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CONDIÇÕES DE SAÚDE BUCAL E AUTORRELATO DE DOR EM REMADORES: UM ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO

RESUMO

Introdução:

Os remadores são particularmente propensos a problemas de saúde oral devido ao uso generalizado de suplementos e isotônicos, tendência a distúrbios alimentares pela exigência do controle de peso e ao cerramento dos dentes causado pela ativação constante dos músculos mastigatórios durante a atividade esportiva.

Objetivo:

Avaliar os distúrbios orais dos remadores brasileiros e identificar os principais fatores de risco de saúde bucal desses atletas.

Métodos:

Participaram deste estudo 120 remadores (84 homens e 36 mulheres) com idade de 24,16 ± 5,74 anos, estatura de 1,79 ± 0,09 cm e massa corporal de 75,02 ± 11,64 kg, que foram avaliados com um questionário que investigou os principais problemas de comprometimento da saúde oral dos atletas.

Resultados:

Os resultados odontológicos revelaram um número significativo de remadores com padrão respiratório oral (46,7%), com histórico de maloclusão (65,8%), com parafunção oclusal de bruxismo (33,3%) e com ruído e/ou dor na ATM (articulação temporomandibular) (20,8%). O uso de suplementos e isotônicos (48,3%) e a incidência de sangramento gengival (30,83%) também são achados relevantes.

Conclusão:

Os resultados obtidos mostram a importância de conscientizar essa categoria esportiva sobre a relevância da saúde oral e de estabelecer sistemas de prevenção, de preferência, com a inclusão de um especialista em odontologia do esporte no departamento de medicina esportiva dos clubes de remo. Nível de evidência II; Estudo retrospectivo.

Descritores:
Saúde bucal; Atletas; Medicina do esporte; Epidemiologia

ABSTRACT

Introduction:

Rowers are especially prone to oral health problems due to the massive consumption of supplements and isotonic drinks that lead eating disorders, due to the need for weight control, and to the development of teeth clenching caused by the constant activation of the chewing muscles during sports activity.

Objective:

To evaluate the oral health status of a group of Brazilian rowers and to identify the main risk factors influencing their oral health.

Methods:

One hundred and twenty rowers (84 men and 36 women) with an age of 24.16 ± 5.74 years participated in this study; an average height of 1.79 ± 0.09 cm and body mass of 75.02 ± 11.64 kg were detected by means of a questionnaire focused on the main factors that influence the deterioration in athletes’ oral health.

Results:

The dental results revealed a significant number of rowers with the oral breathing pattern (46.7%), malocclusion (65.8%), bruxism (33.3%) and noise and/or pain in the TMJ (temporomandibular joint) (20.8%). The use of supplements and isotonic drinks (48.3%) and the incidence of bleeding gums (30.83%) were also found.

Conclusion:

The results show the importance of making rowers aware of the relevance of oral health and the need for prevention systems, ideally including sports dentistry specialists within the sports medicine departments of rowing clubs. Level of evidence II; Retrospective study.

Keywords:
Oral heath; Athletes; Sports medicine; Epidemiology

RESUMEN

Introducción:

Los remeros son especialmente propensos a sufrir problemas de salud bucodental debido al uso masivo de suplementos e isotónicos, con tendencia a trastornos alimentarios por la exigencia de control de peso y el apretamiento dental, por la constante activación de los músculos masticatorios durante la actividad deportiva.

Objetivo:

Evaluar el estado bucal de un grupo de remeros brasileños e identificar los principales factores de riesgo para la salud bucal de estos deportistas.

Material y método:

En este estudio participaron 120 remeros (84 hombres y 36 mujeres) con una edad de 24,16 ± 5,74 años; una altura de 1,79 ± 0,09 cm y una masa corporal de 75,02 ± 11,64 kg, por medio de un cuestionario que indagó sobre los principales problemas de la salud bucodental de los deportistas.

Resultados:

Los resultados relativos al área dental revelaron un número significativo de remeros con patrón de respiración oral (46,7%), con historia de maloclusión (65,8%), con parafunción de bruxismo (33,3%) y con ruido y/o dolor de la ATM (articulación temporomandibular) (20,8%). El uso de suplementos e isotónicos (48,3%) y la incidencia de sangrado gingival (30,83%) son también datos relevantes encontrados.

