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Modernidade descontente: representações da melancolia nas geografias espaciais e subjetivas de Cornélio Penna

Disgruntled Modernity: Representations of Melancholy in Cornélio Penna’s Spatial and Subjective Geographies

Resumo

Rechaçando a exuberância estética e temática da primeira fase do Modernismo brasileiro e reforçando, a partir da década de 1930, por meio da ficção, uma desconfiança tétrica em relação às mudanças sociais, econômicas e políticas que se operavam no país naquele início de século, Cornélio Penna produziu uma literatura fundamentalmente melancólica. Este artigo se dedica a investigar, a partir de autores que refletiram sobre o mal-estar do homem moderno, os dispositivos pelos quais essa melancolia pessimista se dissolve na construção das tramas e personagens, em suas dimensões espaciais e subjetivas, nos dois romances iniciais de Penna, Fronteira (1935) e Dois romances de Nico Horta (1939).

Palavras-chave:
Cornélio Penna; melancolia; modernismo; fronteiras; romance psicológico

Abstract

Rejecting the aesthetic and thematic exuberance of the first phase of modernism in Brazil and reinforcing, from the 1930s onwards, through fiction, a gloomy mistrust of the social, economic and political changes that were taking place in the country at the beginning of the century, Cornélio Penna produced a fundamentally melancholic literature. Based on authors who reflected on the malaise of the modern man, this article investigates the devices through which that pessimistic melancholy dissolves in the construction of the plots and characters, in their spatial and subjective dimensions, of Penna’s first two novels, Fronteira (1935) and Dois romances de Nico Horta (1939).

Keywords:
Cornélio Penna; melancholy; Modernism; Borders; Psychological Novel

Resumen

Rechazando la exuberancia estética y temática de la primera fase del modernismo brasileño y reforzando, a partir de la década de 1930, a través de la ficción, una sombría desconfianza ante los cambios sociales, económicos y políticos que se estaban produciendo en el país a principios de siglo, Cornélio Penna produjo una literatura fundamentalmente melancólica. Este artículo está dedicado a investigar, a partir de autores que reflexionaron sobre el malestar del hombre moderno, los dispositivos mediante los cuales esta melancolía pesimista se disuelve en la construcción de las tramas y personajes, en sus dimensiones espaciales y subjetivas, en las dos novelas iniciales de Penna, Fronteira (1935) y Dois romances de Nico Horta (1939).

Palabras clave:
Cornélio Penna; melancolía; Modernismo; novela psicológica

Em meio a um Modernismo tropical, exuberante e veloz, Cornélio Penna fez uma literatura intimista, lenta e fantasmagórica, fundamentalmente melancólica. Fronteira (1935), seu primeiro romance, causou estranheza quando chegou aos círculos literários que se acomodavam no que se convencionou chamar, depois, de Segunda Geração do Modernismo Brasileiro. Enquanto autores como Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Jorge Amado praticavam uma espécie de retomada do regionalismo romântico a partir de uma perspectiva realista e algo política, Penna exercia sua escrita de modo a refutar os caminhos corriqueiros da narrativa, mergulhando na construção psicológica de suas personagens e imprimindo essa dimensão da psique na geografia de suas histórias.

Nascido em fevereiro de 1896 em Petrópolis, no Rio de Janeiro, Cornélio Penna se mudou no ano seguinte para o Município mineiro de Itabira (antes Itabira do Mato Dentro), terra da família de seu pai, conhecida por ser foco de exploração mineira de ouro durante o século XVIII e, no século seguinte, de ferro.1 1 De fato, foi na região de Itabira que, em 1942, durante o governo de Getúlio Vargas, foi fundada a Companhia Vale do Rio Doce, hoje Vale S.A. Itabira marcaria Penna de forma profunda, tornando-se tema de reflexão simbólica e se firmando como referencial estético e geográfico para a obra do autor, aproximando-se do que Paulo Moreira (2012MOREIRA, Paulo. Modernismo localista das Américas: os contos de Faulkner, Guimarães Rosa e Rulfo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.) chamou de “Modernismo localista”, ou o “compromisso literário de uma vida com regiões específicas” (MOREIRA, 2012MOREIRA, Paulo. Modernismo localista das Américas: os contos de Faulkner, Guimarães Rosa e Rulfo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012., p. 21).

Embora direcione suas reflexões sobretudo para as obras de William Faulkner, Guimarães Rosa e Juan Rulfo, Moreira permite a ampliação das ponderações que apresenta para outros contextos da produção modernista empenhada em arquitetar “diálogos criativos com a tradição local”, estipulando como geografia fundamental os espaços rurais que, pela pena desses autores, se transformariam em respostas criativas, críticas, intelectuais e estéticas à tradição regionalista.

Essa estética localista é situada por Moreira como elemento surgido na esteira da narrativa modernista que começa a aparecer ainda na década de 1880, e a definição que oferece para a estética dos três autores - como crítica ao regionalismo nacionalista - parece se encaixar bem à proposta de Penna:

[...] respondem criticamente ao regionalismo de aspecto nacionalista e romântico que buscava a afirmação da identidade nacional ou regional através da elevação e integração culturais, reorganizando os termos da dialética entre urbano e rural ao não se separarem estritamente - nem separarem a seus leitores - de uma realidade definida de forma unívoca. Eles não julgam para o leitor, nem insistem numa hierarquia de valores culturais que está na base do modo realista de representação e não procuram exibir originalidade cultural ou linguística apenas para afirmar a identidade local em contraste com o nacional ou estrangeiro (MOREIRA, 2012MOREIRA, Paulo. Modernismo localista das Américas: os contos de Faulkner, Guimarães Rosa e Rulfo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012., p. 25).

As reflexões de Moreira sobre o condado fictício de Yoknapatawpha, espaço concentrador das narrativas de Faulkner, também podem ser estendidas até a Itabira de Penna. Trata-se, nos dois casos, da “criação de uma vasta rede de relatos interconectados que, em conjunto, retratam integralmente um lugar e um tempo, englobando a cultura e recapitulando, com precisão e atenção aos detalhes, o conhecimento acumulado” (MOREIRA, 2012MOREIRA, Paulo. Modernismo localista das Américas: os contos de Faulkner, Guimarães Rosa e Rulfo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012., p. 26).

