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Metodologia para previsão da vida útil de âncoras refratárias aplicadas em fornos de reaquecimento

Methodology for predicting service life of refractory anchors applied in reheating furnaces

RESUMO

O uso da técnica de ultrassom na avaliação, seleção e classificação de âncoras cerâmicas aplicadas em teto e paredes de fornos de reaquecimento permite identificar os seus principais defeitos e também determinar a sua resistência ao choque térmico em função da alteração do módulo de elasticidade com o número de ciclos térmicos aplicados ao material. A resistência ao dano por choque térmico típica de âncoras novas que cumprem todas as especificações técnicas é de aproximadamente 29 ciclos, sendo que estes materiais possuem um histórico de vida média de 15 anos para as paredes e de 10 anos para o teto. A degradação do módulo de elasticidade e da resistência ao dano por choque térmico destas peças ao longo de sua vida permite estimar a expectativa de vida útil do revestimento refratário montado com estes materiais. Com estes resultados, pode-se comparar a "idade real", identificada por esta metodologia, com a "idade cronológica" que considera o tempo de operação do revestimento refratário. Pode-se ainda, como consequência, estimar o tempo para a falha destas peças refratárias, melhorar o planejamento das paradas destes fornos para manutenção e evitar paradas não programadas, o que causaria perda de produção e prejuízos para as empresas.

Palavras-chave:
Âncoras cerâmicas; revestimento refratário; fornos de reaquecimento e ensaio de ultrassom

ABSTRACT

The use of ultrasound technique in evaluation, selection and classification of ceramic anchors applied to the ceiling and walls of reheating furnaces allows identifying the main defects and also determining their thermal shock resistance due to the alteration of the modulus of elasticity with the number of thermal cycles applied to the material. The typical thermal shock resistance of new anchors that meet all technical specifications is approximately 29 cycles, and these materials have a history of service life of about 15 years for walls and 10 years for the roof. The degradation of the elastic modulus and thermal shock resistance of these parts throughout its life allows to predict the life expectancy of the refractory lining mounted with these materials. With these results, one can compare the "real age", identified by this methodology, with the "chronological age" which considers the operating time of the refractory lining. It can still, as a result, estimate the time to failure of these refractory parts, improve the planning of the charts of these furnaces for maintenance and avoid unplanned shutdowns, which would cause loss of production and damage to businesses.

Keywords:
Ceramic anchors; refractory lining; reheating furnaces and ultrasonic testing

1. INTRODUÇÃO

As análises de desempenho e da vida útil de materiais refratários são práticas necessárias e vitais para processos produtivos em altas temperaturas [1[1] Jin, L., Ni, L., YU, Q., RAUF, A., et al., "Thermal cyclic life and failure mechanism of nanostructured 13 wt%Al2O3 doped YSZ coating prepared by atmospheric plasma spraying", Ceramics International, v. 38, n. 4, pp. 2983-2989, May 2012.

[2] STEINBRECH, R.W., POSTOLENKO, V., MÖNCH, J., et al., "Testing method to assess lifetime of EB-PVD thermal barrier coatings on tubular specimens in static and cyclic oxidation tests", Ceramics International, v. 37, n. 1, pp. 363-368, Jan 2011.

