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Reflexões pós-pandemia em um mundo em transformação

Neste editorial, referente ao volume 48, do ano de 2022, ao findar mais um ano de trabalho intenso, destacamos alguns aspectos que marcaram a nossa trajetória acadêmica e editorial. Tivemos no âmbito da revista Educação e Pesquisa a mudança de editor chefe e expressamos nossos agradecimentos ao Prof. Emerson de Pietri pelo empenho e dedicação. Ademais, houve a mudança de direção da Faculdade de Educação e o ingresso de novos editores assistentes na Comissão Editorial. Seguimos, acompanhando as perspectivas das políticas editoriais e valorizando a produção científica numa perspectiva democrática, atenta aos direitos humanos e à liberdade.

Tendo em vista que nos dois últimos anos fomos atravessados pela pandemia de Covid-19 que imprimiu uma nova ordem mundial ditada pela crise sanitária emergente, no ano de 2022 o cenário social, ainda marcado por muitas assimetrias – aprofundadas por muitos motivos que se somaram à disseminação do vírus –, passou a exigir uma possível volta à vida no formato pré-pandemia. A diminuição das restrições foi algo crescente ao longo deste ano no Brasil, em função da diminuição do número de casos, apesar da ainda presente circulação do Sars-Cov2. O retorno às atividades presenciais ganhou novos contornos, marcados pela necessidade de protocolos de segurança e pela insegurança inicial, por parte de quem viveu dois anos de forma isolada e protegida. Como previa Latour (2020, n. p.) “[...] é como se a intervenção do vírus pudesse servir de ensaio geral para a próxima crise, aquela em que a reorientação das condições de vida vai se colocar como um desafio para todos nós”. Desafios à parte, não podemos desconsiderar as marcas deixadas pela pandemia no Brasil e o impacto das 687 mil mortes a ela associadas, parte expressiva delas evitável se a condução do governo federal tivesse correspondido à seriedade da situação e às responsabilidades a ele concernentes. Algo que marca a história brasileira e impele os sobreviventes deste cataclismo à necessidade de refletir sobre seu estilo de vida, suas escolhas e suas lideranças políticas.

Os profissionais envolvidos no processo educacional, um dos mais atingidos pela pandemia, foram também instados a acompanhar as decisões governamentais e a retomar as suas atividades de maneira presencial. A volta aos espaços educacionais trouxe novos enfrentamentos para educadores e educandos: trabalhar num contexto pós-pandemia, especificamente complexo e adverso, além de tentar mitigar os efeitos de todo este processo na vida e no percurso escolar dos estudantes. Como nos aponta Veiga Neto (2020VEIGA NETO, Alfredo. Mais uma lição: síndemia covídica e educação. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 45, n. 4, 2020., p. 2), “[...] não existem soluções simples para problemas complicados”. Diante disso, trabalhamos com o legado deixado pela pandemia, com percalços e perspectivas não muito animadoras. De acordo com o mesmo autor:

No Brasil de hoje, por exemplo, não é exagero identificar pelo menos cinco tipos de crises que se combinam, se interpenetram e se reforçam mutuamente: covídica, econômica, política, ética e estúltica. Sendo assim, o quadro que se nos apresenta é de extrema complexidade, inapreensível por uma análise reducionista e, também por isso, incompreensível por amplos contingentes da população e, bem como, por uma parte significativa das classes dirigentes. (VEIGA NETO, 2020VEIGA NETO, Alfredo. Mais uma lição: síndemia covídica e educação. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 45, n. 4, 2020., p. 10).

No contexto das crises apontadas, largamente engendradas no presente ano nos cenários brasileiro e internacional, atuar no campo da educação se torna crucial, mas ao mesmo tempo – e sempre – laborioso. Nesse sentido, novas pesquisas são necessárias e contribuem com dados e análises que enriquecem os debates sobre caminhos possíveis na renitente luta por educação pública de qualidade para todos no Brasil.

No decorrer do ano, a revista Educação e Pesquisa publicou artigos que empreenderam diálogos com a contemporaneidade, por meio de uma miríade de temas em fluxo contínuo, com a participação de diversos autores nacionais e internacionais. O empenho de toda essa coletividade nos possibilitou reduzir fronteiras e valorizar a diversidade por meio da divulgação científica.

