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No palimpsesto da sala de aula: a legitimação de obras literárias em disputa na escola

Resumo

Este artigo apresenta alguns resultados de uma pesquisa que buscou compreender as disputas pela leitura legítima de obras literárias no cotidiano escolar. Entendeu-se, a partir dela, que a leitura ganha sentidos na trama do cotidiano conforme as ações de professores e alunos revelam pontos de vista socialmente estruturados acerca da questão, questionandose, frequentemente, os imperativos escolares. Para tanto, em diálogo com autores como Pierre Bourdieu e Roger Chartier, foram realizadas observações de aula em três turmas de língua portuguesa do ensino médio, duas delas na modalidade regular e uma na Educação de Jovens e Adultos (EJA), cujos registros deram origem aos Diários de campo. Assim, a investigação se vale de recursos da etnografia escolar. Entrevistas semiestruturadas com duas professoras e oito estudantes, adolescentes e adultos, igualmente compõem o material de pesquisa. Objetivou-se, assim, compreender as tensões referentes à cultura legítima no interior de um nível de ensino que vem passando por variados processos de expansão e questionamento de seus sentidos formativos. A análise das fontes permite-nos ver a leitura como elemento que sustenta e estrutura uma dimensão relevante da vida escolar, ao mesmo tempo em que seus sentidos são construídos segundo as lógicas das interações cotidianas que auxiliam na classificação e identificação das práticas legítimas. Foi possível descrever as salas de aula à imagem do palimpsesto, em que as referências de leitura dos alunos e dos professores ocupam espaço marginal, porém pressionam as atividades e as disposições literárias oferecidas aos estudantes.

Palavras-chave
Cotidiano escolar; Práticas de leitura escolares; Leitura; Ensino médio; Obras literárias

Abstract

This article presents some results of research seeking to understand the disputes for the legitimate reading of literary works in daily school life. Based on it, it was understood that reading gains meanings in the fabric of daily life as the actions of teachers and students reveal socially structured points of view on the issue, frequently questioning the school imperatives. To this end, in dialogue with authors such as Pierre Bourdieu and Roger Chartier, class observations were carried out in three Portuguese-speaking high school classes, two of which in the regular modality and one in Young Adults Education (EJA), whose records originated the Field Diaries. Thus, the investigation uses the resources of school ethnography. Semi-structured interviews with two teachers and eight students, teenagers and adults, also make up the research material. Thus, the objective was to understand the tensions related to legitimate culture within a level of education that has been going through various processes of expansion and questioning of its formative meanings. The analysis of sources allows us to see reading as an element that supports and structures a relevant dimension of school life, while its meanings are constructed according to the logic of everyday interactions that help in the classification and identification of legitimate practices. It was possible to describe classrooms in the image of the palimpsest, in which the reading references of students and teachers occupy a marginal space but put pressure on the activities and literary dispositions offered to students.

Keywords
School life; School reading practices; Reading; High school; Literary works

Geralmente, estudar não é produzir, mas produzir-se como capaz de produzir.

(BOURDIEU, 2014, p. 76)BOURDIEU, Pierre. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: UFSC, 2014..

Introdução

Este artigo visa compreender as disputas e os conflitos em torno da leitura legítima de obras literárias no cotidiano escolar. Para isso, tem como objetivo principal apreender os embates entre as representações de leitura constituídas por professores, alunos e imperativos escolares na construção de consensos sobre o assunto. Uma vez que tais conflitos revelaram-se de modo sutil nas observações das aulas e nas entrevistas com professoras e estudantes, serão explorados não só os conteúdos de ensino, mas também as práticas que os envolvem, indicando a forma de relação com o conhecimento que tais opções sugerem. A despeito de Pierre Bourdieu e Roger Chartier considerarem a leitura como uma prática cultural “[...] mais diretamente ensinada pelo sistema escolar” (BOURDIEU; CHARTIER, 2001, p. 237)BOURDIEU, Pierre; CHARTIER, Roger. A leitura: uma prática cultural. In: CHARTIER, Roger (org.) Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2001, p. 229-253., muitos discursos têm apontado para a sua perda de prestígio na escola ou atentado para os desafios de atar os jovens aos clássicos (PAIVA et al., 2011) PAIVA, Aparecida; SOUZA, Renata Junqueira; CORRÊA, Hércules Tolêdo (org.). Literatura e ensino médio: acervos, gêneros, práticas. Campinas: Mercado de Letras, 2011.. Paralelamente a isso, o valor da leitura continua a ser reafirmado em programas oficiais, como o Plano Nacional do Livro e da Leitura, em âmbito federal, e o Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (PMLLLB), na cidade de São Paulo.

Nesse cenário, a partir de uma perspectiva sócio-histórica (NÓVOA, 1991)NÓVOA, António. Para o estudo sócio-histórico da gênese e desenvolvimento da profissão docente. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 4, p. 109-139, 1991., procurou- se dialogar com a questão investigando as tensões encenadas no espaço da escola entre docentes, discentes e prescrições oficiais como indícios de uma disputa que ocorre quando diferentes entendimentos a respeito da leitura de obras literárias convivem e geram, por um lado, atos de negociação, resistência e ressignificação e, por outro, os sentidos cotidianos atribuídos à leitura na escola em função de relações objetivamente praticadas (BOURDIEU, 2011a)BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 2011a.. Nessa convivência, os modos de ler estruturados em grupos de pertencimento marcados por clivagens de gênero, classe, entre outros, geram modalidades de apropriação de objetos literários. Ao localizar a questão deste modo entendeu-se, com base em Roger Chartier (1991a)CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991a., a leitura como objeto de disputa no cotidiano escolar.

Optou-se, para tanto, pela realização de observações de aula em duas escolas públicas da rede estadual de São Paulo: entre outubro e dezembro de 2014, acompanhamos o ensino de língua portuguesa em duas turmas do 1º ano do ensino médio na Escola Dom Quixote 2 2 De modo a preservar a identidade das instituições de ensino, das professoras e dos alunos, recorremos, aqui, a nomes fictícios. No que se refere especificamente às escolas, optou-se pelos títulos de livros mais referidos pelos alunos durante as entrevistas. Ressalta-se, ainda, que todos os procedimentos éticos foram seguidos durante a investigação. , e uma turma do mesmo nível de ensino na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Escola Anne Frank. Na primeira instituição, foram observadas 3 aulas por semana em cada turma; na segunda, 2 aulas semanais. Cada turma contava com cerca de 35 alunos matriculados. Deste universo de estudantes, 4 adolescentes e 3 adultos foram entrevistados, dentre os quais 5 mulheres e 2 homens. A observação de aulas deu origem a um Diário de campo, no qual registramos a cotidianidade escolar e as práticas que envolvem a leitura. Aliado a isso, as professoras Valquíria e Celeste, responsáveis pelas turmas acima referidas, foram entrevistadas no final de 2014 e de 2016. Com base no princípio de que os livros didáticos, bem como os currículos estaduais e nacionais, auxiliam na construção diária dos significados da literatura, ao longo da pesquisa observou-se de que modo esses materiais foram mobilizados e utilizados pelas professoras no preparo e na organização das aulas. Os Diários de campoauxiliaram a registrar e a destacar certas circunstâncias de aula, práticas de ensino e interações entre professoras e alunos, e as entrevistas ajudaram a embasar as representações dos docentes e discentes acerca da leitura, bem como suas impressões sobre as aulas, os colegas e a escola.