[3] Wang, Z., LI, P., "Dynamic failure and fracture mechanism in alumina ceramics: Experimental observations and finite element modelling", Ceramics International, v. 41, n. 10, pp. 12763-12772, Dec 2015.
- 4[4] Vasylkiv, O., Demirskyi, D., Badica, P., et al., "Room and high temperature flexural failure of spark plasma sintered boron carbide", Ceramics International, v. 42, n. 6, pp. 7001-7013, May 2016.]. Dessa forma, como principais usuários dos materiais refratários, as usinas siderúrgicas têm sido as maiores interessadas em melhorias no desempenho desses produtos. Basicamente, todas as áreas de uma usina siderúrgica empregam materiais refratários. Um dos equipamentos utilizados na área de laminação são os fornos de reaquecimento, que desempenham um importante papel na indústria siderúrgica. São nestes equipamentos que o aço (bloco, tarugo e placa) é reaquecido até atingir características suficientemente plásticas para o seu adequado processamento mecânico. Os fornos de reaquecimento estão presentes em usinas integradas, semi-integradas ou até mesmo em plantas onde não há uma aciaria associada. É praticamente o último equipamento da linha de produção de uma siderúrgica a ser revestido com materiais refratários, salvo em algumas usinas onde existem linhas de tratamento específico do aço, tais como decapagem e galvanização. Os fornos de reaquecimento podem ser classificados como tipo empurrador ("pusher"), soleira caminhante ("walking hearth"), viga caminhante ("walking beam") e soleira rotativa ("rotary hearth") [5[5] COTTA L. S., RODRIGUES C. G., "Avaliação de Revestimento Refratário no Processo Siderúrgico", Exacta, v.7, pp. 185-203, 2014., 6[6] KIKUTA, J., SAKURAI, Y., NAKAYAMA, T. - Rotary Hearth Furnace Process for Steel Dust Recycling and Iron Making. Plant and Machinery Division, 1 ed., Tokyo, Kitakyshu - City, Nippon Steel Engineering Co. Ltd., October 2012. ].

Os fornos de reaquecimento possuem algumas características básicas (Figura 1): um sistema para carregar e descarregar o aço; um sistema para suportar e transportar o aço ao longo da câmara (soleira e/ou vigas); uma câmara constituída por uma soleira, parede e teto com queimadores para fornecer energia e elevar a temperatura do aço para os valores desejados para o seu processamento posterior; um sistema para coletar os gases gerados no processo; refratários revestindo a parede, o teto e a soleira para proteger a carcaça e confinar o calor dentro do forno [7[7] TEIXEIRA, B. O. S., JOTA, F.O., TEIXEIRA, M. H. "Modelagem, Controle e Otimização do Processo dos Fornos de Reaquecimento de Placas", Controle & Automação, v.18, pp. 67, 2007.].

Figura 1:
Esquema geral de um forno de reaquecimento [8[8] MACHADO, M.L.P., MARCELOLUCAS, PM, https://sites.google.com/site/marcelolucaspm/disciplina-de-processos-de-conformao. Acessado em janeiro de 2016.
https://sites.google.com/site/marceloluc...
].

Embora os custos envolvidos na aquisição de refratários para fornos de reaquecimento sejam relativamente baixos, se comparados ao valor total do projeto, a sua falha e a consequente interrupção na unidade produtiva podem ocasionar sérios prejuízos financeiros. O projeto refratário do forno deve considerar as seguintes demandas principais: temperatura máxima interna de cada zona; temperatura máxima externa em cada zona; estado do equipamento (novo, reforma, intervenção durante a operação); disponibilidade para manutenção; custo de materiais e facilidade de aplicação. Estes equipamentos são normalmente divididos em três zonas: a zona de pré-aquecimento que trabalha na faixa de temperatura entre 800 e 1000ºC, a zona de aquecimento que trabalha com temperaturas entre 1000 e 1200ºC e a zona de encharque que trabalha com temperaturas entre 1200 a 1300ºC [7[7] TEIXEIRA, B. O. S., JOTA, F.O., TEIXEIRA, M. H. "Modelagem, Controle e Otimização do Processo dos Fornos de Reaquecimento de Placas", Controle & Automação, v.18, pp. 67, 2007.].