Ao contrário dos romances regionalistas clássicos, os autores atrelados a esse modernismo localista teriam aprendido, a partir da estética narrativa modernista, a enfatizar a abertura mais que o fechamento, renunciando à responsabilidade de guiar seus leitores para respostas ou soluções definitivas (MOREIRA, 2012MOREIRA, Paulo. Modernismo localista das Américas: os contos de Faulkner, Guimarães Rosa e Rulfo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012., p. 29). Por trás dessa intencionalidade haveria, segundo Moreira, o desejo de exploração dos sucessivos conflitos “que acompanharam cada uma das ondas de modernização que varreram tanto o mundo rural como o urbano das Américas” (MOREIRA, 2012MOREIRA, Paulo. Modernismo localista das Américas: os contos de Faulkner, Guimarães Rosa e Rulfo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012., p. 261).

Fronteira, em consonância com essa ideia de renúncia aos entendimentos definitivos, é um romance cujo enredo é lentamente revelado ao leitor. Ao contrário da maior parte dos romances daquela geração - nos quais as personagens aparecem com traços e motivações bem definidas -, as figuras que desfilam pelas páginas do texto de Cornélio Penna estão como que envoltas por uma nuvem de mistério e segredos. Há uma menina que pode ser santa. Um crime que pode ter sido cometido. Um homem que pode ter cometido o crime. O autor nos conduz por esse caminho de suposições e hipóteses enquanto desenha uma narrativa que se apoia nos detalhes físicos de um ambiente opressor, imerso ora em sombras, ora no mais absoluto fulgor.

Já no primeiro capítulo da obra, por exemplo, o narrador escreve: “As montanhas negras, escorrendo chuva, apagadas pelo denso nevoeiro que sobe da terra, calçada de ferro e também negra, caminham aos meus olhos, lentamente, como um sonho sufocante” (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 6).

A sensação de nevoeiro denso permanece ao longo do romance, e o leitor também se sente imerso nesse “sonho sufocante” que Penna constrói. Há, na conduta das personagens, um tipo singular de passividade gestual frente ao ambiente, uma opacidade que acaba por dotar essas figuras de uma espécie de evolução (ou revolução) narrativa morosa, como se estivessem sob um efeito de transe, revelador, em última instância, de uma indiferença medular em relação aos estímulos do mundo moderno.

Mas a essa impressão de embaçamento e opacidade soma-se, por vezes, em marcado contraste, a intensidade do sol e de seus signos indiciais, como o calor, a claridade e o suor. Como em O estrangeiro (1942), de Albert Camus, o narrador de Fronteira parece ter sua crise existencial iluminada2 2 A relação entre o caráter melancólico e a iluminação ou exacerbação da consciência será retomada na segunda parte deste artigo. (e intensificada) pelo astro solar, e abundam na primeira metade do romance referências a essa inquietação modulada pelo ambiente. A seguir, alguns exemplos:

Que calor! Tudo se confundia no ar abrasado, como em um deslumbramento, e, no meu cérebro, os pensamentos uniam-se, espessos, pesados, como se tivessem preguiça de se formar completamente, de se desembaraçar uns dos outros. (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 23).

O calor chegara ao auge, e a sala parecia vibrar. (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 24).

Casas berrantes de oca, ao lado de paredes alvíssimas, cegas de luz [...]. (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 28).

A sombra da árvore onde se prendia a rede [...] mosqueada pelas manchas de ouro do sol, que estremecia ao passar por entre os interstícios das folhas. (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 31).

[...] toda a cidade dorme ainda, sufocada pelo calor da manhã. (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 31).

No ensaio O estrangeiro, romance solar (1954), Roland Barthes assim descreve o protagonista de Camus: “Meursault é um homem carnalmente submetido ao Sol, e acredito ser preciso entender essa submissão num sentido mais ou menos sacro” (BARTHES, 2001BARTHES, Roland. Inéditos. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 2 v., p. 97). Nessa primeira metade de Fronteira, o narrador parece, dada sua constante referência ao astro, submisso a essa mesma intensidade. E, assim como Camus, Penna subverte a associação fundamental do sol a imagens positivas, transformando-o em símbolo de aflição existencial e sugerindo ideias de opressão e morte.

À subjugação pelo ambiente soma-se, para o narrador de Fronteira, a uma perene desconfiança em relação às pessoas - o que também é característico do protagonista de O estrangeiro e, mais que isso, das reflexões existenciais de Camus sobre o absurdo da condição humana. Tanto em Penna quanto em Camus desfilam figuras que, dominados (sem que o saibam) por uma dimensão paradoxal de desejo e inércia, jamais chegam a se encaixar na geografia cognitiva, moral e estética desse novo mundo.

Já no terceiro capítulo, quando ouve rumores de vozes através de uma das portas da velha casa que o alberga, o narrador de Fronteira escreve: “São homens e mulheres; são criaturas humanas que nunca vi e que nunca me viram; amanhã serão meus amigos e meus inimigos, e formarão em torno de mim uma cadeia cerrada de ideias e de ódios que ainda não me pertencem” (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 10).

Essa desconfiança em relação às pessoas parece consolidar a impressão geral que se apreende da narrativa de Penna de que o autor, de certo modo, recusava os ideais daquela modernidade imperante no início do século XX. O narrador de Fronteira, em sua descrição da paisagem que circundava a velha casa onde se desenvolve a trama, trata a cidade e a civilização como doenças:

[As montanhas] Carregam nos seus dorsos poderosos as pequenas cidades decadentes, como uma doença aviltante e tenaz, que se aninhou para sempre em suas dobras. Não podendo matá-las de todo ou arrancá-las de si e vencer, elas resignam-se e as ocultam com sua vegetação escura e densa, que lhes serve de coberta, resguardando o seu sonho imperial de ferro e ouro (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 13).

Em suas reflexões sobre a origem do drama barroco alemão, nas quais dedica especial atenção aos modos pelos quais o caráter melancólico se elabora como elemento de revelação e epifania, Walter Benjamin (1984BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense , 1984., p. 179) escreve que “a melancolia trai o mundo pelo saber”. Sua sentença nos conduz ao encontro das inquietações demonstradas por Penna frente aos aspectos dissonantes de uma civilização que se pretendia moderna: o protagonista inominado de Fronteira, de construção essencialmente melancólica, aparta-se do mundo moderno a partir de um saber autoconsciente, de uma iluminação que abre seus olhos para o abismo.

