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Digestibilidade de nutrientes em ração com complexo enzimático para tilápia-do-nilo

Nutrient digestibility in diets with enzyme complex for Nile tilapia

Resumos

Um ensaio de digestibilidade foi conduzido para avaliar os efeitos da suplementação de ração com um complexo enzimático contendo celulase, protease e amilase sobre a digestibilidade dos nutrientes em juvenis de tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus). As rações experimentais eram isoprotéicas (30% PB), isoenergéticas (4.243 kcal/kg EB) e foram suplementadas com complexo enzimático comercial contendo celulase, protease e amilase nos níveis de 0,0; 0,025; 0,050; 0,075 e 0,1%. A determinação da digestibilidade aparente foi realizada pelo método indireto, com uso de óxido de cromo (Cr2O3) como indicador de digestibilidade. Foram utilizados 50 juvenis machos de tilápia-do-nilo (90 ± 15 g) distribuídos aleatoriamente em dez incubadoras adaptadas para ensaio de digestibilidade. O experimento foi conduzido em três períodos experimentais, com cinco tratamentos e duas repetições por período. A adição do complexo enzimático à ração melhorou o coeficiente de digestibilidade aparente de matéria seca, proteína bruta, energia bruta, amido, cácio e fósforo. Entre os níveis testados, o de 0,05% de complexo enzimático proporcionou os valores mais expressivos.

enzimas exógenas; Oreochromis niloticus; piscicultura


A digestibility trial was conducted to evaluate the effects of the supplementation of the ration with a enzyme complex containing cellulase, protease and amylase on the digestibility of nutrients in Nile tilapia juveniles (Oreochromis niloticus). The experimental diets were isoprotein (30% CP), isoenergy (4,243 kcal/kg of GE) and supplemented with a commercial enzyme complex containing cellulose, protease and amylase at the levels of 0.0, 0.025, 0.050, 0.075, and 0.1%. The apparent digestibility was determinated by the indirect method using chrome oxide (Cr2O3) as an indicator of digestibility. A total of 50 male Nile tilapia juveniles (90 ± 15 g) were randomly allotted to ten hatchers adapted for the digestibility trial. The experiment was conducted in three experimental periods, with five treatments and two replicates per period. The addition of the enzyme complex to the diet improved the apparent digestibility coefficient of dry matter, crude protein, gross energy, starch, calcium and phosphorus. Among the tested levels, the 0.05% of enzyme complex provided the most expressive values.

fishculture; exogenous enzymes; Oreochromis niloticus


AQÜICULTURA

Digestibilidade de nutrientes em ração com complexo enzimático para tilápia-do-nilo1 1 Parte da Dissertação do primeiro autor.

Nutrient digestibility in diets with enzyme complex for Nile tilapia

Giovanni Resende de OliveiraI; Priscila Vieira Rosa LogatoII; Rilke Tadeu Fonseca de FreitasII; Paulo Borges RodriguesII; Elias Tadeu FialhoII; Flávia Cristina DiodattiI

IM.Sc.em Zootecnia. EPAMIG/FEFX

IIDepartamento de Zootecnia - UFLA

RESUMO

Um ensaio de digestibilidade foi conduzido para avaliar os efeitos da suplementação de ração com um complexo enzimático contendo celulase, protease e amilase sobre a digestibilidade dos nutrientes em juvenis de tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus). As rações experimentais eram isoprotéicas (30% PB), isoenergéticas (4.243 kcal/kg EB) e foram suplementadas com complexo enzimático comercial contendo celulase, protease e amilase nos níveis de 0,0; 0,025; 0,050; 0,075 e 0,1%. A determinação da digestibilidade aparente foi realizada pelo método indireto, com uso de óxido de cromo (Cr2O3) como indicador de digestibilidade. Foram utilizados 50 juvenis machos de tilápia-do-nilo (90 ± 15 g) distribuídos aleatoriamente em dez incubadoras adaptadas para ensaio de digestibilidade. O experimento foi conduzido em três períodos experimentais, com cinco tratamentos e duas repetições por período. A adição do complexo enzimático à ração melhorou o coeficiente de digestibilidade aparente de matéria seca, proteína bruta, energia bruta, amido, cácio e fósforo. Entre os níveis testados, o de 0,05% de complexo enzimático proporcionou os valores mais expressivos.