Os fatores que afetam a vida útil do revestimento refratário de um forno de reaquecimento podem ter causas diversas: o projeto do forno e do revestimento refratário; a sua montagem; as condições operacionais e a qualidade do refratário. A vida útil típica dos revestimentos refratários destes fornos é de 10 a 20 anos para as paredes e entre 5 a 15 anos para o teto, dependendo das zonas do forno. Já para a soleira e vigas, a vida útil depende do tipo de forno. Uma das principais causas de redução da vida útil dos revestimentos refratários está ligada às tensões termomecânicas elevadas ocasionadas por choque térmico durante o resfriamento e aquecimento dos fornos em paradas programadas ou não da operação.

O revestimento refratário usado na construção destes fornos pode envolver diferentes tipos de materiais: moldados, monolíticos e pré-moldados; materiais densos e isolantes. Para se ter estabilidade do revestimento refratário nas paredes e tetos é comum o uso de âncoras cerâmicas e metálicas (Figura 2). As âncoras cerâmicas são geralmente usadas em temperaturas superiores a 1100 ºC e espessuras de revestimento maiores do que 200 mm.

Figura 2:
Tipos de âncoras (a) e modelo de âncora refratária (b) para montagem do revestimento refratário [12].

A falha de uma âncora cerâmica pode comprometer a estabilidade do revestimento refratário e provocar a interrupção da operação do forno, sendo, portanto, um item crítico da estrutura refratária destes fornos. As âncoras cerâmicas falham normalmente por tensões mecânicas causadas pelo peso do refratário que suportam, por oscilações de temperatura no forno e por movimentação da estrutura refratária associada à dilatação térmica do refratário e metais presentes junto ao revestimento. Estes fatores tornam extremamente necessária a previsão da vida útil das âncoras cerâmicas. Para se estudar a longevidade das âncoras cerâmicas em teto e paredes do revestimento refratário, é imprescindível recorrer a ensaios destrutivos e não destrutivos, e ao estudo de microestrutura, trincas e fraturas causadas pelas tensões termomecânicas [9[9] PEREIRA, R., TORRES, A. A., AKIYOSHI, M. M., et al., "Avaliação de taxas de aquecimento em materiais refratários: comparação entre simulações físicas e cálculos computacionais, Cerâmica, v. 48, n. 306, pp. 54-60, 2002.

[10] QUINTELA, M. A., MELO, T. M. F., LAGE, I. J., et al., "Análise da resistência ao choque térmico de refratários contendo carbono", Cerâmica, v. 47, n. 304, pp. 174-179, 2001.
- 11[11] CUNHA-DUNCAN, F. N., BRADT, R. C.,"Fratura de refratários", Cerâmica, v. 49, n. 312, pp.199-215, 2003.].

As descontinuidades estruturais como trincas nas peças refratárias podem ser detectadas visualmente quando são superficiais ou com o uso da técnica de ultrassom. Este trabalho propõe uma metodologia capaz de prever a vida útil das âncoras cerâmicas aplicadas em paredes e tetos de fornos de reaquecimento usando esta técnica. A complexidade e diversidade dos processos de fabricação das âncoras cerâmicas, com suas diferentes composições químicas e mineralógicas, dificultam uma padronização por parte dos fabricantes e a previsão de sua longevidade. A estimativa da sua possível vida útil passa pela avaliação criteriosa da qualidade e controle de conformidades destes materiais. As âncoras cerâmicas aplicadas em fornos de reaquecimento são um produto refratário aluminoso, prensado, quimicamente ligado e queimado das classes 60% e 70% Al2O3 [9[9] PEREIRA, R., TORRES, A. A., AKIYOSHI, M. M., et al., "Avaliação de taxas de aquecimento em materiais refratários: comparação entre simulações físicas e cálculos computacionais, Cerâmica, v. 48, n. 306, pp. 54-60, 2002. , 11[11] CUNHA-DUNCAN, F. N., BRADT, R. C.,"Fratura de refratários", Cerâmica, v. 49, n. 312, pp.199-215, 2003., 13[13] AKIYOSHI, M. M., SILVA, A. P., PEREIRA, R. et al., "Importância da utilização de propriedades avaliadas em função da temperatura para a simulação computacional de cerâmicas refratárias", Cerâmica, v. 48, n. 306, pp: 70-78, 2002. ].

