Acessibilidade / Reportar erro

Exercício docente na escola: relações sociais, hierarquias e espaço escolar

The exercise of teaching in the school: social relations, hierarchies, and school space

Resumos

Este artigo apresenta análises formuladas sobre as condições objetivas de trabalho dos professores, relacionadas ao espaço escolar, às dificuldades por eles enfrentadas no trato com os alunos, à existência ou não de autonomia na condução das tarefas em seu cotidiano e ao estabelecimento de hierarquias nas relações estabelecidas na escola. Trata-se de parcela de resultados obtidos quando da realização de pesquisa para elaboração de tese de doutorado. Os dados foram coletados em 2005, por meio de entrevistas semi-estruturadas com dez professoras do ciclo I do Ensino Fundamental em duas escolas públicas estaduais paulistas, além de direção, coordenação, pais e alunos. A análise das condições de trabalho dos professores evidenciou que socialmente essa função não possui prestígio. No entanto, mesmo sendo função desvalorizada socialmente e em face às difíceis condições objetivas a que estão submetidos como, por exemplo, a falta de autonomia para a condução de seu trabalho, para os professores exercer docência significa valor, não só em razão de ganhos econômicos advindos com o salário recebido, mas especialmente em decorrência do capital simbólico que capitalizam nas relações de distinção estabelecidas na escola. Além disso, exercer a docência significou elevação concreta do capital cultural dos professores, ao se levar em consideração suas famílias de origem.

Cultura escolar; habitus do professor; Função docente; Espaço escolar


This article describes analyses made concerning the objective working conditions of teachers, as related to the school space, to the difficulties they face in dealing with the students, to the existence or otherwise of autonomy in the conduction of their daily tasks, and to the establishment of hierarchies in the relationships within the school. It represents part of the results obtained during the development of a doctoral research. The data were collected in 2005 through semi-structured interviews with ten teachers from the first cycle of Fundamental Education at two public schools of the State of São Paulo, and also with principals, coordinators, parents and pupils. The analysis of teachers' working conditions made it clear that this function has little social prestige. Nevertheless, in spite of being socially undervalued and of the difficult objective conditions to which they are subjected, such as lack of autonomy to carry out their work, teachers believe that teaching has value, not only because of the economic gains from their salaries, but mainly as a function of the symbolic asset represented by the distinctive role they play in the relations established inside the school. Besides, being a teacher represented the concrete elevation of their cultural assets, considering their families of origin.

School culture; Teacher's habitus; Teaching function; School space


ARTIGOS

Exercício docente na escola: relações sociais, hierarquias e espaço escolar

The exercise of teaching in the school: social relations, hierarchies, and school space

Marieta Gouvêa de Oliveira Penna

Universidade de São Paulo

Correspondência Correspondência: Marieta G. de Oliveira Penna Av. da Universidade, 308 05508-040 - São Paulo - SP e-mail: marieta.penna@usp.br

RESUMO

Este artigo apresenta análises formuladas sobre as condições objetivas de trabalho dos professores, relacionadas ao espaço escolar, às dificuldades por eles enfrentadas no trato com os alunos, à existência ou não de autonomia na condução das tarefas em seu cotidiano e ao estabelecimento de hierarquias nas relações estabelecidas na escola. Trata-se de parcela de resultados obtidos quando da realização de pesquisa para elaboração de tese de doutorado. Os dados foram coletados em 2005, por meio de entrevistas semi-estruturadas com dez professoras do ciclo I do Ensino Fundamental em duas escolas públicas estaduais paulistas, além de direção, coordenação, pais e alunos. A análise das condições de trabalho dos professores evidenciou que socialmente essa função não possui prestígio. No entanto, mesmo sendo função desvalorizada socialmente e em face às difíceis condições objetivas a que estão submetidos como, por exemplo, a falta de autonomia para a condução de seu trabalho, para os professores exercer docência significa valor, não só em razão de ganhos econômicos advindos com o salário recebido, mas especialmente em decorrência do capital simbólico que capitalizam nas relações de distinção estabelecidas na escola. Além disso, exercer a docência significou elevação concreta do capital cultural dos professores, ao se levar em consideração suas famílias de origem.

Palavras-chave: Cultura escolar - habitus do professor - Função docente - Espaço escolar.

ABSTRACT

This article describes analyses made concerning the objective working conditions of teachers, as related to the school space, to the difficulties they face in dealing with the students, to the existence or otherwise of autonomy in the conduction of their daily tasks, and to the establishment of hierarchies in the relationships within the school. It represents part of the results obtained during the development of a doctoral research. The data were collected in 2005 through semi-structured interviews with ten teachers from the first cycle of Fundamental Education at two public schools of the State of São Paulo, and also with principals, coordinators, parents and pupils. The analysis of teachers' working conditions made it clear that this function has little social prestige. Nevertheless, in spite of being socially undervalued and of the difficult objective conditions to which they are subjected, such as lack of autonomy to carry out their work, teachers believe that teaching has value, not only because of the economic gains from their salaries, but mainly as a function of the symbolic asset represented by the distinctive role they play in the relations established inside the school. Besides, being a teacher represented the concrete elevation of their cultural assets, considering their families of origin.

Keywords: School culture - Teacher's habitus - Teaching function - School space.

Este artigo apresenta análises formuladas sobre as condições objetivas de trabalho do professor no que diz respeito ao espaço escolar, às dificuldades enfrentadas com os alunos, à existência ou não de autonomia na condução das tarefas e ao estabelecimento de hierarquias nas relações estabelecidas no interior da escola. Trata-se de análise relacional que pretende evidenciar as conexões estabelecidas entre alguns aspectos das condições de trabalho dos professores e a posição social por eles ocupada.