Ademais, não distantes de temas relevantes e imprescindíveis para a divulgação da ciência da educação, contamos com publicações de artigos provenientes de quatro Seções Temáticas. As Seções Temáticas Justiça e Educação: um debate necessário, organizada pelas professoras Flávia Schilling5 5 - Universidade de São Paulo, São Paulo – SP, Brasil. Contato: flaviaischilling@gmail.com e Alice Happ Botler6 6 - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PR, Brasil. Contato: alicebotler@gmail.com e Infância, Política e Educação, organizada pelas professoras Fernanda Müller7 7 - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ, Brasil. Contato: fernanda.muller@gmail.com , Bianca Salazar Guizzo8 8 - Universidade Luterana do Brasil, Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil. Contato: bianca.guizzo@gmail.com. e Fabiana de Amorim Marcello9 9 - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Contato:famarcello@gmail.com , tiveram início em 2021 e 2020 respectivamente e durante este ano concluíram as suas contribuições. No ano de 2022, duas Seções Temáticas foram abertas frente à urgente necessidade de adensar questões de cunho educacional e suas diversas inter-relações: Educação em contexto de crise sanitária causada pela Covid-19, organizada pelos professores Lia Machado Fiuza Fialho10 10 - Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza – CE, Brasil. Contato: lia_fialho@yahoo.com.br e Hugo Heredia Ponce11 11 - Universidad de Cádiz, Cádiz, Espanha. Contato: hugo.heredia@uca.es e 20 anos depois: pensar com e sem Bourdieu, organizada pelos professores Maria da Graça Jacintho Setton12 12 - Universidade de São Paulo, São Paulo – SP, Brasil. Contatos: gracaset@usp.br e Elias Evangelista Gomes13 13 - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG, Brasil. Contato: eliasgomesbh@yahoo.com.br . A exuberância de buscas e visualizações das Seções Temáticas na Biblioteca Eletrônica Científica Online (Scielo) nos evidencia o êxito das iniciativas.

A sessão temática “Educação em contexto de crise sanitária causada pela Covid-19” objetiva discutir os desafios do ensino remoto e das aprendizagens em contexto pandêmico, considerando os novos contornos da formação docente e da práxis educativa demandadas em meio à crise sanitária. Essa sessão foi idealizada em decorrência da pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, pois o cenário educacional sofreu muitas mudanças, tanto no ensino básico como superior, especialmente por causa da necessidade de isolamento social e da suspensão das aulas presenciais.

As instituições de ensino foram obrigadas a reorganizar suas rotinas, adotando o ensino remoto emergencial como alternativa para o prosseguimento das aulas. Em consequência, docentes e discentes, de todos os níveis de ensino, e os pais das crianças e jovens se viram obrigados a trabalhar com as tecnologias digitais da informação e comunicação, muitas vezes, sem a formação adequada e sem as condições financeiras apropriadas para o acesso às ferramentas digitais. Desse modo, tornou-se relevante estudar cientificamente essa conjuntura educacional dedicando especial atenção aos problemas e às desigualdades sociais produzidas pela pandemia ao interrelacionar temas que envolvem juventude, escola, família, dentre outros âmbitos da vida social.

Na Seção Temática que homenageou Pierre Bourdieu, constata-se que o conhecimento acumulado acerca de seus temas, suas teorias e seus conceitos indicam a consolidação de um autor clássico das Ciências Humanas e sua perenidade na análise sobre diferentes campos sociais, com destaque para o campo educacional. Dessa maneira, a contribuição teórico-metodológica bourdieusiana encoraja um novo planejamento da educação, capaz de desvelar tanto as potencialidades como as inconsistências, os limites e as contradições das práticas e políticas de democratização e inclusão, especialmente, daqueles grupos mais precarizados pelas desigualdades sociais e desigualdades escolares.

Ligada a essa Sessão Temática, outra importante atividade desenvolvida foi a produção de uma “Live” sobre o tema 20 anos depois: pensar com e sem Bourdieu. Tal evento foi mediado pelos professores Maria da Graça Setton e Elias Evangelista Gomes. Os professores convidados Afrânio Catani (USP), Ione Valle (UFSC), Camila Ferreira e Silva (UFAM) e Ana Rodrigues (UFBA) promoveram um debate atemporal disponibilizado para futuros acessos na plataforma YouTube14 14 - A média de visualizações durante o período da Semana Especial foi de 885,7 visualizações por dia, em comparação com a média de visualizações por dia do mês de julho, há um aumento de 52,4% da média diária. O evento está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kwG8LI7Df20 .