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Na primeira parte do estudo, foram testadas amostras de âncoras cerâmicas novas que seriam instaladas em um forno de reaquecimento. A especificação técnica das âncoras cerâmicas aplicadas em fornos de reaquecimento é dada na Tabela 1.

Tabela 1:
Especificação técnica da âncora cerâmica aplicada em forno de reaquecimento [14[14] DUARTE, ALAMAR KASAN, "Refratários para fornos de reaquecimento", Curso de Fundamentos em Refratários, Santiago, ALAFAR, 2015.].

Após a análise dos resultados, foi elaborada uma metodologia para a comparação da idade real e da idade cronológica para âncoras em operação. Na segunda parte da pesquisa, amostras com 10 anos de uso foram retiradas de um forno de reaquecimento em operação para avaliação. Além disto, âncoras em uso foram avaliadas diretamente no revestimento refratário do forno de reaquecimento. Todas as análises supracitadas foram realizadas a temperatura ambiente.

O principal método de avaliação usado na inspeção das âncoras cerâmicas neste estudo foi o ultrassom, com base na norma BS EN 12504-4-2004 [15[15] BRITISH STANDARD. BS EN 12504-4:2004. Testing concrete. Determination of ultrasonic pulse velocity. London, 2004.], para se obter o módulo de elasticidade (E) a frio (Figura 3). Para este ensaio utilizou-se o método direto por meio do aparelho V-meter MK IV - NDT James Instruments, com transdutores de 150 kHz e, como acoplante, o gel condutor Mercur. As âncoras cerâmicas defeituosas ou que apresentaram desvios na velocidade ultrassônica medida foram separadas para posterior análise. O módulo de elasticidade das âncoras foi calculado em função da velocidade longitudinal medida por ultrassom:

Figura 3:
Metodologia utilizada para teste de ultrassom nas âncoras cerâmicas.

(1)

E = Módulo de elasticidade (GPa); ρ = Densidade do material (kg/m3); μ = Coeficiente de Poisson [(μ) = 0,21]; VL = Velocidade longitudinal.

O ensaio de espectroscopia por fluorescência de raios X (FRX) foi usado como técnica analítica para se verificar as porcentagens dos óxidos presentes, objetivando a identificação de possíveis presenças de elementos contaminantes, utilizando como referência de especificação a Tabela 1. O equipamento usado foi o espectrômetro de FRX por dispersão por comprimento de onda, Modelo Axios Max, da Panalytical, conforme Norma BS EN ISO 12677:2011 [16[16] INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. British Standard. BS EN ISO 12677:2011. Chemical analysis of refractory products by X-ray fluorescence (XRF) -- Fused cast-bead method. Geneva, 2011.].

Nos ensaios de massa específica aparente (MEA) e porosidade aparente (PA), aplicou-se a norma BS EN 993-1:1995 [17[17] BRITISH STANDARD. BS EN 993-1:1995. Methods of test for dense shaped refractory products. Determination of bulk density, apparent porosity and true porosity. London, 1995.]. Os corpos de prova foram secos em uma estufa, modelo JUNG com aquecimento até 500ºC, a uma temperatura de 110 ± 5ºC até obtenção de massa constante. Foram resfriados a temperatura ambiente em água corrente (25ºC) e pesados utilizando-se uma balança hidrostática com precisão de 0,01g para obter a massa seca da amostra.

No ensaio de densidade geométrica, foram utilizadas as normas BS EN 1094-4:1995 [18[18] BRITISH STANDARD. BS EN 1094-4:1995. Insulating refractory products. Determination of bulk density and true porosity. London, 1995. ] e BS EN 993-10:1998 [19[19] BRITISH STANDARD. BS EN 993-10:1998. Methods of test for dense shaped refractory products. Determination of permanent change in dimensions on heating. London, 1998.], onde os corpos de prova seguem preparação semelhante ao ensaio anterior.