A análise das condições em que o exercício docente se desenvolve nas escolas se torna fundamental para compreensão de aspectos da cultura escolar e da posição social ocupada pelos professores. Importa não a análise das condições "em si", mas "em relação à", ou seja, importa considerar o estabelecimento da diferença. As práticas sociais estabelecidas expressam as condições objetivas de vida às quais os agentes encontram-se submetidos, bem como as disposições geradas pelo habitus e relacionadas aos aprendizados decorrentes de tais práticas.

Nesse sentido, importa analisar a função de professor por dentro, ou seja, como ela se estrutura, quais as práticas estabelecidas e quais as relações nas quais os docentes encontram-se envolvidos, buscando a compreensão da forma como se vêem e são vistos, bem como daquilo que lhes confere ou não distinção e prestígio.

Dessa forma, é objetivo evidenciar aspectos das condições objetivas de trabalho dos professores, que constituem e são constituídas pela posição por eles ocupada no espaço das relações sociais, numa relação de múltiplas determinações. A posição ocupada pelo professor no espaço das relações sociais e as condições objetivas em que o desempenho dessa função se desenvolve se expressam no habitus relacionado ao exercício dessa função.

Os dados aqui analisados foram coletados em 2005 por meio de entrevistas semi-estruturadas com dez professoras do ciclo I do Ensino Fundamental em duas escolas públicas da rede estadual de São Paulo. Foram entrevistados também uma diretora, uma professora-coordenadora, dois pais e oito alunos, distribuídos entre as duas escolas investigadas.

Condições objetivas, posição social e habitus docente

De acordo com Bourdieu (1988), ao analisarmos a posição que um grupo ou classe ocupa no espaço social, faz-se necessário captar a correspondência entre a estrutura do espaço social - cujas dimensões fundamentais correspondem ao volume e à estrutura dos diferentes capitais, especialmente o econômico e o cultural, - e as propriedades simbólicas vinculadas a esse grupo. As condições objetivas de vida às quais os agentes encontram-se submetidos geram condicionamentos que, por sua vez, traduzem-se em práticas e estilos de vida, que os posicionam no espaço das relações sociais. Os estilos de vida são distintivos e se estabelecem por oposição a outros grupos ou categorias de agentes, e dizem respeito à capacidade de utilizar e se apropriar material ou simbolicamente de bens econômicos e culturais.

O agente é dessa forma duplamente informado sobre as condutas a realizar, ou seja, pela estrutura objetiva das condições a que está submetido e pelos esquemas empregados para compreender essa estrutura.

Ser professor implica ocupar determinada posição no espaço social e essa posição se expressa e, ao mesmo tempo, constitui determinado habitus relacionado a esse exercício, constituindo disposições para a ação expressas em tomadas de posição e julgamentos, além de favorecer o estabelecimento de práticas que, ao serem analisados, permitem capturar o habitus em alguns de seus aspectos.

Ou seja, as condições objetivas nas quais o exercício docente se desenvolve e que, por sua vez, são fruto da institucionalização da função contribuem para a constituição de determinadas disposições integradoras de habitus relacionado a esse exercício que, entre outras formas, se expressam na prática docente.

O professor, ao socializar-se para e no exercício da função docente, encontra-se imerso na cultura escolar, suas regras e procedimentos, que dizem respeito à função da escola em determinado contexto histórico e social, expressa em

[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos. (Julia, 2001, p. 10)

A prática docente e a percepção que o professor possui da atividade por ele desempenhada revelam modos de ser e agir desses profissionais na escola. Ao me referir à prática docente, estou compreendendo-a tal qual formulada por Gimeno Sacristán (1999), para quem prática docente é cultura objetivada na forma de um legado imposto aos sujeitos, expressando-se como sabedoria compartilhada, ações a serem executadas ou mesmo estilos docentes. As práticas expressam aspectos da cultura escolar, uma vez que os professores compartilham condutas, crenças, formas de compreensão, emoções, valores. Os padrões de comportamento dos professores são apreendidos e reproduzidos em decorrência de finalidades implícitas e explícitas designadas à instituição escolar. A racionalidade que explica o funcionamento da escola não reside apenas na cabeça dos professores, mas em algo que é próprio à organização do sistema escolar e suas pautas de comportamento.

A racionalidade individual é expressão de determinantes mais amplos. Segundo o autor, a cultura escolar se estabiliza por meio do habitus e da institucionalização. O habitus refere-se a pautas internas, ou seja, a disposições para a ação, que foram incorporadas pelos agentes, e a institucionalização refere-se a tipificação de ações habituais por meio de regras e da coerção (Gimeno Sacristán, 1999). O habitus do professor diz respeito à cultura escolar sedimentada historicamente, relacionada ao modo escolar de socialização e suas pautas de funcionamento. Diz respeito também às condições objetivas em que esse exercício se desenvolve, ou seja, a uma dada sociedade em um dado momento.

Ao desempenharem determinada função, do que deriva ocupar determinada posição no espaço das relações sociais, os agentes são moldados pela socialização que diz respeito a esse desempenho, o que ocorre em determinadas condições de trabalho que necessitam ser compreendidas.