Palavras-chave: enzimas exógenas, Oreochromis niloticus, piscicultura

ABSTRACT

A digestibility trial was conducted to evaluate the effects of the supplementation of the ration with a enzyme complex containing cellulase, protease and amylase on the digestibility of nutrients in Nile tilapia juveniles (Oreochromis niloticus). The experimental diets were isoprotein (30% CP), isoenergy (4,243 kcal/kg of GE) and supplemented with a commercial enzyme complex containing cellulose, protease and amylase at the levels of 0.0, 0.025, 0.050, 0.075, and 0.1%. The apparent digestibility was determinated by the indirect method using chrome oxide (Cr2O3) as an indicator of digestibility. A total of 50 male Nile tilapia juveniles (90 ± 15 g) were randomly allotted to ten hatchers adapted for the digestibility trial. The experiment was conducted in three experimental periods, with five treatments and two replicates per period. The addition of the enzyme complex to the diet improved the apparent digestibility coefficient of dry matter, crude protein, gross energy, starch, calcium and phosphorus. Among the tested levels, the 0.05% of enzyme complex provided the most expressive values.

Key Words: fishculture, exogenous enzymes, Oreochromis niloticus

Introdução

Programas alimentares eficientes e a máxima utilização dos nutrientes alimentares são a principal preocupação da piscicultura diante da alta demanda mundial de pescados a curto e médio prazos.

Os ingredientes de origem vegetal mais utilizados em dietas para não-ruminantes são relativamente ricos em amido e proteína, mas contêm nutrientes não digeríveis presentes na parede celular, como os polissacarídeos não-amiláceos (PNAs), os oligossacarídeos e outros não-carboidratos (glicoproteínas, ésteres fenólicos, lignina). A hemicelulose também não é totalmente digerível.

Os PNA exercem "efeito barreira" à ação das enzimas hidrolíticas ao aprisionarem os grãos de amido no interior das células do endosperma e/ou outros nutrientes, como as proteínas nas paredes celulares. Os tratamentos térmicos não são capazes de liberar, por si só, os nutrientes não digeríveis de ingredientes de origem vegetal, como a soja. Portanto, é necessária a adoção de outras estratégias para remover os efeitos deletérios dessas substâncias.

Essas situações limitam o uso de ingredientes de origem vegetal em dietas para peixes, como o farelo de soja, especialmente nos animais jovens. Entretanto, pesquisas recentes comprovam que a degradação das paredes celulares dos ingredientes de origem vegetal permite maximização da ação enzimática endógena do animal sobre a degradação do amido, da gordura e da proteína, aumentando sua digestibilidade.

Considerando que a tilápia aproveita bem os aminoácidos e monossacarídeos livres, é possível que a suplementação das rações com complexo enzimático propicie o aproveitamento dos conteúdos protéico e energético, expressos nas consideráveis frações de PNA e amido presentes em ingredientes de origem vegetal, como farelo de soja e milho, respectivamente.

Nesse sentido, ao permitir melhoria do valor nutricional dos nutrientes e aumento da disponibilidade de minerais dos alimentos, verifica-se considerável redução na excreção de sólidos fecais, P e N, o que contribui indiretamente para a redução da poluição ambiental.

Este estudo foi conduzido para avaliar os efeitos da suplementação da ração com complexo enzimático contendo celulase, protease e amilase sobre a digestibilidade dos nutrientes em juvenis de tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus).

Material e Métodos

O experimento foi realizado na Sala de Metabolismo de Peixes da Estação de Piscicultura da UFLA, Lavras-MG, no período de 15/4/2005 a 15/9/2005. A estrutura física foi composta de dez incubadoras adaptadas para ensaios de digestibilidade, providas de um sistema de aeração e controle de temperatura, mantidas constantes por meio de bombas propulsoras de ar e termostatos calibrados para 25ºC, respectivamente. As variáveis físico-químicas da água (temperatura, oxigênio dissolvido e pH) foram monitoradas diariamente.

A determinação da digestibilidade aparente dos alimentos testados foi feita de acordo com Nose (1966) pelo métdo indireto de coleta de fezes utilizando-se 0,1% de óxido de cromo (Cr2O3) como indicador de indigestibilidade, adicionado à ração (Tabela 1).