O Capítulo XLII, marcando o fim da primeira metade do romance, se encerra com a descrição da chegada de um homem misterioso (figura recorrente na ficção de Penna) que lança o narrador em um estado de “terror pânico imenso”, agitando seu espírito e o impelindo em direção às trevas do “coração da cidade”, justamente onde repousavam “os remorsos que me perseguiam, e dos seus vestígios...” (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 83). É nesse momento que o autor estabelece ponto de inflexão do horror, lançando a personagem em um espaço de trevas e remorsos que é, também, intensificador dessa atmosfera de melancólica fantasmagoria:

E a voz do homem subiu pela caixa da escada, como se viesse em minha procura, e me envolvesse em suas ondas invisíveis. Um terror pânico imenso agitou-me os nervos todos, e desci os degraus oscilantes, atravessei a nave agora em trevas, e fugi, sem me lembrar que corria justamente para o coração da cidade, para junto dos próprios remorsos que me perseguiam, e dos seus vestígios... (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 83).

A impressão de descompasso do narrador frente ao mundo moderno e suas relações é reforçada já no capítulo seguinte, quando a personagem assume “que não tinha forças para criar um amor novo ou uma amizade nova” (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 84). Páginas depois, narrando a visita que teria feito a uma igreja da cidade, associa “os hinos de alegria” e os “júbilos da Quaresma” ao que chama de “minha derrota” (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 98). Na medida em que tais situações de prazer e deleite são colocadas como catalisadoras de sua angústia, é reforçada a profunda condição de aflição existencial e derrotismo em que se encontra o narrador.

Quando, no grande casarão de janelas fechadas, têm início as visitas ao corpo prostrado da menina santa, torna-se patente para o leitor a sensação de que algum desfecho trágico se avizinha. A intuição se fortalece em paralelo à percepção do próprio protagonista, que em determinado momento, no segundo dia de visitação, escreve: “De novo senti que se aproximava, rapidamente, a fronteira da loucura, e procurei, ansiosamente, satisfazer a necessidade imperiosa de presença e de realidade normal, que me invadia” (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 135). Aqui surge, nominalmente, o título da obra, “fronteira”, como marca simbólica do limiar dessa loucura, dessa instabilidade que é traço do romance e da exploração realizada pelo próprio leitor.

A sexualidade não escapa dessa marca de fascinante desvario. Entre os capítulos LXXII e LXXIV, nos quais descreve o contato sensual que teve com o corpo da menina prostrada, o narrador constrói, “com delicioso pavor”, a alegoria de um animal capaz de destruir e aniquilar os últimos traços de seu caráter, dissipando, por fim, o que restaria de sua personalidade: “Vida, com delicioso pavor, o nascimento, a criação muito complexa e difícil do animal que, de um salto, me deveria dominar, aplanando e destruindo, talvez para sempre, as curvas e os ângulos do meu caráter incompleto, inacabado...” (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 147).

Em seguida, referindo-se ao corpo de Maria, escreve: “[...] os melancólicos segredos daquele corpo que todo se me oferecia e se recusava, ao mesmo tempo, em sua longínqua imobilidade” (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 148). Pavor, sexo e melancolia aparecem como elementos misturados no mesmo ato, e a consequente aniquilação do caráter transgressor, culpado e infrator do protagonista acaba fazendo eco às ponderações freudianas sobre o mal-estar civilizatório: “A civilização é construída sobre a renúncia instintual” (FREUD, 2010FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. In: FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias e outros textos (1930-1936). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 14-24., p. 40). À personagem, incapaz de atender aos sacrifícios exigidos pela cultura moderna, vítima de sua própria sexualidade dissonante, resta a intensificação da impressão desarmônica, a consolidação de um desterro perene.

Já se encaminhando para o desfecho, o romance nos oferece trecho em que o narrador explicitamente amaldiçoa a cidade - “uma cidade sem alegria” -, e, em última instância, a própria civilização moderna:

Por toda parte o homem conseguiu pôr a nu as suas pedras de ferro, negras e luzidias. E sobre elas construíam suas casas, onde as famílias degeneram lentamente, e em cada uma está a loucura à espreita de novas vítimas. Ande à noite por aí, por essas ruas letárgicas, por entre esses intermináveis postes de luz elétrica, clareando com silenciosa pompa, misérias e ruínas, e ouvirá gemidos, tosses, uivos e gritos alucinantes, ouvirá, realmente, tudo isso, como se percorresse as alamedas de um grande hospício, por entre teus pavilhões gradeados. (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 154).

A civilização surge como espaço de degeneração e loucura. As ruas, letárgicas, iluminadas por “intermináveis postes de luz elétrica” (a eletricidade como símbolo inconteste de uma modernidade), são povoadas por gemidos, tosses, uivos e gritos alucinantes. As linhas de Penna terminam por consolidar o desenho de uma geografia, íntima e coletiva, que, sob olhar mais detido, assume a forma de um hospício - a instituição fronteiriça que permite o contato e a separação entre sãos e enfermos.

Zygmunt Bauman (1998BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.), em ensaio sobre a criação e anulação dos estranhos, usa mais de uma vez a metáfora da fronteira (o “dano ilegal de cruzar fronteiras”) para ilustrar seu pensamento, inserindo-a, como projetado por Penna em sua ficção, em uma geografia de sombras e confusão que estaria na origem de uma dupla sensação de mal-estar: para quem observa o estranho e para o estranho que é observado.

[...] por sua simples presença, [os estranhos] deixam turvo o que deve ser transparente, confuso o que deve ser uma coerente receita para a ação, e impedem a satisfação de ser totalmente satisfatória; [...] obscurecem e tornam tênues as linhas de fronteira que devem ser claramente vistas; [...] geram a incerteza, que por sua vez dá origem ao mal-estar de se sentir perdido. (BAUMAN, 1998BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998., p. 27).

