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Repetir ou progredir?uma análise da repetência nas escolas públicas de Minas Gerais

Resumos

O objetivo deste trabalho é avaliar se a retenção dos alunos do 3º ano do ensino fundamental em 2009 trouxe maiores benefícios no aprendizado de tais alunos em relação àqueles que progrediram para o 4º ano. Procura-se, dessa forma, contribuir para o debate sobre o impacto da repetência no aprendizado do aluno. No Brasil, devido à carência de dados longitudinais que possibilitem uma comparação mais apurada entre os repetentes e os promovidos, considerando seus desempenhos antes e depois do evento da repetência, a maioria dos estudos enfoca principalmente o impacto das políticas de ciclos no desempenho do aluno. Por meio dos dados do Programa de Avaliação da Alfabetização (avaliação externa realizada anualmente nas escolas públicas de Minas Gerais), foi possível constituir uma base de dados longidudinal que identificasse os alunos repetentes e os não repetentes. Para tentar explicar o desempenho dos alunos repetentes e não repetentes, utilizou-se como marco norteador a abordagem da Função de Produção Educacional e como base metodológica, os modelos hierárquicos. Os resultados indicam que tanto os alunos que repetiram quanto os que não repetiram apresentaram crescimentos bastante importantes nas médias de proficiência. No entanto, os modelos hierárquicos construídos demonstram que, dentre dois alunos com mesma proficiência em 2008, tendo um deles repetido e o outro não, aquele que não repetiu tende a apresentar maior nível de proficiência em 2009. Outro achado importante refere-se ao fato de que o resultado do aluno é muito influenciado pelo resultado geral da escola.

Repetência; Desempenho; Modelos hierárquicos


The objective of this work is to evaluate if retaining pupils of the third year of fundamental education in 2009 brought benefits to their learning in comparison to pupils that advanced to the fourth year. We seek thereby to contribute to the debate about the impact of school failure in pupils' learning. In Brazil, due to the absence of longitudinal data that would allow a more accurate comparison between those pupils who failed and those that advanced, considering their performance before and after the school failure, the majority of studies focus primarily on the impact of the policies of cycles on the performance of the pupil. Using data from the Literacy Assessment Program (and external assessment conducted every year in public schools of the State of Minas Gerais), it was possible to set up a longitudinal database to identify pupils that had repeated and those who had not. To try to explain the performance of students who had failed and those who had not, we tried to use as a guiding line the approach based on the Educational Production Function, having as a methodological basis the hierarchical models. The results indicate that both categories of students - those who had failed and those who had not - displayed very important growth in proficiency average rates. However, the hierarchical models constructed demonstrated that, between two pupils with the same proficiency in 2008, one of them having failed and the other not, the pupil that did not fail tended to present the better proficiency level in 2009. Another important finding refers to the fact that the result of the pupil is very much influenced by the general result of the school.

School failure; Performance; Hierarchical models


ARTIGOS

Repetir ou progredir? uma análise da repetência nas escolas públicas de Minas Gerais

Juliana de Lucena Ruas RianiI; Vania Candida da SilvaII; Tufi Machado SoaresIII

IFundação João Pinheiro

IISecretaria de Estado de Educação de Minas Gerias

IIIUniversidade Federal de Juiz de Fora

Correspondência Correspondência: Juliana de Lucena Ruas Riani jlruas@terra.com.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho é avaliar se a retenção dos alunos do 3º ano do ensino fundamental em 2009 trouxe maiores benefícios no aprendizado de tais alunos em relação àqueles que progrediram para o 4º ano. Procura-se, dessa forma, contribuir para o debate sobre o impacto da repetência no aprendizado do aluno. No Brasil, devido à carência de dados longitudinais que possibilitem uma comparação mais apurada entre os repetentes e os promovidos, considerando seus desempenhos antes e depois do evento da repetência, a maioria dos estudos enfoca principalmente o impacto das políticas de ciclos no desempenho do aluno. Por meio dos dados do Programa de Avaliação da Alfabetização (avaliação externa realizada anualmente nas escolas públicas de Minas Gerais), foi possível constituir uma base de dados longidudinal que identificasse os alunos repetentes e os não repetentes. Para tentar explicar o desempenho dos alunos repetentes e não repetentes, utilizou-se como marco norteador a abordagem da Função de Produção Educacional e como base metodológica, os modelos hierárquicos. Os resultados indicam que tanto os alunos que repetiram quanto os que não repetiram apresentaram crescimentos bastante importantes nas médias de proficiência. No entanto, os modelos hierárquicos construídos demonstram que, dentre dois alunos com mesma proficiência em 2008, tendo um deles repetido e o outro não, aquele que não repetiu tende a apresentar maior nível de proficiência em 2009. Outro achado importante refere-se ao fato de que o resultado do aluno é muito influenciado pelo resultado geral da escola.

