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Determinantes da estrutura de capital das companhias abertas na américa latina: um estudo empírico considerando fatores macroeconômicos e institucionais

Determinants of capital structure of publicly-traded companies in latin america: an empirical study considering macroeconomic and institutional factors

Resumos

Pesquisas recentes têm evidenciado que os fatores específicos dos países, como os ambientes legal, institucional e econômico, influenciam a estrutura de capital das empresas. O presente estudo investiga os determinantes da estrutura de capital, utilizando painel de dados, para uma amostra de 388 empresas pertencentes às sete maiores economias da América Latina (México, Brasil, Argentina, Chile e Peru), no período 2001-2006. A partir de seis indicadores do nível de endividamento, foi evidenciado que os fatores específicos da firma - liquidez corrente, rentabilidade, market to book value e tamanho - apresentam os resultados mais significantes. A teoria do pecking order é a que melhor explica os resultados obtidos. Os resultados para os fatores macroeconômicos e institucionais não foram tão robustos, exceto para as variáveis crescimento do PIB, e em menor grau para as proxies sobre relevância do mercado de capitais, carga fiscal e tempo de abertura de um novo negócio.

Estrutura de capital; Dados em painel; América Latina; Fatores específicos da firma; Fatores macroeconômicos e institucionais


Recent researches have been evidenced that specific country factors, as legal, institutional and economical environments influence the capital structure of the companies. The present study investigates the determinants of capital structure using panel data, for a sample of 388 companies belonging to the seven larger economies of Latin America (Mexico, Brazil, Argentina, Chile and Peru), in the period 2001-2006. Starting from six indicators of leverage ratio, it was evidenced that the firm-specific factors: current liquidity, profitability, market to book value and size, present the most significant results. The theory of pecking order seems to be the one that best explains the obtained results. The results for macroeconomic and institutional factors were not so robust, but for the variable GDP growth, and at a lower degree for proxies about the relevance of the stock market, fiscal load and time of opening of a new business.

Capital structure; Panel data; Latin America; Firm-specific factors; Macroeconomic and institutional factors


Determinantes da estrutura de capital das companhias abertas na américa latina: um estudo empírico considerando fatores macroeconômicos e institucionais

Determinants of capital structure of publicly-traded companies in latin america: an empirical study considering macroeconomic and institutional factors

Douglas Dias BastosI; Wilson Toshiro NakamuraII; Leonardo Fernando Cruz BassoIII

IMestre em Administração de Empresas pelo Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Professor do Departamento de Administração da Faculdade Santa Marcelina. Rua Cachoeira Utupanema, 40, Itaquera - São Paulo - SP - Brasil - CEP 08270-140 E-mail: dobastos@uol.com.br

IIDoutor em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Rua da Consolação, 930, Consolação - São Paulo - SP - Brasil - CEP 01302-907 E-mail: wtnakamura@mackenzie.com.br

IIIDoutor em Economia pelo Departament of Economics da New School of Social Research, EUA. Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Rua da Consolação, 930, Consolação - São Paulo - SP - Brasil - CEP 01302-907 E-mail: leonardobasso@mackenzie.com.br

RESUMO

Pesquisas recentes têm evidenciado que os fatores específicos dos países, como os ambientes legal, institucional e econômico, influenciam a estrutura de capital das empresas. O presente estudo investiga os determinantes da estrutura de capital, utilizando painel de dados, para uma amostra de 388 empresas pertencentes às sete maiores economias da América Latina (México, Brasil, Argentina, Chile e Peru), no período 2001-2006. A partir de seis indicadores do nível de endividamento, foi evidenciado que os fatores específicos da firma - liquidez corrente, rentabilidade, market to book value e tamanho - apresentam os resultados mais significantes. A teoria do pecking order é a que melhor explica os resultados obtidos. Os resultados para os fatores macroeconômicos e institucionais não foram tão robustos, exceto para as variáveis crescimento do PIB, e em menor grau para as proxies sobre relevância do mercado de capitais, carga fiscal e tempo de abertura de um novo negócio.

Palavras-chave: Estrutura de capital; Dados em painel; América Latina; Fatores específicos da firma; Fatores macroeconômicos e institucionais.

