CARTAS AOS EDITORES
Agranulocitose induzida por interferon-alfa e ribavirina em paciente com esquizofrenia em uso de clozapina
Agranulocytosis induced by interferon-alpha and ribavirin in a patient with schizophrenia using clozapine
Sr. Editor,
A clozapina continua sendo o antipsicótico de referência em casos refratários de esquizofrenia, e seu uso requer controle hematológico rigoroso devido ao maior risco de agranulocitose, com incidência estimada em 1 a 2% dos usuários desta medicação.1
Pacientes portadores de esquizofrenia apresentam maior morbimortalidade em relação à população geral no que diz respeito a fatores de risco evitáveis, como, por exemplo, o risco de doença cardiovascular secundária ao tabagismo e a incidência de infecção por HIV e hepatites virais.2 Assim, o uso de medicações clínicas associadas aos antipsicóticos não é infreqüente. Certas medicações clínicas, entre elas o interferon e a ribavirina, utilizadas na terapêutica da hepatite C, podem aumentar o risco de alterações hematológicas nos pacientes em uso de clozapina.
O interferon pode induzir trombocitopenia e leucopenia em 19% dos pacientes e neutropenia em 23% deles.3 Anemia e hipoplasia eritróide estão associadas ao uso da ribavirina.4
Paciente masculino, 46 anos, com diagnóstico de esquizofrenia desde os 25 anos de idade, apresentava sintomas psicóticos importantes e um predomínio de sintomas negativos com grande prejuízo social. Apresentou quatro internações desde o início da doença, sendo que, na última, há sete anos, foi introduzida clozapina até a dose de 400 mg/dia. Com a remissão dos sintomas psicóticos e a melhora da sociabilização e da afetividade, a medicação foi reduzida para 200 mg/dia, mantendo-se nesta dosagem há três anos.
Paciente começou a apresentar plaquetopenia isolada progressiva (até 91.000/mm3), tendo sido realizada investigação clínica e diagnosticada hepatite C. Foram introduzidos interferon-alfa (três ampolas/semana) e ribavirina (1.250 mg/dia). Após dois meses de tratamento, o paciente evoluiu com melhora parcial na contagem de plaquetas (121.000/mm3), porém com diminuição progressiva das células brancas até níveis de leucócitos (1.800 mm3) - neutrófilos (730 mm3, 40,5%), linfócitos (684 mm3, 38%), monócitos (36 mm3, 2%) - e eritrócitos (2,57 milhões/mm3). Mesmo com estas alterações hematológicas, optou-se por manter a clozapina devido à estabilidade dos sintomas psiquiátricos e à relação temporal com a introdução dos antivirais. Foram suspensos o interferon-alfa e a ribavirina, com remissão total das alterações hematológicas em cinco semanas.
No presente caso, a introdução dos antivirais para o tratamento da hepatite C e o sinergismo com a clozapina foram responsáveis pela queda da contagem de células sangüíneas.
Apesar da orientação de suspender a clozapina se leucócitos < 3.000/mm3 ou neutrófilos < 1.500/mm3 ou plaquetas < 100.000/mm3, devemos avaliar cuidadosamente cada paciente. Neste caso, optou-se por não suspender a medicação devido ao grande período de estabilização da esquizofrenia de difícil controle e por estas alterações hematológicas terem iniciado especificamente após o uso dos antivirais, fato este confirmado após a suspensão dos mesmos e normalização do hemograma.
Relatos na literatura de alterações clínicas/laboratoriais decorrentes da associação entre clozapina e antivirais são escassos.5 Com o crescimento da prevalência de comorbidades clínicas e infecções virais nos pacientes com esquizofrenia, acreditamos que será cada vez mais freqüente a associação entre psicofármacos e antivirais. Sendo assim, o conhecimento das alterações medicamentosas e dos efeitos colaterais é de extrema importância não só para médicos psiquiatras, como também para clínicos e infectologistas no manejo desta população.
Stevin Zung
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo,
São Paulo (SP), Brasil
Programa Genética e Farmacogenética (PROGENE),
Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas, Faculdade
de Medicina, Universidade de São Paulo (USP),
São Paulo (SP), Brasil
Marcelo Hong, Gabriella Forte
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil
Referências
1. Kane J, Honigfeld G, Singer J, Meltzer H. Clozapine for the treatment-resistant schizophrenics. A double-blind comparison with chlorpromazine. Arch Gen Psychiatry. 1988;45(9):789-96.
2. Goff DC, Cather C, Evins AE, Henderson DC, Freudenreich O, Copeland PM, Bierer M, Duckworth K, Sacks FM. Medical morbidity and mortality in schizophrenia: guidelines for psychiatrists. J Clin Psychiatry. 2005;66(2):183-94.
3. Dusheiko G. Side effects of alpha interferon in chronic hepatitis C. Hepatology. 1997;26(Suppl 1):112-21.
4. Sulkowski MS, Wasserman R, Brooks L, Ball L, Gish R. Changes in hemoglobin during interferon alpha-2B plus ribavirin combination therapy for chronic hepatitis C virus infection. J Viral Hepatol. 2004;11(3):243-50.
5. Hoffmann RM, Ott S, Parhofer G, Bartl R, Pape GR. Interferon-alpha-induced agranulocytosis in a patient on Clozapine. J Hepatol. 1998;29(1):170.
Financiamento: Inexistente
Conflito de interesses: Inexistente
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Mar 2006 -
Data do Fascículo
Mar 2006