Com vistas a circunscrever o recorte da pesquisa e delimitar nosso objetivo principal, partiu-se da escola como uma instituição responsável por uma seleção cultural. Como afirmam Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (2014)BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 2014., ao consagrar alguns objetos culturais e as relações privilegiadas por eles, institui-se um arbítrio cultural, por sua vez compreendido como um conjunto de saberes de referência para a formação dos estudantes. Nas palavras de Jean-Claude Forquin (1986)FORQUIN, Jean-Claude. École et culture: le point de vue des sociologues britanniques. Paris; Bruxelles: De Boeck Université, 1986., as instituições de ensino reelaboram os conhecimentos em função dos objetivos formativos almejados. Por meio da relação com os objetos legítimos, os alunos passam por um processo de formação condizente com o perfil da escolarização experimentada e, assim, representarão “[...] o produto mais específico de um sistema de ensino” (BOURDIEU, 2013, p. 206)BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013.. Em outras palavras, eles passam a compartilhar conceitos, vocabulários, esquemas de percepção da

realidade, entre outros aspectos, resultantes do perfil formativo escolar. No entanto, são os sentidos dessa transmissão cultural escolar, bem como o seu conteúdo, que vêm sendo discutidos, nos últimos anos, em função de alterações sociais que tensionam esse processo (DUSSEL, 2009)DUSSEL, Inés. A transmissão cultural assediada: metamorfoses da cultura comum na escola. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 137, p. 351-365, 2009.. Neste artigo, pretende-se compreender as tensões relacionadas à leitura, vivenciadas nas salas de aula e descritas, aqui, por meio da imagem do palimpsesto, a saber, um “papiro ou pergaminho cujo texto primitivo foi raspado, para dar lugar a outro” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 1417)HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009..

A construção de um ponto de vista para analisar o cotidiano escolar

Observar, no dia a dia da escola, as tensões relativas à disputa pela leitura legítima de obras literárias implica em reconhecer que, apesar da questão estar presente de maneira mais generalizada na sociedade, ela adquire feição particular quando situada no ambiente escolar, uma vez que a literatura é responsável por uma dimensão significativa da consolidação de seus objetivos formativos. Assim, ainda que o campo literário seja definido por Pierre Bourdieu e Wacquant (2014)BOURDIEU, Pierre; WACQUANT, Loic. Invitation à la sociologie réflexive. Paris: Seuil, 2014. como um espaço de forças relativamente autônomo, cuja movimentação contribui para definir, social e historicamente, o que se entende, por exemplo, pelas noções de obra literária e clássico, interessa-nos acompanhar as apropriações de livros, autores e sentidos da literatura no âmbito da cultura escolar 3 3 Outras informações acerca do campo literário podem ser encontradas em Bourdieu (1996). .

Entende-se que o conteúdo literário é responsável, no ensino médio, pela concretização de um ideal educativo baseado no entendimento de uma cultura legítima, projetando, a partir disso, um sujeito cultivado pela incorporação de aspectos do universo letrado (CHARTIER, A-M.; HÉBRARD, 1995)CHARTIER, Anne-Marie; HÉBRARD, Jean. Discursos sobre a leitura (1880-1980). São Paulo: Ática, 1995.. Em diálogo com essa interpretação, Regina Zilberman (1988)ZILBERMAN, Regina. A leitura e o ensino de literatura. São Paulo: Contexto, 1988. afirma que a linguagem literária constitui o modelo da norma padrão de escrita, inculcação de valores e do bom gosto, forma de aquisição de vantagens pessoais e espaço de transmissão do patrimônio literário brasileiro. Observa-se, assim, um desdobramento da centralidade da linguagem na forma escolar, especificamente nos papéis que a leitura pode desempenhar na efetivação da inculcação de sua cultura. Ao ser envolvida pelas práticas e representações que organizam o ensino, identifica-se na leitura a sua dupla função: por um lado, os autores, títulos e suportes mais valorizados compõem o conteúdo direto do ensino; por outro lado, a escola instaura um modo particular de interação com a literatura, marcado pelo distanciamento entre o sujeito e a linguagem, ou seja, a relação escritural-escolar (VINCENT et al., 2001) VINCENT, Guy, LAHIRE, Bernard, THIN, Daniel. Sobre a história e a teoria da forma escolar. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 33, p. 7-47, 2001.. Apreende-se, a partir disso, uma dimensão estruturante e fundamental da escolarização.

