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A importância do diagnóstico laboratorial clássico na identificação de variantes de hemoglobinas

The importance of classical laboratorial diagnosis in the identification of variant hemoglobins

CARTA AO EDITOR LETTER TO EDITOR

A importância do diagnóstico laboratorial clássico na identificação de variantes de hemoglobinas

The importance of classical laboratorial diagnosis in the identification of variant hemoglobins

Luciana S. Ondei; Paula J. A. Zamaro; Claudia R. Bonini-Domingos

Unesp - Universidade Estadual Paulista - Ibilce

Correspondência Correspondência para: Luciana de Souza Ondei LHGDH, Departamento de Biologia, Unesp-Ibilce Rua Cristóvão Colombo, 2265, Jardim Nazareth 15054-000 - São José do Rio Preto-SP Fone: (17)221-2392. Fax: (17)221-2390 E-mail: luondei@yahoo.com.br

ABSTRACT

Variant hemoglobins originate principally from simple amino acid substitutions, resulting in nucleotides sequence changes. Currently, the number of abnormal hemoglobins identified has increased due to the improvement in the analytic methodologies; however, many routine laboratories are not prepared for correct mutant identification. Thus, we aimed at characterizing the variant hemoglobins in blood samples sent to our laboratory using several analytic methodologies. Eighty-three samples of peripheral blood collected in EDTA were analyzed by cytological, biochemical, electrophoretical and chromatographic methods. The results of the elecphoretical procedures in alkaline pH indicated several migration patterns, with 45% of the samples in the hemoglobin S position. The differentiation of this hemoglobin was only possible with the association of electrophoretical and chromatographic methods. The profiles of the mutants observed in globin chain electrophoresis were 42% of beta chain mutants, 29% of alpha chain, 5% of delta chain, 4% of gamma chain and 2% of delta/beta chains fusion. The global results showed that the variants could not have been identified by the usual electrophoretical methods alone evidencing the difficulty in identification, specifically in cases with profiles similar to hemoglobin S in alkaline conditions, which can be incorrectly diagnosised. Therefore, for the identification of variant hemoglobins and a diagnostic reliability the association of electrophoretical, chromatography and globin chain analyses as a pre-molecular procedure is fundamental.

Key words: Hemoglobin variants; globin chains; hemoglobin polymorphism; diagnosis.

Sr. Editor,

As hemoglobinopatias podem ser resultantes de mutações que afetam os genes reguladores promovendo um desequilíbrio no conteúdo quantitativo das cadeias polipeptídicas e conseqüentemente nos tipos normais de Hb, causando as talassemias, ou, ainda, de alterações envolvendo genes estruturais que promovem a formação de moléculas de Hb com características bioquímicas diferentes das Hb normais, também denominadas Hb variantes.1

Mais de 800 variantes de Hb já foram descritas até o momento.2 A maioria delas é originada por simples substituições de aminoácidos, resultantes de mudanças nas seqüências de nucleotídeos.1

Atualmente, o número de Hb anormais identificadas tem aumentado devido à melhoria nas metodologias de análises; no entanto, muitos laboratórios de rotina não estão preparados para a correta identificação das Hb variantes. Deste modo, objetivou-se caracterizar os mutantes de Hb das amostras de sangue enviadas ao Laboratório de Hemoglobinas e Genética das Doenças Hematológicas (LHGDH), utilizando-se diversas metodologias de análises para evidenciar sua aplicabilidade.

Foram analisadas 83 amostras de sangue periférico colhidas com EDTA, após consentimento informado, provenientes de diferentes estados brasileiros e da Colômbia, sem distinção de sexo, idade, etnia ou classe social.

As amostras foram avaliadas pelos testes para identificação de hemoglobinopatias que consistiram da análise da morfologia eritrocitária; resistência globular osmótica em NaCl a 0,36%; eletroforese em pH alcalino em acetato de celulose; eletroforese em gel de ágar, pH ácido e cromatografia líquida de alta pressão (HPLC) em Sistema Variant automatizado da Bio-Rad com kit de análise para beta talassemia heterozigota.1,3,4,5,6 Para a identificação das cadeias globínicas mutantes foram realizadas as metodologias de eletroforese de cadeias em pH alcalino em acetato de celulose e eletroforese de cadeias globínicas em pH ácido em gel de poliacrilamida 12%.7,8

Após a realização dos procedimentos clássicos para o diagnóstico de hemoglobinopatias, verificou-se a presença de Hb com padrões de migração diversos, sendo que 37 (45%) delas migraram em posição semelhante à Hb S em pH alcalino. Após a combinação dos resultados obtidos nas metodologias clássicas citadas, as Hb variantes foram submetidas a análises para definição da cadeia globínica alterada.