Mills (1969) oferece algumas pistas para a compreensão dos fatores que expressam as condições de trabalho às quais os sujeitos estão submetidos, e que lhes conferem ou não distinção, especialmente no que diz respeito àqueles que se dedicam a ocupações não manuais, como é o caso dos professores, e que, para o autor, pertencem às classes médias, que têm sempre a ambição da ascensão e o medo de tudo perder. Para o autor, entre outras questões, importa considerar a formação exigida, o local em que a função em questão se desenvolve e as dificuldades enfrentadas, as relações estabelecidas, o grau de autonomia que os sujeitos dispõem, o poder que exercem sobre outras pessoas. Alguns desses aspectos relacionados às condições de trabalho do professor serão analisados adiante, no que diz respeito aos efeitos de lugar; à indisciplina dos alunos; à autonomia dos professores; às hierarquias estabelecidas no espaço escolar. Para tanto, num primeiro momento, são apresentados alguns dados com objetivo de caracterizar os professores entrevistados, além de considerações sobre a origem social dos docentes.

Os sujeitos da pesquisa

Num primeiro momento, cabe especificar os sujeitos entrevistados na realização desta pesquisa. Todos os dez professores entrevistados eram mulheres, uma vez que nas escolas em que foram realizadas as entrevistas não existiam professores do sexo masculino lecionando. Análises relacionadas a docência e questões de gênero são importantes para se compreender a forma como o exercício dessa função se constitui socialmente. A função de ensinar, especialmente para as primeiras séries da escolarização básica, constituiu-se historicamente como função feminina. Na atualidade, dentre os professores brasileiros, 81,3% são mulheres (Brasil, 2004), com predominância nos segmentos iniciais da escolarização. A análise do exercício docente em perspectiva sociológica comporta necessariamente a questão de gênero, especialmente no que se refere às primeiras séries da escolarização fundamental que, em função de determinações sociais, configurou-se como função feminina1 1 . Sobre a questão da docência e relações de gênero, ver, entre outros, Apple, 1995; Catani et al., 1997; Louro, 1997; Carvalho, 1999; Chamon, 2005. .

Em relação à idade das professoras, tem-se que a maioria delas, ou seja, seis delas possuíam idades variando de 41 a 50 anos; três delas, entre 51 a 60 anos; e uma, entre 31 a 40 anos. No que se refere à formação, todas concluíram o magistério, sendo que três o fizeram em escolas particulares e sete em escolas públicas.

No que diz respeito à formação em nível superior, apenas metade delas chegou a esse nível de ensino: duas fizeram pedagogia, uma fez matemática e duas estavam cursando pedagogia quando da realização das entrevistas, todas em instituições privadas.

Ao se considerar a situação funcional das professoras, tem-se que metade delas era efetiva e metade era Ocupante de Função Atividade (OFA), o que acarreta em contratação temporária (ou seja, com duração até o final do ano letivo)2 2 . Cabe ressaltar que, em dezembro de 2005, o número de Professores de Educação Básica I que faziam parte do contingente ativo da Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo era de 52.012 efetivos e 59.174 não efetivos, conforme dados disponíveis em: http: //drhu.edunet-sp.gov.br/Equipe_an_tec1/4-eplprof_1205.doc; em 16 de janeiro de 2006. .

Com relação ao número de turmas e escolas em que lecionavam, tem-se que a maior parte das professoras (seis delas) lecionavam em apenas uma turma, contrariando a idéia de que os professores trabalham em jornada dupla. Na pesquisa realizada pela Unesco (Brasil, 2004), a maioria dos professores brasileiros trabalha de 21 a 40 horas/aula por semana (54,2%), a maior parte deles em uma mesma escola (58,5%). Como o estudo da Unesco não faz distinção entre as diferentes etapas da escolarização básica, caberia aprofundamento para verificar se esse dado se repete em amostra mais representativa dos professores do ciclo I do Ensino Fundamental.

Origem social dos professores

Por se tratar de estudo que analisa as condições de trabalho e a posição social dos agentes, importa tecer considerações sobre a origem social dos professores.

Diferentes pesquisas feitas em épocas distintas apontam para o fato de que os professores das primeiras séries do Ensino Fundamental, em sua maioria, têm origem nas camadas populares, fato que se acentua na atualidade. Dentre esses estudos, pode-se destacar os de Pereira (1969) e Gouveia (1970), realizados na década de 1960; de Novaes (1984), no final dos anos de 1970; os de Mello (2003) e Pessanha (1992), na década de 1980; ou os de Gatti; Esposito; Silva (1998) e Silva; Davis; Esposito (1998), na década de 1990, entre outros. Apontam também para a possibilidade de mobilidade social relacionada ao exercício docente (Brasil, 2004; Mello, 2003; Gatti; Esposito; Silva, 1998; Silva; Davis; Esposito, 1998), mesmo no que diz respeito a professores do ciclo II do Ensino Fundamental, como atesta estudo realizado por Martins (2004).

Os dados coletados para esta pesquisa vão ao encontro desses resultados. As entrevistas realizadas com as professoras permitem posicioná-las, no que diz respeito à sua origem, em sua maioria, nas camadas populares, em função da escolarização atingida e da profissão exercida por seus pais e avós. Com relação à formação dos pais, verificou-se que a grande maioria deles, tanto dos pais quanto das mães, possuíam por formação o antigo primário completo. Já com relação à profissão, a maioria das mães trabalhava em casa. Quanto aos pais, estavam distribuídos em sua maioria entre profissões manuais. Com relação aos avós maternos e paternos, a maioria possuía até o primário completo, com número elevado de analfabetos, exercendo em sua maioria ocupações manuais. Assim, se por um lado verifica-se leve melhoria no perfil socioeconômico entre a geração dos avós e dos pais dessas professoras, constata-se que elas se originam de camadas desprivilegiadas da população, com pais e avós com pouca formação, exercendo profissões manuais e, portanto, carentes de capital econômico e de capital cultural valorizado socialmente. Esses dados são importantes uma vez que se pode relacionar determinadas aprendizagens de disposições para a ação com socializações familiares marcadas pela classe social de origem das professoras.