No caso brasileiro, deve-se considerar que o ensino médio se destinou, por muito tempo, à formação das elites, conforme salienta Elza Nadai (1987)NADAI, Elza. O ginásio do Estado em São Paulo: uma preocupação republicana (1880 -1806). 1987. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987.. Foi apenas no século XX, sobretudo entre os anos de 1940 e 1970, que assistimos à passagem do ensino médio por processos de ampliação, muito em função de pressões sociais pelo acesso a esse nível de ensino (SPÓSITO, 1984;BEISIEGEL, Celso de Rui. A qualidade do ensino da escola pública. Brasília, DF: Líber Livro, 2006. BEISIEGEL, 2006) SPÓSITO, Marília. O povo vai à escola: a luta popular pela expansão do ensino público de São Paulo. São Paulo: Loyola, 1984.. Tal tendência adquiriu novos significados nos anos 1990, quando ocorreu uma nova onda de expansão graças à crescente demanda na rede pública (CORTI, 2015)CORTI, Ana Paula. À deriva: um estudo sobre a expansão do ensino médio no estado de São Paulo (1991-2003). 2015. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.. No que se refere à Educação de Jovens e Adultos, observa- se um movimento de expansão de sua oferta, sobretudo, após a Constituição de 1988, cabendo ao Estado assumir a responsabilidade pela formação daqueles que não puderam cumprir a escolarização na idade esperada (OLIVEIRA, L. B.; SOUZA, 2013)OLIVEIRA, Letícia B.; SOUZA, Sauloéber T. de. A alfabetização no Mobral, métodos e materiais didáticos (Uberlândia/MG, 1970-1985). Acolhendo a Alfabetização nos Países de Língua Portuguesa, São Paulo, v. 7, n. 13, p. 12-37, 2013.. A crescente ocupação da escola por diferentes grupos sociais tem gerado, ainda hoje, pressões relativas à chamada seleção cultural, já que o processo de expansão escolar problematizou o modelo de formação vigente. Se o quadro exposto acima sugere um circuito fechado, quando se direciona a investigação para a cotidianidade escolar, é possível identificar as formas imprevistas de concretização da intencionalidade formativa, assumindo que ela se dá em um espaço de negociação e atrito entre professores, alunos e imperativos escolares (ZAFFRAN, 2006)ZAFFRAN, Joël. La discipline et la régularité à l’école républicaine et à l’école démocratique de masse. Éducation et Sociétés, Paris, v. 17, n. 1, p. 141-158, 2006.. As fontes da pesquisa permitiram registrar as regularidades cotidianas que enlaçam os sentidos da leitura nas duas escolas conhecidas. Não se pode desconsiderar que a cultura escolar está marcada por normas e práticas singulares que definem objetivos na formação e inculcação de valores, descritas de maneira particular por meio da imersão em seu cotidiano (JULIA, 2001)JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, n. 1, p. 9-43, 2001.. Convém, por conseguinte, conhecer os sujeitos que fizeram parte desta investigação.

Valquíria e Celeste, ambas docentes, apresentam trajetórias semelhantes. Coincidentemente, iniciaram suas vidas profissionais como contadoras e concluíram o curso de licenciatura em letras enquanto trabalhavam na área de contabilidade, nos anos 1990. A docência foi, portanto, a segunda opção de ambas, que relatam, nas entrevistas, que não cogitavam cursar o nível superior, porém enxergaram na formação universitária uma oportunidade de ressignificar suas expectativas formativas. As professoras parecem ter se beneficiado de um movimento de ampliação de vagas para o acesso ao ensino superior, ocorrido nos anos 1990 por meio de instituições privadas (PFEIFER; GIARETA, 2009)PFEIFER, Mariana; GIARETA, Paulo Fioravante. Expansão da educação superior no Brasil: panorama e perspectiva para a formação de professores. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 9., 2009, Curitiba. Anais... Curitiba: PUCPR, 2009, p. 3722- 3735.. Tal qual os estudantes entrevistados, suas trajetórias são marcadas pelos processos de expansão da escolarização no Brasil e a consequente reconfiguração das escolas, que deixaram de ser ocupadas exclusivamente por sujeitos oriundos das elites culturais brasileiras, tal como acontecia na passagem do Império para a República (HAIDAR, 2008)HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto. O ensino secundário no Brasil Império. São Paulo: EDUSP, 2008.. A acomodação à profissão imprevista foi determinante no modo como as professoras construíram sua relação com a docência: observa-se em suas trajetórias profissionais uma tentativa de adaptação à cultura valorizada pela escola, entendida, no caso, como uma espécie de segunda cultura.

Os três adultos entrevistados na Escola Anne Frank, frequentadores do ensino médio na modalidade EJA, eram trabalhadores com idades entre 35 e 45 anos, destoando, assim, dos demais estudantes da sala, em sua maioria na faixa dos 20 anos. Exerciam as funções de vendedor, secretária e dona de casa e frequentavam o curso noturno após o expediente de trabalho. Dois deles eram casados e uma delas era viúva, todos com filhos. Todos compartilhavam o histórico de uma escolarização truncada, com momentos de estudo e de pausas em função da necessidade de trabalhar, e ansiavam, com os estudos, melhorar as condições de vida. Por sua vez, os estudantes que frequentavam a Escola Dom Quixote contavam, em média, 15 anos durante a pesquisa, frequentavam a escola no período matutino e, em alguns casos, faziam cursos de inglês e informática no contraturno. Ao comparar a escolaridade dos pais dos alunos adultos e dos adolescentes, apreende-se que os primeiros estudaram, em média, até o ensino fundamental, ao passo que os segundos, em sua maioria, têm a formação em nível médio. Entre as mães, as profissões mais frequentes são faxineira, vendedora e enfermeira; entre os pais, muitos exercem funções na construção civil em ocupações formais e informais. A partir dessas referências e dos espaços que ocupam no mundo social, professores e estudantes agem em seu interior, posto que as ações que têm lugar na escola são sínteses das práticas sociais dos indivíduos (SIROTA, 1988)SIROTA, Régine. L’école primaire au quotidien. Paris: PUF, 1988..

Convém, desse modo, fazer uma aproximação ao conceito de habituspara que se entendam as tomadas de posição escolares. Pierre Bourdieu (2011b, p. 22)BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. Campinas: Papirus, 2011b. entende habituscomo “[...] princípios geradores de práticas distintas e distintivas”. Gestadas em meio a processos de socialização oriundos de diferentes posições no espaço social e, por isso, atreladas às lógicas do mundo natal, as disposições resultantes dessa dinâmica organizam não apenas o que o sujeito faz, mas também como ele desempenha determinada atividade. Além de disposições práticas, a socialização organiza formas de classificação de si e dos outros, ou seja, ela auxilia na produção de representações que oferecem possibilidades de ação diante de situações objetivamente configuradas (CHARTIER, R., 1991b)CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, São Paulo, v. 5, n. 11, p. 173-191, 1991b..

De acordo com Roger Chartier (1991a)CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991a., as representações são formas de apresentar um objeto que se encontra ausente, atribuindo, com isso, sentido e conteúdo ao objeto representado. Para o autor, “as representações do mundo social [...] são sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam” (CHARTIER, R., 1991a, p. 17)CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991a.. Consequentemente, os grupos sociais produzem imagens públicas de si e se distanciam dos outros por meio de “esquemas intelectuais incorporados”. A título de exemplo, ao elaborar determinadas relações com a leitura, os grupos sociais produzem representações de si por meio de uma aproximação à cultura, situam-se na realidade e produzem sentidos para ela, instituindo, assim, formas de classificação que ordenam sua compreensão do mundo. No caso escolar, entende-se que os conflitos em torno da leitura legítima de obras literárias podem decorrer do tensionamento entre as representações constituídas pelas professoras, os alunos e os imperativos escolares, as quais nem sempre são coincidentes.