Foram realizadas as eletroforeses de cadeias globínicas em pH ácido e pH alcalino. Em pH ácido, a maioria dos mutantes não apresentou separação das globinas normais (aAbA), sendo possível reconhecer a fração mutante de Hb C, utilizada como padrão para esses procedimentos eletroforéticas, Hb E Saskatoon, Hb J Oxford e Hb Hasharon, sendo as duas primeiras mutantes de globina beta e as outras, mutantes de globina alfa. Também foram detectadas as cadeias gama alanina e gama glicina nas amostras que apresentaram Hb F aumentada. Em pH alcalino, foi possível identificar a cadeia globínica alterada em 68 (82%) amostras. Foram encontrados 35 (42%) mutantes de cadeia beta, 24 (29%) de cadeia alfa, quatro (5%) de cadeia delta, três (4%) de cadeia gama e duas (2%) fusões de cadeia delta/beta. Não foi possível identificar a cadeia globínica alterada em 15 (18%) amostras.

Dos mutantes de cadeia beta, 20 (57%) migraram em posição semelhante à Hb S em eletroforese em pH alcalino; em pH ácido todas essas amostras apresentaram padrão de migração normal e o perfil cromatográfico foi diferente do padrão para Hb S. As suspeitas fenotípicas para esse grupo foram de Hb D Los Angeles, Hb D Iran e Hb Korle Bu. Nove amostras (26%) migraram na posição de Hb C na eletroforese em pH alcalino. No entanto, os perfis eletroforético em pH ácido e cromatográfico, não foram compatíveis com os de Hb C. Os dados obtidos sugeriram os fenótipos de Hb E e Hb E Saskatoon. Também foram observados seis casos (17%) de Hb rápidas que migraram acima de Hb A em pH alcalino em que as suspeitas fenotípicas foram de Hb J Baltimore, Hb J e Hb Deer Lodge. Em dois casos (6%) não foi possível encontrar uma provável suspeita fenotípica com o conjunto de informações laboratoriais obtido. As freqüências absolutas dos fenótipos encontrados estão representadas na Figura 1.


Entre os mutantes de cadeia alfa, 14 (58%) migraram na posição de Hb S em eletroforese em pH alcalino. As suspeitas fenotípicas foram de Hb Queen, Hb Hasharon, Hb G e Hb Q Índia. Em pH ácido, a Hb Queen apresentou uma fração difusa abaixo da Hb A; a Hb Hasharon, uma fração difusa em posição semelhante à Hb S; a Hb G, uma banda na posição da Hb S e a Hb Q Índia uma fração entre Hb A e Hb S. Também foram encontrados 10 casos (42%) de Hb rápidas que migram acima de Hb A em eletroforese em pH alcalino, nas quais as suspeitas foram de Hb I e Hb J Oxford. Das 24 amostras mutantes de cadeia alfa, não foi possível identificar uma suspeita fenotípica em cinco (21%) delas. As freqüências absolutas encontradas para esses fenótipos estão representadas na Figura 2.


Também foram encontradas suspeitas de mutantes de cadeia delta, cadeia gama e casos com fusão de cadeias delta/beta. Das quatro suspeitas de cadeia delta, três casos foram de Hb B2; para os mutantes de cadeia gama não foi possível identificar corretamente as variantes, e as fusões de cadeias delta/beta sugeriram Hb Lepore que também apresentam migração na posição de Hb S.

O método amplamente utilizado para o diagnóstico das hemoglobinopatias é a eletroforese em acetato de celulose, pH alcalino, uma vez que as análises podem ser efetuadas com rapidez e baixo custo.9 No entanto, não permite a distinção de Hb com co-migração, como as que migram em posição semelhante à Hb S.10 A eletroforese em pH ácido pode auxiliar na confirmação de algumas Hb como Hb A, Hb F, Hb C e Hb D, porém não permite a distinção entre as Hb S, Hb G, Hb Hasharon e Hb Q Índia, que migram em posições semelhantes.11 Portanto, são indicadas como testes de rastreamento inicial para a detecção de Hb variantes, e metodologias complementares devem ser realizadas para a caracterização das Hb com migração semelhante.10

Nesse trabalho verificou-se que as variantes não puderam ser identificadas apenas pelos métodos eletroforéticos usuais. As 37 (45%) Hb variantes que migraram na posição de Hb S em pH alcalino não foram confirmadas em pH ácido e não se chegou a uma suspeita fenotípica. Os demais perfis eletroforéticos também não puderam ser identificados apenas com a aplicação dessas duas metodologias. Portanto, evidenciou-se a dificuldade de interpretação das Hb variantes, principalmente daquelas que migraram em posição semelhante à Hb S em pH alcalino que poderiam ter sido identificadas incorretamente apenas com a aplicação dessas metodologias.