Para se determinar a resistência à compressão a temperatura ambiente (RCTA) aplicou-se a Norma BS EN 993-6:1995 [20], com corpos de prova cilíndricos (50 mm x 50 mm) usando-se uma carga com velocidade de (800 ± 100) N/s até a ruptura da amostra. As amostras foram ensaiadas em prensa hidráulica para teste de resistência mecânica INSTRON EMIC Modelo DL-2000.

Para o teste de resistência à flexão a quente (módulo de ruptura a quente a 1260 ºC x 60 min.) utilizou-se a Norma BS EN 993-7:2000 [21[21] BRITISH STANDARD. BS EN 993-7:2000. Methods of test for dense shaped refractory products. Determination of modulus of rupture at elevated temperatures. London, 2000. ], onde os corpos de prova foram retirados de regiões prédefinidas da âncora como demonstrado na Figura 4. Estes corpos de prova (160 mm x 40 mm x 40 mm) foram aquecidos em uma temperatura de 1260 ºC, em um forno elétrico adaptado com uma prensa hidráulica KRATOS 100 KN acoplada ao topo, com êmbolo cerâmico de alta alumina (98%), a uma temperatura de 1260ºC, aplicando-se uma velocidade de carga de (670 ± 30) N/min ± 30 N/min com resolução de 5N.

Figura 4:
Regiões da retirada de corpos de prova da âncora cerâmica para o teste de resistência à flexão a quente a 1260 ºC x 60 minutos (HMOR).

No cálculo do índice de resistência ao choque térmico (RCT) foi utilizada a Norma BS EM 993-11:2007 [22[22] BRITISH STANDARD. BS EM 993-11:2007. Methods of test for dense shaped refractory products. Determination of resistance to thermal shock. London, 2007.]. Os valores do módulo de elasticidade são obtidos por meio das medições realizadas no próprio aparelho de ultrassom e a resistência ao dano por choque térmico é obtida a cada ciclo ensaiado utilizando a equação da reta (y = ax + b), onde f(y) = 0 e x = -b/a = ciclos térmicos, extrapolada até se obter o número de ciclos térmicos para um valor do módulo de elasticidade (E) igual a zero. Os valores são plotados em um gráfico (Figura 13), onde se relaciona o módulo de elasticidade (E) com a resistência ao choque térmico (RCT) (Figura 14), por meio do número máximo de ciclos térmicos obtidos com as amostras retiradas da âncora cerâmica (Figura 11) são capazes de suportar [23[23] MUNZ, D., FETT, T. - Ceramics - Mechanical Properties, Failure Behavior, Materials Selection.1 ed., Berlin, Springer-Verlag, 1999.].

Figura 5:
Âncoras cerâmicas sob suspeita no ensaio de ultrassom. Âncoras de teto 136, 145 e 243 (a) e âncoras de parede 29 e 53 (b).

Figura 6:
Âncora de teto 136 sob suspeita com presença de trincas internas.

Figura 7:
Âncora de teto 145 sob suspeita com presença de trincas internas.

Figura 8:
Âncora de teto 243 sob suspeita com presença de trincas internas.

Figura 9:
Âncora de parede 29 sob suspeita com velocidade menor no ensaio de ultrassom

Figura 10:
Âncora de parede 53 sob suspeita com presença de trincas internas pequenas.

Figura 11:
Âncora dividida ao meio com os locais de retirada dos corpos de prova da cabeça da âncora (Ca), do centro (Ce) e da base (Ba) de cada metade da peça para o teste de resistência ao choque térmico.

Figura 12:Amostras
das âncoras cerâmicas sob suspeita de trincamento retiradas para o teste de resistência ao choque térmico (RTC).

Figura 13:
Determinação da RCT de âncoras novas sem defeito (1000 ºC/água).