Desse modo, pode-se pensar as relações objetivamente instauradas no espaço escolar como a descrição de formas específicas de interação que têm lugar segundo as lógicas da cultura escolar, oferecendo uma estrutura específica, por sua vez interpretada e atualizada segundo o habitus, gerando práticas e representações a respeito da escola e, sobretudo, da leitura de obras literárias. No que segue procurar-se-á entender de que maneira os sujeitos acima descritos mobilizam suas representações e constroem práticas que simbolizam formas socialmente enraizadas de reagir e sustentar a vida escolar (SIROTA, 1988)SIROTA, Régine. L’école primaire au quotidien. Paris: PUF, 1988..

O encontro entre professoras e alunos na configuração do palimpsesto escolar

A descrição de alguns elementos das aulas - os conteúdos e suas formas de ensino

- é relevante para a compreensão da configuração das disputas em torno dos processos de legitimação da literatura. Para o presente artigo a análise dos dados permitiu apreender cotidianos escolares marcados por diferentes lógicas de representação a esse respeito, bem como relações pedagógicas permeadas de pequenos mal-entendidos, revelados na mobilização de referências culturais, na escolha de materiais didáticos, nas práticas de ensino e na definição das funções da literatura na formação. Esses pequenos embates, pela recorrência e persistência, revelam que quadros mais amplos, como os desafios relacionados à seleção cultural escolar, mostram-se por pequenos gestos que configuram uma espécie de matriz socializadora escolar (LAHIRE, 2008)LAHIRE, Bernard. La raison scolaire: école et pratiques d’écriture, entre savoir et pouvoir. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2008., marcada por tensionados e sentidos divergentes.

O primeiro eixo de desentendimentos se expressa nas representações que articulam as tomadas de posição docente. Valquíria e Celeste elaboram a função da leitura de obras literárias no cotidiano por meio de tensionamentos entre a necessidade de ensinar a história da literatura, de modo que o conteúdo literário se apresente como um patrimônio cultural, e as imagens e representações elaboradas pelos estudantes. Valquíria exemplifica essa operação:

Selecionava um dos textos, falava das características das trovase dos trovadores, e aí eu trabalhava o texto para eles entenderem por que chegou naquele contexto. Por que trovadorismo? Por que essa palavra? O que tem a ver? Então, dentro do texto, puxava toda a história e as ideias e através do texto já puxava a gramática também. O Quinhentismo também teve esse mesmo seguimento. (Valquíria).

Ao se referir à utilização do livro didático na estruturação de suas aulas, a professora Valquíria, ainda, indica que a sequência temporal apresentada, do Trovadorismo ao Quinhentismo, é relevante na articulação dos conteúdos de ensino. Este sentido do ensino de literatura é recorrente tanto entre Valquíria e Celeste quanto entre outros docentes que, ao mobilizarem “[...] algo sobre movimentos estéticos e estilos de época seguindo-se uma determinada linha do tempo [...]” (REZENDE, 2013, p. 102)REZENDE, Neide Luzia de. O ensino de literatura e a leitura literária. In: DALVI, Marília Amélia; REZENDE, Neide Luzia de; JOVER-FALEIROS, Rita. Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013, p. 99-112., consubstanciam o ensino da literatura como patrimônio e sequência temporal a ser incorporada por meio de atividades de ensino selecionadas para tal. Isto pode ser observado no exemplo extraído do Diário de campo:

A professora se levanta e os lembra do trabalho sobre o Barroco, ‘para não passar em branco’. Eles devem contar o marco inicial, as principais características do movimento literário e falar sobre Gregório de Matos.

(Observação feita no dia 4 de novembro, 1º ano B).

Era recorrente nas aulas o privilégio dado às atividades que envolviam a leitura silenciosa e individual de passagens sobre o movimento literário estudado e a realização de atividades escritas a serem entregues. Trabalhos baseados em questões no modelo pergunta e resposta ou no preenchimento de lacunas eram comuns, como foi observado em outra situação:

Esse trabalho “tem a ver com o Barroco, do trabalho que vocês estão fazendo.” Os alunos terão que responder questões a partir da leitura do texto. A professora distribuiu livros didáticos. Na lousa a professora escreve:

“Atividade para nota

Ler o texto ‘Sermão do bom ladrão (ou da audácia)’, páginas 238 e 239. Responder questões de 1 a 3.”

(Observação feita no dia 9 de novembro, 1º ano A).

Se Valquíria privilegiava a interpretação silenciosa e o registro escrito, Celeste, de sua parte, estruturava as aulas especialmente em função de atividades de leitura individual e interpretações orais coletivas dos textos literários:

Ao terminar de distribuir os textos, a professora começa a leitura. No canto da página impressa existe uma explicação sobre o que é o conto. Ela lê essa explicação e, a seguir, lê o título do conto a ser lido: “O cachorro canibal.” A professora pergunta para a turma o que é canibal. Eles logo respondem que é quem come gente. A professora inicia a leitura do conto. Os outros alunos acompanham atentamente a leitura. Constantemente, ela para o texto para falar sobre alguma palavra e, a partir delas, abordar algum assunto gramatical: “O que a palavra ‘inimigos’ retoma?” Apenas duas alunas conseguem responder à pergunta. A professora continua dizendo que “[...] quando a gente escreve um texto tem que tomar cuidado para não repetir a mesma palavra.” Eles devem estar atentos a isso para fazer a prova do ENEM.

Em outro momento a professora pergunta “O que significa ter êxito?” “É sinal de sucesso”, diz um aluno. A professora geralmente responde com um “Muito bem, é isso mesmo.”

(Observação feita no dia 7 de novembro, 3º ano B).

A aula prossegue com a solicitação para que os alunos respondam as questões do livro sobre foco narrativo, as quais serão retomadas oralmente. Por meio de atividades como essas, Valquíria e Celeste incutem nos alunos o sentido da história da literatura, tal como é compreendida na escola, e os auxiliam na definição das formas de exploração desses materiais, como interpretação dos sentidos das palavras, informações sobre gêneros literários, dados biográficos sobre autores, etc. No entanto, os estudantes lidam com tais opções de modo problemático:

A gente até fez um trabalho. A gente não aprendeu sobre ele [o Barroco], a gente teve que fazer um trabalho sobre ele. (Manuela).

[....] eu sei que [o Barroco] é um movimento artístico que foi construído no Brasil, tipo um patrimônio histórico, e é o que eu lembro. (Carolina).

Nota-se um conflito entre a representação docente, nutrida pela história do ensino da disciplina e pela cultura escolar, segundo a qual a literatura é um patrimônio a ser incorporado, e as representações dos estudantes:

[Não gosta da leitura escolar] porque tem que ler, pra mim eu acho que isso é chato [...] eu não gosto de ler história, assim, eu gosto de ler livros. (Amanda).