O filósofo polonês reflete sobre essa instabilidade fronteiriça a partir de uma dimensão que privilegia o mal-estar do sujeito em um espaço de pós-modernidade, o que torna seu pensamento especialmente relevante para a análise da construção narrativa de Penna, baseada fundamentalmente em um pungente ceticismo em relação à configuração de mundo que se consolidava naquela primeira metade do século XX. Segundo Bauman, “na ordem harmoniosa e racional prestes a ser constituída” por esse ímpeto modernista e renovador, “não havia nenhum espaço - não podia haver nenhum espaço - para os “nem uma coisa, nem outra”, para os que se sentam escarranchados, para os cognitivamente ambivalentes” (BAUMAN, 1998BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998., p. 28).

Elemento importante para as investigações socioculturais da antropóloga francesa Nastassjia Martin (2021MARTIN, Nastassja. Escute as feras. São Paulo: Editora 34, 2021.), que se dedica a estudar povos isolados no Alasca e na Sibéria, as fronteiras seriam espaços dotados de uma espécie de potencialidade reflexiva capaz de tragar seus visitantes - incluindo a própria autora, que tece meditações sobre as ressignificações dos conceitos de civilização provocadas por seu contato íntimo com regiões fronteiriças - em um vórtice de desagregação existencial: “Escrevo há anos sobre os confins, a margem, a liminaridade, a zona fronteiriça, o espaço entre dois mundos; acerca desse lugar tão especial onde é possível encontrar uma potência outra, onde se assume o risco de se alterar, de onde é difícil voltar” (MARTIN, 2021MARTIN, Nastassja. Escute as feras. São Paulo: Editora 34, 2021., p. 90).

As reflexões de Martin e Bauman sobre essa dimensão desagregadora dos espaços limítrofes nos conduzem outra vez às considerações freudianas a respeito do estado melancólico, como bem destaca a psicanalista Urania Tourinho Peres (2013PERES, Urania Tourinho. Uma ferida a sangrar-lhe a alma. In: FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 101-138.) em comentário sobre a melancolia enquanto neurose narcisista, proposição defendida por Freud em seu seminal Luto e melancolia (1917). Peres sugere a presença de um elemento enigmático, que abala fronteiras, no estado melancólico - em sua descrição desse estado, utiliza a locução conjuncional “nem... nem”, metáfora linguística dessa condição limítrofe: “nem simplesmente neurose, nem simplesmente psicose” (PERES, 2013PERES, Urania Tourinho. Uma ferida a sangrar-lhe a alma. In: FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 101-138., p. 61). A melancolia se traduziria, a partir dessa dupla negativa, em um modo de estar no mundo que não é reclusão e repúdio radical, mas que também não se submete aos imperativos do Outro.3 3 Na teoria psicanalítica de Freud, o Outro assume papel de intervenção constitutiva do Eu, em uma relação de alteridade que se desdobra em um processo de identificação melancólica. Essa reformulação a partir do Outro foi discutida em alguns de seus textos fundamentais, como Introdução ao narcisismo (1914) e Psicologia das massas e análise do eu (1921).

As personagens de Penna, circunscritas a essa geografia espacial e afetiva desenhada pelo autor como espaço marginal de evasão, mostram-se (ou, antes, ocultam-se) em uma impressão de ambivalência que é perene, um sentimento de inadequação que as coloca nesse lugar limítrofe de “nem... nem” - nem alma, nem corpo;4 4 Em Walter Benjamin: tradução e melancolia (2002), no qual investiga a relação entre os dois elementos no percurso filosófico do pensador alemão, a pesquisadora Susana Kampff Lages escreve: “Ao longo de sua história, o tema da melancolia tende a ocupar regiões de fronteira: é tratado sobretudo em reflexões que levam em conta as doenças do corpo e da alma humana como intimamente interligadas e, muitas vezes, por um elo que é ele mesmo um mecanismo de tradução, isto é, a afecção do corpo como sendo tradução de uma disposição anímica, e vice-versa” (LAGES, 2002, p. 33). nem retorno, nem progresso -, zona de interstício que deixa ao leitor uma impressão perturbadora, como quando Penna narra o já mencionado encontro sexual entre o protagonista e a menina quase morta em Fronteira. Julia Kristeva (1989KRISTEVA, Julia. Sol negro: depressão e melancolia. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1989., p. 12), a quem retornarei no tópico seguinte, refletindo em primeira pessoa sobre o estado melancólico, toca essa dimensão essencial de ambiguidade: “Nas fronteiras da vida e da morte, às vezes tenho o sentimento orgulhoso de ser a testemunha da insensatez do Ser, de revelar o absurdo dos laços e dos seres”. Com suas figuras fantasmagóricas, nem vivas, nem mortas, Penna se coloca como testemunha desse absurdo, preparando-se para, em seu romance seguinte, tratar de forma sutilmente mais direta das agruras e cicatrizes coletivas que turvavam a vida moderna.

Dois romances de Nico Horta

Chama atenção, por dois motivos, que Cornélio Penna dedique seu Dois romances de Nico Horta à sua “melhor amiga, Itabira do Mato Dentro” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 5), nome oficial do Município de Itabira até o momento de sua emancipação, em 1848. Primeiro porque aqui, ao contrário do que vimos em Fronteira, em que o espaço urbano é descrito como “doença aviltante e tenaz” (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 13), o autor parece colocar a cidade em uma posição de afeto e estima: agora, Itabira do Mato Dentro é sua melhor amiga.

Segundo, porque à época da publicação de Nico Horta, em 1939, a cidade já se chamava simplesmente Itabira. O velho nome já havia sido substituído quando Penna, com um ano de idade, mudou-se para lá com sua família, nos últimos anos do século XIX. Continuar chamando-a de Itabira do Mato Dentro tantos anos depois da oficialização da nova nomenclatura reforça, de certo modo, a dimensão do afeto que o autor mantinha por aquela cidade - ou, ao menos, pelo que ela havia sido em um passado distante.