Conclusión:

Los resultados obtenidos muestran la importancia de concientizar a esta categoría deportiva sobre la relevancia de la salud bucodental y establecer sistemas de prevención, preferiblemente con la inclusión de un especialista en odontología deportiva en el departamento de medicina deportiva de los clubes de remo. Nivel de evidencia II; Estudio retrospectivo.

Descriptores:
Salud bucal; Atletas; Medicina deportiva; Epidemiología

INTRODUÇÃO

A saúde oral dos atletas tem sido objeto de pesquisas e preocupações no mundo do esporte e vários estudos demonstram que um grande número de desportistas é exposto a riscos que comprometem o próprio desempenho. Existe um consenso geral em relação aos principais fatores que ameaçam a saúde da cavidade oral como a cárie dentária, a doença periodontal, a erosão e a pericoronarite, problemas que geralmente podem ser prevenidos e evitados.11 Needleman I, Ashley P, Fine P, Haddad F, Loosemore M, de Medici A, et al. Oral health and elite sport performance. Br J Sports Med. 2015;49(1):3-6.

2 Ashley P, Di Iorio A, Cole E, Tanday A, Needleman I. Oral health of elite athletes and association with performance: a systematic review. Br J Sports Med. 2015;49(1):14-9.
-33 Gallagher J, Ashley P, Petrie A, Needleman I. Oral health and performance impacts in elite and professional athletes. Community Dent Oral Epidemiol. 2018;46(6):563-8. Traumas dentários e maloclusões também colocam em risco o equilíbrio oclusal dos atletas e consequentemente o desempenho esportivo. Outros fatores importantes são a desidratação, a imunossupressão induzida pelo exercício físico, a falta de informações e de métodos preventivos.44 Queiroz RLS, Ueda AJZ, Nogueira FN, Caponi LQ. Odontologia do esporte na adolescência. In: Vitalle MSS, Silva FC, Pereira AML, Weiler RME, Niskier RS, Schoen TH. Medicina do Adolescente - Fundamento e Prática. São Paulo, Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2019. p. 323-7. A necessidade específica de nutrição e hidratação durante a prática esportiva leva ao consumo excessivo de gel de carboidratos e isotônicos, o que contribui para a alta incidência de doenças bucais e um impacto negativo na qualidade de vida desses atletas.55 Ceyhan D, Tolga, E. The Effects of Sports on Oral and Dental Health. Turk J Med Sci. 2020;3(2):1-5. Em esportes nos quais o controle do peso corporal é necessário, como boxe, ginástica, hipismo, corridas de longa distância e remo, alguns atletas tendem a ter transtornos alimentares.66 Walsh M, Crowell N, Merenstein D. Exploring Health Demographics of Female Collegiate Rowers. J Athl Train. 2020;55(6):636-643,77 De Bruin APK. Athletes with eating disorder symptomatology, a specific population with specific needs. Curr Opin Psychol. 2017;16:148-153.

Medidas preventivas como o uso de dentifrício fluoretado, orientações sobre técnicas de higiene oral, protetores bucais individuais e suplementos nutricionais adequados são algumas das recomendações importantes. Ademais, informar treinadores e atletas, implantar um sistema de prevenção e mostrar a evidente importância da Odontologia do Esporte no contexto da saúde devem contribuir para a solução deste grave problema.88 Needleman, Ian et al. Nutrition and oral health in sport: time for action. Br J Sports Med. 2018;52:1483-1484.,99 Pretty IA. High Fluoride Concentration Toothpastes for Children and Adolescents. Caries Res. 2016;50 Suppl 1:9-14.

O objetivo deste trabalho é avaliar a saúde bucal de remadores federados junto a Confederação Brasileira de Remo e alertar sobre sua importância no desempenho desses atletas. Durante a realização da pesquisa, não foram encontrados outros estudos epidemiológicos relativos à saude oral dos remadores.

MATERIAL E MÉTODO

Este estudo foi realizado no Brasil, nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, de junho a dezembro de 2019, com 120 atletas de remo (84 homens e 36 mulheres) com média de idade de 24,11 anos e média de prática esportiva de 7,64 anos, de 12 clubes filiados à Confederação Brasileira de Remo. Esses atletas remam em média 25 horas por semana.