Figura 14:Correlação
entre a resistência ao choque térmico (RCT) das âncoras 29 e 53 e sua vida adicional no forno de reaquecimento.

O critério de aceitação junto ao fabricante de refratário baseou-se na norma ABNT NBR 7999 (Materiais refratários conformados - amostragem para inspeção por variáveis) [24] e ISO 5022 ("Shaped refractory products - sampling and acceptance testing") [25[25] INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 5022:1979. Shaped refractory products -- Sampling and acceptance testing. Geneva, 1979.] utilizando-se o limite unilateral inferior e NQA (Nível de Qualidade de Aceitação) de 4% e desvio padrão desconhecido. Entretanto, devido à criticidade das âncoras de teto, a inspeção na usina foi realizada a 100%, com a rejeição de todas as peças defeituosas.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram inspecionadas 312 âncoras novas do teto e 352 âncoras novas da parede a serem instaladas em uma reforma de um forno de reaquecimento, para estabelecer o Limite Inferior de Especificação (LIE) como parâmetro, com base nos valores médios da velocidade ultrassônica (Xbarra) e nos valores do desvio-padrão (σ) das velocidades, criando-se um critério para aceitação e rejeição das peças (Tabela 3). É importante ressaltar que a inspeção das âncoras cerâmicas foi realizada em 100% das peças escolhidas para o ensaio.

Tabela 2:
Plano de Amostragem para produtos conformados densos inspeção por variáveis com NQA 4,0% de acordo com a Norma NBR ISO 5022:2014.

Tabela 3:
Critério de aceitação das âncoras novas de teto e parede.

Como o objetivo deste trabalho é propor uma metodologia para se prever o desempenho das âncoras cerâmicas antes da montagem nos fornos de reaquecimento, as peças que apresentaram desvios nos valores da velocidade medida por ultrassom foram rejeitadas e selecionadas para estudos visando prever seu possível comportamento, analisar sua longevidade e prever seu desempenho no equipamento.

Entre as 664 âncoras inspecionadas, foram identificadas 5 âncoras que apresentaram algum tipo de desvio na velocidade medida por ultrassom ou algum defeito encontrado na peça (Tabela 4). Do total de 352 âncoras de parede foram separadas duas (0,6%) e do total de 312 âncoras de teto foram separadas três (1,0%) peças sob suspeita de defeitos para serem avaliadas.

Tabela 4:
Segregação de âncoras cerâmicas novas de teto e parede sob suspeita de defeito.

Para o cálculo do índice de qualidade (IQ) e aceitação das amostras, os seguintes critérios foram adotados:

Sendo dado o limite superior de especificação (LSE - a maior velocidade encontrada):

IQ = (LSE - Xbarra) / σ (2)

Sendo dado o limite inferior de especificação (LIE - a menor velocidade encontrada):

IQ = (Xbarra - LIE) / σ (3)

Regras de decisão:

Se IQ ≥ K: Aceitar o lote.

Se IQ < K: Rejeitar o lote.

O Fator "K" utilizado deve estar de acordo com o plano de amostragem para inspeção de variáveis (formato, dimensão e aparência), conforme Tabela 2. Este plano é baseado na norma ABNT NBR ISO 5022 - Produtos refratários conformados - Amostragem e ensaios de aceitação [26[26] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR ISO 5022:2014. Produtos refratários conformados - Amostragem e ensaios de aceitação. São Paulo, 2014.], utilizando limite unilateral (superior ou inferior), NQA (Nível de Qualidade de Aceitação) de 4,0 % e desvio padrão (σ) desconhecido, onde o fator de aceitação para K é igual a 0,93.