ABSTRACT

Recent researches have been evidenced that specific country factors, as legal, institutional and economical environments influence the capital structure of the companies. The present study investigates the determinants of capital structure using panel data, for a sample of 388 companies belonging to the seven larger economies of Latin America (Mexico, Brazil, Argentina, Chile and Peru), in the period 2001-2006. Starting from six indicators of leverage ratio, it was evidenced that the firm-specific factors: current liquidity, profitability, market to book value and size, present the most significant results. The theory of pecking order seems to be the one that best explains the obtained results. The results for macroeconomic and institutional factors were not so robust, but for the variable GDP growth, and at a lower degree for proxies about the relevance of the stock market, fiscal load and time of opening of a new business.

Keywords: Capital structure; Panel data; Latin America; Firm-specific factors; Macroeconomic and institutional factors.

1 INTRODUÇÃO

A moderna teoria de estrutura de capital surgiu com o célebre trabalho de Modigliani e Miller (1958), em que os autores (M&M) apontaram na direção de que, em certas condições, a forma de financiamento das firmas é irrelevante. Desde então, diversas pesquisas sobre o tema foram conduzidas, tendo como ponto de partida as conclusões de M&M.

Os determinantes da estrutura de capital não estão restritos apenas aos fatores específicos das firmas. Como fatores específicos da firma, incluem-se, entre outros, nível de tangibilidade, tamanho, rentabilidade, risco, oportunidades de crescimento, nível de imposto de renda, benefícios fiscais. Cada um desses fatores pode ser considerado um determinante da estrutura de capital, porém seu comportamento pode variar de acordo com o referencial teórico abordado. Entretanto, outros fatores podem ou devem influir no nível de endividamento das firmas, como o ambiente no qual a firma está inserida.

A partir do fim dos anos 1990, tem surgido uma série de estudos que analisam a influência institucional (Law and Politics) sobre o desempenho financeiro das firmas, o que propiciou o surgimento de uma nova área do conhecimento denominada Law and Finance. Entre os estudos mais relevantes, destacam-se Demirgüç-Kunt e Maksimovic (1998) e La Porta et al. (1998). Para Demirgüç-Kunt e Maksimovic (1998), a literatura sobre finanças corporativa tem evidenciado que as imperfeições de mercado, causadas pelos conflitos de interesses entre os agentes econômicos, bem como a assimetria de informações entre gestores e investidores, limitam o potencial de investimento das firmas. A magnitude dessas imperfeições depende, em parte, da efetividade do sistema legal e financeiro dos países, implicando haver diferenças sistemáticas entre os países, e consequentemente, impactando a maneira como as firmas obtêm financiamentos para seus projetos de investimentos.

Por conta da influência ambiental sobre o desempenho das firmas, tem-se observado um maior número de estudos teóricos e empíricos que consideram não apenas empresas de um único país, mas também empresas de um bloco de países (RAJAN; ZINGALES, 1995; WALD, 1999; BOOTH et al., 2001; JONG; KABIR; NGUYEN, 2007; TERRA, 2007). Assim, a tendência já verificada é expandir os estudos sobre os determinantes de estrutura de capital para empresas de blocos de países, a fim de encontrar evidências da influência ambiental sobre a estrutura de capital de firmas de um determinado país. As variáveis predominantemente utilizadas nesses estudos são macroeconômicas e institucionais.

O presente estudo, portanto, analisa os determinantes da estrutura de capital de companhias abertas da América Latina, levando-se em conta os fatores específicos da firma, bem como os fatores macroeconômicos e institucionais de cada país. O estudo compreende o período entre 2001 e 2006, à luz de três teorias sobre estrutura de capital: teoria do trade off, do pecking order e de agência. Os países que compõem o estudo estão entre as sete maiores economias da América Latina, mensuradas pelo PIB nominal de 2005, em dólares. São eles em ordem decrescente do PIB: México, Brasil, Argentina, Chile e Peru. Esse grupo de países representa 76% do PIB da América Latina (Dados do Banco Mundial - 2005).

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Dentre os assuntos abordados pela teoria de finanças corporativas, a parte sobre estrutura de capital é um dos mais complexos e polêmicos. Não obstante haver uma série de pesquisas teóricas e empíricas, tal assunto não possui uma resposta pronta e unânime sobre qual é a melhor ou mais adequada estrutura de capital para uma organização (MYERS, 1984; BRADLEY; JARRELL; KIM, 1984; TITMAN; WESSELS, 1988; RAJAN; ZINGALES, 1995; HOVAKIMIAN; OPLER; TITMAN, 2001; NAKAMURA et al., 2007).