Foram utilizados 50 machos de tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus), variedade nilótica (90 ± 15 g de peso corporal), obtidos por meio de sexagem manual.

O experimento foi conduzido em três períodos experimentais, com cinco níveis de complexo enzimático (0,0; 0,25; 0,50; 0,75 e 1,0 g/kg de ração) e duas repetições por período. A unidade experimental foi composta de cinco peixes por incubadora.

Para determinação do efeito da suplementação da ração com complexo enzimático (CE) sobre os coeficientes de digestibilidade aparente da energia e dos nutrientes, utilizou-se uma ração farelada à base de farelo de soja e milho, elaborada de acordo com os níveis mínimos recomendados pelo NRC (1993). Às rações experimentais, foram adicionadas quantidades crescentes (0,0; 0,25; 0,50; 0,75 e 1,0 g/kg, correspondentes a 0,0; 0,025; 0,050; 0,075 e 0,1%, respectivamente) de complexo enzimático (Allzyme Vegpro-Alltech), composto de celulase, protease e amilase. O tratamento controle constituiu-se da ração isenta do complexo enzimático.

Os componentes das rações foram moídos em triturador tipo faca com peneira de 1,0 mm e, após pesagem e homogeneização, inclusive do complexo enzimático, foi acrescida água na proporção de 60% do peso total de cada ração. A mistura resultante foi peletizada em moinho de carne e desidratada em estufa de ventilação forçada a 55°C.

O período pré-experimental foi de aproximadamente 30 dias. No período de adaptação utilizado para cada tratamento, de cinco dias (Meurer et al., 2003), os peixes foram mantidos nas próprias incubadoras, onde foram alimentados com dieta a 3% do peso vivo, três vezes por dia (8, 12 e 16h).

Após a última refeição do dia, realizou-se a limpeza das incubadoras, que foram esvaziadas em 30% de seu volume de água para retirada de qualquer resíduo. A coleta de fezes foi feita diariamente pela manhã (7h), mantendo-se intervalo de 24 horas entre as coletas e 16 horas após a última alimentação, utilizando-se peneira de malha plástica e uma bacia para a separação das fezes da fração líquida presente nos coletores de fezes.

As rações e as fezes foram analisadas no Laboratório de Nutrição animal do Departamento de Zootecnia da UFLA para determinação dos teores de MS, PB e óxido crômico (Cr2O3), de acordo com os métodos descritos por AOAC (1995). A energia bruta (EB) foi determinada em bomba calorimétrica conforme metodologia descrita por Silva (1990). O cálcio (Ca) e fósforo total (Pt) foram determinados no Laboratório de Análise Foliar do Departamento de Ciência dos Solos, pela metodologia de espectometria de absorção atômica, segundo Zagatto et al. (1979). O amido foi determinado no Laboratório do Departamento de Ciência dos Alimentos, de acordo com a metodologia redutométrica de Somogy, modificado por Nelson (1944).

Após determinação dos teores de nutrientes e Cr2O3 nas fezes e nas rações, realizou-se o cálculo do fator de indigestibilidade, segundo a equação (Nose, 1966, citado por Albernaz, 2000):

As análises estatísticas dos resultados obtidos foram realizadas por meio do software SISVAR - versão 4.3 (Ferreira, 2003) e o melhor nível do complexo enzimático foi determinado por análise de regressão, adotando-se a equação que melhor se ajustou aos dados.

Resultados e Discussão

Os parâmetros físico-químicos monitorados durante toda a fase experimental, temperatura diária (24,9°C ± 0,9), oxigênio dissolvido (4,7 mg/L ± 0,6) e pH (6,7 ± 0,2) da água dos tanques de digestibilidade mantiveram-se dentro dos padrões descritos por Kubtza (2004) para o bom desenvolvimento da espécie e possivelmente não influenciaram os resultados encontrados ao final do ensaio.

A adição do complexo enzimático na dieta teve efeito quadrático (P<0,05) sobre os coeficientes de digestibilidade da MS, PB e EB (Tabela 2) em juvenis de tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus).

Os níveis do complexo enzimático que proporcionaram melhores valores (P<0,05) de coeficiente de digestibilidade aparente da MS, PB e EB foram 0,0495; 0,051 e 0,0498%, respectivamente (Figuras 1a, 1b e 1c).