Palavras-chave: Repetência – Desempenho – Modelos hierárquicos.

O debate sobre repetir o aluno quando este não apresenta as habilidades necessárias para prosseguir os estudos ainda não chegou a um consenso. Os defensores da não repetência argumentam que, além de a retenção do aluno não garantir um maior aprendizado, ela é prejudicial em termos comportamentais e emocionais (JIMERSON et al., 1997). Ressalta-se, porém, que alguns estudos demonstram que a retenção causa menos danos emocionais quando realizada nas séries iniciais do ensino (MEISELS; LIAW, 1993). Além disso, a retenção dos alunos pode ser um fator importante para a evasão da escola.

Os estudos que apontam para o efeito positivo da repetência argumentam que ela é benéfica para os alunos que apresentem habilidades e maturidade emocional não condizentes com a idade (ALEXANDER et al., 1999). Ainda assim, ela só é benéfica quando realizada de forma correta e objetiva, ou seja, quando realmente seleciona os alunos com habilidades não desenvolvidas.

Apesar de toda a controvérsia sobre a eficiência da repetência no aprendizado dos alunos, a realidade é que as escolas continuam retendo seus alunos nas séries. Os dados da Tabela 1 mostram as taxas de rendimento (aprovação, reprovação e abandono) do ensino fundamental em Minas Gerais no ano de 2008. Observa-se que as taxas de reprovação são mais altas nos anos finais do fundamental. Nos anos iniciais, destaca-se a alta taxa de repetência do 3º ano nas redes estadual e municipal: respectivamente, 9,84% e 14,69%.

No caso da rede estadual, a forma de organização dos anos iniciais do ensino fundamental (1º a 5º ano) pode propiciar uma maior retenção no 3º ano. Os anos iniciais são compostos de dois ciclos de alfabetização: o primeiro (Ciclo Inicial de Alfabetização) com duração de três anos, e o segundo (Ciclo Complementar de Alfabetização) com duração de dois anos. Em cada ciclo, ocorre a progressão continuada, em que os alunos que apresentam deficiência de aprendizado não são retidos, mas apoiados por estratégias pedagógicas de atendimento diferenciadas para garantir a continuidade do processo de aprendizagem.

Com relação às redes municipais, cada município tem autonomia na organização de seu sistema de ensino, desde que siga as normas da Lei de Diretrizes de Bases (LDB), o que gera uma diversidade de situações em relação ao número e à duração de ciclos. Nos anos finais do ensino fundamental, a maior retenção ocorre entre 6º e 9º anos do ensino fundamental. Nessa etapa de ensino, na rede estadual, é adotada a progressão parcial. Tal regime possibilita que o aluno que não apresenta desempenho satisfatório em até duas disciplinas seja promovido dentro de um mesmo nível de ensino. Cabe à escola promover estratégias de recuperação nas disciplinas pendentes.

A Tabela 2 apresenta as taxas de rendimento do ensino médio em Minas Gerais no ano de 2008. Observa-se que, nesse nível de ensino, a repetência e o abandono são maiores do que no ensino fundamental. Verifica-se também que tanto a repetência quanto o abandono são maiores nos primeiros anos do ensino médio.

O Gráfico 1 apresenta as matrículas por ano de escolaridade nos ensinos fundamental e médio em 2008, em Minas Gerais. Observa-se que as altas taxas de repetência entre 3º e 6º ano do ensino fundamental e no 1º ano do ensino médio provocam um inchaço nas matrículas desses anos.


O quadro exposto evidencia que as escolas ainda estão retendo seus alunos. Dessa forma, o debate sobre o impacto da repetência no aprendizado do aluno está longe de se esgotar. No Brasil, porém, a maioria dos estudos enfoca o impacto das políticas de ciclos no desempenho do aluno. Tal fato ocorre principalmente devido à carência de dados longitudinais que possibilitem uma comparação mais apurada entre os repetentes e os não repetentes, considerando seus desempenhos antes e depois do evento da repetência.