O critério de inclusão compreendeu idade entre 18 e 38 anos, presença de pelo menos 28 dentes naturais em oclusão, excluindo extrações para terapia ortodôntica, prática mínima de remo de 12 meses e mínima de 10 horas de atividade semanal. Foram excluídos do estudo atletas com doenças cardiovasculares e neurológicas, diabetes, gestantes e atletas sem elementos dentários.

Os clubes de remo foram contactados previamente por meio de carta-convite solicitando a participação dos próprios atletas nesta pesquisa.

Os dados relativos ao questionário foram coletados na sede de cada clube de remo, com explicação prévia sobre o tipo de pesquisa realizada e assinatura do termo de consentimento por cada atleta.

O questionário, realizado em português e respondido anonimamente, propunha 21 questões objetivas sobre as características dos atletas, anamnese clínica, anamnese odontológica e questões relacionadas à prática esportiva, com o objetivo de avaliar alguns parâmetros da saúde bucal.

O estudo foi realizado de acordo com o Código de Ética Profissional da Universidade Católica de San Antonio de Murcia, Espanha, e aprovado pelo Comitê de Ética em 07/06/2019, com o código CE061909. Os atletas participantes da pesquisa foram previamente informados sobre os procedimentos a serem realizados durante todas as fases do estudo, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido elaborado para esse fim, conforme Declaração de Helsinque atualizada.

Análise estatística

Os dados foram coletados, tabulados, analisados e processados com o software estatístico R (versão 4.0.2, R Foundation for Statistical Computing, Viena). Na análise descritiva, as variáveis quantitativas são resumidas com média, desvio padrão, quartis e amplitude e as variáveis qualitativas com distribuições de frequência. Para a análise por sexo das variáveis quantitativas, as médias são comparadas pelo teste T e para a análise das variáveis qualitativas, as proporções são comparadas pelo teste de Fisher. Da mesma forma, para a análise das variáveis quantitativas e qualitativas em função das variáveis relacionadas à saúde bucal (sangramento gengival, bruxismo, ortodontia, dor na ATM) e com preferência lateral durante a mastigação, foram utilizados o teste T e o teste de Fisher, respectivamente.

Nos testes de hipóteses desenvolvidos neste estudo, é considerado um nível de significância de 5%, ou seja, as diferenças são estabelecidas como significativas quando o valor de p é menor ou igual a 0,05.

RESULTADOS

Foram avaliados 120 atletas de remo (84 homens e 36 mulheres).

A idade média dos atletas era de 24.16 anos (SD = 5.74), o peso médio era de 64.36 kg para as atletas femininas (SD = 6.90) e 79.57 kg para os atletas masculinos (SD = 10.12); a altura média dos atletas masculinos era de 183 cm (SD = 0,07) e das atletas femininas de 170 cm (SD = 0,07), e o IMC era de 23.13 (SD = 2.13). Os atletas que participaram na investigação remaram uma média de 24.95 horas por semana (SD = 7.96) e treinaram durante uma média de 7,66 anos (SD = 5.27). Os dados detalhados foram apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Características demográficas e prática de remo em toda a população (N = 120). Os resultados são expressos como média ± desvio padrão ou frequência (porcentagem de indivíduos).

Dados odontológicos, apresentados no Tabela 2, revelaram que 48.3% usavam isotônicos e suplementos desportivos e 30.8% tinham problemas de sangramento gengival. Relataram uma parafunção de bruxismo 33.3% dos atletas, 46.7% tinham um padrão respiratório oral ou misto (independentemente do gesto atlético) e 65.8% dos 120 atletas avaliados, ou seja 79 atletas, tinham um histórico ortodôntico, utilizando um aparelho ortodôntico fixo. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os atletas masculinos e femininos no que diz respeito aos dados odontológicos.

Tabela 2
Hábitos odontológicos em toda a população (N = 120). Os resultados são expressos como frequência (porcentagem de indivíduos).

Os dados relativos à dor estão representados na Tabela 3, revelando que 65,5% dos atletas relataram ter sentido dor devido à prática de atividades desportivas. As áreas mais afetadas foram: costas (46.2% dos atletas); joelhos (27.7%) e pescoço (13.4%). Alguns atletas relataram dores em diferentes áreas do corpo ao mesmo tempo. As mulheres foram mais afetadas do que os homens no que diz respeito à dor em um ou em ambos os pés (valor p = 0,029).

Tabela 3
Características relacionadas à dor em toda a população (N = 120). Os resultados são expressos como frequência (porcentagem de indivíduos).