Ah, igual o livro... livro não, principalmente texto. Eu tô lendo aquilo, aí fala que Afrodite não sei o quê. Eu ouvi falar, todos os professores falam, mas eu não sei se é verdade ou não. Não tem aquilo que comprova que aquilo aconteceu. (Manuela).

As estudantes acima mencionadas resistem a se aproximar da literatura baseada na sequência histórica, ou mesmo distante do conteúdo literário próprio à relação escritural com os conteúdos de ensino atrelados à forma escolar (LAHIRE, 2008)LAHIRE, Bernard. La raison scolaire: école et pratiques d’écriture, entre savoir et pouvoir. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2008.. A representação da literatura, para elas, tem outros sentidos:

Ah, eu adorava, eu gostei do Patativa do Assaré. Adorei a poesia dele, que era uma poesia simples, do interior. Como eu sou do interior, eu me identifiquei [risos], achei lindas. Eu não o conhecia. Aí um dia ela [a professora] mandou a gente pesquisar [...] eu falei para ela: “Gente, eu amei esse cara!” (Cláudia).

Livros legais, que chamem a atenção, embora você não goste de ler, para a nossa idade, é bom que uma coisa tenha ação, quando os caras entram lá, então, tipo, é uma coisa que chama a atenção. (Carolina).

Os depoimentos anteriores indicam que, apesar dos alunos resistirem, em alguns casos, a certos autores e livros presentes no cânone escolar, o que os distancia das propostas pedagógicas pauta-se no entendimento diverso do que seria, por exemplo, uma ficção. Para eles, o conteúdo literário é compreendido como razão de entretenimento, evasão e reconhecimento. Quando a literatura lhes é apresentada em sua função histórica, a possibilidade de identificação e engajamento com seu conteúdo torna-se problemática. Nesse sentido, as opções e formas de mobilização das atividades escolares parecem acentuar tais desentendimentos.

Nos exemplos anteriores, por meio de exercícios que envolviam a leitura silenciosa, escrita e conversas em voz alta, as docentes mobilizaram os conteúdos literários e suas formas de interpretação escolar. Observamos, no entanto, que as atividades não produziam nexos entre as representações docentes e discentes acerca da leitura de obras literárias e os sentidos escolares. Em geral, as professoras esperavam que os alunos partissem sozinhos para a resolução das questões, desconsiderando o distanciamento entre os pressupostos contidos nelas e o que os alunos representavam como literatura, em termos mais amplos, e literatura escolar, de modo particular. Dito isso, as atividades parecem ser suficientes para instaurar certos valores associados ao ensino de literatura, como a constituição de um patrimônio literário, as formas escolares de análise, entre outros. Contudo, todos esses espaços não parecem ser preenchidos pelos alunos e, como bem afirma Stéphane Bonnéry (2007)BONNÉRY, Stéphane. Comprendre l’échec scolaire: élèves en difficultés et dispositifs pédagogiques. Paris: La Dispute, 2007., eles perdem, pouco a pouco, o sentido de sua presença em sala de aula, o que se revela mais problemático no caso de alunos cujas práticas culturais são distantes daquelas valorizadas pela escola. Observa-se, além disso, que o pilar que estrutura a legitimidade escolar do conteúdo literário varia entre as posições docentes e discentes, pois as primeiras baseiam-se no valor da literatura por ela mesma, enquanto patrimônio e forma artística, ao passo que os alunos afirmam a legitimidade da ficção com base na possibilidade de evasão, entretenimento e circunstâncias de identificação com suas vidas.

Soma-se a tal desacordo o papel exercido pelos documentos curriculares. Ao discorrer sobre organização de suas aulas, as professoras entrevistadas contam que os Parâmetros Curriculares Nacionaisexercem muita influência em seu trabalho. Conforme dito acima, ambas iniciaram a carreira em 1990, no contexto de implementação dos parâmetros curriculares e, em razão disso, participaram de formações em serviço e de discussões que resultaram na apropriação das ideias desse documento de maneira privilegiada. Além disso, percebe-se a presença dos livros didáticos no planejamento das aulas. Valquíria organizava as aulas de acordo com o ordenamento do volume Viva português: ensino médio, de Elizabeth Campos, Paula Marques Cardoso e Sílvia Letícia de Andrade (2010)CAMPOS, Elizabeth; CARDOSO, Paula Marques; ANDRADE, Silvia Letícia de. Viva português: ensino médio. São Paulo: Ática, 2010., ao passo que Celeste recorria às reproduções de livros didáticos variados, disponíveis na escola. A partir desses fragmentos, as docentes compunham um mosaico que sustentava suas aulas. A questão que se coloca, no entanto, refere-se ao modo como as referidas docentes foram se apropriando, ao longo das décadas, das mudanças curriculares relacionadas à função da literatura nas escolas.

Os documentos constituem uma representação do sentido da literatura que buscou lidar com as ampliações dos sistemas de ensino. De acordo com a fértil imagem produzida por Miriam Schröder (2013)SCHRÖDER, Miriam. O ensino de língua portuguesa nas páginas do livro didático. Revista Trama, Cascavel, v. 9, n. 18, p. 193-208, 2013., na década de 1960 ocorreu uma transformação no ensino da literatura, na qual a preocupação com o estudo da literatura foi substituída pelo ensino de seus usos. Dado que o ensino secundário esteve, por muito tempo, endereçado à formação das elites, objetivando transmitir o que se considerava cultivo literário e desinteresse dos estudos, as modificações empreendidas no contexto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961 desarticularam tais sentidos ao valorizar a especialização, a formação para o trabalho e o utilitarismo (SOUZA, 2009)SOUZA, Rosa Fátima de. A renovação do currículo do ensino secundário no Brasil: as últimas batalhas pelo humanismo (1920-1960). Currículo sem Fronteiras, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 72-90, 2009..

