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Quimioterapia associada à terapia anti-retroviral de alta eficácia no tratamento dos linfomas não-Hodgkin agressivos relacionados à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

Chemotherapy combined with highly active antiretroviral therapy for the treatment of aggressive AIDS related lymphomas

Resumos

Linfoma não-Hodgkin é uma das complicações oncológicas mais freqüentes em portadores da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Em outros países, após a introdução da terapia anti-retroviral de alta atividade (HAART), a queda na incidência dos linfomas agressivos sistêmicos ficou aquém das expectativas, embora a sobrevida destes pacientes tenha triplicado. No Brasil, pouco se conhece a respeito do comportamento clínico e da sobrevida dos pacientes com linfoma e AIDS na era pós-HAART. O objetivo deste estudo foi avaliar retrospectivamente 25 pacientes com linfoma e AIDS, tratados com a associação de quimioterapia e HAART. Em concordância com a literatura, a maior parte dos pacientes era do sexo masculino - 20 (80%), com mediana de idade de 39 anos. Houve predomínio do subtipo histológico Difuso de Grandes Células B - 13 (52%), de pacientes em estádios avançados - 15 (60%), com envolvimento extranodal - 22 (88%) e com sintomas B - 18 (72%). O diagnóstico prévio de AIDS observado em 14 (56%) foi superior em nossa casuística em relação ao descrito por outros autores. Cinqüenta e dois por cento dos pacientes obtiveram RC, com SLD e SG em três anos de 54% e 42%, respectivamente e mediana de SG de 15 meses. Toxicidade hematológica e infecções foram freqüentes, porém nenhum óbito foi relacionado à sua ocorrência. Concluímos que o tratamento combinado com quimioterapia e HAART é factível em pacientes brasileiros, podendo propiciar uma sobrevida global similar à descrita por alguns grupos internacionais, com um perfil aceitável de toxicidade.

Linfoma; AIDS; terapia anti-retroviral de alta atividade; quimioterapia


Non-Hodgkin lymphoma is one of the most frequent oncological complications in patients with the Acquired Immune-Deficiency Syndrome (AIDS). In other countries, after the introduction of the Highly Active Antiretroviral Therapy (HAART), the drop in the incidence of systemic aggressive lymphomas was below expectations, although the survival of these patients rose. In Brazil, little is known about the clinical behavior and survival of the patients with lymphoma and AIDS in the post-HAART era. The aim of this study was to retrospectively evaluate 25 patients with lymphomas and AIDS, treated with the combination of chemotherapy and HAART. In agreement with the literature most of the patients were male (20 patients - 80%) with a median age of 39 years. We observed a predominance of the Diffuse Large B Cell Lymphoma subtype (13 patients - 52%), advanced stage (15 patients - 60%), with extra-nodal disease (22 patients - 88%) and B symptoms (18 patients - 72%). Previous AIDS diagnosis was present in 14 patients (56%), higher than that reported in other series. Fifty-two percent achieved CR, the estimated probability of overall survival and disease-free survival at 3 years were 54% e 42%, respectively. The median overall survival time was 15 months. Hematological toxicity and infections were frequently observed, but no toxicity-related deaths were seen. Therefore we conclude that the combined chemotherapy-HAART treatment is feasible in Brazilian patients and can provide similar overall survival than that described for some international groups, with an acceptable toxicity profile.

Lymphoma; AIDS; Highly active antiretroviral therapy; chemotherapy


ARTIGO ARTICLE

Quimioterapia associada à terapia anti-retroviral de alta eficácia no tratamento dos linfomas não-Hodgkin agressivos relacionados à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

Chemotherapy combined with highly active antiretroviral therapy for the treatment of aggressive AIDS related lymphomas

Juliana PereiraI,II; Abrahão E Hallack NetoI; Luís F. PracchiaI; Andréa AlcântaraI; Beatriz B. MaurinoI,II; Pedro E. Dorliac-LlacerI; Dalton A. F. ChamoneI

IMédico da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IIMédico do Laboratório de Imunopatologia da Fundação Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Juliana Pereira Laboratório de Imunopatologia, Fundação Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 155, 1º andar 05403-000 — São Paulo-SP — Brasil Tel.: (11) 3061-5544 ramal 339 — Fax: (11) 3085-2290 e-mail: julp2001@ig.com.br

