interview Schedule to Elicit Meanings and Modes of Reasoning Related to Illness Experience. Transcult Psychiatry, 43(4):697-717. <Error! Hyperlink reference not valid.>.).

A MINI foi delineada para obter: a) narrativa inicial e temporal da experiência de adoecimento, organizada em termos da sequência de eventos; b) narrativa sobre outras experiências prévias do entrevistado, de membros de sua família, de amigos, encontradas na mídia, e outras representações populares que serviram de modelo para a significação da experiência do adoecimento em questão e que aparecem como protótipos relacionados ao problema de saúde estudado; c) narrativas sob forma de modelos explicativos do sintoma ou da doença, incluindo rótulos, atribuições causais, expectativas de tratamento, curso e resultado; d) narrativas de busca e procura de ajuda, relatos sobre caminhos para chegar ao cuidado e relatos sobre a experiência de tratamento e adesão; e) narrativas do impacto da doença sobre a identidade, a autopercepção e as relações com os outros (Leal et al., 2016Leal, E. M., Souza, A. N., Serpa Júnior, O. D., Oliveira, I. C., Dahl, C. M., Figueiredo, A. C., Salem, S., & Grouleau, D. (2016). McGill Entrevista Narrativa de Adoecimento – MINI: tradução e adaptação transcultural para o português. Ciência & Saúde Coletiva, 21(8), 2393-2402.).

Estratégias da pesquisa participativa

Interessados por uma abordagem que privilegia as experiências dos participantes, tornando-os copesquisadores, decidimos ir além das entrevistas e convidar os participantes para expressarem as suas opiniões na fase da análise do material coletado, como descrevo mais a frente, dando voz ao grupo pesquisado (Boylorn, 2008Boylorn, R. M. (2008). Participants as co-researchers. In M. Lisa (ed.), The Sage Encyclopedia of Qualitative Research Methods. Sage Publications, Volume 1 e 2. Recuperado em 3 jan. 2021 de: <https://sk.sagepub.com/reference/research/n250.xml>.
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).

Percebemos a necessidade de verificar e validar a transcrição das entrevistas com os participantes. Nesse sentido, a pesquisa qualitativa é inerentemente fortalecedora na medida em que escuta e comunica as palavras reais dos participantes da pesquisa (Tangvald-Pedersen & Bongaardt, 2016Tangvald-Pedersen, O., & Bongaardt, R. (2016). Towards a tinkering participatory research method in mental health. Scandinavian Journal of Disability Research 19(1), 1-11. <http://doi.org/10.1080/15017419.2016.1222305>.
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).

A partir dos princípios que Sweeney (2005)Sweeney, A. (2005). The Ethics of Survivor Research: Guidelines for the Ethical Conduct of Research Carried Out by Mental Service Users and Survivors Alison Faulkner. Bristol: Policy Press, 2004, £9.95, 56 pp. ISBN: 1-86134-641-7. Psychiatric Bulletin, 29(10), 398-398. < https://doi.org/10.1192/pb.29.10.398>.
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aborda na pesquisa participativa, este trabalho reflete acerca de alguns aspectos práticos para envolver os usuários participantes na concepção deste estudo, a fim de esclarecer em quais medidas tais questionamentos foram atendidos, conforme elencados abaixo:

i) Clareza e transparência

Sobre este princípio, procuramos esclarecer aos participantes como seria realizada a pesquisa, e, a partir da reflexão coletiva, deu-se a possibilidade de construir história a partir de várias histórias.

ii) Respeito

Com relação ao respeito, achamos importante tratar do sigilo porque, apesar de os participantes frequentarem o serviço por um tempo considerável, precisávamos garantir, além do estreitamento dos laços pelo compartilhamento de experiências, a manutenção do sigilo pelos próprios colegas.

iii) Flexibilidade

Para análise dos dados, foram levados em conta diversos fatores que poderiam impactar na frequência aos encontros, já que a pesquisa não contou com nenhum tipo de incentivo financeiro, como dinheiro para passagem. Além de outros fatores, destaca-se o uso pesado de substâncias às vésperas dos encontros do grupo ou troca de medicações que, por vezes, resultava na falta de um dos participantes.

iv) Acessibilidade

O diálogo em detrimento da linguagem acadêmica permitiu que todos participassem e trocassem experiências sobre os temas eleitos. A pesquisa participativa propõe que o usuário do serviço se envolva na realização de pesquisas em todos os estágios: Envolvimento na fase do projeto; Recrutamento; Treinamento; Suporte e Supervisão; Entrevistas; Análise e Interpretação, e Disseminação e Implementação (Crawford et al., 2007Crawford, M., Rutter, D., Price, K., Weaver, T., Josson, M., Tyres, P., Gibson, S., Gillespie, S., Faulkner, A., Ryrie, I., Dhillon, K., Bateman, A., Fonagy, P., Taylor, B., & Moran, P. (2007). Learning the lessons: a multi-method evaluation of dedicated community based services for people with personality disorder. (Project Report) National Coordinating Centre for NHS Service Delivery and Organisation. 381 p. Recuperado em 4 jan. 2021 de: <http://www.sdo.nihr.ac.uk/files/project/83-final-r>.
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).