No melhor nível estimado, a suplementação enzimática das rações aumentou (P<0,05) os coeficientes de digestibilidade da MS, PB e EB em 8,0; 24,7 e 7,9%, respectivamente, em relação à dieta controle, sem complexo enzimático. Assim, verifica-se que a adição simultânea de enzimas exógenas (celulase, protease e amilase) à dieta foi benéfica até o nível de 0,05%, pois permitiu maior aproveitamento do conteúdo protéico e energético da dieta pelos juvenis de tilápia-do-nilo.

Os resultados encontrados estão de acordo com os obtidos por Ng et al. (2002), que avaliaram o efeito do pré-tratamento do farelo de miolo de palma (PKM) com complexo enzimático comercial (Allzyme Vegpro™) e observaram melhora na digestibilidade de MS, proteína, lipídeo e energia em tilápia-vermelha (Oreochromis sp.).

A influência da fibra no desempenho de peixes é ainda pouco estudada e pode estar relacionada à sua composição percentual em celulose, hemicelulose, lignina e sílica, entre outros (Meurer, 2003). Os resultados de pesquisas sobre o efeito de diferentes níveis de fibra bruta na dieta de peixes são contraditórios (Pereira-Filho, 1995). Além de ser considerada uma fonte de energia não disponível para a maioria dos peixes (Pezzato, 1997, 1999), a celulose geralmente diminui o tempo de esvaziamento do trato gastrintestinal, ao contrário do que ocorre com polissacarídeos não-amilaceos solúveis (Wenk, 2001). Provavelmente, ao promover a atuação da enzima celulase sobre a celulose, haveria maior contribuição energética da fibra bruta em relação à energia total da dieta, bem como menor tempo de retenção do bolo alimentar pelo trato digestivo, o que poderia refletir positivamente no desempenho dos peixes.

Entretanto, uma dieta que promova baixa retenção do bolo alimentar pode resultar também em menor aproveitamento do alimento, que permaneceria no trato digestivo tempo insuficiente para sofrer os processos de digestão e absorção. Portanto, é muito importante a definição das concentrações dietéticas de fibra bruta adequadas para cada espécie de peixe e a determinação de sua composição.

Ogunkoya et al. (2005) também verificaram efeito positivo sobre os coeficientes de digestibilidade aparente de MS, PB, lipídeo, fósforo e energia ao estudarem a incorporação de farelo de soja e de um complexo enzimático composto por xilanase, amilase, celulase, protease e b-glucanase à dieta de truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss). Todavia, Stone et al. (2003) utilizaram complexo enzimático composto pelas enzimas b-glucanase e b-xilanase, específicas para PNA, em rações para Silver Perch (Bidyanus bidyanus) e não observaram efeito sobre a digestibilidade aparente de matéria seca, energia ou proteína.

Segundo Ouhida et al. (2002), o tratamento de cascas e cotilédones de soja com enzimas degradadoras de parede celular (pectinase, xilanase e celulase) resultou na liberação de pelo menos 7% dos monossacarídeos componentes das frações não solúveis em água, enquanto as misturas de enzimas (complexos) ajudaram na digestão de amido e proteínas. Nesse sentido, Forsberg et al. (1993) afirmaram que as pesquisas devem ser realizadas com combinações diferentes de enzimas puras, isto é, não somente aquelas com ações sinérgicas.

Essas considerações fortalecem a idéia de que os complexos enzimáticos formados por enzimas com características sinérgicas e aditivas são mais efetivos no aproveitamento do conteúdo energético e protéico da dieta por agirem de forma complementar e simultânea.

As celulases destacaram-se como o mais importante grupo de enzimas necessárias para a degradação de paredes celulares de plantas vasculares (Saha et al., 2006) e possibilitam maximização da ação enzimática endógena do animal sobre a hidrólise de amido, lipídio e proteína, aumentando sua digestibilidade. Mono e dissacarídeos possuem alta digestibilidade em diversas espécies de peixes, independentemente de seu nível na dieta (Singh & Nose, 1967; Hilton et al., 1982; Storebakken et al., 1998). As tilápias se destacam entre as espécies onívoras na utilização dos aminoácidos das fontes protéicas convencionais e alternativas de origem vegetal (Fagbenro, 1998).