RESUMO

Linfoma não-Hodgkin é uma das complicações oncológicas mais freqüentes em portadores da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Em outros países, após a introdução da terapia anti-retroviral de alta atividade (HAART), a queda na incidência dos linfomas agressivos sistêmicos ficou aquém das expectativas, embora a sobrevida destes pacientes tenha triplicado. No Brasil, pouco se conhece a respeito do comportamento clínico e da sobrevida dos pacientes com linfoma e AIDS na era pós-HAART. O objetivo deste estudo foi avaliar retrospectivamente 25 pacientes com linfoma e AIDS, tratados com a associação de quimioterapia e HAART. Em concordância com a literatura, a maior parte dos pacientes era do sexo masculino — 20 (80%), com mediana de idade de 39 anos. Houve predomínio do subtipo histológico Difuso de Grandes Células B — 13 (52%), de pacientes em estádios avançados — 15 (60%), com envolvimento extranodal — 22 (88%) e com sintomas B — 18 (72%). O diagnóstico prévio de AIDS observado em 14 (56%) foi superior em nossa casuística em relação ao descrito por outros autores. Cinqüenta e dois por cento dos pacientes obtiveram RC, com SLD e SG em três anos de 54% e 42%, respectivamente e mediana de SG de 15 meses. Toxicidade hematológica e infecções foram freqüentes, porém nenhum óbito foi relacionado à sua ocorrência. Concluímos que o tratamento combinado com quimioterapia e HAART é factível em pacientes brasileiros, podendo propiciar uma sobrevida global similar à descrita por alguns grupos internacionais, com um perfil aceitável de toxicidade.

Palavras-chave: Linfoma; AIDS; terapia anti-retroviral de alta atividade; quimioterapia.

ABSTRACT

Non-Hodgkin lymphoma is one of the most frequent oncological complications in patients with the Acquired Immune-Deficiency Syndrome (AIDS). In other countries, after the introduction of the Highly Active Antiretroviral Therapy (HAART), the drop in the incidence of systemic aggressive lymphomas was below expectations, although the survival of these patients rose. In Brazil, little is known about the clinical behavior and survival of the patients with lymphoma and AIDS in the post-HAART era. The aim of this study was to retrospectively evaluate 25 patients with lymphomas and AIDS, treated with the combination of chemotherapy and HAART. In agreement with the literature most of the patients were male (20 patients - 80%) with a median age of 39 years. We observed a predominance of the Diffuse Large B Cell Lymphoma subtype (13 patients - 52%), advanced stage (15 patients - 60%), with extra-nodal disease (22 patients - 88%) and B symptoms (18 patients - 72%). Previous AIDS diagnosis was present in 14 patients (56%), higher than that reported in other series. Fifty-two percent achieved CR, the estimated probability of overall survival and disease-free survival at 3 years were 54% e 42%, respectively. The median overall survival time was 15 months. Hematological toxicity and infections were frequently observed, but no toxicity-related deaths were seen. Therefore we conclude that the combined chemotherapy-HAART treatment is feasible in Brazilian patients and can provide similar overall survival than that described for some international groups, with an acceptable toxicity profile.

Key words: Lymphoma; AIDS; Highly active antiretroviral therapy; chemotherapy.

Introdução

O Brasil é o quarto país em número de casos de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Dados do Ministério da Saúde indicam que até setembro de 2001 havia 227.523 notificações, com declínio da curva de incidência a partir de 1999.1 Desde novembro de 1996, a terapia anti-retroviral de alta atividade (HAART) tornou-se disponível para todos os pacientes com AIDS e portadores do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) no Brasil, tendo sido responsável por uma redução de 38% na mortalidade e de 80% nos casos de infecções oportunistas associadas a AIDS.2,3 Dentre as complicações oncológicas associadas à infecção pelo HIV, o linfoma não-Hodgkin (LNH) é uma das neoplasias mais freqüentes. Na literatura internacional, não há consenso quanto à redução na incidência de LNH em pacientes HIV positivos em uso de HAART, mas o ganho na sobrevida é indiscutível.4,5 Este aumento na sobrevida pode ser explicado pelo maior controle da infecção viral e conseqüente melhora da imunidade ou pelo uso de esquemas quimioterápicos mais agressivos.6,7 Em nosso país, entretanto, pouco é sabido sobre a incidência, o comportamento clínico e a sobrevida dos pacientes com linfoma e AIDS na era pós-HAART.8 Em nosso serviço, a partir de 1996, passamos a utilizar quimioterapia em baixas doses associada a HAART em pacientes portadores de linfoma e AIDS. Neste estudo apresentamos o resultado de seis anos desta estratégia terapêutica.