Os dados aqui apresentados possibilitaram elaboração exemplificadora de perfil dos professores que atuam no ciclo I da rede pública estadual de São Paulo. Esses professores são mulheres que, em sua maioria, atingiram por formação o nível superior, operando certa distinção em relação a suas famílias de origem. Essa formação das professoras realizou-se em escolas públicas até o Ensino Médio e em faculdades particulares no Ensino Superior, o que muitas vezes compromete sua qualidade. De qualquer forma, verificouse elevação das condições materiais e culturais das professoras em relação a seus pais e avós, expressa na formação que atingiram e na função que desempenham, que se constitui em trabalho intelectual em oposição ao trabalho manual.

Os efeitos de lugar

Nas entrevistas realizadas, as professoras foram incentivadas a falar das dificuldades enfrentadas em seu dia-a-dia, sob diferentes aspectos. Além de serem interrogadas diretamente sobre essas dificuldades, algumas vezes elas eram mencionadas ao relatarem diferentes momentos por elas vivenciados em suas carreiras. As dificuldades apontadas foram variadas, e iam desde problemas com o espaço físico - como, por exemplo, sala de professores inadequada, falta de biblioteca, ausência de limpeza, pouca ventilação, goteiras - a problemas com material didático - que não era adequado, que não era suficiente ou que não era enviado pelo governo.

De fato alguns aspectos relacionados ao espaço físico eram percebidos como problema, mas nada que afetasse a ação por elas desenvolvida na escola. Verificou-se que para as professoras entrevistadas trabalhar na escola era considerada atividade valorizada e que o espaço escolar, de maneira geral, não era visto como inadequado. Pode-se inferir que, em decorrência do lugar de origem dessas professoras, de fato o espaço escolar não provocasse estranhamento, até mesmo por ser local sancionado por suas famílias. São professoras que advêm em sua maior parte de famílias simples, com poucos recursos financeiros, e que realizaram a escolarização em escolas públicas.

Para Bourdieu (2001a), ocupar determinado espaço físico possui relação de correspondência com a posição social, exprimindo hierarquias e distâncias. As professoras exerciam a docência em escolas que apresentavam condições físicas precárias (sem ventilação, barulho, cheiros ruins, armários quebrados), reveladoras da posição social por elas ocupada, ou seja, posição desvalorizada socialmente. Ao mesmo tempo, para as professoras, trabalhar na escola significava proximidade a equipamentos educacionais, serviço público cobiçado se considerarmos o lugar de onde vieram, expressando ganho de posição em relação à experiência prolongada que tiveram em suas famílias de origem, de distância social em relação a espaços de alguma forma valorizados. As professoras se apropriavam do espaço escolar e procuravam valorizá-lo, uma vez que consideravam possuir as propriedades adequadas para habitá-lo, em oposição a seus alunos, que não respeitavam e não sabiam ocupar esse espaço.

A indisciplina dos alunos

Ao serem questionadas sobre o mais difícil para elas no exercício docente, todas as professoras responderam que era a indisciplina das crianças e a falta de apoio dos pais. Assim, não foram mencionados aspectos como a situação funcional instável para metade delas, ausência de recursos pedagógicos, baixos salários. Para as professoras entrevistadas, o salário, apesar de baixo, possibilitava-lhes compor a renda familiar de forma satisfatória.

Os principais problemas enfrentados pelas professoras em seu dia-a-dia referiam-se, portanto, ao contato que necessitavam estabelecer com seus alunos para a condução do cerne de sua função, ou seja, o ensino e a educação das crianças, e também à falta de apoio dos pais para que pudessem realizar essa tarefa com sucesso.

As professoras percebiam as dificuldades existentes nesse contato com os alunos sob diferentes aspectos, porém, a questão da disciplina estava muito marcada em seus depoimentos. Para elas, as crianças eram indisciplinadas, não respeitadoras do espaço escolar nem tampouco de seus professores, atrapalhando o bom andamento das aulas. As professoras relataram que muitas vezes os alunos eram agressivos, os professores eram xingados, levavam chutes ou mesmo eram tratados aos gritos por seus alunos. Outras vezes, os alunos eram agressivos entre eles, levando inclusive armas para a escola. As professoras sentiam-se impotentes e acusavam os pais das crianças como os responsáveis por essa situação existente nas escolas. Com relação aos pais, destacou-se referência à omissão da família. Para as professoras, os pais eram omissos por completo, não apoiavam suas ações, não manifestavam interesse pelo aprendizado de seus filhos e delegaram aos professores a responsabilidade por educá-los, o que fazia com que as professoras em alguns momentos se sentissem como babás ou simples tomadoras de conta de crianças.

Assim, se por um lado as dificuldades que possuíam com os alunos e seus pais eram bastante concretas, por outro lado, as demais dificuldades vivenciadas em seu cotidiano e que, se enfrentadas, poderiam minimizar as dificuldades que encontravam no trato com os alunos não foram sequer mencionadas como salas cheias, formação deficitária das professoras, ausência de equipe coesa de trabalho, só para citar alguns exemplos.