Uma caracterização química das âncoras a serem instaladas no forno de reaquecimento foi inicialmente feita como forma de se verificar se as peças atendiam as especificações do cliente (Tabela 5). As 5 peças segregadas por apresentarem anomalia foram caracterizadas fisicamente (Tabela 6). Para o teste de resistência à flexão a quente (HMOR), 3 peças foram selecionadas para caracterização (Tabela 6- peças 136, 29 e 53). Os corpos de prova retirados e que apresentavam algum tipo de defeito não foram testados. Algumas das peças apresentaram grumos, demonstrando problemas de mistura durante o processo de fabricação (Figura 5). Foi adotada, como faixa de aceitação para as velocidades de ultrassom das âncoras novas, a média das velocidades medidas entre todas as âncoras (3250 m/s).

Tabela 5:
Caracterização química das âncoras cerâmicas novas sob suspeita.

Tabela 6:
Caracterização física de âncoras cerâmicas novas sob suspeita.

As peças que apresentaram defeito no teste de ultrassom também foram cortadas para se observar possíveis defeitos internos em sua estrutura. Os cortes foram feitos no sentido longitudinal das âncoras do teto 136, 145 e 243 constatando presença de trincas grandes e defeitos internos, e também nas âncoras de parede 29 e 53, que acusaram menor velocidade de ultrassom e presença de trincas pequenas, respectivamente (Figuras 6 a 10). Estas trincas podem indicar o grau de ligação e uniformidade entre a mistura de agregados, componentes ou minerais refratários, podem indicar alterações na distribuição de tamanho de partículas e na composição química, e a presença de microtrincas ou laminações nas âncoras cerâmicas durante o seu processo de fabricação.

Para a realização do teste de resistência ao choque térmico (RCT), foram retirados corpos de prova (50 x 50 mm) das 5 âncoras novas sem defeito, sendo 2 corpos de prova, um de cada parte (Ca, Ce e Ba) da metade da âncora cortada (Figura 11), que foram separadas por suspeita de problemas durante a fabricação. Estes corpos de prova (Figura 12) foram submetidos ao ensaio de RTC a uma temperatura de 1000 °C e resfriados em água a temperatura ambiente a cada ciclo de choque térmico ensaiado. Foi determinado o módulo de elasticidade médio (E) das amostras testadas antes de se iniciar o primeiro ciclo de choque térmico, e após 2, 6 e 10 ciclos de choque térmico.

O valor médio da resistência ao choque térmico das 5 âncoras novas sem defeito foi de 29 ciclos (Figura 13). A vida útil destas âncoras novas tem sido de aproximadamente 15 anos. Partiu-se do pressuposto, com base em arquivos de dados da indústria e dos históricos de campanha do forno de reaquecimento, que exista uma correlação entre a RCT da âncora e a expectativa de sua vida útil como mostrado na Figura 14. De acordo com os dados de desempenho das âncoras cerâmicas registrados durante anos de serviço, foi identificado que a resistência à dois ciclos do teste de resistência ao choque térmico corresponde a um ano de serviço da âncora cerâmica. Obtendo-se o índice de RCT das âncoras novas sem defeito pela equação da reta (y = ax + b), onde f(y) = 0 e x = -b/a = ciclos térmicos, tem-se: 0 = -0,7692x + 21,992 e x = -(21,992 /-0,7692) = 28, 6 ciclos térmicos.

A Tabela 7 mostra os valores de E (módulo de elasticidade - GPa) das peças retiradas das âncoras sob suspeita após os testes de resistência ao choque térmico. As três âncoras de teto apresentaram o módulo de elasticidade após 2 ciclos de choque térmico igual a zero, mostrando que as peças haviam tido fratura completa após os primeiros ciclos. As duas âncoras de parede apresentaram um comportamento melhor, explicado pelo fato de que a âncora 29 apresentou, durante a inspeção inicial, apenas um menor valor de velocidade de ultrassom, e a âncora 53 apresentou pequenas trincas internas. O cálculo de RCT a partir destes dados mostrou que a âncora 29 apresentou uma RCT de 23 ciclos e a âncora 53 um valor de RCT de 25 ciclos (Figura 15).