Casuística e Métodos

Pacientes

Foram incluídos neste estudo retrospectivo todos os pacientes portadores de linfoma não-Hodgkin (LNH) e infecção pelo HIV, confirmada por Western blot, tratados no serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) no período de maio de 1997 a dezembro de 2002. Foram excluídos da análise apenas os pacientes que faleceram em menos de trinta dias do início do tratamento e aqueles com prontuário médico incompleto.

Tratamento

Todos os casos foram tratados concomitantemente com HAART e quimioterapia. O esquema de HAART utilizado consistia na combinação de dois inibidores da transcriptase reversa (zidovudina, didanosina, estavudina ou lamivudina) e um inibidor de protease (indinavir, nelfinavir ou efanvirens). O tratamento quimioterápico consistiu de seis a oito ciclos de m-BACOD com profilaxia de sistema nervoso central (metotrexate 200 mg/m2 endovenoso D15 bleomicina 4 mg/m2 endovenoso D1, adriamicina 25 mg/m2 endovenoso D1, ciclofosfamida 300 mg/m2 endovenoso D1, vincristina 2 mg endovenoso D1, dexametasona 15 mg/m2 via oral D1 a D5 e dexametasona 2 mg com citarabina 50 mg intratecal D1, em ciclos de 21 dias) ou seis a oito ciclos de CHOP com profilaxia de sistema nervoso central (ciclofosfamida 750 mg/m2 endovenoso D1, adriamicina 50 mg/m2 endovenoso D1, vincristina 2,0 mg endovenoso D1, prednisona 60 mg/m2 via oral D1 a D5 e dexametasona 2 mg com citarabina 50 mg intratecal D1, em ciclos de 21 dias). A partir de 2001, os portadores de Linfoma de Burkitt ou Burkitt-atípico foram tratados com quatro ciclos do protocolo experimental para LNH em pacientes imunossuprimidos9 do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos da América (NCI) composto por ciclofosfamida 1.200 mg/m2 endovenoso D1 e metotrexate 3 g/m2 endovenoso D10, em ciclos de 15 dias. Profilaxia de sistema nervoso central foi realizada com citarabina 60 mg e dexametasona 2 mg intratecal D1, além de citarabina 60 mg, metotrexate 12 mg e dexametasona 2 mg intratecal D10. Filgastrima foi utilizada na dose de 300 mcg/dia na ocorrência de neutrófilos < 1000/mm3.

Os pacientes foram avaliados ao diagnóstico com hemograma, contagem de células T CD4 em sangue periférico, dosagem de desidrogenase lática sérica (DHL), função renal e hepática, tomografias (cervical, torácica, abdominal e pélvica), exame quimiocitológico do líquido céfalo-raquidiano e biópsia de medula óssea bilateral. Os pacientes foram reavaliados após três ou quatro ciclos de quimioterapia, aqueles em remissão completa (RC) receberam um total de seis ciclos e aqueles em remissão parcial (RP) receberam um total de oito ciclos. Os pacientes em estádios I ou II e portadores de lesões bulky ao diagnóstico receberam radioterapia em campo acometido com doses que variaram de 30 a 36 Gy após a obtenção de RC com o tratamento quimioterápico. Os pacientes com diagnóstico de falha da terapia primária, progressão ou recidiva foram tratados com quimioterapia de resgate de forma não padronizada.