A revista Educação e Pesquisa, dentro de sua variedade de gêneros textuais, publicou ainda duas entrevistas com convidadas internacionais, expoentes no campo da educação e em suas áreas específicas de pesquisa. A primeira entrevista foi com a professora Christen A. Smith, da Universidade do Texas (Austin), e seu título é Feminismo negro: pedagogias, epistemologias ético-políticas e métodos. A segunda entrevista, com a professora Gisèle Sapiro, diretora de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) e de estudos no Centro Europeu de Sociologia e Ciência Política (EHESS), intitula-se Por uma história transnacional da sociologia. Tais entrevistas espelham as trajetórias pessoais das convidadas e a imersão de ambas em pesquisas de destaque relacionadas aos temas em causa.

Com o intuito de promover a divulgação científica de nosso trabalho, a revista Educação e Pesquisa participou de um evento promovido pelo Blog SciELO em Perspectiva/Humanas, denominado Semanas Especiais15 15 - Os press releases publicados nesse evento estão disponíveis em: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2022/08/15/semana-especial-educacao-e-pesquisa-a-educacao-na-pandemia-bourdieu-e-o-campo-de-pesquisa-da-educacao/#.Y1rt1nbMKM8 https://humanas.blog.scielo.org/blog/2022/08/15/entre-cenas-violentas-e-memorias-escolares-o-mar-de-bullying-contra-pessoas-lgbt/#.Y1rt8nbMKM8 https://humanas.blog.scielo.org/blog/2022/08/18/semana-especial-educacao-e-pesquisa-educacao-em-contexto-de-crise/#.Y1ruI3bMKM8 https://humanas.blog.scielo.org/blog/2022/08/19/balanco-da-semana-especial-do-scielo-em-perspectiva-humanas/#.Y1ruPXbMKM8 . Contando com a participação de editores da revista, autores convidados e organizadores das Seções Temáticas, pudemos apresentar à sociedade, no mês de agosto, um conjunto de publicações do presente volume. Tal iniciativa promoveu significativo interesse, o que se comprova pelo número de acessos aos materiais disponibilizados no Blog SciELO e pelas manifestações positivas dos leitores de Educação e Pesquisa.

Divulgar a ciência em diferentes meios de comunicação tem sido a tônica de nossas ações frente ao cenário de descaso com a produção científica e às frequentes tentativas de desvalorização da educação. Nesse sentido, os editores da revista Educação e Pesquisa também fizeram parte de eventos de âmbito nacional, promovidos pelo Fórum de Editores de Periódicos da Área de Educação (FEPAE), com o fito de acompanhar as discussões contemporâneas e os desafios que se colocam aos periódicos da área da educação. Muitos temas estão em causa e impactam o nosso modus operandi, demandando discussões mais aprofundadas e posicionamentos mais conscientes, quais sejam: internacionalização, prática da ciência aberta, inclusão e acessibilidade, estratificação da qualidade da produção intelectual, indicadores e métricas, integridade e ética na pesquisa, entre outros. Nesse sentido, o trabalho coletivo assume uma dimensão ímpar e a abertura de espaços para o diálogo mostra-se como o caminho para as transformações que se fizerem necessárias.

Finalizamos acentuando o ponto com que encerramos o parágrafo anterior: a defesa do diálogo amplo em ambientes democráticos. Estamos certos de que não existe qualquer condição de permanecermos sob o assédio e as muitas formas de violência que inundaram todos os cantos do Brasil nos últimos anos. Em sintonia com Adorno (1995ADORNO, Theodor W. Educação contra a barbárie. In: ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 1995. p. 155-168., p. 156), bradamos: “[...] a tentativa de superar a barbárie é decisiva para a sobrevivência da humanidade”.

Que um leitor que nos leia em um futuro (bem) próximo chegue a este ponto do editorial assentindo com um movimento vertical da cabeça e um sorriso esperançoso porque, enfim, o povo brasileiro fez a mudança urgente para que as perdas possam ser estancadas e os ares da democracia voltem a imperar neste país!

Referências

  • ADORNO, Theodor W. Educação contra a barbárie. In: ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 1995. p. 155-168.
  • CORONAVÍRUS Brasil. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/ Acesso em: 17 out. 2022.
    » https://covid.saude.gov.br/
  • LATOUR, Bruno. Is this a Dress Rehearsal? Disponível em: https://critinq.wordpress.com/2020/03/26/is-this-a-dress-rehearsal/ Acesso em: 11 fev. 2021.
    » https://critinq.wordpress.com/2020/03/26/is-this-a-dress-rehearsal/
  • VEIGA NETO, Alfredo. Mais uma lição: síndemia covídica e educação. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 45, n. 4, 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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