O envolvimento ocorreu, mais efetivamente, na segunda etapa da pesquisa, na Análise e Interpretação, gerando a ideia da análise compartilhada, envolvendo os participantes na discussão dos resultados e oferecendo interpretação sob a perspectiva do usuário do serviço, para construir nossa análise e a construção do temário. O tipo de pesquisa participativa realizada parte do princípio da lógica do cuidado (Tangvald-Pedersen & Bongaardt, 2016Tangvald-Pedersen, O., & Bongaardt, R. (2016). Towards a tinkering participatory research method in mental health. Scandinavian Journal of Disability Research 19(1), 1-11. <http://doi.org/10.1080/15017419.2016.1222305>.
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), ou seja, a responsabilidade dos profissionais em melhorar o cuidado requer uma prática baseada na sensibilidade em relação às experiências do mundo dos usuários participantes, e não apenas experiências relativas a desvios e patologia. Sendo assim, é fundamental para a perspectiva do cuidado à saúde, capacitar os profissionais da área, com intuito de que fiquem cientes da voz do outro, e, dessa maneira, ajustem a sua prática de cuidado. Assim, os participantes, como diferentes contadores de histórias, puderam enriquecer a compreensão uns dos outros, e, além disso, o processo de pesquisa permitiu um diálogo entre pesquisador e participante.

Dinâmicas de interação baseada no mundo vivido

Sob a influência de Freire, A.M.A. et al. (2001)Freire, A. M. A. et. al. (2001). Pedagogia da Libertação em Paulo Freire. Unesp — inspirados por Paulo Freire, acreditamos na produção de saúde e cuidado, não para os usuários, mas com os usuários —, o conceito de libertação envolve a produção do cuidado sob a perspectiva do usuário, assim como novas formas de estar no mundo.

É importante começarmos a ver a questão do uso de álcool e outras drogas sob a ótica do usuário, com sua identificação enquanto ator social e responsável pela condução da sua vida, ouvir suas aspirações, reflexões e críticas, para a reconstrução de suas representações sociais. Dessa forma, é necessário criar estratégias que ajudem a reconhecer as singularidades e complexidades, pois nesse campo está inserida a existência das diversidades e heterogeneidades dos sujeitos. Ouvir, de fato, a voz do usuário, é tirá-lo do processo de estigmatização e alijamento a que se encontra atrelado. Assim, os nove participantes foram convidados para análise compartilhada dos resultados e o critério adotado para a escolha foi a frequência ao serviço e a manifestação de interesse em participar desse processo, que envolveu encontros para análise das entrevistas, seleção e votação do temário para a pesquisa. A participação e envolvimento por parte dos usuários foi importante, à medida que puderam rastrear os temas e questões relevantes, e contribuir para o processo de pesquisa contando suas histórias (Shahar & Davidson, 2009Shahar, G., & Davidson, L. (2009). Participation-engagement: a philosophically based heuristic for prioritizing clinical interventions in the treatment of comorbid, complex, and chronic psychiatric conditions. Psychiatry, 72(2), 154-76. <http://doi:10.1521/psyc.2009.72.2.154. PMID: 19614554>.
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).

Baseado em Crawford et al. (2007)Crawford, M., Rutter, D., Price, K., Weaver, T., Josson, M., Tyres, P., Gibson, S., Gillespie, S., Faulkner, A., Ryrie, I., Dhillon, K., Bateman, A., Fonagy, P., Taylor, B., & Moran, P. (2007). Learning the lessons: a multi-method evaluation of dedicated community based services for people with personality disorder. (Project Report) National Coordinating Centre for NHS Service Delivery and Organisation. 381 p. Recuperado em 4 jan. 2021 de: <http://www.sdo.nihr.ac.uk/files/project/83-final-r>.
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, neste caso particular, os participantes estiveram engajados no processo de análise e interpretação das suas vozes e de seus pares, com o objetivo de trazer mudanças positivas na vida das pessoas a partir da valorização da subjetividade e da compreensão do adoecimento, sem estabelecimento de diagnósticos. A proposta deste estudo é que as pessoas envolvidas tenham realmente algo a dizer (ou a fazer); não é um simples levantamento de dados ou relatórios que serão arquivados, já que a pesquisa participativa está relacionada a um diálogo reflexivo.