Os alunos e suas famílias são responsabilizados pela maior parte dos problemas que afligem as escolas, constituindo-se a indisciplina dos alunos a principal fonte de angústias e dissabores dos professores. No entanto, como num paradoxo, a existência da indisciplina era ao mesmo tempo a fonte de grandes satisfações proporcionadas aos professores, uma vez que disciplinar essas crianças era o objetivo central de suas práticas que, se realizadas com sucesso, resultavam em valorização e reconhecimento.

Assim, como se verá adiante, o fato de os alunos serem indisciplinados e incivilizados permitia às professoras o estabelecimento de distinções em relação aos alunos e suas famílias, além da captura de capital simbólico.

Autonomia dos professores

Além das dificuldades enfrentadas e das questões relacionadas ao espaço, outro aspecto importante para a compreensão das condições de trabalho dos professores é a análise do grau de autonomia existente nas tarefas que executam em seu cotidiano. Ao serem interrogadas sobre se tinham ou não autonomia no exercício de sua função, todas as professoras responderam que para o preparo das aulas sim. Percebiam, no entanto, que essa autonomia era bastante relativa, uma vez que destacaram uma certa intromissão em seu trabalho em decorrência de instruções semanais vindas da Diretoria de Ensino (DE) e repassadas para elas nos momentos da Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), relacionadas a tarefas a fazer, projetos a implementar, enfim, a atividades que elas necessariamente deveriam desenvolver com seus alunos. Isso gerava sobrecarga nas professoras, conforme se verifica do depoimento de Laura:

A Diretoria, elas gostam de impor, a gente fica assim até meio atordoada com tanto projeto, tanta coisa que tem que se fazer fora as aulas. Vem muita coisa mandada pela Secretaria, é, é sempre para ontem, sabe essas coisas? Mas hoje eu já não esquento muito a cabeça, mas eu já fiquei muito aflita, ansiosa, porque eu queria dar conta de tudo e sabe aquela coisa assim, atropelada. É muito ruim, você fica angustiada.

Além das questões imediatas vividas pelas professoras na relação estabelecida entre a escola e a DE no dia-a-dia, as reformas educacionais implementadas pela Secretaria Estadual da Educação (SEE) também foram apontadas como um grande problema por elas enfrentado, o que se agravava pelo fato de que essas reformas eram sempre impostas e, na maioria das vezes, as professoras não concordavam com elas, gerando muita angústia e incompreensão.

Ainda com relação à existência ou não de autonomia no exercício de sua função, as professoras relataram não possuir a autonomia desejada para a punição de seus alunos, o que se observa no depoimento abaixo:

Acontece que hoje a gente não pode fazer nada. Não pode suspender aluno, então fica aquela situação, vai que a criança, digamos, desrespeita ou fala um palavrão, qualquer coisa assim, a só gente pode chamar a mãe, conversar com a mãe. Agora uma suspensão mesmo, não pode dar. (Clara)

Hierarquias estabelecidas no espaço escolar

Outro aspecto importante para a compreensão das condições objetivas, em relação às quais os agentes encontram-se submetidos, diz respeito às hierarquias existentes no desempenho das diferentes funções, a partir das quais é possível estabelecer distinções e posicionarse no interior do campo ao qual essa função se refere. A fim de evidenciar as condições concretas às quais os professores encontram-se submetidos no exercício de sua função, ao se investigar a docência em uma perspectiva relacional, há que se considerar a forma como esse exercício se realiza na escola, a fim de compreender como e com quem o professor estabelece comparações, ou seja, opera distinções e se posiciona no espaço das relações sociais. De acordo com Bourdieu (1991), a análise da posição social ocupada pelos agentes, para o que importa investigar relações de distinção, contribui para o entendimento do ponto de vista a partir do qual a realidade social é construída. Além disso, o autor destaca que essa distinção necessita ser percebida pelo outro, com quem as relações de distinção são estabelecidas, uma vez que se constitui em diferença hierarquizada, que traz benefício e lucro simbólico (Bourdieu, 1988).

Nas escolas pesquisadas, os professores estabeleciam relações com o diretor e com o professor coordenador pedagógico; com os demais professores e funcionários administrativos; além das crianças e suas famílias. Nas relações estabelecidas com a direção e coordenação, as professoras entrevistadas percebiam hierarquia a ser respeitada, mas encaravam as tarefas desenvolvidas tanto pela diretora como pela coordenadora como muito mais de auxílio do que de cobranças. Verificou-se expectativa em relação à função, tanto da direção quanto da coordenação, no sentido de imprimir certo ritmo à escola, auxiliar na obtenção da disciplina ou mesmo para manter o grupo coeso, o que nem sempre ocorria.

Além disso, algumas professoras apontaram as relações estabelecidas com a direção da escola como uma das maiores dificuldades por elas enfrentadas em alguns momentos de suas carreiras, momentos em que se sentiram perseguidas por diretoras, o que, segundo elas, era muito ruim e atrapalhava bastante o trabalho, o que demonstra que de certa forma estavam "nas mãos" dos diretores, o que também se evidenciava quando da necessidade de resolver questões como qual sala pegariam ou mesmo qual a melhor data para desfrutarem de uma licença prêmio, por exemplo. Todas elas consideraram que, no entanto, na atualidade, de uma maneira geral, as relações estabelecidas com a direção e coordenação são mais democráticas.