Por meio dos dados do Programa de Avaliação da Alfabetização (Proalfa), que é uma avaliação externa realizada anualmente nas escolas públicas de Minas Gerais1 1 - No Brasil, existem outras avaliações que medem a proficiência do aluno. Destacam-se o SAEB e a Prova Brasil sob coordenação do INEP, avaliações que não permitem um acompanhamento longitudinal do aluno; e o projeto Geração Escolar 2004 (GERES), que é uma avaliação longitudinal dos alunos com 7 anos de idade durante quatro anos. Maiores informações sobre o GERES podem ser encontradas no sítio < www.geres.ufmg.br>. , foi possível constituir uma base de dados longitudinal que identificasse os alunos repetentes e os não repetentes. Assim, o objetivo do presente trabalho é analisar o impacto da repetência no aprendizado dos alunos das escolas públicas de Minas Gerais.

O artigo está estruturado em cinco seções, incluindo esta introdução. Na próxima seção, será empreendida uma breve revisão de alguns estudos que analisam o impacto da repetência no Brasil. Na terceira seção, será comentada a base de dados aqui utilizada. Na quarta, são expostos os resultados da análise do impacto dos repetentes e dos não repetentes na proficiência do Proalfa. Por fim, na última seção, são apresentadas as conclusões.

Evidências do impacto da repetência no Brasil

Tal como já comentado, no Brasil, principalmente devido à limitação dos dados, a maioria dos estudos não enfoca o impacto da repetência no aprendizado, mas sim o impacto da política de ciclos no desempenho dos alunos. Dentro desse contexto, Ferrão, Beltrão e Santos (2002) analisam o impacto de políticas de não repetência (progressão automática) no desempenho escolar dos alunos da 4ª série do ensino fundamental em São Paulo e Minas Gerais. Os autores aplicaram modelos hierárquicos nos dados do SAEB e do Censo Escolar de 1999, considerando, no 1º nível, as variáveis relacionadas aos alunos, e, no 2º nível, as variáveis relacionadas à escola. Para analisar o impacto da política de não repetência, eles utilizaram a existência, nas escolas, de políticas de promoção automática. Além da repetência, foi analisado também o impacto da distorção idade-série no desempenho dos alunos.

Seus resultados apontam que não há diferença estatisticamente significante entre o rendimento dos alunos de escolas públicas com e sem progressão automática. Por outro lado, alunos defasados possuem proficiência inferior aos alunos em idade adequada. Dessa forma, os autores concluem que o regime de progressão automática pode contribuir para a correção da defasagem idade-série sem perda da qualidade na educação.

Gomes-Neto e Hanushek (1996) utilizaram a base de dados do projeto EDURURAL, realizado nas escolas rurais dos Estados de Ceará, Pernambuco e Piauí, entre os anos de 1981 e 1985, para analisar as causas e os efeitos da repetência por meio de uma análise cross-section. Seus estudos apontam dois importantes resultados. Primeiro, existe um importante impacto da proficiência dos alunos nos testes padronizados (testes aplicados em matemática e língua portuguesa) na probabilidade de o aluno repetir, ou seja, quanto menores os escores em língua portuguesa e matemática, maior a probabilidade de repetência. Isso sugere que a promoção foi baseada principalmente no mérito. Segundo, os autores encontraram um efeito positivo da repetência na proficiência do aluno. Seus resultados mostram que, controlando pelas características individuais e familiares, estudantes que repetem possuem performance menor do que os demais estudantes antes da repetição; entretanto, depois de repetir, eles possuem desempenho acima da média dos demais estudantes.