Critérios de resposta ao tratamento

Remissão completa (RC) foi definida como a ausência de todos os sinais e sintomas relacionados ao linfoma por no mínimo quatro semanas após o término do tratamento. Remissão parcial (RP) foi definida como a redução igual ou superior a 50% da soma dos produtos das duas maiores dimensões perpendiculares das lesões mensuráveis por, no mínimo, quatro semanas na ausência de crescimento de lesões preexistentes, aparecimento de novas lesões ou deterioração das condições clínicas. A redução completa de todos os locais inicialmente comprometidos, porém com persistência de envolvimento de medula óssea foi considerada RP. Qualquer resposta inferior à parcial foi considerada falha da terapia primária. Progressão foi definida como o reaparecimento de lesão prévia, aparecimento de nova lesão ou crescimento igual ou superior a 25% das lesões residuais. Recidiva foi definida, para os pacientes em RC, como o aparecimento de nova lesão.10

Análise estatística

Revisão de prontuários médicos foi realizada para a obtenção dos seguintes dados: sexo, idade, diagnóstico prévio de AIDS, contagem de células T CD4, tipo histológico do linfoma, sítios acometidos pelo linfoma, estádio de Ann Arbor modificado em Costwolds,11 data do início do tratamento, resposta ao tratamento, data da RC, data do óbito, data da recidiva, data do último registro em prontuário, a terapêutica efetuada e suas toxicidades, de acordo com a graduação da Organização Mundial da Saúde (OMS). A sobrevida global (SG) foi calculada pelo método de Kaplan-Meier,12 considerando-se o período entre o início do tratamento e a data do óbito. A sobrevida livre de doença (SLD), para pacientes em RC, foi calculada da data da RC até a data da recidiva. Os pacientes sem evolução para óbito ou recidiva foram censurados na data do último registro em prontuário. A comparação das taxas de sobrevida estimada em três anos foi realizada pelo teste de Log-rank13 bicaudal com erro alfa definido em 5%.

Resultados

Características dos pacientes

A mediana de idade dos 25 pacientes incluídos foi de 39 anos, doença extranodal foi verificada em (22) 88% pacientes e a contagem de células T CD4 inferior a 100 células/mm3 em 32% dos casos. Infiltração do sistema nervoso central foi encontrada em dois (8%) pacientes ao diagnóstico.

O principal subtipo histológico foi o Linfoma Difuso de Grandes Células B (LDGCB) em 52% dos casos e o Linfoma de Burkitt / Burkitt-atípico em 28% dos pacientes. (Tabela 1).

Resultado do tratamento

Dentre os pacientes avaliados, 19 (76%) foram tratados com m-BACOD, quatro (8%) pacientes receberam o protocolo experimental do NCI9 e quatro (8%) receberam CHOP. Treze (52%) pacientes obtiveram RC e dois (8%) RP, resultando em uma taxa de resposta global de 60%. (Tabela 2)

Com um tempo médio de acompanhamento de 22 meses (variação: 3 a 48 meses) a mediana de SG observada foi de 15 meses. A taxa de SG estimada em três anos foi de 42% (Figura 1) e a taxa estimada de SLD em três anos foi de 54% (Figura 2).



Em análise univariada, os tipos histológicos não-LDGCB, a presença de DHL elevada e a presença de sintomas B foram os únicos fatores significativamente associados a uma menor taxa de sobrevida global. Alguns fatores não puderam ser avaliados devido ao pequeno número de pacientes disponíveis (Tabela 3).

Toxicidade

Dezenove pacientes foram avaliáveis para toxicidade relacionada ao tratamento, 16 (84%) desenvolveram neutropenia grau 3 ou 4 em pelo menos um dos ciclos de quimioterapia e 12 (63%) desenvolveram infecções não oportunistas de qualquer grau (Tabela 4). Neurotoxicidade grau 3 ou 4 foi evidenciada em quatro (21%) pacientes, todos evoluíram para resolução completa do quadro após o término da quimioterapia.