Para Tangvald-Pedersen e Bongaardt (2016)Tangvald-Pedersen, O., & Bongaardt, R. (2016). Towards a tinkering participatory research method in mental health. Scandinavian Journal of Disability Research 19(1), 1-11. <http://doi.org/10.1080/15017419.2016.1222305>.
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, o status que atribuem ao método de pesquisa participativa segue a preferência por uma abordagem baseada no mundo vivido. Visa compreender e melhorar o mundo dos pacientes, além de transmitir a sensação do “sentir-se em casa”. Os autores aspiram a que os resultados da pesquisa sejam relevantes para a prática diária dos profissionais de saúde mental que também são treinados. A análise foi conduzida a partir de um diálogo reflexivo entre os participantes, que apresentam histórico de considerável uso de álcool e drogas ao longo da vida, e, por isso, puderam enriquecer a compreensão uns dos outros.

Optamos por adaptar o método da Condensação Sistemática de Texto, uma estratégia qualitativa de dados, desenvolvida por Malterud (2012)Malterud, K. (2012). Systematic text condensation: A strategy for qualitative analysis. Scandinavian Journal of Public Health, 40, 795-805. <https://doi.org/10.1177/1403494812465030>.
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que se inspirou em Giorgi (1978)Giorgi, A. (1978). A Psicologia como ciência humana: uma abordagem de base fenomenológica. Interlivros. (Trabalho originalmente publicado em 1970)., na qual os dados são analisados de forma apenas descritiva, sem dedução de fatos, são retratados como são vivenciados. As entrevistas foram transcritas na íntegra, sem preconcepções, com foco nas falas. A intenção era obter uma descrição detalhada das vivências abordadas.

Nos encontros, as transcrições foram entregues aos respectivos participantes para que pudessem revisar e validar e também compartilhar com os demais as suas próprias experiências. Serpa Jr. et al. (2019)Serpa Júnior, O. D., Leal, E. M., & Muñoz, N. M. (2019) The Centrality of Narratives in the Mental Health Clinic, Care and Research. Philosophy, Psychiatry, & Psychology, 26(2), 155-164. <http://doi:10.1353/ppp.2019.0021>.
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apontam que a história estimula o envolvimento e a participação empática do leitor, que atesta a capacidade da história para conversar com a sua própria experiência. Cada um foi responsável por escolher seu codinome. Escolhemos os sábados para promover os encontros por ser um dia de menor fluxo de usuários na unidade e por contarmos com a disponibilidade do auditório.

O perfil sociodemográfico dos participantes se constituiu da seguinte maneira:

09 Participantes entre 24 e 59 anos:

  1. mulher branca, ensino médio completo, desempregada;

  2. homens negros, ensino fundamental incompleto. Desses 3, 2 estão desempregados e 1, aposentado;

  3. homens brancos: 1 ensino médio completo, 1 ensino médio incompleto, 2 com ensino fundamental incompleto. Destes quatro, 1 está em reabilitação pelo INSS, 1 recebe BPC e 2 estão desempregados;

  4. homem pardo, ensino médio incompleto, desempregado

O primeiro encontro começou às 9h30 de um sábado, 7 de abril de 2018. Os nove participantes chegaram e tomaram café da manhã, em seguida nos dirigimos ao auditório, pedimos que cada um fizesse a leitura da sua transcrição. Por apresentarem dificuldade com a leitura, alguns participantes necessitaram de ajuda para ler. Para esse momento, arrumamos as cadeiras em círculo, que, segundo (Freire, 1987Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido. Paz e Terra.), visa uma vivência participativa com ênfase no diálogo, na elaboração coletiva de propostas, e cria uma disposição espacial onde todos têm a palavra, onde todos leem e escrevem o mundo. É um espaço de trabalho, pesquisa, exposição de práticas, vivências que possibilitam a elaboração coletiva do conhecimento.

Cabe ressaltar que os participantes usaram seus diferentes olhares para analisar a experiência de adoecimento frente ao fenômeno do uso de álcool e outras drogas de forma problemática. A metodologia pela qual optamos inclui os participantes no diálogo freiriano, contribuindo com a produção dos modos de narrar a partir do contexto sociocultural de cada um, de cada grão de verdade.