Cabe ressaltar que os trabalhos mencionados possuem uma importante limitação: a falta de dados longitudinais. Dessa forma, o efeito da repetição pode ser contaminado por outros fatores não presentes na análise. Superando essa limitação, Luz (2008) utilizou uma base longitudinal para analisar o impacto da repetência na proficiência escolar do aluno. A autora trabalhou com a base de dados da pesquisa Fatores Associados ao Desempenho Escolar (INEP/MEC), que compreende as escolas públicas das regiões metropolitanas das capitais dos Estados de Pará, Rondônia, Sergipe, Pernambuco e Mato Grosso do Sul. A pesquisa coletou dados dos alunos na 4ª série do ensino fundamental em 1999, até a 8ª série em 2003. Nesse último ano da pesquisa, também foram coletados dados dos alunos que estavam na 7ª série, o que possibilitou identificar aqueles que repetiram a 7º série e aqueles que progrediram para a 8ª série em 2003. A comparação dos resultados escolares entre os alunos repetentes e os promovidos foi realizada por meio do pareamento dos alunos a partir do método de escore de propensão2 2 - Esse método é utilizado com o objetivo de minimizar efeitos causados pela não aleatoriedade dos dados. Para controlar tais efeitos, uma técnica possível é o pareamento da amostra, formando-se pares de observações que tenham valores similares aos das covariáveis a serem controladas. O escore de propensão facilita o pareamento, sintetizando os valores das covariáveis em um único valor que será a variável usada para construir os pares. . Com esse método, foi possível definir o grupo tratamento (repetentes) e o grupo controle (promovidos), minimizando as diferenças na composição desses dois grupos quanto às características individuais, escolares e comunitárias.

Luz (2008) encontrou evidências de que o ganho da repetência no aprendizado dos alunos é pequeno e inferior ao dos alunos promovidos nas mesmas condições. Além disso, os alunos repetentes possuem desempenho semelhante aos novos alunos da mesma série.

Base de dados do Proalfa

O Proalfa é uma avaliação anual que se iniciou em 2005 e que realiza quatro avaliações. Duas delas são amostrais e aplicadas no 2º e 4º ano do ensino fundamental. As avaliações censitárias são aplicadas no 3º ano do ensino fundamental e nos alunos que, no ano anterior, estavam no 3º ano e obtiveram baixo desempenho, ou seja, alcançaram proficiência abaixo de 450. O Quadro 1 resume as avaliações do Proalfa. As avaliações censitárias são nominais e permitem identificar o nível em que se encontra cada aluno; dessa forma, possibilitam intervir na aprendizagem de forma pontual e individualizada.


Para medir os desempenhos dos alunos, a avaliação utilizou a mesma metodologia aplicada nas provas do MEC (SAEB e Prova Brasil) e do Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica – PROEB (avaliação realizada pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais – SEEMG), que é baseada na Teoria de Resposta ao Item (TRI). Porém, sua escala de proficiência não está na mesma métrica dessas avaliações. A escala do Proalfa varia entre 0 e 1.000 e contém, de forma distribuída na mesma métrica, os resultados de desempenho nos três anos escolares avaliados. Essa escala apresenta de forma crescente e contínua as habilidades que já estão consolidadas e as que estão em processo de desenvolvimento. Além da proficiência média, os resultados também são fornecidos por níveis de proficiência: baixo, intermediário e recomendável.

A avaliação dos alunos de baixo desempenho foi aplicada em todos os alunos que cursavam o 3º ano no ano anterior e que tiveram resultados insatisfatórios (abaixo de 450), independentemente do ano escolar que estão cursando no ano corrente. Verifica-se que a maioria desses alunos progrediu para o 4º ano; porém, parte deles ficou retida no 3º ano do ensino fundamental. As crianças que ficaram retidas no 3º ano fizeram tanto a prova de baixo desempenho quanto a prova do 3º ano.

Dessa forma, com a junção das bases de dados das duas avaliações (baixo desempenho e 3º ano), foi possível identificar os alunos que em 2008 estavam com proficiência no baixo desempenho e repetiram o 3º ano em 2009, ou seja, os alunos repetentes. Ressalta-se, porém, que só foi possível identificar os alunos repetentes que se encontravam na mesma escola em 2008 e 2009. Tal procedimento resultou em uma perda de 12.246 alunos (em 2008, havia 54.981 alunos no baixo desempenho e, em 2009, apenas 41.635 foram localizados). Parte desses alunos pode ter se transferido de escola e parte pode ter abandonado o sistema de ensino. Naturalmente, entre os alunos não localizados, existem tanto repetentes quanto não repetentes. Perdas em estudos longitudinais são comuns e, em alguns casos, é necessário ter cuidado com a possibilidade de o viés de seleção da amostra afetar os resultados. Particularmente neste estudo, que compara a evolução de proficiências do grupo de repetentes e de não repetentes, não se espera a priori que haja um comportamento diferente entre os alunos repetentes que ficam na mesma escola e os alunos repetentes que mudam de escola; por outro lado, aqueles que abandonam devem ter um prejuízo ainda maior em suas proficiências futuras. Assim, não se espera que a perda, embora considerável, afete significativamente as conclusões deste estudo.