Para as professoras, no entanto, existem muitos coordenadores ou mesmo diretores que: "deixam a desejar"; "que se intrometem em tudo"; "que não sabem ser líderes"; "que engavetam tudo"; "que não conseguem comandar o grupo"; o que aparenta ser aspectos negativos ressaltados pelas professoras e relacionados à atuação desses profissionais, e que por certo as auxiliava a diminuir as distâncias hierárquicas existentes. Existe hierarquia, mas do ponto de vista das professoras ela é mais funcional que de poder e prestígio. De seu ponto de vista, estavam muito próximas da direção e coordenação e as diferenças existentes eram mais técnicas que de prestígio. Do ponto de vista da coordenadora entrevistada, no entanto, existem diferenças no respeito conferido à direção e à coordenação da escola por parte dos alunos e seus familiares, que é maior que o conferido às professoras. Além disso, não é qualquer um que pode ser coordenador, e infelizmente hoje em dia os professores são muito malformados.

Tanto a diretora quanto a professora-coordenadora que foram entrevistadas até pouco tempo estavam na sala de aula e preferiam ressaltar mais as proximidades com o corpo de professores que os afastamentos. Entretanto, no decorrer das entrevistas, a distinção por elas operada em relação aos professores ficou evidente, até mesmo porque consideraram que lhes era exigido muito mais responsabilidades para que pudessem dar conta da função que exerciam. Além disso, segundo elas, "existem professores e professores", uns que se comprometem, outros que "não estão nem aí", e isso não ocorre ao se ocupar um cargo como o delas, que exige compromisso e dedicação. Possuíam mais poder e eram melhores que os professores em vários aspectos.

Já em relação aos demais funcionários da escola, as professoras consideraram que deve haver uma distância respeitosa, ou seja, atribuíam ao professor um determinado lugar, evitando meter-se em desavenças e fofocas. De seu ponto de vista, eram diferentes, estavam acima dos demais funcionários da escola e deveriam marcar essa diferença.

Em relação aos demais professores, na escola, como em qualquer ambiente de trabalho, existem disputas e desavenças. Alguns problemas foram apontados pelas professoras como: "ciúme"; "inveja"; "fofocas"; "falta de colaboração"; "esconder o jogo"; "resistência das mais antigas"; "falta de preparo das mais novas". Relataram também que algumas vezes ocorrem solidariedades. Afirmaram não haver hierarquia entre elas, mas foi possível perceber que as professoras concursadas ocupavam posição funcional mais vantajosa, o que lhes garantia maior estabilidade na escola, que poderia reverter em maior proximidade com a direção e coordenação. Além disso, as professoras concursadas gozavam certo prestígio, uma vez que, segundo elas, sempre lecionavam nas melhores salas, o que revela a existência de hierarquias e lugares marcados na escola.

A relação estabelecida com os alunos era bastante contraditória. Por um lado, conforme explorado acima, os alunos foram apontados como a principal fonte de problemas e dificuldades enfrentada pelas professoras. Por outro lado, era em relação aos alunos e seus pais que as professoras operavam a mais forte distinção, e também sobre quem exerciam algum poder, especialmente em relação aos alunos e no interior da sala de aula, ainda mais no caso de crianças de primeira à quarta série que, do ponto de vista das professoras, por serem mais novas, são mais obedientes.

Nesse sentido, importa ressaltar a distinção estabelecida pelos professores em relação às crianças e aos pais destas, e que para elas se traduzia em capital simbólico relacionado ao exercício da função docente e ao exercício de relações de poder. Esse capital simbólico, ou seja, esse reconhecimento, dizia respeito ao fato de serem percebidas por seus alunos e familiares como autoridade em termos morais e culturais, uma vez que portavam qualidades superiores a eles, além de possuírem melhor formação em termos de conhecimento. Tanto os depoimentos das mães quanto o depoimento dos alunos confirmaram esse reconhecimento, com afirmações como: "gostaria muito que minha filha fosse professora"; "elas estudaram e aprenderam a lidar com crianças" (mães); "as professoras estudaram e por isso sabem mais"; "a professora está lá para ensinar muitas coisas pra gente" (alunos). As professoras sentiam-se melhores que seus alunos, não apenas em termos de possuírem mais conhecimentos relacionados às disciplinas escolares como Português, História, Ciências, mas especialmente em termos morais, como mostra o excerto abaixo:

Eu já tenho minha opinião formada sobre a sociedade, sobre o que pode ser feito, o que não pode. Então você estando na sala de aula, eu acredito que as chances de você contribuir para um mundo melhor estão ali, na sua mão. Você pode ajudar, você pode incentivar, você pode conduzir, eu acho que a gente tem esse trunfo na mão, de poder melhorar as pessoas que passam pela sua mão. Eu me orgulho muito disso. (Mariana)

Eram melhores do que eles, e teciam julgamentos morais sobre as crianças e suas famílias, sobre as quais deveriam interferir de forma a reverter o diagnóstico negativo que percebiam:

Esses alunos não recebem educação na casa deles. Eles não têm respeito, eles não têm vontade, eles não têm nada. Então a gente tenta fazer o que a gente acha que deveria ser feito em casa. (Isaura)

Essas crianças são muito carentes de tudo. Elas não têm mãe. A mãe fica o dia todo fora e não tem tempo para o filho. [...] Se eu percebo que um aluno de repente perdeu o interesse, então eu quero saber o que está acontecendo com ele. E você pode ver: ou o pai está saindo de casa, ou arrumou uma amante, ou bate muito na mãe... É assim, é sempre alguma coisa em casa. (Maria Cecília)

Quando a criança é indisciplinada, geralmente é a estrutura familiar. [...] Os alunos estão chegando para nós com problemas familiares muito grandes, a afetividade familiar é mínima. (Fátima)

A criança de hoje, ela não tem uma visão real de família. Ela não tem referencial, não tem limite, e é isso que me incomoda. (Helena)

Professores e alunos ocupam posições distintas na escola, e cada qual deve ocupar seu lugar, bastante delimitado na hierarquia escolar. De acordo com Bourdieu (2001b), os esquemas práticos de classificação acionados pelo professor ao elaborar juízos sobre seus alunos, e que organizam sua percepção, apreciação e prática, revelam princípios que organizam o sistema de ensino que, por sua vez, tendem a reproduzir a ordem social e a estrutura das relações entre os grupos nela inscrita, que implicam relações de força e sentido.