Ao trabalhar com a pesquisa participativa, pretendemos identificar formas de conhecimento da experiência de adoecimento através da co-construção de entendimentos sociais, refletindo sobre a construção cultural do uso de álcool e outras drogas na nossa sociedade, por um público oprimido e vulnerável a rótulos, estereótipos, preconceitos, discriminação, que compõem o estigma (Thornicroft, 2006Thornicroft, G. (2006). Shunned: Discrimination Against People with Mental Illness. Oxford University Press.) e a injustiça epistêmica (Carel, 2016Carel, H. (2016). Phenomenology of Illness. Oxford University Press. United Kingdom.).

No primeiro momento, conversamos sobre a importância do sigilo, da confiança que cada um estava depositando no outro ao compartilhar a sua experiência, do papel que estavam exercendo como coautores da pesquisa ao analisarem suas etapas. Percebemos certa tensão no início, a qual consideramos compreensível por conta da condição de monitoramento do processo, mas à medida que as leituras foram sendo compartilhadas, e em seguida discutidas, analisadas, tecidas, os participantes iam ficando mais descontraídos, se apropriavam do seu texto, e chegavam a expressar bem-estar e alívio por estarem compartilhando aquele momento e também por se sentirem valorizados pelo lugar de copesquisador.

Nesse dia, analisamos a narrativa inicial e temporal da experiência de adoecimento, organizada em termos da sequência de eventos da primeira seção da MINI, composta por sete perguntas. Em seguida, todas as perguntas da seção foram lidas para recordar e foi solicitado que cada um compartilhasse a sua transcrição. Após a leitura de todos, discutimos o que era comum e o que não era, pontos que se repetiam ou não. Os participantes optaram por eleger um novo nome para os modos de narrar a experiência de adoecimento, diferente do estabelecido pelo roteiro da MINI. Para isso, a cada encontro, houve um processo de votação oral e a escolha dos títulos mais votados pelos participantes. Eles indicaram os seguintes títulos para a primeira seção: Mato sem cachorro, Reflexão, Perda de controle, Autoconhecimento e Caráter. Mato sem cachorro foi o mais votado para a Seção 1 – Experiência Inicial de Adoecimento.

O segundo encontro foi no dia 14 de abril de 2018, também um sábado às 9h30, no CAPS, com apenas sete participantes, porque os outros dois não compareceram. Tentamos contato telefônico com um deles, sem êxito; o outro participante ausente não tinha telefone. Nesse dia, analisamos duas seções da entrevista, seguindo o roteiro proposto pela MINI: narrativas sobre outras experiências prévias do entrevistado, de membros de sua família, de amigos, encontradas na mídia, e outras representações populares que serviram de modelo para a significação da experiência do adoecimento em questão e que aparecem como protótipos relacionados ao problema de saúde estudado, com sete perguntas, e narrativas sob forma de modelos explicativos do sintoma ou da doença, incluindo rótulos, atribuições causais, expectativas de tratamento, curso e resultado, com 16 perguntas.

Seguimos as orientações do encontro anterior, sentamo-nos em círculo e cada participante leu a sua transcrição em voz alta para compartilhar com os demais. Em seguida, realizamos a discussão sobre o que percebemos. Um tiro no escuro foi o primeiro título que surgiu, escolhido pelo usuário que se autodenominou Antenor, e logo corroborado pelos demais, não havendo votação para a seção 2 — Narrativa de Protótipo. O mesmo aconteceu com a seção seguinte, o participante Homem de Ferro apresentou Retrato Falado como sugestão e os demais participantes gostaram, escolhendo-o para a seção 3 — Narrativa de Modelo Explicativo. Nesse dia, encerramos as seções principais, e deixamos para o próximo encontro as subseções.

O terceiro encontro foi em 4 de maio de 2018, sábado, às 10h, no CAPS. Apenas cinco participantes compareceram, mesmo com todos os lembretes deixados com as equipes de referência. Um participante compareceu cedo ao CAPS, por volta de 7h30, não conseguiu esperar até 10h e foi embora. Questionado dias depois sobre o que acontecera, o participante relatou que tinha se esquecido que precisava voltar ao CAPS naquele dia. O outro participante ausente se justificou por ter aparecido um “bico”, um serviço que surgiu de última hora e não poderia recusar por precisar do dinheiro e por ter contas a pagar. Dos dois que já haviam faltado ao segundo encontro, um alegou desistência e o outro não estava indo ao CAPS nas últimas semanas; alguns colegas relataram que ele andava usando álcool exageradamente.

Por conta dessas situações, adiantamos os encontros e analisamos duas seções em um único dia, mas percebemos que foi cansativo. Levamos cerca de três horas para ler as duas seções e discutir sobre pontos que consideramos relevantes, como questões que se repetem ou não, das experiências próprias e das que ouviram. Nesse terceiro encontro, analisamos as subseções narrativas de busca e procura de ajuda, relatos sobre caminhos para chegar ao cuidado e relatos sobre a experiência de tratamento e adesão, com 11 perguntas, e narrativas do impacto da doença sobre a identidade, a autopercepção e as relações com os outros, com oito perguntas.