DISCUSSÃO

Na avaliação dos dados obtidos nesta pesquisa podemos concluir que os remadores que participaram deste estudo apresentaram uma condição de saúde oral melhor do que a média encontrada em estudos semelhantes, em outras modalidades esportivas.1010 D'Ercole S, Tieri M, Martinelli D, Tripodi D. The effect of swimming on oral health status: competitive versus non-competitive athletes. Int J Oral Sci. 2016;24(2):107-13.,1111 Souza JJ, Grande RS, Bahls R, Santos FA. Evaluation of the oral health conditions of volleyball athletes. Rev Bras Med Esporte. 2020;26(3):239-42. O alto número de remadores com histórico ortodôntico (65.8%) sugerem que esses atletas foram orientados no passado e que deram atenção à própria condição de saúde oral. No entanto o estressante ritmo de treinamento a que são submetidos, a possibilidade de desenvolverem parafunção como o bruxismo (no caso 33.3%), a alta incidência de respiração oral relatada (46.7%) e os hábitos referentes à alimentação e ao uso de isotônicos e suplementos (48.3%) exigem um controle acurado e específico desses atletas.

O frequente serramento dentário, típico de alguns gestos atléticos, pode contribuir ao aparecimento de distúrbios temporomandibular (DTM). Nos remadores pesquisados foram encontrados sinais de rumor e/ou dor em 20.83% dos atletas, valor abaixo da média de estudos realizados em outros esportes.1111 Souza JJ, Grande RS, Bahls R, Santos FA. Evaluation of the oral health conditions of volleyball athletes. Rev Bras Med Esporte. 2020;26(3):239-42.

Considerando o sangramento gengival relatado (30.83%) como um sinal de inflamação gengival, os dados obtidos são menores em relação à média de estudos semelhantes realizados em outros esportes que consideravam a gengivite como um parâmetro de comprometimento da saúde oral.1212 De Moura MC, Inacio IA, Cavalcante JL, Araújo LM. Prevalência da gengivite em pacientes atendidos em um centro universitário no interior do Ceará. Braz J Periodontol. 2020;30(03):43-48.,1313 Needleman I, Ashley P, Petrie A, Fortune F, Turner W, Jones J, et al. Oral health and impact on performance of athletes participating in the London 2012 Olympic Games: a cross-sectional study. Br J Sports Med. 2013;47(16):1054-8. Em recente estudo epidemiológico de pacientes de um centro universitário no Brasil, foram avaliados os prontuários de 2821 pacientes e identificada doença periodontal em 71% deles. Ao avaliar a tipologia da patologia resultou que 79% era gengivite. Os autores afirmam que a gengivite tem-se tornado a doença periodontal que apresenta maior prevalência atualmente.1212 De Moura MC, Inacio IA, Cavalcante JL, Araújo LM. Prevalência da gengivite em pacientes atendidos em um centro universitário no interior do Ceará. Braz J Periodontol. 2020;30(03):43-48.

Estes dados coincidem com a pesquisa realizada por Needleman et al.1313 Needleman I, Ashley P, Petrie A, Fortune F, Turner W, Jones J, et al. Oral health and impact on performance of athletes participating in the London 2012 Olympic Games: a cross-sectional study. Br J Sports Med. 2013;47(16):1054-8. em atletas de elite que participaram dos Jogos Olímpicos de 2012. Após o exame de 278 atletas de 25 diferentes esportes, o resultado demonstrou que 76% sofriam de gengivite. Os autores concluem afirmando que a saúde oral desses atletas era deficiente e que havia um impacto negativo no bem-estar, no treinamento e na performance dos atletas.

Alguns autores afirmam que o alto índice de sangramento gengival por eles observado em pesquisas (96.5%) confirma a teoria de que a gengivite é uma constante universal em algumas populações e destacam a importância de um programa de prevenção direcionado a este tipo de patologia.1414 Haas AN, Prado R, Rios FS, Costa RD, Angst PD, Moura MD, Maltz M, Jardim JJ. Occurrence and predictors of gingivitis and supragingival calculus in a population of Brazilian adults. Braz Oral Res. 2019;33:e036.

Por outro lado, embora o sangramento possa ser considerado um sinal de inflamação gengival, Trombelli et. declaram que a autoavaliação de sangramento não é suficiente para confirmar o diagnóstico de gengivite.1515 Trombelli L, Farina R, Silva CO, Tatakis DN. Plaque‐induced gingivitis: Case definition and diagnostic considerations. J Clin Parodontol. 2018;45:44-67.