A HPLC com sistema automatizado Variant Bio-Rad é um método rápido, preciso e com boa reprodutibilidade.12 Para os resultados encontrados neste trabalho, a associação das análises cromatográficas aos resultados eletroforéticos foram fundamentais no levantamento das prováveis Hb variantes.

A eletroforese de cadeias globínicas é uma metodologia de separação das globinas bastante precisa, podendo ser utilizada para a identificação das cadeias mutantes como uma análise pré-molecular permitindo a visualização das cadeias beta, delta, alfa normais e mutantes.10 Em pH ácido, permitiu a visualização das cadeias gama glicina e gama alanina nas amostras que apresentaram Hb F aumentada e as frações mutantes das Hb E-Saskatoon e Hb J Oxford. A técnica analítica em pH alcalino apresentou boa resolução para os mutantes de cadeias alfa, beta e fusão delta/beta, permitindo a identificação da cadeia globínica mutante na maioria das Hb variantes.

Os resultados globais mostraram que as Hb variantes não puderam ser identificadas apenas pelos métodos eletroforéticos usuais os quais são utilizados, pela maioria dos laboratórios, como únicas metodologias de análise. A dificuldade na identificação das Hb variantes ficou evidenciada para aquelas que apresentaram perfil semelhante à Hb S em pH alcalino, podendo ser diagnosticadas incorretamente. Portanto, para a identificação das Hb variantes e um diagnóstico seguro é fundamental a associação dos métodos eletroforéticos clássicos com análises cromatográficas e as eletroforeses de cadeias globínicas que constituem uma análise pré-molecular.

Referências Bibliográficas

1. Bonini-Domingos CR. Hemoglobinopatias no Brasil: variabilidade genética e metodologia laboratorial. Tese de Doutorado, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista. São José do Rio Preto, 1993, 232 p.

2. Huisman HJ et al. HbVar: A Database of Human Hemoglobin Variants and Thalassemias. Summaries of mutation categories. Pennsylvania University USA and McMaster University in Canada, 1996. Disponível em: <http://globin.cse.psu.edu/>. Acesso em 16 fev. 2004.

3. Silvestroni E, Bianco I. Screening for microcytemia in Italy: analyses of data collected in the past 30 years. Am J Hum Genet 1975; 27:198-212.

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7. Schneider RG et al. Differentiation of eletrophoretically hemoglobins - suchas S, D, G and P or A2, C, E, and O- by electrophoresis of the globin chains. Clin Chem 1974;20:1.111-1.115.

8. Alter BP et al. Globin chain electrophoresis: a new approach to the determination of the Gg /Ag ratio in fetal haemoglobin and to studies of globin synthesis. Br J Haematol 1980;44:527-532.

9. Coelho EAF, Carvalho MG. Aspectos morfológicos das hemoglobinopatias. RBAC 1999;31:201-203.

10. Zamaro PJA et al. Diagnóstico laboratorial de hemoglobinas semelhantes à Hb S. J Bras Patol 2002;38:261-266.

11. Torké NS et al. Acid hemoglobin electrophoresis and glyco-hemoglobin bands. Clin Chem 1991;37:582-583.

12. Ou C, Rognerud CL. Diagnosis de hemoglobinopathies: electrophoresis vs. HPLC. Clin Chem Acta 2001;313:187-194.

Recebido: 20/11/2004

Aceito após modificações:15/12/2004

Trabalho realizado no Laboratório de Hemoglobinas e Genética das Doenças Hematológicas (LHGDH) da Unesp - Campus de São José do Rio Preto, SP.

Avaliação: Editor Associado e dois revisores externos.

Conflito de interesse: não declarado

  • Correspondência para:

    Luciana de Souza Ondei
    LHGDH, Departamento de Biologia, Unesp-Ibilce
    Rua Cristóvão Colombo, 2265, Jardim Nazareth
    15054-000 - São José do Rio Preto-SP
    Fone: (17)221-2392. Fax: (17)221-2390
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2005
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