Logo no primeiro capítulo, o narrador de Nico Horta contrapõe as ideias de tradição e progresso quando insere, em um ambiente fundamentalmente lento e silencioso, os ruídos de outro mundo:

Escutava com sufocada inquietação o apito longínquo, os gritos de chamada e alarme das locomotivas da estrada de ferro que passava muito fora de seus limites. Era um outro mundo que ameaçava de longe, com a convicção de que era possível andar, correr, falar, gritar, fazer enfim todos esses esforços e sacrifícios que, encadeando-se, formam a vida, a vida dos outros... (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 7).

São gritos e alarmes e apitos ameaçadores que formam a vida. “A vida dos outros”, não a dele, do narrador, que permanece ligado a um passado de “águas correntes e o lento mugido do gado”. Como em Fronteira, a cidade ganha aqui ares de personagem. Ela envolve, “ameaçadora e dormente” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 10), e espreita, “silenciosa” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 11).

Ainda nesse primeiro capítulo ficamos sabendo da existência de um casarão “como um grande sepulcro”. E de um quarto fechado que concentrava “toda a sua voluntária explicação de miséria, toda a sua vontade essencial de viver e de ocultar”. Uma vez mais, como já havia ocorrido em Fronteira, somos apresentados a uma casa imersa em sombras, algo fantasmagórica, na qual se concentrará parte importante da narrativa. Também são fantasmagóricos os personagens, que começamos a conhecer no capítulo seguinte - “Era preciso recorrer àquela mulher que andava pela casa, como uma sombra suspensa, surda e silenciosa” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 8).

Somos apresentados a D. Ana, que, logo saberemos, passou por dois casamentos e que se sente uma “estranha entre estranhos”, alguém que “nada tinha, nada a prendia ao mundo que a cercava” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 14). A ideia de estranheza é reforçada na página seguinte, quando é dito que levava uma “vida estrangeira e inadaptável”. Correspondendo, uma vez mais, ao que escreveu Bauman (1998BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.) sobre os estranhos, Penna deixa clara a incapacidade da personagem de se adaptar à realidade que a cerca. Mais que isso, D. Ana se sente desorientada em relação ao próprio corpo, que se prepara, “em silêncio, para uma festa, para a qual não se sentia convidada” - a gravidez. E também depois, quando um tremor percorrer seus membros, “que pareciam tão longe uns dos outros” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 15).

D. Ana dá à luz duas crianças, Pedro, dotado de “beleza vitoriosa”, e Nico, “o reverso da vida de Pedro” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 16). E então, pouco a pouco, nos damos conta de que esse trata-se de um romance de dualidades, a começar pelo título. São dois romances. Dois maridos. Dois irmãos. E Nico, o irmão que é o reverso do outro, sente-se igualmente dividido em dois - “Mas a frieza do seu cérebro não era alcançada nunca pelo calor de seu corpo...” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 20). Em oposição à figura luminosa do irmão, Nico traz em si a escuridão melancólica de sua mãe. Quando passeia pela rua, os vizinhos o enxergam, arrepiados, como uma “sombra atormentada e fugidia” que “parece o diabo”.

Assim como a mãe, Nico transita algo desorientado em relação à própria existência. Vê em Maria Vitória, seu interesse amoroso, a chance de “completar o pequeno milagre de seu encontro consigo mesmo”. É particularmente simbólico de sua aflição existencial o trecho em que reflete ser preciso “incorporar-se dentro de sua própria significação”, como se, até então, passasse pelo mundo como entidade semiótica desprovida de significado. Maria Vitória representa, para ele, a “possibilidade de viver” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 40). Essa falta de sentido existencial revela-se uma constante no romance - a própria Maria Vitória diz, em determinado momento: “[...] perdi o meu papel e fiquei sem tempo de preparar outro”.

Aqui, outra vez, parece pertinente citar a construção da arquitetura de solidão e inadequação realizada por Albert Camus em O estrangeiro. Embora o autor franco-argelino tenha dotado sua produção ficcional de uma velocidade e aridez estranhas à elaboração estilística sofisticada de Penna - o que exime o fluxo de pensamentos de Meursault de momentos de aguda reflexão interior -, não é descabido dizer que suas personagens compartilham o que Roland Barthes (2001BARTHES, Roland. Inéditos. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 2 v., p. 93) chamou de uma “solidão tão grande” que não pode ser olhada de frente e que, quando tragicamente reconhecida, marcaria a “união indissolúvel” com um mundo que não se entende. Nico Horta, assim como o absurdista de Camus, está indissoluvelmente ligado a essa incompreensão.

Mas o milagre do mútuo reconhecimento que se estabelece entre Nico e Maria Vitória - deslumbrados pela constatação de que compartilhavam das mesmas dores -, e a esperançosa resolução tomada por ambos de que, sim, é “preciso resolver-se a viver”, logo se desagrega. Os “eu te amo!” repetidos à exaustão no capítulo XXXIV sucumbem poucas páginas depois, quando Maria Vitória encontra novo par, alguém que lança em seu rosto compungido uma “expressão indizível de fecunda serenidade” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 52), algo que o atormentado Nico jamais seria capaz de oferecer.

Em seu Sol negro, Julia Kristeva (1989KRISTEVA, Julia. Sol negro: depressão e melancolia. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1989., p. 12) reveste a melancolia de uma espécie de dimensão profética de perda. O melancólico empreende uma busca que, como ele próprio sabe de antemão, se revelará infrutífera - “Conscientes de estarmos destinados a perder nossos amores, ficamos talvez ainda mais enlutados ao perceber no amante a sombra de um objeto amado, outrora perdido”. Nico Horta sabe que o amor lhe é impossível. Sabe que Maria Vitória lhe vai escapar. Para superá-la é preciso partir e aceitar o recrudescimento de um fastio que, na verdade, nunca o abandonou.

Também há em Dois romances de Nico Horta a figura de uma viajante misteriosa que chega à casa da família e desestabiliza o já frágil equilíbrio que havia entre os irmãos. A viajante desaparece poucas páginas depois, sem que o leitor saiba de suas motivações, como um vulto de mau presságio que surge e desvanece, como se deixasse sobre a casa a premonição da tragédia mais tarde verbalizada pelo próprio Nico - “Tenho receio do que vai acontecer nesta casa” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 47).