Disso decorre que, para os professores, não é qualquer pessoa que pode estar na posição de ensinar. Além de saber mais que seus alunos, o professor deve ser melhor do que eles em alguns aspectos, o que acaba por configurar alunos e professores em posições diferentes, muitas vezes antagônicas, conferindo aos docentes condições de estabelecer julgamentos morais sobre seus alunos. As classificações emitidas sobre os alunos exprimem consensos estabelecidos entre os professores e são baseadas muito mais em qualidades da pessoa do que, por exemplo, em graus de aprendizagem dos conteúdos escolares das diferentes disciplinas ou em dificuldades pedagógicas. São qualificações que encerram definição de excelência e que dizem respeito não só ao que os professores esperam de um aluno em termos morais, mas à diferença que estabelecem em relação a ele. O professor, no entanto, tece juízos de valor relacionados a seus alunos e familiares em nome da neutralidade escolar e da autoridade que lhe foi concedida pelo sistema de ensino, em que os julgamentos escolares tendem a reproduzir a estrutura das relações objetivas do universo social (Bourdieu; Passeron, 1982).

Considerações finais

A análise das dificuldades presentes nas condições objetivas, às quais as professoras encontravam-se submetidas em decorrência do exercício docente, evidenciou que socialmente essa função não possui prestígio. As professoras apontaram, por exemplo, dificuldades relacionadas ao espaço físico, que consideraram como inadequado (pouco ventilado, ausência de bibliotecas, distância, sujo, quebrado), à falta de material didático, à ausência de funcionários, além da ausência de autonomia para a condução de seu trabalho, fato que se acirra em decorrência das reformas educacionais que ocorrem na atualidade. No entanto, trabalhavam na escola, espaço físico de alguma forma valorizado, ainda mais se considerarmos a origem familiar das professoras ou mesmo as possibilidades que se afiguravam em seus horizontes (trabalhar como doméstica, balconista, ser dona de casa).

De qualquer forma, percebiam-se exercendo função desvalorizada socialmente e, ao apontarem o que em seu cotidiano fazia com que se sentissem desvalorizadas, destacaram principalmente a não colaboração das famílias e a indisciplina dos alunos, deixando de considerar fatores como, por exemplo, as difíceis condições de trabalho a que estavam submetidas como era o caso da falta de vínculo empregatício estável para metade das professoras investigadas, o que expressa sua desvalorização política.

Assim, o pior de tudo para elas era a questão da indisciplina dos alunos, que fazia com que sentissem que, para os pais de seus alunos e mesmo socialmente, a função que exerciam não era valorizada. Os aspectos negativos associados à docência eram suficientes para as professoras perceberem a posição por elas ocupada como frágil e constantemente ameaçada. Ao mesmo tempo, o lugar que ocupavam na escola as levava a estabelecerem esforços para se aproximarem daqueles com quem queriam reforçar semelhanças como, por exemplo, os coordenadores e diretores, além de levá-las a marcar distâncias em relação aos demais funcionários da escola e especialmente em relação a seus alunos e familiares destes, trazendo conseqüências para as relações estabelecidas, implicando em julgamentos e representações negativos. Sentiam-se superiores a seus alunos e familiares em termos da educação e da cultura que possuíam, além de sentirem-se superiores em relação aos demais funcionários da escola, de quem deveriam se diferençar. Ao mesmo tempo, sentiam-se iguais em prestígio aos diretores e coordenadores, em relação a quem desejavam se igualar.

Assim, em decorrência do que a função proporciona e exige, relacionados à relação formativa desempenhada pela escola, e que no caso delas dizia respeito especialmente a aspectos morais e disciplinadores, estabeleciam relação de distinção em relação a seus alunos e familiares destes, além de estabelecerem relações de poder. Sabiam mais que seus alunos, tinham mais cultura que eles, além de serem melhores do que eles em termos morais.

Evidenciou-se com a realização da pesquisa que, mesmo sendo função desvalorizada política e socialmente e mesmo em face às difíceis condições objetivas a que estavam submetidas, para as professoras, exercer a função docente significava valor, seja em razão de ganhos concretos em termos materiais advindos com o salário recebido, mas especialmente em decorrência do capital simbólico que conseguiam capitalizar nas relações de distinção estabelecidas na escola. Além disso, exercer a docência significou elevação concreta do capital cultural das professoras, ao se levar em consideração suas famílias de origem.

Dessa forma, se por um lado as condições de exercício docente são adversas, são essas mesmas condições objetivas que, ao disporem em posições opostas professores e alunos, atribuindo àqueles a tarefa de educar estes, propicia aos primeiros a possibilidade de operarem distinções e se posicionarem de maneira favorável no espaço das relações em que se encontram envolvidos, apesar de ocuparem posição dominada no interior do campo educacional.