Tais tendências estruturaram o ensino de literatura e acentuaram as funções expressivas da linguagem. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (BRASIL, 2000)BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília, DF: MEC, 2000., largamente citados por Valquíria e Celeste, destacaram a literatura em sentido comunicativo associado a um nível de ensino entendido como um “espaço de exclusão a ser superado” (BRASIL, 1999)BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CEB/CNE nº 15/98, de 01 jun. de 1998. In: BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio: bases legais. Brasília, DF: MEC, 1999, p. 46-100.. A literatura, em si, teve pouca centralidade no documento, prevalecendo a noção de texto enquanto unidade de comunicação e expressão social. Pode-se entender as orientações curriculares para o ensino médio (BRASIL, 2006)BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. SEB. Orientações curriculares nacionais: ensino médio. Literatura. Brasília, DF: MEC, 2006. como um ponto de inflexão nessa tendência a privilegiar a dimensão comunicativa da língua em favor da valorização da literatura como obra de arte a ser reconhecida como tal. Observa-se, em consequência disso, a construção de impasses em torno do sentido escolar do ensino de literatura conforme grupos sociais cada vez mais amplos ocupam seu interior. No que se refere à posição docente, em face da necessidade de produzir sentidos ao ensino de literatura por meio da articulação de fragmentos advindos de materiais didáticos, que tendiam a reforçar o ensino da história da literatura como patrimônio, e os documentos que enfatizavam ora o caráter expressivo da linguagem, ora sua função estética, Valquíria e Celeste acabaram produzindo consensos no cotidiano escolar valendo-se de seu habituscultural.

Os exemplos trazidos até aqui evidenciam que os conflitos em torno da legitimidade da literatura na escola se dão por meio de pequenos mal-entendidos no decorrer das aulas.

No entanto, a persistência desses pequenos embates gera um clima de tensionamento que eclode em disputas mais diretas em torno da questão. Tal é o caso da situação registrada no Diário de campo, quando a professora Celeste conversa com os estudantes após a leitura do conto “O amor por entre o verde”, de Vinícius de Moraes:

Nesse momento, um aluno fala: “ele está olhando os brotos”. A professora aproveita e fala que isso ajuda a saber a idade do narrador. Ela pergunta para os alunos como é possível saber disso. Alguns alunos afirmam que hoje em dia ninguém mais fala isso. A professora pergunta: “Se fosse hoje, que palavra o autor usaria?”. Os alunos ficam mais agitados e um aluno diz “novinho e novinha”, recebendo todo o apoio dos colegas de sala. No mesmo momento a professora diz que não, pois “novinho e novinha não é gíria, é um adjetivo”. Os alunos não se convencem da resposta e começam a discutir entre eles e o barulho de fala aumenta. De repente uma aluna fala “gatinhos”, termo aceito pela professora.

(Observação feita no dia 31 de novembro, 3º ano B).

A professora sanciona de maneira direta uma palavra utilizada frequentemente em músicas atreladas ao funk, uma influência relevante entre os estudantes. Desse modo, a passagem anterior é representativa de uma operação constante no interior das aulas, e que consiste na manutenção desses elementos da vida estudantil como um borrão sobre um emaranhado de significados já definidos pela escola. Assim, apesar da pressão que a cultura de referência dos alunos exerce, ela é pouco referida, o que potencializa os conflitos escolares e, ao mesmo tempo, pressiona as opções curriculares e as práticas de ensino. As tensões em torno do que seria a interpretação legítima ganha espaço aqui e emerge por meio dos sentidos construídos neste ambiente tenso. É significativo pensar que ao longo das aulas efetiva-se uma matriz socializadora possível na direção da leitura de obras literárias (LAHIRE, 2008)LAHIRE, Bernard. La raison scolaire: école et pratiques d’écriture, entre savoir et pouvoir. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2008., marcada pelas negociações diante de representações de leitura por vezes contrastantes e dos objetivos formativos escolares utilizados pelas professoras ao amalgamarem referências de livros didáticos e de currículos. A sala de aula parece funcionar como um palimpsesto, no qual os sentidos da literatura, legitimados no passado, parecem ser borrados e embaralhados no presente pelas práticas de leitura estudantis 4 4 Outros desdobramentos da questão podem ser encontrados em Amparo (2021). . Consequentemente, a decifração do conteúdo que o novo texto pode oferecer torna-se difícil.

As práticas de leitura das professoras e dos alunos: proximidades e distanciamentos recíprocos

Podemos pensar com Lucrécia D’Aléssio Ferrara (1993)FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Sala de aula: espaço de uma experiência. Margem, São Paulo, n. 2, 1993. que os professores têm o papel de conferir totalidade ou coesão às aulas ao funcionarem como emblemas que articulam, a partir de suas referências culturais e trânsito pela linguagem, o cotidiano das aulas. Para isso, cabe às docentes gerir cotidianamente uma sala de aula em que representações de leitura contrastantes estão em ação. Uma vez que o habituscultural das entrevistadas tem características que as distanciam das referências culturais escolares, são muitos os desafios enfrentados por ambas:

Jornais, livros, tudo quanto é coisa que, Capitães de areia, eu ficava observando ele [pai] ler Capitães de areia, eu vi qual mais que ele já leu, ele falava muito do Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, aí tinha essas coisas lá, tinham muitos clássicos assim, muitos livros clássicos lá, sempre na estante lá para a gente [...] Ele comprava, comprava, tinha coleção assim de jornaleiros, né... (Valquíria).

A banca de jornal e sua organização tornou-se um espaço privilegiado de acesso à cultura escrita, apesar de sua desvalorização como espaço de acesso à cultura legitimada pela escola. No caso das professoras, observa-se não apenas o acesso aos objetos literários, mas também o modo como sua lógica de organização da linguagem literária torna-se familiar entre as práticas de leitura das docentes, que a tomam como referência de atuação profissional.

Além disso, as professoras indicam uma aproximação entre os repertórios oral e escrito, recorrendo a eles sempre que eram perguntadas a respeito de suas referências literárias durante as aulas ou mesmo quando ensinavam aspectos próprios à escrita, o que revela um capital importante para as duas (BAUTIER; ROCHEX, 1998)BAUTIER, Élisabeth; ROCHEX, Jean-Yves. L’experience scolaire des nouveaux lycéens: démocratisation ou massification? Paris: Armand Colin, 1998.. As experiências de ensino mais significativas registradas durante as aulas foram aquelas em que as professoras resgataram tais memórias como elementos de trabalho. A título de exemplo, é possível mencionar uma das aulas em que Celeste cantou Eu sei que vou te amarcom os alunos após a leitura do Soneto da fidelidade, de Vinícius de Moraes, na sequência da aula em que discutiram O amor por entre o verde:

Eles se lembram do nome, mas não se lembram exatamente do que conhecem. Uma aluna do fundo da sala se lembra da Garota de Ipanema. A professora confirma que é uma música dele e começa a declamar o início do Soneto da Fidelidade.

De tudo, ao meu amor serei atento antes

E com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento

A seguir a professora passa a cantar Eu sei que vou te amar, sendo seguida por alguns alunos, que cantam com a professora. Um dos alunos diz: “Cálice”, para os colegas que estão cantando com ela.