Do total de 41.635 alunos que participaram da avaliação de baixo desempenho – que será chamada Prova BD – em 2009, 5.483 alunos estavam cursando o 3º ano do ensino fundamental; trata-se, portanto, de alunos considerados repetentes. Os demais alunos que estão cursando o 4º ano do EF são os não repetentes.

A análise comparativa do desempenho dos alunos repetentes e não repetentes permite averiguar até que ponto a retenção no 3º ano garantiu um maior aprendizado em relação ao aluno que progrediu para o 4º ano.

Análise dos alunos repetentes e não repetentes

A Tabela 4 apresenta uma comparação dos resultados da prova de baixo desempenho, em 2009, entre os alunos que repetiram e aqueles que passaram para o 4º ano. A proficiência média dos aprovados em 2008 é bastante superior à dos reprovados, tanto na rede estadual quanto na municipal. Porém, apesar de a proficiência dos repetentes ser menor do que a proficiência dos não repetentes, não se pode afirmar que a política de retenção gera resultados negativos. Para se chegar a essa conclusão, é necessária uma análise mais apurada desses alunos.

Foi possível identificar parte dos alunos repetentes e não repetentes na avaliação do Proalfa do 3º ano em 2008 e, dessa forma, identificar sua proficiência naquela época. Pela Tabela 5, percebe-se que os alunos repetentes realmente possuíam um nível de proficiência menor do que os não repetentes, ou seja, apresentavam maior deficiência na aprendizagem.

Na rede estadual, a proficiência média no Proalfa em 2008 daqueles que repetiram o ano foi de 382,95 (Tabela 5). Ao repetir a prova do 3º ano em 2009, a média de proficiência alcançada por esses alunos foi de 489,21 (Tabela 6), ou seja, aumentou 27,75% (Tabela 7). Na rede municipal, os repetentes apresentaram um acréscimo de 23,96% entre a avaliação do 3º ano em 2008 e a do 3º ano em 2009.

A Tabela 6 mostra as proficiências dos alunos repetentes na avaliação do 3º ano e na avaliação de baixo desempenho (Prova BD) aplicada em 2009 nas redes estadual e municipal. Na rede estadual, observa-se que o desempenho desses alunos na avaliação de baixo desempenho (478,65) é inferior ao da avaliação do 3º ano (489,21), sendo que mais da metade dos alunos (59,2%) ainda se encontra no nível de baixo desempenho nessa avaliação. O mesmo resultado pode ser verificado na rede municipal.

Quando se compara o crescimento da proficiência no Proalfa do 3º ano em 2008 com a proficiência da avaliação de baixo desempenho (Prova BD) em 2009 (Tabela 7), observa-se que, na rede estadual, os alunos não repetentes apresentaram crescimento maior (28,49%) do que os alunos repetentes (24,99%). Na rede municipal, a diferença entre os não repetentes e os repetentes foi insignificante.

Nos testes do Proalfa, os alunos também informam a idade atual, a idade em que entraram na escola, quantas vezes já repetiram algum ano escolar e se fizeram pré-escola ou creche. A Tabela 8 apresenta a análise descritiva dessas variáveis segundo sua condição de repetente ou não repetente. Os pontos mais importantes são: i) há uma maior quantidade de alunos do sexo masculino nas duas categorias, mas os meninos são mais representativos dentre os repetentes; vários estudos apontam que os homens são mais propensos a repetir do que as mulheres (GOMES-NETO; HANUSHEK, 1996; RIANI, 2005; MEISELS; LIAW, 1993); ii) a maioria dos alunos não frequentou pré-escola e a distribuição percentual dessa variável é semelhante entre os repetentes e os não repetentes; iii) a distribuição percentual etária não difere entre as duas categorias e concentra-se nas idades de 9 e 10 anos, como esperado; iv) o mesmo comportamento é observado em relação à idade em que entraram na escola e as idades com maior concentração são 5, 6 e 7 anos; v) como era de se esperar, a quantidade de vezes que os alunos repetiram alguma série é a variável que apresenta diferença entre os repetentes e os não repetentes. No caso dos repetentes, há uma maior concentração de alunos que repetiram uma e duas vezes; dentre os não repetentes, a maioria nunca repetiu.