Para a quarta seção foram gerados quatro títulos para votação: Sistema funcional, Defesa pessoal, Rede e Eu quero que você se toque, que foi o título escolhido por votação. Fênix e Renascimento foram títulos que emergiram para votação para a quinta seção — Impactos sobre a Vida, para o qual os participantes escolheram o título Renascimento.

À vista disso, a pesquisa foi composta por dois momentos: a priori, a construção e validação das narrativas a partir do roteiro da MINI e, a posteriori, a elaboração do arcabouço temário sob a perspectiva dos usuários — as categorias nativas — já que fazem sentido no mundo prático, possuem um entendimento específico para os participantes da pesquisa, além de captar os pontos cruciais da experiência estudada.

Dessa forma, as entrevistas foram transcritas na íntegra; a partir desse ponto, os participantes puderam verificar e validar antes da análise. E, após análise dos modos de narrar a experiência de adoecimento, elegeram através de um processo de votação oral os temas que julgavam interessantes para compor o arcabouço temário. A seguir vamos destacar recortes da análise compartilhada que também foi audiogravada e transcrita na íntegra como resultado da investigação dos participantes a partir da experiência de adoecimento dos usuários de um CAPS AD III.

Análise e discussão dos resultados

Mato sem cachorro

Nesse dia foram lidas as transcrições da primeira seção da entrevista. Como se tratava de pessoas que já se conheciam por frequentar o mesmo espaço, a interação entre elas aconteceu facilmente em decorrência dos laços já estabelecidos e do respeito às diferentes opiniões, de acordo com o princípio de respeito que Sweeney (2005)Sweeney, A. (2005). The Ethics of Survivor Research: Guidelines for the Ethical Conduct of Research Carried Out by Mental Service Users and Survivors Alison Faulkner. Bristol: Policy Press, 2004, £9.95, 56 pp. ISBN: 1-86134-641-7. Psychiatric Bulletin, 29(10), 398-398. < https://doi.org/10.1192/pb.29.10.398>.
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aborda na pesquisa participativa. Observamos que a experiência inicial de adoecimento dos participantes se deu a partir de uma reflexão acerca do entendimento da vulnerabilidade humana, evidenciada por prejuízos psicossociais que emergiram no processo de entrevista e análise, salientando a severidade da situação e a busca por cuidado. O título eleito para o modo de narrar essa experiência partiu de outros nomes que surgiram, porém Antenor disse que a sensação que teve quando sentiu que estava doente é que se encontrava em um mato sem cachorro, e, imediatamente, os outros participantes concordaram com o título por identificação. Mato sem cachorro traduz o sentimento de frustração e impotência ilustrados pela análise compartilhada:

Eu observei que todos só procuram ajuda quando estão no fundo do poço, acredito que a pessoa enquanto está na zoeira ela vende tudo, perde tudo, aí que resolvemos buscar ajuda antes de morrer, acredito que essa é a semelhança entre nós. (Homem de Ferro)

Sobre a primeira vez que perceberam que estavam com algum problema, emergiu o tema Perda, descrito por Toombs (2012)Toombs, K. (2012). The meaning of illness: A phenomenological account of the different perspectives of physician and patient. Departament of Philosofy, Baylor University. como característica da experiência de adoecimento, classificado em cinco tipos: perda da integridade, perda de certeza, perda de controle, perda de liberdade de agir e perda do mundo familiar. Essas perdas representam a experiência vivida de doença em seu imediatismo qualitativo e são aquelas que qualquer paciente, em qualquer que seja o estado de doença, vai experimentar. Cumulativamente, representam o impacto da doença no ser-no-mundo do paciente.

Eu só percebi a doença através das perdas (...) (Francisco)

A partir da experiência vivida, os pacientes constroem as narrativas de doenças através das quais se comunicam com os profissionais da saúde, em busca dos significados atribuídos ao sofrimento, explorando o relato e reelaborando-o em uma narrativa que procura enquadrar biograficamente o processo de adoecimento para além da perspectiva biomédica, como Francisco, que só percebeu seu adoecimento pelas perdas (Nunes et al., 2010Nunes, E. D., Castellanos, M. E. P., & Barros N. F. (2010). A experiência com a doença: da entrevista à narrativa. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online]. 2010, 20(4), 1341-1356. ISSN 0103-7331. <https://doi.org/10.1590/S0103-73312010000400015>.
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).