Eu sei que vou te amar

Por toda a minha vida eu vou te amar Em cada despedida eu vou te amar

Desesperadamente

Eu sei que vou te amar

(Observação feita no dia 31/10/2014, 3º ano B).

Ao serem entrevistados, os alunos reafirmaram a importância desse dia. No entanto, assim como foi mencionado anteriormente a respeito dos estudantes, notamos que as referências culturais das professoras também ficaram de lado ou em espaço marginal durante as aulas. Não foi possível observar algo semelhante nas aulas de Valquíria. As docentes mantêm relação ambígua com a prática de leitura densa de experiências positivas atreladas ao espaço familiar, pois conforme acessaram o ensino superior e se prepararam para a docência, passaram por experiências de formação que desvalorizavam tais experiências culturais em favor de uma relação objetiva e distanciada com a literatura. A esse respeito, Celeste mencionou em uma de suas aulas:

Sim, ela fazia tudo e eu me lembro assim, da 1ª aula de literatura ela falava: estou muito triste, ela falou assim quando inaugurou a 1ª aula dela, foi a 1ª aula que eles dão tudo que eles têm. Eu lembro que ela falou assim: estou muito triste hoje, eu vou destruir literatura para vocês. Todo mundo: por que Maria Lúcia? Ah, porque agora vamos olhar a literatura do avesso. (Celeste).

A professora sugere que em seu processo de formação profissional passou por uma situação de desarticulação de suas relações com a literatura em favor da prática escolarizada, algo que se deu não sem conflitos. Em um estudo sobre professores de português de São Paulo, Gabriela Rodella de Oliveira (2008)OLIVEIRA, Gabriela Rodella de. O professor de português e a literatura: relações entre formação, hábitos de leitura e prática de ensino. 2008. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. nos revela que tal situação é de certo modo comum, ao assinalar que as experiências de formação universitária do grupo pesquisado não permitem apropriação autônoma do conteúdo literário. No entanto, a representação docente atribuída ao ensino de literatura tensiona o ideal escolar e suas trajetórias formativas:

[...] eu sempre fui encantada com história, eu gosto muito de história, eu gosto muito de contar história, gosto muito de ouvir história, então, gosto dos cronistas, gosto de histórias curtas, gosto de histórias motivadoras, histórias que apontem para uma coisa mais iluminada da vida mesmo. (Celeste).

Eu acho que é fazer com que eles fiquem, sensibilizar, né, sensibilizar assim, não ficarem pessoas tão mecânicas, pessoas que olhem, como se fala, saibam olhar com mais cuidado as coisas, a vida. Tem a, como se fala, o mesmo gosto que eu tive e a mesma sensibilidade que eu desenvolvi, que eles têm também a mesma oportunidade que eu [...] é, para ele enxergar, assim, não ver uma rua ou então não conseguir observar se é uma pessoa idosa querendo atravessar a rua, ter uma visão de mundo. (Valquíria).

A despeito de organizarem práticas de ensino que reforçam a literatura como patrimônio histórico, quando se sentem mais à vontade para falar dos sentidos da literatura em suas vidas, as professoras entrevistadas recorrem às ideias de identificação, motivação e certa humanização. Elas próprias, assim, vivenciam um dilema em torno do que deve legitimar sua ação docente: o sentido escolar ou os sentidos constituídos em sua formação. Diante desse conflito, pouco explicitado, as tentativas problemáticas de experiências de ensino que conhecem são atribuídas aos alunos, entendidos como despreparados ou como pessoas alheias ao jogo escolar. Ao falar de seus alunos adolescentes, Valquíria salienta que eles “[...] não têm a cultura de leitura. A família não tem a cultura de leitura. A maioria dos brasileiros é muito visual, gosta muito de televisão, então não está incutido esse negócio de leitura”. Como será visto a seguir, essa afirmação pode ser tensionada quando observamos as práticas de leitura dos estudantes. De sua parte, assim Celeste compreende seus alunos:

[...] O problema do EJA é esse: eles chegam cansados, eles não querem nada que seja difícil, nada que peça muito raciocínio, eles não querem nada disso. (Celeste).

Nota-se que, no espaço escolar, os estudantes parecem ser classificados apenas como leitores pouco proficientes ou simplesmente não leitores. Um olhar mais atento às práticas de leitura dos estudantes, todavia, contradiz essa representação e nos aponta mais uma circunstância de embate entre as práticas familiares e escolares de leitura. É no jogo escolar que os estudantes são entendidos segundo as lógicas de classificações positivas ou negativas, a partir de padrões de excelência ou fracasso construídos em seu interior (AZANHA, 1990/1991)AZANHA, José Mário Pires. Cultura escolar brasileira: um programa de pesquisas. Revista USP, São Paulo, n. 8, p. 65-69, 1990/1991.. Assim como as professoras, os alunos adultos e adolescentes adquirem livros, revistas e fascículos em sebos, bancas de jornal, livrarias localizadas em shopping centerse por empréstimos entre amigos e conhecidos. Podemos citar como exemplo o caso de Margarida:

Mas quando a gente vai no shopping, a gente sempre passa na livraria para ver os livros... Aí, quando a minha mãe deixa, a gente compra um livro. Ela deixa a gente escolher um livro, aí a gente pega e escolhe. (Margarida).

Mas eu vou mais em banca de jornal, assim sabe? Para comprar revista. (Margarida).

As possibilidades de acesso aos bens culturais são potencializadas pelos locais de circulação dos alunos, adultos ou adolescentes, especialmente no caminho que leva à escola ou ao trabalho e nos passeios aos finais de semana. Roger Chartier (1999)CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília, DF: UnB, 1999. salienta que os aprendizados da leitura também ocorrem entre os grupos de pertencimento das pessoas, promovendo práticas que estreitam vínculos sociais e subjetividade das pessoas:

Ela [mãe] vai pra me levar, pra me acompanhar e pra dar opção de qual livro eu devo levar ou não! [...] Ela falou assim: “você que tá lendo, você escolhe”. Mas às vezes eu sou meio indecisa também de qual devo levar, aí minha mãe me ajuda a escolher. [...] ela lê o resumo aqui [aponta para a quarta capa do livro que seguro], que mostra o que acontece. Ela vê o autor, tipo quem é e fala assim: “eu acho que você tem que levar esse, parece mais com você. Você tem que levar esse”. (Manuela).