Cabe destacar que esses quesitos são respondidos pelos próprios alunos, que, em sua maioria, possuem menos de 10 anos de idade, o que gera um significativo percentual de casos sem respostas (missing) e de respostas inconsistentes. No primeiro caso, os dados faltantes não diferem muito em relação aos repetentes e aos não repetentes. Em relação às respostas inconsistentes, os maiores problemas ocorrem no quesito quantas vezes repetiu, em que 8,26% dos repetentes respondem que nunca repetiram, e no quesito idade, em que aparecem crianças com menos de 8 anos.

Além da análise descritiva das variáveis individuais constantes na base do Proalfa, também é possível fazer uma análise de algumas características escolares, por meio da junção da base do Proalfa com a do Censo Escolar de 2008. A Tabela 9 apresenta a análise descritiva das variáveis escolares segundo a condição de repetência do aluno. Observa-se que a distribuição da existência de alguns itens de infraestrutura nas escolas não difere entre os alunos repetentes e os não repetentes. Ressalta-se que há cem alunos em relação aos quais não existem informações relacionadas à infraestrutura e que eles estão distribuídos em 21 escolas.

Outra variável escolar importante é a proficiência média da escola em que o aluno está estudando. Pela Tabela 10, observa-se que os alunos não repetentes, em geral, estudam em escolas com proficiência média um pouco maior do que as escolas dos alunos repetentes.

Para tentar explicar o desempenho dos alunos repetentes e não repetentes, utilizou-se como marco norteador a abordagem da Função de Produção Educacional (FPE) e como base metodológica, os modelos hierárquicos. A FPE é um ramo da literatura que faz uma analogia entre o processo de aquisição do conhecimento humano e o processo produtivo, o que guia a escolha das variáveis e a interpretação coerente de seus efeitos (TODD; WOLPIN, 2003). O resultado educacional da criança é fruto de um processo de produção no qual os insumos presentes e passados são combinados com as características genéticas dos indivíduos para produzir um rendimento cognitivo.

Assim, a FPE pode ser descrita da seguinte forma:

Ait = f(Fit, St, Ot, et),

sendo: At o resultado educacional do indivíduo i acumulativo no tempo t; Ft o vetor das características e background da família do estudante acumulativos no tempo t; St o vetor de insumos escolares e dos professores acumulativo no tempo t; Ot o vetor de outros insumos relevantes, tal como fatores comunitários e da turma, acumulativos no tempo t; e et é o termo de erro aleatório que reflete os fatores não mensurados que contribuem para o resultado educacional no tempo t. Se os fatores não incluídos não são correlacionados com os que entraram na análise, não há problema, pois os parâmetros estimados não serão enviesados. Por outro lado, se eles são correlacionados, os coeficientes da análise serão enviesados (HANUSHEK, 2002).

Portanto, o ideal para estimar a FPE é ter dados de insumos familiares e escolares passados e presentes, bem como informações sobre a capacidade cognitiva da criança. Porém, na maioria das vezes, tais dados não são viáveis. Para contornar esses problemas, recorre-se a pressupostos e/ou variáveis proxy.

Todd e Wolpin (2003) fazem um resumo sobre as especificações da FPE e seus pressupostos que lidam com a falta de dados, principalmente dados passados. São eles:

1) O modelo de especificação contemporânea: considera que o rendimento do aluno está associado apenas às medidas contemporâneas. Nessa modelagem, pressupõe-se que os insumos não variam através do tempo e que os insumos correntes não são relacionados com a capacidade mental de aquisição do conhecimento.