Acho a história de todos muito parecida; eu acho que a história é a mesma e muda os personagens, porque todo mundo se dá conta que está doente quando começa a perder tudo, família, perde emprego, começa a vender as coisas, aí vai perdendo... Todo mundo se deu conta de que estava doente depois que viu que estava perdendo realmente as coisas, não só materiais como também afetivas, e a vida (...) (Carol)

Essas narrativas demonstram uma reflexão a partir da sequência de eventos, episódios marcantes, associados ao uso problemático de álcool e outras drogas, além de destacar estereótipos sociais negativos que desvalorizam e desqualificam o conhecimento pertencente a esse grupo. Tais julgamentos depreciativos ignoram a credibilidade do sujeito com base nesses marcadores de identidades sociais devido ao seu pertencimento a determinado grupo social (Fricker, 2007Fricker, M. (2007). Epistemic Injustice: Power and the Ethics of Knowing. Oxford University Press.).

Um tiro no escuro

Os pesquisadores decidiram escolher Um tiro no escuro para nomear esse modo de narrar a experiência. Foi o primeiro nome que surgiu através do participante Antenor; os demais concordaram, acharam interessante e compatível com os seus sentimentos e experiências, já que não dá para prever o resultado a partir da influência das experiências de outras pessoas que possam servir de modelo para a significação da experiência de adoecimento. A pesquisa privilegiou o diálogo em detrimento da linguagem acadêmica, de acordo com outro princípio aplicado, o princípio da acessibilidade (Sweeney, 2005Sweeney, A. (2005). The Ethics of Survivor Research: Guidelines for the Ethical Conduct of Research Carried Out by Mental Service Users and Survivors Alison Faulkner. Bristol: Policy Press, 2004, £9.95, 56 pp. ISBN: 1-86134-641-7. Psychiatric Bulletin, 29(10), 398-398. < https://doi.org/10.1192/pb.29.10.398>.
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), que permite que todos participem e troquem experiências. Questionados sobre o que a leitura das transcrições provocou em cada um, obtivemos, entre outras, as seguintes respostas para a construção da análise:

Pra mim todo mundo aqui teve uma revolta, por algum motivo, por alguma coisa, para começar a beber ou a usar droga, todo mundo se revoltou e partiu para esse mundo aí. (Homem de Ferro)

O comum entre a gente é o uso constante da droga, a facilidade, a queda que é grande e a ajuda que procuram no CAPS, na igreja, outras coisas que procuram para manter longe da droga. (Magnésio)

A família em algum ponto entrou, seja criticando ou ajudando, a revolta com a família, ou a revolta da família com a pessoa, acho que família foi uma palavra bem... (Carol)

Após a fala de Carol, Magnésio completou... “bem forte”.

Antenor considerou que: “Se a pessoa não tiver uma amizade ruim, não chegava nesse ponto, amizade leva”. E então, Magnésio disse a Antenor: “Você se deixava influenciar pelos colegas. O colega faz, e você faz se quiser”. Enquanto José conclui:Eu acho que é falta de atenção da família, é uma revolta, um descaso...”

Nesse caso, a análise do material pelos participantes acima remetem à experiência familiar, o que nos leva a considerar que o fato de ser familiar de uma pessoa que faz uso problemático de álcool e outras drogas é considerado como uma experiência “difícil”, “estressante” e de “sobrecarga”, principalmente no momento de início da doença, durante a “crise” ou agravamento dos sintomas. Na maioria dos casos, os familiares também vivenciam a experiência de adoecimento, junto com o usuário, necessitando de cuidados para restabelecer sua saúde física e mental.

A sobrecarga da família (family burden) refere-se às consequências de um cotidiano afetado por desestruturação familiar, social e profissional, além dos gastos financeiros e da convivência com o uso problemático de álcool e outras drogas, situações que causam um grande desgaste físico, mental e emocional. Sob este olhar, Delgado (2014)Delgado, P. G. G. (2014) Sobrecarga do cuidado, solidariedade e estratégia de lida na experiência de familiares de Centros de Atenção Psicossocial. Revista Physis, 24(4), out./dez. 2014. Recuperado em 10 jan. 2021 de: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010373312014000401103&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>.
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aponta em sua pesquisa que os familiares de pacientes que sofrem com transtornos mentais graves e persistentes, quando assumem as incumbências do cuidado cotidiano, frequentemente relatam uma experiência de elevada exigência pessoal e que traz importantes limitações à sua vida diária.

No decorrer da prática em CAPS AD, percebe-se uma baixa procura de familiares, certamente afetados pela sobrecarga mencionada acima. Daí a necessidade de os CAPS investirem na participação dos familiares no cotidiano dos serviços, já que o grupo familiar é o elo mais próximo que os usuários possuem com o mundo. As ações dirigidas às famílias têm como base o estímulo e o apoio necessário à construção de projetos voltados à reinserção familiar e social.