Assim, a escolha da enzima celulase para compor complexos enzimáticos pode significar um fator preponderável para obtenção de resultados positivos sobre a digestibilidade aparente de MS, PB e principalmente energia bruta, assim como de outros nutrientes para a tilápia-do-nilo. Entretanto, para confirmar isso, é necessário verificar os efeitos da adição de celulase, isoladamente, em rações para juvenis de tilápia-do-nilo, a fim de determinar se esta enzima é capaz de aumentar o coeficiente de digestibilidade da energia bruta pelo maior aproveitamento do conteúdo de energia da fibra, mais especificamente da glicose.

A atuação do complexo enzimático neste estudo pode ser explicada pela ação da celulase na destruição das barreiras à ação enzimática (parede celular) (Carré et al., 1990) e da participação da amilase e protease na transformação do amido e da proteína disponibilizados em seus respectivos constituintes (monômeros). Apesar de não terem utilizado complexos enzimáticos, Ghosh (2001) e Stone et al. (2003), ao adicionarem a enzima a-amilase em dietas para alevinos de Rohu (Labeo rohita) e juvenis de Silver Perch (Bidyanus bidyanus), respectivamente, também observaram melhora significativa nos coeficientes de digestibilidade da MS e PB, o que pode ser explicado pelo efeito poupador de energia, decorrente do maior aproveitamento de amido.

Entretanto, no estudo de Stone et al. (2003) com Silver Perch (Bidyanus bidyanus), os efeitos positivos da adição de a-amilase só foram verificados para a dieta à base de amido de trigo cru, enquanto, para amido gelatinizado, não foi observada melhora significativa. Isto evidencia que materiais de origem vegetal com menor grau de processamento podem apresentar maior potencial de resposta à adição de enzimas exógenas, permitindo em alguns casos melhor relação custo/benefício na fabricação de rações caseiras para peixes.

Na maioria das pesquisas envolvendo a adição de enzimas exógenas em dietas para peixes, os coeficientes de digestibilidade aparente apresentaram respostas positivas e crescentes até determinado nível de inclusão e, a partir desse ponto, demonstraram tendência de estabilização ou declínio. Um comportamento parecido foi observado neste estudo, portanto, a concentração excessiva de enzimas ou de uma enzima específica pode ter influência negativa sobre a digestibilidade dos nutrientes.

O uso de enzimas inadequadas ou em concentrações excessivas pode causar perda de material endógeno, como resultado da interação direta com o trato gastrintestinal de aves (Cowieson et al., 2006). Do mesmo modo, essa interação poderia resultar em diminuição da capacidade de absorção de nutrientes pelo trato digestório de peixes, em decorrência de lesão de enterócitos, microvilosidades e/ou outras estruturas relacionadas à absorção.

Outra provável explicação para esse comportamento é o fato de que as preparações enzimáticas com elevadas atividades de protease podem apresentar efeito negativo, pois realçariam a digestão das proteínas, incluindo a digestão das próprias enzimas adicionadas.

Houve efeito quadrático (P<0,05) da adição do complexo enzimático sobre o coeficiente de digestibilidade aparente do amido, do cálcio (Ca) e do fósforo (P) em juvenis de tilápia-do-nilo (Tabela 3). O nível do complexo enzimático que proporcionou melhores valores de digestibilidade do amido, Ca e P foi o de 0,05% (Figuras 2, 3a e 3b).




A suplementação enzimática das rações aumentou os coeficientes de digestibilidade do amido, do cálcio e do fósforo em 15,6; 0,7 e 3,0%, respectivamente, em relação à dieta controle. Esses resultados estão de acordo com o trabalho de Stone et al. (2003) que, ao adicionarem a enzima a-amilase em dietas para juvenis de Silver Perch (Bidyanus bidyanus), também observaram melhores coeficientes de digestibilidade aparente de amido.

Algumas espécies de peixes apresentam diminuição na digestibilidade do amido quando se aumenta o nível desse nutriente na dieta (Singh & Nose, 1967; Hemre et al., 1989, 1995; Buddington et al., 1987; Arnesen et al., 1995; Grisdale-Helland & Helland, 1998; Burel et al., 2000; Hillestad et al., 2001; Krogdahl et al., 2003). A dependência da digestibilidade do amido em relação no nível de inclusão na dieta se deve à capacidade limitada de algumas espécies de peixes em digerir esse nutriente (Krogdahl et al., 2005).