2) Modelo de especificação do valor adicionado: relaciona o rendimento contemporâneo dos alunos com os insumos familiares e educacionais contemporâneos e com o rendimento dos alunos no período anterior. Esse último termo é uma estatística suficiente para captar as variáveis não observadas dos insumos passados e da capacidade mental de aquisição de conhecimento. (TODD; WOLPIN, 2003)

A base de dados do Proalfa possibilita estimar os determinantes educacionais por meio da especificação do valor adicionado, já que é possível obter a proficiência do mesmo aluno em dois períodos do tempo (2008 e 2009). Devido à estrutura hierárquica dos dados, ou seja, ao fato de os alunos estarem agregados nas escolas, a FPE foi estimada utilizando o modelo hierárquico de dois níveis, em que o primeiro nível considera o indivíduo e o segundo, a escola3 3 - A estimativa por modelos hierárquicos permite melhores estimadores do que por meio dos modelos clássicos de regressão, uma vez que lida com a quebra de um pressuposto importante dos modelos estimados por Mínimos Quadrados Ordinário, que é o de erros independentes e identicamente distribuídos, decorrentes da dependência que os indivíduos têm dentro de uma mesma unidade (nesse caso, a escola). Além disso, tais modelos resolvem o problema da unidade de análise quando se têm variáveis independentes medidas em níveis distintos de agregação. .

Os modelos hierárquicos incorporam a estrutura hierárquica dos dados, assumindo que a variável dependente é medida no menor nível de agregação e as variáveis independentes em todos os outros níveis (HOX, 1995)4 4 - Eles consideram que o intercepto e/ou a inclinação não são os mesmos para todas as unidades de nível 2 e que a variação pode dar-se pelo efeito de alguma variável explicativa de nível 2 e/ou por componente aleatório. Neste artigo, considerou-se que apenas o intercepto possui efeito aleatório. Para maiores detalhes sobre os modelos hierárquicos, ver Bryk e Raudenbush (2002). .

Foram construídos dois modelos hierárquicos para estimar a equação do modelo do valor adicionado da FPE, tendo sempre como principal interesse determinar o impacto positivo ou negativo da repetência.

No primeiro modelo, a proficiência em 2009 do aluno foi estimada considerando apenas duas variáveis explicativas no primeiro nível: uma variável categórica que identifica que o aluno repetiu o 3º ano em 2009 (zero para os não repetentes e um para os repetentes) e o desempenho dos alunos na prova do 3º ano de 2008. Como já comentado, essa última variável irá captar o efeito das variáveis não observadas, tais como o nível socioeconômico do aluno e a capacidade mental de aquisição de conhecimento. O modelo 2 incorpora outras variáveis explicativas do nível 1, tais como a quantidade de vezes que já repetiu de série e o sexo dos alunos. Ressalta-se que a base de dados do Proalfa possui poucas variáveis relacionadas ao aluno, conforme visto na seção anterior; dentre essas variáveis, incluem-se nos modelos apenas aquelas que se apresentaram significativas. Nesse modelo também é incluída, no nível 2, a proficiência média no 3º ano da escola em que o aluno estudava em 2009. As demais variáveis relacionadas à escola (dependência administrativa e infraestrutura da escola) não foram significativas e, portanto, não foram consideradas na análise.

A Tabela 11 apresenta os resultados dos modelos. A partir da análise do efeito aleatório dos dois modelos, percebe-se que é aceitável a hipótese de o intercepto ser considerado como tendo efeito aleatório, já que ele foi significativo. Somado a isso, a escola possui uma importante parcela na explicação da variação do desempenho dos alunos. Tal fato é importante, pois mostra a importância da escola na vida dos alunos.

No modelo 1, observa-se que o aluno que repetiu o 3º ano em 2009 possui uma proficiência menor em 16,419 do que o aluno que não repetiu. A proficiência prévia do aluno possui um impacto positivo, porém pequeno.

No modelo mais completo – modelo 2 –, verifica-se que a proficiência média da escola possui um impacto positivo e que tal efeito é maior do que a proficiência prévia do aluno. A inclusão dessa variável diminui a variação não explicada entre escolas, porém ainda há uma significativa parte a ser justificada. A inclusão de uma variável que representasse o nível socioeconômico médio das escolas provavelmente reduziria a variação não explicada, mas o banco de dados não possui essa variável.

Em relação às variáveis individuais, observa-se o impacto positivo das meninas em relação aos meninos, corroborando com os estudos existentes nessa área que apontam para uma vantagem das meninas nos testes de leitura e escrita.

No caso da variável-objetivo dessa análise – aluno repetiu ou não –, observa-se que a inclusão das duas variáveis individuais diminui seu impacto, porém, ele ainda permanece significativo. A quantidade de vezes que o aluno repetiu passa a ser a variável com maior impacto negativo. Ou seja, quanto maior o número de vezes que o aluno repetiu, menor a sua proficiência.