Retrato falado

Analisamos esse modo de narrar na mesma data em que a seção anterior, em 14 de abril de 2018, com os mesmos sete participantes. Trata-se do modelo explicativo, narrativas sob forma de modelos explicativos do sintoma ou da doença, incluindo rótulos, atribuições causais, expectativas de tratamento, curso e resultado. O título Retrato falado foi sugerido por Homem de Ferro, e os demais participantes aprovaram por gerar um sentimento de reconhecimento e compreensão da própria realidade. Os participantes relataram que tinham se visto durante a leitura das transcrições; eles tinham se reconhecido na leitura, era como se fosse um retrato falado. No processo de análise desse modo de narrar, discriminação foi o ponto comum da discussão e é um dos componentes do processo de estigma, já que conduz os indivíduos a um comportamento de evitação ou exclusão em relação a determinado grupo social (Thornicroft, 2006Thornicroft, G. (2006). Shunned: Discrimination Against People with Mental Illness. Oxford University Press.). A discriminação está muito presente no dia a dia dos usuários do CAPS AD III, seja nas relações familiares, através dos profissionais que compõem a rede de atenção psicossocial ou na sociedade em geral. Destacamos aqui alguns recortes dessa análise:

Sobre esta etapa observou a discriminação como ponto comum, todos chamam de brigão, drogado, cachaceiro, tipos de adjetivos que ninguém gosta. (Magnésio)

Quando há discriminação aí que as pessoas usam a droga mesmo, porque se sentem julgadas, como se não tivessem mais jeito. (Antônio)

A gente começa devagarinho, e conforme vamos ouvindo, você é isso, você faz assim, você faz assado, aquilo vai entrando na sua cabeça e vai tomando proporções muito maiores, são muitas situações e quando você se dá conta já é tarde, a agressão física, verbal, humilhação, a gente é xingado, vários termos que foram usados aqui, e acho que precisamos acreditar mais na gente, porque quando a gente acredita naquilo que as pessoas falam é bem complicado... (Carol)

Diante da narrativa de Carol, percebemos os efeitos do processo de estigmatização. De acordo com Goffman (1975)Goffman, E. (1975). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Zahar., a própria sociedade cria formas de categorizar as pessoas que ficam conhecidas por seus atributos; é como se elas acabassem possuindo uma “identidade social”. No entanto, a sociedade não percebe que as está transformando em expectativas normativas, e, ainda, ignoram que fazem tais exigências. Ao fazer isto, é como se imputassem uma identidade social virtual nessas pessoas. Mas, na verdade, o que elas carregam, suas características e realidade, são o que as fazem possuir uma identidade social. Vale destacar que essas pessoas marcadas por seus atributos são vistas como negativas e menos desejáveis por suas diferenças. Assim como Carol, os outros participantes e usuários em geral sofrem as consequências negativas por serem rotulados e estereotipados como seres indesejáveis e improdutivos.

Eu quero que você se toque

Nesse universo da narrativa em primeira pessoa com participantes do CAPS AD III, buscamos entender como os usuários percebem o cuidado na rede do município, no cenário do uso problemático de álcool e drogas. O título desse modo de narrar ganhou por votação. Foi escolhido por Carol para denunciar a fragmentação do serviço de saúde mental na rede de saúde em geral. Os participantes consideraram que é clara a exclusão do usuário de álcool e outras drogas da rede de saúde bem como do meio social:

Não sou bem acolhida na rede. (Carol)

Eu nunca usei a rede, vou à UPA quando necessário. (Magnésio)

Somos invisíveis na rede, não procuramos por vergonha, e quando a gente procura tem profissionais que têm dificuldades de lidar, por não saber o que dizer, orientar. Eu acho que as pessoas têm dificuldades de lidar com crise na U PA (...) eu tive um princípio de overdose e fui muito bem atendida; da outra vez eu tive uma crise nervosa, a médica que me atendeu foi extremamente grosseira comigo, dizendo que eu teria que tomar vergonha na cara, que eu estava fazendo gracinha... (Carol)

A UPA não tem preparo para lidar com a situação, a não ser se for mal físico, ou overdose, mas o tratamento mesmo é aqui, é no CAPS. (Homem de Ferro)

Nesse sentido, a análise dos resultados aponta uma rede afetada pela falta de acolhimento do usuário nos serviços de saúde, marcada por um processo de estigma que resulta no não acesso e na invisibilidade. O caminho percorrido registrou um processo de isolamento social e barreira de acesso a tratamentos das pessoas que fazem uso problemático de álcool e outras drogas em outros equipamentos da saúde.