Tabela 7:Caracterização
da resistência ao choque térmico (RCT) de âncoras cerâmicas novas sob suspeita.

Figura 15:
Determinação da RCT de âncoras novas sob suspeita (1000 ºC/água).

Adotando a metodologia proposta no gráfico da Figura14, caso as âncoras 29 e 53 separadas para análise fossem instaladas, poderia se esperar uma estimativa de vida útil de 11,5 anos para a âncora 29 e uma vida útil de 12,5 anos para a âncora 53. Desta forma, pode-se esperar que estas âncoras não atinjam a expectativa de vida útil de 15 anos, conforme histórico de serviço para este material.

O uso da técnica de ultrassom na avaliação, seleção e classificação de âncoras cerâmicas aplicadas em teto e paredes de fornos de reaquecimento permite identificar os seus principais defeitos e também determinar a sua resistência ao choque térmico em função da alteração do módulo de elasticidade com o número de ciclos térmicos aplicados ao material.

Foi adotada, como faixa de aceitação para as velocidades de ultrassom das âncoras novas, a média das velocidades medidas entre todas as âncoras (3250 m/s). As âncoras novas que foram aprovadas de acordo com este critério apresentaram uma resistência ao choque térmico de 29 ciclos, o que corresponderia a 15 anos de serviço. Uma âncora de parede que não passou no critério de aceitação, por apresentar uma menor velocidade de ultrassom que a faixa de aceitação, apresentou uma resistência ao choque térmico de 23 ciclos, o que corresponde a 11,5 anos em serviço.

Foi verificado experimentalmente que a medição da resistência ao choque térmico (RCT) de uma âncora em uso, retirada do revestimento do forno de reaquecimento, pode dar indicações do tempo de vida restante deste revestimento, usando-se a correlação experimental de que a cada dois ciclos de resistência ao choque térmico, a peça em estudo teria uma vida de um ano em serviço. Isto poderia permitir a previsão de parada do forno para reforma, reduzindo paradas não programadas e, consequentemente, prejuízos no lucro cessante.

4. CONCLUSÕES

A resistência ao choque térmico (RCT) medida através do método de ultrassom pode ser usada para se estimar a vida útil de âncoras cerâmicas em fornos de reaquecimento, uma vez que a vida útil destes fornos sofre grande influência de danos causados por choque térmico durante ciclos de aquecimento e resfriamento em operação.

O histórico de vida útil destas âncoras cerâmicas é de uma vida média de 15 anos em parede e de 10 anos para teto nestes fornos de reaquecimento. A resistência ao choque térmico de âncoras novas que cumpriram todas as especificações de qualidade apresentou um valor médio de 29 ciclos. Das peças defeituosas, as âncoras de teto tiveram o módulo de elasticidade após 2 ciclos de choque térmico igual à zero, mostrando que as peças haviam tido fratura completa após os primeiros ciclos. As duas âncoras de parede que apresentaram um menor valor de velocidade de ultrassom e pequenas trincas internas apresentaram uma resistência ao choque térmico de 23 e 25 ciclos, respectivamente, o que equivaleria a 11,5 e 12,5 anos de serviço.

O uso deste método de avaliação influencia construtivamente e positivamente as áreas de produção em seus futuros planejamentos de paradas para troca do revestimento ou manutenção refratária. Sugere-se ampliar este estudo para outras peças refratárias, podendo seus conceitos serem revistos à medida que esta metodologia for sendo utilizada após um período representativo de operação, e também aplicada para outros equipamentos siderúrgicos.

5. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Élcio Alves Ribeiro de Carvalho e Luiz Eduardo Andrade de Carvalho, Tereza Cristina Moreira Faustino, e às empresas REFRALAB - Centro de Caracterização de Minerais e Materiais Industriais e Vallourec Tubos do Brasil por permitirem a publicação deste estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    11 Fev 2016
  • Aceito
    26 Jun 2016
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