A prática de leitura nos círculos familiares faz com que estruturem representações por meio das quais os estudantes, em sala de aula, se apropriem das iniciativas escolares. A presença da cultura funk, de suportes como celular, revistas voltadas para um público jovem (como Todateen), livros presentes no cânone escolar, publicações indicadas por booktubers 5 5 Booktubers são influenciadores digitais que mantêm páginas virtuais nas quais tratam de livros, sejam estes lançamentos ou clássicos. Alguns influenciadores divulgam livros de editoras estabelecidas, ao passo que outros vendem seus próprios títulos. e os bestsellerscompõem o universo de leitura dos alunos:

Então, meu escritor predileto é o Rick Riordan, que é o de Percy Jackson, o Nicholas Sparks e o John Green…. Esse Rick Riordan, eu sou apaixonada nesse Percy Jackson. Meu livro preferido, o Percy Jackson. John Green, A culpa é das estrelas. (Aline).

A professora exerce o papel de sancionar essa dimensão da cultura familiar para os estudantes:

Sim. Harry Potter, né? Que eu não li, uma história que não me interessa, mas eu já li bastante texto de Harry Potter porque é o que eles gostavam, era o que eles queriam. Deixo eles me contarem, sabe? Deixo muito eles me contarem. “Mas o que é que você está lendo?” Essa última classe que eu tive, eles eram, a maior parte deles liam. Quando eles terminavam a tarefa “Ah, posso ler, professora?” Eles tinham os livros deles. Não era nada do que eu tinha pedido. Eu tinha pedido para eles lerem esse ano só O diário de Anne Frank. (Celeste).

Tais suportes, no entanto, são interditados no ambiente escolar e, como resultado, a despeito da presença marcante dos variados objetos de leitura dos estudantes, de sua circulação pelo universo da cultura letrada, do celular e suas práticas de leitura e de escrita, tais elementos são invisíveis para as professoras ou considerados ilegítimos. Acompanhamos, assim, a hierarquização de referências culturais no interior da escola, segundo suas formas de classificação (ZAFFRAN, 2006)ZAFFRAN, Joël. La discipline et la régularité à l’école républicaine et à l’école démocratique de masse. Éducation et Sociétés, Paris, v. 17, n. 1, p. 141-158, 2006..

Consequentemente, aos poucos os alunos passam a se afirmar como não leitores ou leitores pouco proficientes: “Eu não sei falar da minha leitura” (Aline). Esse efeito formativo se instaura conforme as práticas de ensino fixam um arbítrio cultural, porém geram poucas formas de apropriação criativa dos saberes escolares associados à leitura para que os alunos – e mesmo as professoras – possam se entender como capazes de criar a partir deles.

Considerações finais

O início deste artigo fez referência à multiplicidade de interpretações acerca da leitura de obras literárias na escola, algumas delas enfatizando o desinteresse dos estudantes e, outras, valorizando o livro na escola e na sociedade. A busca por diálogo com tais questões levou-nos a investigar os conflitos que atravessam o cotidiano de professores e alunos na constituição de uma legitimidade escolar de obras literárias. A observação dos mal-entendidos nos embates entre representações de leitura contrastantes, práticas de ensino que envolvem o conteúdo literário, valorização de autores e proibição de outros, apontou para disputas e conflitos persistentes em torno do tema investigado.

Os desentendimentos revelam tensionamentos em torno de uma certa relação com os saberes escolares, organizados segundo a lógica escritural de modo objetivado, externalizado e desincorporado (LAHIRE, 2008)LAHIRE, Bernard. La raison scolaire: école et pratiques d’écriture, entre savoir et pouvoir. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2008.. Assim, as professoras selecionam práticas de ensino, exercícios e textos ficcionais que emulam tais formas de relação com o conhecimento. No entanto, como primeiro eixo de conflitos, a representação da literatura como patrimônio literário é questionada pelos estudantes em favor de uma imagem constituída por eles em seus espaços familiares. Para os estudantes, literatura é entretenimento, evasão e ocasião de identificação. Simultaneamente, os documentos curriculares e materiais didáticos, tomados pelas professoras como mosaicos, articulam sentidos contrastantes dos livros ficcionais na escola. Como foi observado pela descrição das práticas de leitura de estudantes e professoras, essa forma escolar de organização do saber literário funciona como um palimpsesto, no qual eles não conseguem engajar suas representações constituídas no mundo familiar como disposições férteis para a apropriação dos saberes escolarizados. Assim, a legitimidade escolar da literatura enquanto objeto de admiração e valor em si não se sustenta e, simultaneamente, a base da legitimidade constituída nas experiências de socialização familiar de professoras e alunos também não é acolhida, gerando o ambiente escolar conflituoso que a pesquisa registrou.

Ao retomar a epígrafe deste artigo, podemos pensar com Pierre Bourdieu (2014)BOURDIEU, Pierre. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: UFSC, 2014. que a escola é uma instituição em que, ao se engajarem nos estudos, os alunos podem se produzir como pessoas capazes de produzir a partir da linguagem literária, de acordo com as diferentes disposições do saber escolar. Como o artigo demonstrou, as relações com a linguagem, de modo geral, e com a linguagem literária, em particular, são estruturantes da escolarização e, por isso, fundamentais na formação dos estudantes. Ressaltamos, neste sentido, a necessidade de se pensar de que maneira seria possível o acolhimento de práticas culturais de todos os estudantes enquanto elemento constitutivo de seu ideal formativo.

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  • ZILBERMAN, Regina. A leitura e o ensino de literatura. São Paulo: Contexto, 1988.
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    De modo a preservar a identidade das instituições de ensino, das professoras e dos alunos, recorremos, aqui, a nomes fictícios. No que se refere especificamente às escolas, optou-se pelos títulos de livros mais referidos pelos alunos durante as entrevistas. Ressalta-se, ainda, que todos os procedimentos éticos foram seguidos durante a investigação.
  • 3
    Outras informações acerca do campo literário podem ser encontradas em Bourdieu (1996)BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996..
  • 4
    Outros desdobramentos da questão podem ser encontrados em Amparo (2021)AMPARO, Patrícia Aparecida do. Práticas de leitura em conflito no cotidiano escolar. Curitiba: Appris, 2021..
  • 5
    Booktubers são influenciadores digitais que mantêm páginas virtuais nas quais tratam de livros, sejam estes lançamentos ou clássicos. Alguns influenciadores divulgam livros de editoras estabelecidas, ao passo que outros vendem seus próprios títulos.

Editora:

Marília Pinto de Carvalho

Patrícia Aparecida do Amparo

é docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Mestre (2012) e Doutora (2017) em educação pela mesma instituição. Realizou estágio doutoral na Universidade Lumière Lyon 2, em Lyon, na França. Coordena grupo de estudos sobre práticas de leitura e formação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Jan 2021
  • Revisado
    06 Abr 2021
  • Aceito
    11 Maio 2021
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