O uso de suplementos de carboidratos em forma de bebida, barra e gel é associado ao desempenho do atleta.1616 Hills SP, Russell M. Carbohydrates for soccer: A focus on skilled actions and half-time practices. Nutrients. 2017;10(1):22. Um dado relevante encontrado neste trabalho foi o número de atletas que relatou o consumo de sport drinks, géis e suplementos em um percentual de 48,3%, confirmando estudos precedentes.1717 Gallagher J et al. Oral health-related behaviours reported by elite and professional athletes. Br Dent J. 2019;227:276-280.,1818 Al Saffan A et al. The effect of sports on oral health in Riyadh city: A cross-sectional study. Saudi J Dent Res. 2020:7(1):18-23. O uso destas substâncias é associada por vários pesquisadores ao desenvolvimento da erosão dentária, um tipo de alteração derivante de um processo químico (não bacteriano) e que leva a uma perda irreversível da estrutura dentária a que os atletas são mais sujeitos em função da alta incidência de fatores de risco aos quais são expostos.1313 Needleman I, Ashley P, Petrie A, Fortune F, Turner W, Jones J, et al. Oral health and impact on performance of athletes participating in the London 2012 Olympic Games: a cross-sectional study. Br J Sports Med. 2013;47(16):1054-8.,1919 Jena M, Satyarup D, Nagarajappa R, Dhar U, Dalai RP. Impact of Sports Drink on Oral Health. Indian J Public Health Res Dev. 2019;10(11):943-946.

Um outro dado importante foi o número de atletas que relataram um padrão de respiração oral (46.7%), independente do gesto atlético. Este dado surpreendente, se analisado simultaneamente com o alto numero de histórico ortodôntico destes atletas, pode encontrar uma justificação e ser melhor compreendido.

A respiração é o mais importante processo fisiológico e deve desenvolver uma ação eficiente durante a atividade esportiva. A respiração oral impede ao atleta de exercer ao máximo o seu desempenho, e isto tem sido pesquisado amplamente no mundo esportivo.2020 Dallam GM, McClaran SR, Cox DG, Foust CP. Effect of nasal versus oral breathing on Vo2max and physiological economy in recreational runners following an extended period spent using nasally restricted breathing. Int J Sports Sci Coach. 2018;6(2):22-9.

As principais causas da Síndrome da Respiração Oral são a obstrução mecânica das vias aéreas superiores, doenças inflamatórias, hipotonicidade muscular e malformações congênitas, que impedem a passagem normal do ar pelo nariz. Alguns estudos associam esta síndrome à mudanças significativas da postura corporal, com anteriorização da cabeça e do ombro, colocando em evidência a importância da terapia multidisciplinar.2121 Flanell M. The Athlete's Secret Ingredient: The Power of Nasal Breathing. EC Pul and Res Med. 2019;47(8):1-5.

O alto número de atletas com histórico ortodôntico (65,8%) que se submeteram em passado a terapia, se revelou como um dado extremamente positivo na população de remadores estudada. A pesquisa sugere que estes atletas tiveram uma informação odontológica adequada e foram bem orientados em relação ao restabelecimento da própria saúde oral.

A oclusão dentária pode influenciar o tônus muscular tanto na mastigação quanto no equilíbrio postural2222 Julià-Sánchez S et al. The Influence of Dental Occlusion on Dynamic Balance and Muscular Tone. Front Physiol. 2020:10:1626. e a maloclusão pode ser um fator de transtorno na performance dos atletas. Este argumento foi pesquisado em um recente estudo que demonstrou o impacto negativo de interferências oclusais em jovens remadores de elite.2323 Leroux E, Leroux S, Maton F, Ravalec X, Sorel O. Influence of dental occlusion on the athletic performance of young elite rowers: a pilot study. Clinics. 2018;73. Os autores deste trabalho inseriram dispositivos que interferiam na oclusão destes atletas, simulando maloclusões. Com base nos resultados os autores sugerem que exames da oclusão dentária devem ser realizados regularmente e que quando detectadas, as maloclusões devem ser tratadas para melhorar o desempenho esportivo.