A primeira metade do romance chega ao fim com a partida de Nico Horta, que se despede de Maria Vitória e de sua mãe e abandona a propriedade da família, montado em um cavalo, sem rumo definido, apenas com a certeza de que o percurso será longo - “Mas que importava o tempo, se ele não encontrara ainda uma resposta para a nova pergunta que agora dançava em seus ouvidos: para onde iria?” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 57).

Mas logo é revelado ao leitor que a cavalgada sem rumo de Nico avança até a fazenda distante de familiares, onde ele pernoita. Em seguida, viaja à velha cidade dos pais, à entrada da qual - com as onipresentes casas de portas e janelas fechadas - já se percebe que aquele espaço, como os anteriores, é carregado de melancolia e angústia:

[...] as casas cegas, com portas e janelas fechadas, com o indizível ar de abandono, de uso, de cansaço das coisas ao luar, o deserto de sono daquela rua engolfando-se rapidamente no casario confuso, tudo subiu, lento, à sua garganta, repelindo-o com mansidão. Era como se a cidade lhe voltasse as costas com melancólico enfado, não querendo sequer vê-lo (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 63).

Nico, perdido entre espaços e fronteiras, entrega-se a reflexões que acentuam sua aflição existencial e sua incapacidade de estabelecer relações com os outros. Tentando “provar que existia”, questiona-se: “Como viver, como ser amado, ser ferido, ser martirizado de um modo consciente e cotidiano por alguém?” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 68). Nessa geografia que é nova e velha, encontra Didina, conhecida de outras épocas (não se explicita, ao certo, a relação que existia entre os dois), e que, assim como Nico, vive uma vida solitária: “Eu estou sozinha porque fujo de mim mesma, e fico com muito medo quando me encontro nos outros” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 81).

Agora empregado em um cartório, trava diálogo revelador com a filha do tabelião. Conta à jovem que por muito tempo desejou viver no campo, onde “tudo seria uma imensa libertação do meu ser e meu peito se abriria em um grande hausto...” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 86). Nico fala do campo como um espaço onde sua existência ganharia sentido, e onde seus sentidos se ampliariam na descoberta de uma comunhão metafísica. A quimera do campo, porém, revela-se falha quando a personagem percebe sua pequenez frente à natureza: “[...] eu queria ultrapassar a mim próprio, e sou apenas uma pessoa aborrecida e tirânica, de quem todos se escondem e riem às escondidas” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 88).

A aparente tranquilidade citadina não dura e, quando a obra se encaminha para seu desfecho, Nico já está, outra vez, entregue à fantasmagoria de sua existência - “Senhor, [...] livrai-me de mim mesmo...” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 100) -, uma melancolia profunda que nem o noivado com seu antigo amor é capaz de apagar. A derradeira dualidade a que se dedica Penna no romance é aquela que estabelece entre vida e morte (que Bauman (1998BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998., p. 30) chamaria de “estado de extinção contida” do sujeito deslocado), principalmente em seus três últimos capítulos, quando, em meio a uma narrativa fundamentalmente etérea, somos conduzidos por descrições que oscilam entre esses dois polos, nunca deixando totalmente claro para o leitor - exceto em suas últimas linhas - qual o destino do protagonista.

Uma revelação melancólica

A disposição melancólica das personagens de Penna, identificável não apenas nos dois romances objetos deste artigo, mas na totalidade de sua enxuta produção ficcional, aproxima-se do que Denilson Lopes (1999LOPES, Denilson. Nós os mortos: melancolia e Neo-Barroco. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999., p. 28) chama de uma das faces da melancolia moderna, qual seja uma “exacerbação da consciência de si”. Essa agudeza de autoconsciência também está na tragédia solar de Camus, citada anteriormente. Meursault, protagonista de O estrangeiro, guiado por uma melancolia, que se traduz em indiferença, é, segundo Barthes (2001BARTHES, Roland. Inéditos. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 2 v., p. 93), “O homem desprovido de álibis; apartado, por sua lucidez, dos refúgios anteriores (Deus, Razão)”.

Tanto Nico Horta quanto o protagonista inominado de Fronteira parecem viver um processo de assentamento melancólico que é revelador e epifânico, que exacerba sua lucidez e que os conduz em direção ao reconhecimento da absurda (em sua proporção filosófica) dimensão do abismo - pois, como escreveu Walter Benjamin (1984BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense , 1984., p. 175), “toda a sabedoria do melancólico vem do abismo”. Em seu mergulho de resgate na miríade de teorias históricas sobre a melancolia, Benjamin se debruça com especial ênfase sobre as reflexões que atribuem uma dimensão de epifania - muitas vezes profética5 5 Benjamin remonta ao opúsculo Da adivinhação pelo sonho (circa IV a.C.), de Aristóteles, a convicção de que a melancolia estimularia a capacidade divinatória, crença que voltaria a ganhar força na tradição medieval, quando sonhos proféticos eram atribuídos aos melancólicos (BENJAMIN, 1987, p. 170). - a esse estado.

Kristeva (1989KRISTEVA, Julia. Sol negro: depressão e melancolia. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1989., p. 11), aproximando-se das reflexões benjaminianas, usa a acurada alegoria do “abismo de tristeza” para ilustrar a intensidade do sentimento a que dedicam meditações. Como se confirmasse a sinistra iluminação do melancólico, a filósofa escolhe a figura do sol negro para nomear sua obra, associando o astro máximo a uma escuridão indicativa de desespero e aflição - seria a melancolia o sol negro no céu da modernidade? Na escolha dos adjetivos que emprega para traçar as linhas absurdas da existência - “evidente”, “resplandecente”, “inelutável” -, Kristeva reforça a ideia de sabedoria adquirida: “Na depressão, o absurdo de minha existência, se ela está prestes a se desequilibrar, não é trágico: ele me aparece evidente, resplandecente e inelutável” (KRISTEVA, 1989KRISTEVA, Julia. Sol negro: depressão e melancolia. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1989., p. 11).