Nessa linha, parte-se do sujeito com experiência de sofrimento psíquico que é quem contesta o saber e a prática da psiquiatria, recusando a ideologia psiquiátrica; trabalha-se com vistas a desenvolver uma prática pautada nas necessidades concretas e reais do sujeito, contextualizadas e articuladas com sua história de vida, seus modos de comunicação e expressão no mundo (Braga, 2019Braga, C. P. (2019). A perspectiva da desinstitucionalização: chaves de leitura para compreensão de uma política nacional de saúde mental alinhada à reforma psiquiátrica. Saúde soc. [online], 28(4), 198-213. <https://doi.org/10.1590/s0104-12902019190125>.
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).

Renascimento

Aqui analisamos nos modos de narrar o impacto da doença sobre a identidade, a autopercepção e as relações com os outros. Renascimento foi o título escolhido por voto como o mais representativo, segundo os participantes, já que sentem necessidade de criar estratégias diárias para a ressignificação das suas vidas.

(...) A autoconfiança da pessoa pra chegar demora muito, se você vai trabalhar numa firma, e sabem que você tem abuso diariamente, vai falar o cara pode ser gente boa e tudo, mas ele bebe (...) (Tomé)

Identifica-se nas narrativas forte estigma, carregado de conotações morais. Essa situação restringe os direitos e oportunidades dos usuários, porque esses preconceitos funcionam como uma barreira no acesso à vida social plena e aos serviços de que possam necessitar, ficando, dessa forma, dependentes dos “outros”, restritos e impedidos nas diversas formas de expressão.

Os relatos em primeira pessoa foram ferramentas importantes para a compreensão do processo de adoecimento vivido na perspectiva do usuário (Leal et al., 2016Leal, E. M., Souza, A. N., Serpa Júnior, O. D., Oliveira, I. C., Dahl, C. M., Figueiredo, A. C., Salem, S., & Grouleau, D. (2016). McGill Entrevista Narrativa de Adoecimento – MINI: tradução e adaptação transcultural para o português. Ciência & Saúde Coletiva, 21(8), 2393-2402.). Além disso, pudemos perceber também as dificuldades que se operam frente ao olhar de outras disciplinas e outros setores que compõem a rede que assiste o usuário. Nesse sentido, a abordagem adotada na pesquisa criou espaço para a construção de diálogos sob a ótica de cada participante para analisar a experiência de adoecimento frente ao fenômeno de usar álcool e outras drogas na perspectiva da análise compartilhada do estudo.

Considerações finais

No momento em que estamos vivenciando um desmonte dos avanços alcançados pela reforma psiquiátrica e uma condenação das estratégias de redução de danos, nossa investigação baseada na análise compartilhada sob a lógica do cuidado possibilita aos trabalhadores da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS compreensão e melhoria do mundo vivido ajustado à voz do usuário, dando sentido ao sofrimento vinculado à experiência da doença.

A partir dos modos de narrar obtidos no primeiro momento, os participantes se envolveram para um segundo momento, que consistiu num diálogo reflexivo acerca das vivências compartilhadas.

Os resultados anunciam narrativas atravessadas pelo desamparo psíquico, por perdas e pela invisibilidade na rede de atenção psicossocial, um dos principais achados deste estudo. Reconhecemos, no decorrer do arcabouço temário, que as narrativas em primeira pessoa foram ferramentas importantes para a compreensão do adoecimento e construção do diálogo reflexivo na perspectiva da singularidade e do respeito às diferenças, divergindo de posturas rígidas e valores morais que resultam em um processo excludente de pessoas minimizadas pelas lentes sociais, ou seja, nosso objetivo de promover vozes sempre tão estigmatizadas foi alcançado através da pesquisa participativa aplicada na etapa de análise de dados. A pesquisa é fidedigna por apresentar o que foi percebido no momento da entrevista e análise; no entanto, assim como qualquer dado de pesquisa, precisa ser validado por pesquisas futuras.

Ao analisar o material e fazer a escolha dos títulos por votação do temário da pesquisa, os participantes compartilharam suas realidades e isso implicou na construção das próprias histórias, no estreitamento dos laços, na compreensão uns dos outros, com base no mundo vivido, entre pesquisador e participantes.

Assim, ao analisar as suas histórias em grupo sob o aspecto da perspectiva do cuidado, os participantes deram sentido às suas próprias experiências, o que gerou uma tessitura do fenômeno descrito.

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Editor/Editor: Prof. Dr. Nelson da Silva Jr.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Set 2022

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2021
  • Revisado
    04 Jul 2022
  • Aceito
    22 Ago 2022
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