Noy & Sklan (1995) verificaram baixa digestibilidade ileal do amido e da gordura em pintos alimentados com milho e farelo de soja e afirmaram que a inclusão de enzimas exógenas pode melhorar a digestibilidade deste nutriente. Wyatt & Bedford (1998) relataram, em seu estudo com aves, que um dos principais efeitos das enzimas ocorre sobre a taxa de digestão do amido no intestino delgado. Esses autores confirmaram a digestão incompleta do amido até o final do íleo e obtiveram, com inclusão de enzimas, melhora significativa de 2% na digestão do amido.

Considerando que a amilase sofre inibição de fatores protéicos presentes em leguminosas e que esses fatores são inativados pela ação de pepsinas no estômago de peixes e por meio de tratamentos térmicos, é necessária a realização de pesquisas envolvendo peixes agástricos a fim de determinar o grau de inibição da amilase ao serem utilizadas rações práticas com menor grau de processamento.

Na literatura consultada, não foram encontrados trabalhos sobre a digestibilidade aparente de cálcio para peixes. Entretanto, para aves, há relatos de aumento na digestibilidade do cálcio com a adição de enzimas exógenas à ração. Neste estudo, verificou-se efeito positivo sobre os coeficientes de digestibilidade dos nutrientes em tilápias-do-nilo ao ser utilizada ração suplementada com complexo enzimático em sua alimentação. Ressalta-se que houve aumento na digestibilidade aparente de fósforo (CDAP), mesmo sem a presença de fitase.

Ogunkoya et al. (2005) também verificaram efeito positivo sobre os coeficientes de digestibilidade aparente do fósforo ao estudarem a incorporação de farelo de soja e de um complexo enzimático à dieta de trutas arco-íris (Oncorhynchus mykiss).

As diferentes respostas à adição de enzimas exógenas podem advir também da variabilidade na atividade e da presença de carboidrases endógenas nas diferentes espécies de peixes (Smith, 1989; Hidalgo et al., 1999). A produção de amilase pela microflora intestinal é importante na digestão de amido em peixes de água doce, até certo ponto (Sugita et al., 1997). Yamada Taniguchi & Takano (2004) detectaram alta atividade de b-galactosidase no intestino de tilápia-do-nilo, com capacidade de degradar vários polissacarídeos.

De acordo com Tengjaroenkul et al. (2000), a distribuição e intensidade das peptidases e maltase ao longo do trato intestinal de tilápia-do-nilo estão bem correlacionadas à presença e atividade de proteases e amilases endógenas, respectivamente, reportadas em outras tilápias.

Podem ocorrer efeitos aditivos também entre as enzimas endógenas (aminopeptidases, peptidases e maltase) e exógenas (proteases e amilases) em peixes como tilápia-do-nilo. Por outro lado, peixes como o Silver Perch (Bidyanus bidyanus) possuem menor tolerância a altos níveis de dissacarídeos, como galactose, xilose e maltose no sangue (Stone et al., 2003c). Em tilápia-vermelha (Oreochromis sp.), não houve aumento das dissacaridases intestinais em resposta à ingestão de carboidratos (Shiau & Liang, 1995).

A eficiência da atuação de enzimas digestivas e de absorção endógenas sobre seus respectivos substratos, bem como a capacidade dos peixes em metabolizar os nutrientes, pode ser fator limitante aos efeitos benéficos da adição de enzimas exógenas às dietas para peixes, em virtude da formação de fluxos muito intensos de nutrienes e/ou da saturação dos sítios de absorção ao longo do trato gastrintestinal dos peixes.

Esse tipo de informação é importante para a fabricação de complexos enzimáticos específicos e mais eficazes para cada espécie e ou fase de vida dos peixes.

Conclusões

A adição de 0,05% de complexo enzimático contendo celulase, protease e amilase à ração de juvenis de tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus) melhora a digestibilidade dos nutrientes.

Literatura Citada

Recebido: 14/7/2006

Aprovado: 13/7/2007

Correspondências devem ser enviadas para: giovanniresende@yahoo.com.br

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  • 1
    Parte da Dissertação do primeiro autor.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      14 Jul 2006
    • Aceito
      13 Jul 2007
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