É essa efusão autoconsciente derivativa do caráter melancólico que catalisa o reconhecimento de uma sensibilidade nova, fundamentalmente moderna, que em sua valorização da individualidade - uma individualidade antirromântica -, em seu interesse pela elaboração de uma reflexibilidade infinita, não se envergonha de se assumir estetizante:

[...] diferente da nostalgia romântica que vê no aprofundamento da interioridade um encontro com a verdade maior do sujeito, a melancolia, de fundo barroco, se perde nos abismos de uma reflexividade infinita, mas que se apresenta como espetáculo e aparência [...], oscila entre o caráter sublime de renúncia ao mundo e o consumir-se na sentimentalidade a mais banal, mas abre novas possibilidades para o jogo social [...] A melancolia reatualiza a figura do esteta, abrangendo o gozo camp, o tédio dândi, a indiferença da deriva e a mais delicada contrição espiritual, constituindo-se em uma estratégia de resistência da subjetividade à homogeneização, pelo simples fato de não só pluralizar mas estetizar o tempo. (LOPES, 1999LOPES, Denilson. Nós os mortos: melancolia e Neo-Barroco. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999., p. 28).

Em seus esforços de rechaço à homogeneização compulsória, em sua demonstração de uma conduta de quase ócio ou fastio que parece conduzi-los como se à deriva, em suas reflexões indicativas de uma contrição espiritual febril, as personagens de Penna parecem se esforçar em uma derradeira tentativa de resistência que, em última instância, opera a partir de uma estetização do tempo, de uma pluralização íntima que responde à realidade ruinosa da civilização moderna. Para nós, leitores, essa resistência estética obstinada aparece sob a forma de um estranhamento responsivo quase imediato - já nas primeiras linhas de Fronteira e Nico Horta, somos perturbados por uma forte impressão de incongruências: quem são essas personagens? Onde vivem? O que os move? Que segredos carregam? Estão vivos ou mortos?

A sensação de desarmonia e a constante desconfiança emanadas pelas narrativas de Penna no leitor reforçam a impressão da presença, naquela modernidade pretensamente luzidia e exuberante, de uma face - dissimulada, indesejada - assustadoramente melancólica. Penna está entre os intelectuais que, na primeira metade daquele século de louvor ao progresso, recusaram esse fingimento e abraçaram os rejeitos clandestinos do moderno. Outros, como o também escritor Paulo Prado - ligado de forma íntima aos domínios da cafeicultura paulista -, foram ainda mais explícitos em sua provocação lamuriosa.

Prado abre seu Ensaio sobre a tristeza brasileira, publicado em 1928PRADO, Paulo. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira. São Paulo: Oficinas Gráficas Duprat-Mayença, 1928. - sete anos antes do primeiro romance de Penna - declarando sobre o Brasil: “Numa terra radiosa vive um povo triste” (PRADO, 1928PRADO, Paulo. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira. São Paulo: Oficinas Gráficas Duprat-Mayença, 1928., p. 8). Suas reflexões a respeito da consolidação de uma melancolia pátria são tão desconcertantes que, naquele mesmo ano, Mário de Andrade, um dos maiores representantes do modernismo nacional, dedica a ele seu Macunaíma, personificando na ficção de seu “herói sem nenhum caráter” muitas das ideias desenvolvidas por Prado. Mais que isso, o breve texto de Prado inaugura a série de ensaios que, a partir da década de 1930, descortinaria as incongruências estruturais de uma nação que se pretendia moderna - Casa-grande & senzala (1933), de Gilberto Freyre (que teve sua escritura iniciada quando o autor se hospedava na casa de Prado em São Paulo); Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, e História econômica do Brasil (1945), de Caio Prado Jr., sobrinho de Paulo Prado.

O também escritor Moacyr Scliar (2003SCLIAR, Moacyr. Saturno nos trópicos: a melancolia europeia chega ao Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.), que resgata os argumentos apresentados por Prado para também desenvolver reflexões sobre a melancolia brasileira no seu Saturno nos trópicos (2003), divide seu estudo em três períodos históricos, o último deles dedicado ao Brasil da virada entre os séculos XIX e XX, quando os novos horizontes abertos pela modernidade começam a cobrar seu preço - “Havia motivo para tristeza [...] um motivo social, histórico: o genocídio indígena, a escravatura negra, as pestilências, a pobreza” (SCLIAR, 2003SCLIAR, Moacyr. Saturno nos trópicos: a melancolia europeia chega ao Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003., p. 167).

É interessante pontuar aqui que o olhar analítico de Walter Benjamin sobre a melancolia não se limita aos seus elementos constitutivos de matiz estética e histórica - ótica predominante em sua obra clássica Origem do drama barroco alemão (1928), cujas reflexões nortearam os tópicos iniciais deste artigo. O filósofo alemão também esteve atento às implicações sociais e ao potencial revolucionário desse caráter melancólico - ou desse pessimismo integral -, sugerindo no ensaio O surrealismo: o último instantâneo da inteligência europeia (1929) a necessidade de organização desse pessimismo em um projeto de renúncia à inércia contemplativa que mobilize para a revolução as “energias da embriaguez”.

E aqui retornamos a Penna, que, embora em sua ficção não proponha, de forma explícita, as mazelas sociais como marca definidora dessa tristeza moderna - visto que está mais interessado nos movimentos e revoluções internas de suas personagens -, não se furta de espalhar pela narrativa, de forma quase subliminar, sugestões dessa implicação social da constituição melancólica. Um dos melhores exemplos dessa “perturbação” dos espaços de meditação privada pelas questões sociais aparece no capítulo XXVII de Dois romances de Nico Horta, quando se intensifica o conflito entre o protagonista e o irmão que em tudo lhe é oposto.

Nesse espaço fantasmagórico de disputas silenciosas entre irmãos, a casa, transformada pelo atrito familiar em um “Getsêmani de inquietações e remorsos”, torna-se ainda mais hostil aos seus criados: “Os criados, que se aproximavam com precaução, no receio sempre presente dos súbitos furores dos donos da propriedade, inexplicáveis para eles, agora entravam e saíam com inesperada segurança, sabendo-se invisíveis diante da preocupação absorvente de seus tiranos” (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 33).

Estão eles submetidos a furores súbitos e inexplicáveis. A moderna configuração do lar revela-se, para eles, os criados, igualmente arcaica: pouco ou quase nada mudou, sabem-se invisíveis diante de seus “tiranos”. E, em raro momento de suspensão do arco narrativo, estabelecendo uma espécie de digressão sociológica, Penna continua falando dos invisíveis, agora também descritos pela sua cor:

Na cozinha, a velha negra que os criara, via e ouvia tudo com a resignação fatal de sua raça, pois ela sabia que dos senhores se devia ter medo sempre, um terror sagrado que guardava no fundo de seu coração de mãe humilde e forte, iniciada desde a infância nos mistérios e castigos da família de seus donos. (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 33).