Conforme discutido anteriormente, para Bourdieu (2001c), ocupar determinada posição diz respeito às condições objetivas a ela relacionadas, uma vez que a posição relaciona-se à tradução simbólica de diferenças existentes de fato e que estão inscritas nas condições objetivas vivenciadas pelos agentes. Assim, em decorrência das condições adversas a que estavam submetidas e da fragilidade da relação de poder estabelecida com seus alunos, as professoras necessitavam constantemente realçar as diferenças existentes, a fim de assegurarem retorno simbólico em função socialmente desvalorizada, para isso, importava enfatizar as distinções, configurando alunos e professores em posições diferentes, muitas vezes antagônicas, e conferindo aos docentes condições de estabelecer julgamentos morais sobre seus alunos, para além de avaliações de seu desempenho pedagógico. Essas questões acabam por compor aspectos da cultura escolar e das aprendizagens realizadas pelos professores no exercício da função docente, com ênfase a processos moralizadores e disciplinarizadores, compondo facetas do habitus relacionado ao exercício docente.

Recebido em 12.05.08

Aprovado em 28.08.08

Marieta Gouvêa de Oliveira Penna, doutora em Educação e Ciências Sociais pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, possui experiência como professora do Ensino Fundamental, Médio e Superior, em instituições públicas e privadas, e trabalhou com educação em presídios, supervisionando escolas e formando monitores.

  • APPLE, M.W. Controlando o trabalho docente. In: ______. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de gênero em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. p. 31-52.
  • BOURDIEU, P. La distinción - Critérios y bases sociais del gusto. Tradução de Maria Del Carmen Ruiz de Elvira. Madrid: Taurus, 1988.
  • ______. Estruturas sociais e estruturas mentais. Teoria & Educação, Porto Alegre, nş 3, p. 113-119, 1991.
  • ______. Efeitos de lugar. In: ______. (Org.). A miséria do mundo 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2001a. p. 159-166.
  • ______. As categorias do juízo professoral. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. Escritos de educação 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001b. p. 217-227.
  • ______. Condição de classe e posição de classe. In: MICELI, S. (Org.). A economia das trocas simbólicasTradução de Sérgio Miceli. São Paulo: Perspectiva, 2001c. p. 3-26.
  • BOURDIEU, P; PASSERON, J. - C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Tradução de Reynaldo Bairão. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam... Pesquisa Nacional Unesco. São Paulo: Moderna, 2004.
  • CARVALHO, M. P. No coração da sala de aula: gênero e trabalho docente nas séries iniciais. São Paulo: Xamã, 1999.
  • CATANI, D. B. et al. História, memória e autobiografia na Pesquisa Educacional e na Formação. In: ______. (Org.). Docência, memória e gênero: estudos sobre formação. São Paulo: Escrituras, 1997. p. 13-48.
  • CHAMON, M. Trajetória de feminização do magistério: ambigüidades e conflitos. Belo Horizonte: Autêntica; FCH; FUMEC, 2005.
  • GATTI, B. A.; ESPOSITO, Y.; SILVA, R. N. da. Características de professores de 1ş grau: perfil e expectativas. In: SERBINO, R. V. et al (Orgs.). Formação de professores São Paulo: Ed. UNESP, 1998. p. 251-263.
  • GIMENO SACRISTÁN, J. Poderes instáveis em educação Tradução de Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
  • GOUVEIA, A. J. Professoras de amanhã - Um estudo da escolha ocupacional. 2 ed. São Paulo: Pioneira, 1970.
  • JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, n. 1, p. 9-43, 2001.
  • LOURO, G. L. Gênero e magistério: identidade, história, representação. In: CATANI, D. B. et al. (Org.). Docência, memória e gênero: estudos sobre formação. São Paulo: Escrituras, 1997. p. 77-84.
  • MARTINS, A. N. Perfil sócio-cultural dos professores da Rede Oficial da Capital: um estudo sobre as relações entre as praticas culturais e a profissão docente. 2005. Tese (Doutorado). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2005.
  • MELLO, G. N. de. Magistério de 1ş Grau: da competência técnica ao compromisso político. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
  • MILLS, C. W. A nova classe média (White collar) Tradução de Vera Borda. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
  • NOVAES, M. E. Professora primária: mestra ou tia. São Paulo: Cortez, 1984.
  • PEREIRA, L. O magistério primário na sociedade de classes: contribuição ao estudo de uma ocupação na cidade de São Paulo. São Paulo: Pioneira, 1969.
  • PESSANHA, E. C. Professor primário: ascensão e queda de uma categoria profissional filiada às camadas médias. 1992. Tese (Doutorado). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo. 1992.
  • SILVA, R. N. da; DAVIS, C.; ESPOSITO, Y. O ciclo básico do Estado de São Paulo: um estudo sobre os professores que atuam nas séries iniciais. In: SERBINO, R. V. et al (Orgs.). Formação de professores São Paulo: Ed. UNESP, 1998. p. 265-297.
  • Correspondência:
    Marieta G. de Oliveira Penna
    Av. da Universidade, 308
    05508-040 - São Paulo - SP
    e-mail:
  • 1
    . Sobre a questão da docência e relações de gênero, ver, entre outros, Apple, 1995; Catani
    et al., 1997; Louro, 1997; Carvalho, 1999; Chamon, 2005.
  • 2
    . Cabe ressaltar que, em dezembro de 2005, o número de Professores de Educação Básica I que faziam parte do contingente ativo da Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo era de 52.012 efetivos e 59.174 não efetivos, conforme dados disponíveis em:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      08 Ago 2008
    • Recebido
      12 Maio 2008
    Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Av. da Universidade, 308 - Biblioteca, 1º andar 05508-040 - São Paulo SP Brasil, Tel./Fax.: (55 11) 30913520 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revedu@usp.br