Discussão

No presente estudo descrevemos as características clínicas e resposta ao tratamento de 25 pacientes não selecionados portadores de linfoma agressivo e AIDS, referenciados e tratados de forma consecutiva em nossa instituição. Embora o HC-FMUSP seja uma instituição de referência para tratamento de casos complexos de todo o Brasil, o que poderia levar a uma seleção involuntária da população estudada, nós observamos, assim como autores internacionais,4,5,7 um predomínio de pacientes do sexo masculino (80%), de linfomas de fenótipo B agressivos em 80% dos casos e do subtipo Difuso de Grandes Células B (52%). A maior parte dos pacientes apresentava doença avançada ao diagnóstico (estádio III e IV), comprometimento extranodal, sintomas B, DHL elevada e dosagem de CD4 acima de 100 células/mm3. Como referido na literatura, encontramos alto índice de pacientes com diagnóstico de AIDS antes do LNH.14 A taxa de RC (52%), a mediana de SG (15 meses) e a toxicidade foram semelhantes às observadas em estudos que utilizaram terapêutica similar à nossa15,18 e superiores às verificadas na era pré-HAART.20 Porém, as características clínicas ao diagnóstico, incluindo idade, sexo, histologia, proporção de indivíduos com DHL elevada, infiltração de medula óssea e sítios extranodais foram semelhantes aos casos pré-HAART.15,20

A não existência de consenso quanto ao tratamento de pacientes com LNH e AIDS incentivou a investigação de novos protocolos visando aumentar a sobrevida destes pacientes. Após a introdução da HAART e conseqüente redução da morbidade dos pacientes, muitos pesquisadores começaram a utilizar tratamentos mais agressivos. Alguns optaram pelo uso de altas doses de quimioterapia16 e outros pela infusão contínua de drogas. Com esta última estratégia, Sparano17 obteve RC de 67%, superior à encontrada em nosso estudo, mas a SG de 17,4 meses foi semelhante à nossa. Entretanto, neste estudo apenas um paciente tinha critério de AIDS antes do linfoma. Observamos taxas de RC, SLD e SG inferiores às obtidas com o protocolo de infusão contínua EPOCH,7 porém, neste estudo, foram incluídos apenas pacientes sem diagnóstico prévio de AIDS. Em nossa casuística, 56% dos pacientes tinham diagnóstico de AIDS antes de desenvolverem linfoma. Apesar de não termos demonstrado, a SG é inferior em indivíduos com critério de AIDS antes do linfoma e está associada à eficácia da terapia anti-retroviral.5 Em análise univariada, a presença de sintomas B e o aumento de DHL foram fatores estatisticamente significantes para a redução da SG.

O tipo histológico do linfoma também teve importância prognóstica em nossa série. A SG dos pacientes com LDGCB (57%) superou a obtida em pacientes com Linfoma de Burkitt e células T (17%). Quando observamos este fato, passamos a tratar os pacientes com Linfoma de Burkitt com ciclofosfamida e metotrexate em altas doses.9 Com esta estratégia estamos conseguindo melhorar nossos resultados com toxicidade aceitável (dados não apresentados). O único paciente com linfoma plasmablástico apresentou-se com lesão em seios da face e obteve excelente resposta com quimioterapia (m-BACOD) e radioterapia.

Neutropenia, infecção e neurotoxicidade foram as principais toxicidades encontradas. Os pacientes receberam fator de crescimento quando apresentavam neutrófilos inferiores a 1000/mm3 e nenhum paciente foi a óbito em decorrência de infecção. Quatro (21%) pacientes apresentaram neuropatia periférica reversível, fato que pode ser explicado por possíveis interações entre os quimioterápicos e as drogas anti-retrovirais. Os inibidores de protease e os inibidores da transcriptase reversa não nucleosídeos podem interferir no metabolismo da ciclofosfamida, alcalóides da vinca, etoposide e antraciclinas, potencializando os efeitos colaterais destas drogas.18 Além disso, os nucleosídeos inibidores de transcriptase reversa podem, isoladamente, causar neuropatia periférica19 e seu uso concomitante com vincristina e metotrexate pode potencializar este efeito.

Tanto as evidências internacionais acima expostas quanto os resultados do presente estudo demonstram que, após a introdução da HAART, houve significativa melhora na sobrevida dos pacientes com linfoma e AIDS. Porém, o melhor esquema de tratamento ainda não foi estabelecido. A criação de grupos cooperativos brasileiros para a realização de estudos randomizados será necessária para esclarecer esta questão em nosso país.

Recebido: 25/05/2004

Aceito após modificações: 23/08/2004

Avaliação: Editor e dois revisores externos.

Conflito de interesse: não declarado

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  • Endereço para correspondência
    Juliana Pereira
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      2004

    Histórico

    • Aceito
      23 Ago 2004
    • Recebido
      25 Maio 2004
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