São negros os criados da casa, subitamente lançados à posição de protagonistas nessa suspensão temporária da trama. Penna cita o “terror sagrado”, a “resignação fatal de sua raça”. Resignar-se é sua fatalidade, sua sorte, seu destino. Um destino que, sagrado que é, revela-se imutável na e apesar da modernidade anunciada pelo progresso, pelas exóticas palavras estrangeiras pintadas nas placas à entrada das minas de ouro hoje esquecidas.6 6 No capítulo inicial de Fronteira, o narrador personagem, descrevendo a geografia da cidade à qual acaba de retornar, relembra: “Leio, em minha memória preguiçosa, um grande cartaz com dizeres em inglês e que aparece de surpresa na escuridão, indicando a entrada das minas de ouro abandonadas” (PENNA, 2021, p. 6). Nesse presente que é também passado, a “velha negra”, que nada tem de nova, recorda:

- Negrinha, reza direito! - dizia-lhe secamente a sinhá-moça daquele tempo, dando-lhe forte pancada na cabeça, quando não conseguia fazer sair da garganta o erre de “fruto” ou de “espírito”.

Vinham-lhe as lágrimas, engolidas em silêncio, mas não podia nunca completar aquelas palavras de santo, e tinha a sensação de estar numa roda de suplício, dominada pela sinhá, que tudo tinha e devia ter, porque assim era o mundo. (PENNA, 2020PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020., p. 33).

Assim era o mundo de ontem. Assim é o mundo de hoje. Como um ciclo, uma “roda de suplício” inevitável. É deslocando-se do fluxo interno de seu protagonista, mesmo que fugazmente, que Penna desmonta a farsa de sua aparente neutralidade social. Por um instante, nas linhas breves de um breve capítulo, Penna cumpre a negação definitiva do progresso, reivindicando em seu lugar uma modernidade de ilusão e melancolia.

Referências

  • BARTHES, Roland. Inéditos São Paulo: Martins Fontes, 2001. 2 v.
  • BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
  • BENJAMIN, Walter. O surrealismo: o último instantâneo da inteligência europeia. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 21-35.
  • BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão São Paulo: Brasiliense , 1984.
  • FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. In: FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias e outros textos (1930-1936) Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 14-24.
  • KRISTEVA, Julia. Sol negro: depressão e melancolia. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.
  • LAGES, Susana Kampff. Walter Benjamin: tradução e melancolia. São Paulo: EdUSP, 2002.
  • LOPES, Denilson. Nós os mortos: melancolia e Neo-Barroco. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999.
  • MARTIN, Nastassja. Escute as feras São Paulo: Editora 34, 2021.
  • MOREIRA, Paulo. Modernismo localista das Américas: os contos de Faulkner, Guimarães Rosa e Rulfo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
  • PENNA, Cornélio. Dois romances de Nico Horta São Paulo: Faria e Silva Editora, 2020.
  • PENNA, Cornélio. Fronteira São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021.
  • PERES, Urania Tourinho. Uma ferida a sangrar-lhe a alma. In: FREUD, Sigmund. Luto e melancolia São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 101-138.
  • PRADO, Paulo. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira. São Paulo: Oficinas Gráficas Duprat-Mayença, 1928.
  • SCLIAR, Moacyr. Saturno nos trópicos: a melancolia europeia chega ao Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
  • 1
    De fato, foi na região de Itabira que, em 1942, durante o governo de Getúlio Vargas, foi fundada a Companhia Vale do Rio Doce, hoje Vale S.A.
  • 2
    A relação entre o caráter melancólico e a iluminação ou exacerbação da consciência será retomada na segunda parte deste artigo.
  • 3
    Na teoria psicanalítica de Freud, o Outro assume papel de intervenção constitutiva do Eu, em uma relação de alteridade que se desdobra em um processo de identificação melancólica. Essa reformulação a partir do Outro foi discutida em alguns de seus textos fundamentais, como Introdução ao narcisismo (1914) e Psicologia das massas e análise do eu (1921).
  • 4
    Em Walter Benjamin: tradução e melancolia (2002), no qual investiga a relação entre os dois elementos no percurso filosófico do pensador alemão, a pesquisadora Susana Kampff Lages escreve: “Ao longo de sua história, o tema da melancolia tende a ocupar regiões de fronteira: é tratado sobretudo em reflexões que levam em conta as doenças do corpo e da alma humana como intimamente interligadas e, muitas vezes, por um elo que é ele mesmo um mecanismo de tradução, isto é, a afecção do corpo como sendo tradução de uma disposição anímica, e vice-versa” (LAGES, 2002LAGES, Susana Kampff. Walter Benjamin: tradução e melancolia. São Paulo: EdUSP, 2002., p. 33).
  • 5
    Benjamin remonta ao opúsculo Da adivinhação pelo sonho (circa IV a.C.), de Aristóteles, a convicção de que a melancolia estimularia a capacidade divinatória, crença que voltaria a ganhar força na tradição medieval, quando sonhos proféticos eram atribuídos aos melancólicos (BENJAMIN, 1987BENJAMIN, Walter. O surrealismo: o último instantâneo da inteligência europeia. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 21-35., p. 170).
  • 6
    No capítulo inicial de Fronteira, o narrador personagem, descrevendo a geografia da cidade à qual acaba de retornar, relembra: “Leio, em minha memória preguiçosa, um grande cartaz com dizeres em inglês e que aparece de surpresa na escuridão, indicando a entrada das minas de ouro abandonadas” (PENNA, 2021PENNA, Cornélio. Fronteira. São Paulo: Faria e Silva Editora, 2021., p. 6).
  • Parecer Final dos Editores

    Ana Maria Lisboa de Mello, Elena Cristina Palmero González, Rafael Gutierrez Giraldo e Rodrigo Labriola, aprovamos a versão final deste texto para sua publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2023
  • Aceito
    15 Ago 2023
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