Conclusão

Este trabalho buscou avaliar se a retenção dos alunos de baixo desempenho no 3º ano do ensino fundamental trouxe maiores benefícios no aprendizado desses alunos em relação aos que prosseguiram para o 4º ano, tendo como base de dados a avaliação do Proalfa realizada em Minas Gerais. Espera-se que a análise possa contribuir para o debate do efeito da proficiência no aprendizado do aluno.

Os resultados indicam que os alunos que ficaram retidos no 3º ano do ensino fundamental apresentaram um crescimento da proficiência menor entre as avaliações de 2008 e 2009 do que os alunos que seguiram para o 4º ano. Esse fato é confirmado mesmo quando se controla por outras variáveis (modelo de regressão hierárquica). Assim, pode-se dizer que tanto os alunos que repetiram quanto os que não repetiram apresentaram crescimentos nas médias de proficiência bastante importantes. No entanto, os modelos hierárquicos construídos atestam que dentre dois alunos com mesma proficiência em 2008, tendo um deles repetido e o outro não, aquele que não repetiu tende a apresentar maior nível de proficiência em 2009. Esse resultado corrobora com o trabalho de Luz (2008), que, realizando também um estudo longitudinal, chegou a conclusão semelhante para alguns Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Outro achado importante é que o resultado dos alunos com menor nível de proficiência é muito influenciado pelo resultado geral da escola. Tal fato é de suma importância, pois o baixo aprendizado do aluno pode ser fruto da ineficiência da escola. Dessa forma, expor o aluno ao mesmo conteúdo, com o pressuposto de que a deficiência na aprendizagem é consequência apenas da sua incapacidade de compreender e absorver a matéria, não resolve o problema, já que fatores relacionados à escola possuem significativo impacto no aprendizado dos alunos.

Recebido em: 10.10.2011

Aprovado em: 10.05.2012

Juliana de Lucena Ruas Riani é doutora em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais, pesquisadora da Fundação João Pinheiro e professora da Universidade de Itaúna.

Vania Candida da Silva trabalha na Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerias, é doutoranda em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais, Universidade Federal de Minas Gerais, e assessora técnica da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais. Email: vaniacan30@gmail.com.

Tufi Machado Soaresé professor associado do Departamento de Estatística e do Programa de Doutorado e Mestrado em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenador de Pesquisa do CAEd. Email: tufi@caed.ufjf.br.

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  • Correspondência:

    Juliana de Lucena Ruas Riani
  • 1
    - No Brasil, existem outras avaliações que medem a proficiência do aluno. Destacam-se o SAEB e a Prova Brasil sob coordenação do INEP, avaliações que não permitem um acompanhamento longitudinal do aluno; e o projeto Geração Escolar 2004 (GERES), que é uma avaliação longitudinal dos alunos com 7 anos de idade durante quatro anos. Maiores informações sobre o GERES podem ser encontradas no sítio <
  • 2
    - Esse método é utilizado com o objetivo de minimizar efeitos causados pela não aleatoriedade dos dados. Para controlar tais efeitos, uma técnica possível é o pareamento da amostra, formando-se pares de observações que tenham valores similares aos das covariáveis a serem controladas. O escore de propensão facilita o pareamento, sintetizando os valores das covariáveis em um único valor que será a variável usada para construir os pares.
  • 3
    - A estimativa por modelos hierárquicos permite melhores estimadores do que por meio dos modelos clássicos de regressão, uma vez que lida com a quebra de um pressuposto importante dos modelos estimados por Mínimos Quadrados Ordinário, que é o de erros independentes e identicamente distribuídos, decorrentes da dependência que os indivíduos têm dentro de uma mesma unidade (nesse caso, a escola). Além disso, tais modelos resolvem o problema da unidade de análise quando se têm variáveis independentes medidas em níveis distintos de agregação.
  • 4
    - Eles consideram que o intercepto e/ou a inclinação não são os mesmos para todas as unidades de nível 2 e que a variação pode dar-se pelo efeito de alguma variável explicativa de nível 2 e/ou por componente aleatório. Neste artigo, considerou-se que apenas o intercepto possui efeito aleatório. Para maiores detalhes sobre os modelos hierárquicos, ver Bryk e Raudenbush (2002).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Out 2011
    • Aceito
      10 Maio 2012
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