Enfim, um dado muito significativo foi o número de atletas que relatou bruxismo diurno (33,3%). De acordo com as diretrizes do Consenso Internacional sobre Bruxismo de 2013, o bruxismo é “uma atividade muscular da mandíbula repetitiva caracterizada por apertar ou ranger dos dentes e / ou por imobilização ou projeção da mandíbula”.2424 Lobbezoo F, Ahlberg J, Raphael KG, Wetselaar P, Glaros AG, Kato T, et al. International consensus on the assessment of bruxism: Report of a work in progress. J Oral Rehabil. 2018;45(11):837-44. O bruxismo pode ocorrer durante o sono (bruxismo do sono) ou durante a vigília (bruxismo acordado) e diferentes fatores estão associados a esta atividade muscular.2525 Kuhn M, Türp JC. Risk factors for bruxism. Swiss Dent J. 2018;128(2):118-24.,2626 Wieckiewicz M, Winocur E. Sleep Bruxism—The Controversial Sleep Movement Activity. J Clin Med. 2020;9:880.

O bruxismo é frequentemente associado ao estresse físico e psicológico durante algumas atividades esportivas, como escalada, crossfit e remo. Pesquisas anteriores relacionadas ao bruxismo em atletas mostram uma alta incidência de casos e, em recentes estudos realizados em atletas de elite, verificou-se a presença de bruxismo em 59,8%2727 De la Parte Serna AC, De la Fuente FP, Monticelli F. Principales hábitos nocivos odontológicos para el alto rendimiento en deportes colectivos. Rev int deportes colect. 2020;42:72-82. e 51.1%2828 Zięba E, Byś A. Prevalence and risk factors for bruxism among climbers. J Phys Educ Sport 2019;9(9):400-405., respectivamente.

Em estudo efetuado em atletas de caiaque e canoa foram observadas diferentes formas de desgaste dentário. Nos atletas de caiaque foram observados desgaste simétrico e hipertrofia simétrica dos músculos masseteres. Nos atletas de canoa os desgaste foram prevalentemente do lado ativo da remada e a hipertrofia dos masseteres unilateral, coincidindo com o lado ativo da remada. A conclusão dos autores foi que os atletas de elite são predispostos ao bruxismo e que os desgastes consequentes são distribuídos de forma diversa, de acordo com o esporte praticado.2929 Babiuc I, Minescu L, Tănase G, Bodnar T, Ionescu C, Dina Mn, et al. Clinical study on the incidence of bruxism throughout romanian high-performance athletes. Acta Med Transilvanica. 2019;24(3):103-106.

Enfim, o dado mais relevante encontrado de esfera não odontológica se refere à lombalgia referida em 45,8% dos atletas Este dado é facilmente previsível tendo em vista a posição e a intensa solicitação muscular e esquelética do gesto atlético. Estudos semelhantes confirmam o alto percentual de lombalgia em remadores.3030 Gonzalez SL, Diaz AM, Plummer HA, Michener LA. Musculoskeletal screening to identify female collegiate rowers at risk for low back pain. J Athl Train. 2018;53(12):1173-80. Esta situação é frequentemente agravada pela falta de tempo de recuperação do estresse fisico desses atletas.

CONCLUSÃO

O remo é um esporte que exige grande preparação física e sua técnica é baseada na resistência, na força e no equilíbrio muscular. O bem estar e a saúde desses atletas são fundamentais para o seu desempenho e a saúde bucal deve ser incluída neste contexto.

Os resultados desta pesquisa sugerem que maiores cuidados e informações sobre os fatores de risco que podem comprometer a saúde bucal e, consequentemente, o desempenho, devem ser dispensados aos remadores e a todos aqueles que estão direta ou indiretamente envolvidos com a saúde e o bem-estar dos atletas.

Compreender os fatores de risco e implementar estratégias de prevenção é um passo importante para reduzir as lesões na cavidade bucal e aumentar a saúde oral dos remadores. Somente através de estudos epidemiológicos de cada tipo de esporte poderemos conhecer os reais fatores de risco para a saúde oral dos atletas.

A presença de um especialista em Odontologia Esportiva no departamento médico dos clubes de elite é altamente recomendável.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a colaboração dos atletas, treinadores e técnicos dos clubes de remo que participaram desta pesquisa, em particular o Gerente técnico da Seleção Brasileira de Remo, Marcelo Varriale.

Esta pesquisa não recebeu financiamento externo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2021
  • Aceito
    04 Maio 2021
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