Damodaran (2004) cita cinco variáveis que explicam o nível de endividamento de uma empresa: alíquota de impostos marginais, separação da propriedade e da administração, variabilidade nos fluxos de caixa operacionais, dificuldade dos titulares de dívidas em monitorar as decisões, os investimentos e o desempenho da empresa, e necessidade de flexibilidade.

2.1 TEORIA DO TRADE OFF

Essa corrente teórica chamada de trade off ou contrabalanço acredita haver uma estrutura ótima de capital (uma combinação ótima de capital próprio e capital de terceiros) capaz de maximizar o valor da empresa.

De acordo com a teoria do trade off, as empresas buscam um ponto ótimo de endividamento considerando tanto o benefício fiscal como os custos de dificuldades financeiras. Diante disso, considera-se o valor da empresa composto por três partes: 1. valor da empresa desalavancada (financiada completamente por capital próprio) mais o 2. valor do benefício fiscal (juros da dívida que propiciam dedução do imposto de renda) menos o 3. calor das dificuldades financeiras (custos diretos e indiretos de falência e custos de agência) (BREALEY; MYERS; ALLEN, 2006).

Myers (1984) analisa a teoria do trade off mostrando que, à medida que a empresa vai elevando seu endividamento, vai ampliando, também, seu benefício fiscal, o que leva a empresa a aumentar seu valor. Entretanto, conforme aumenta-se o endividamento, aumentam-se também os custos de dificuldades financeiras. Portanto, para essa teoria, a empresa deve ir mensurando os impactos do benefício fiscal e das dificuldades financeiras, de tal modo que atinja um ponto de endividamento que maximize o valor da empresa.

Em um estudo relevante sobre o tema, Bradley, Jarrell e Kim (1984) encontraram uma relação inversa entre risco (variabilidade da receita operacional) e gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D) com o endividamento. Outras conclusões importantes consistem no relacionamento positivo entre benefício fiscal não relativo à dívida e índice de endividamento e na forte influência da composição média de estrutura de capital da indústria sobre a estrutura de capital das empresas. Para Titman e Wessels (1988), as empresas "únicas", ou seja, possuidoras de ativos específicos, que podem impor altos custos a seus clientes e fornecedores, possuem baixos índices de endividamento. O que explica tal situação é a presença dos custos de transação, que exercem um importante papel na escolha da estrutura de capital.

Apesar do robusto embasamento teórico, as pesquisas empíricas, de forma geral, divergem quanto aos determinantes da estrutura de capital à luz da teoria do trade off. As variáveis tamanho, tangibilidade, risco e benefício fiscal citadas pela literatura como as mais relevantes não apresentam resultados uniformes.

2.2 TEORIA DO PECKING ORDER

A teoria do pecking order surge com os trabalhos de Myers e Majluf (1984) e Myers (1984) que consideram a empresa como possuidora de ativos já estabelecidos e oportunidades de crescimento, em que a estrutura de capital é função da mudança dos pesos relativos desses dois componentes que formam a empresa. Assim, a empresa deveria utilizar dívidas para financiar esses ativos estabelecidos e ações para financiar novas oportunidades de crescimento. Portanto, a teoria do pecking order (MYERS, 1984) começa a partir da assimetria de informação, na qual os gestores conhecem mais a respeito de oportunidades, riscos e valores da empresa do que os agentes externos a ela.

Para Myers (1984):

1 . As firmas preferem recursos financeiros internos.

2 . As firmas ajustam suas políticas de dividendos às suas oportunidades de investimentos, com o objetivo de evitar mudanças inesperadas no pagamento de dividendos.

3 . O fluxo de caixa gerado, formado por uma política de dividendos rígida, lucratividade variável e oportunidades de investimentos, pode ser maior ou menor que o gasto de capital. Se for maior, a firma liquidará dívidas ou investirá no mercado de títulos de dívida. Se menor, recorrerá ao caixa ou venderá títulos de dívida.

4. Se recursos financeiros externos são requeridos, a firma emite títulos de dívida, isto é, recorre às dívidas, depois aos títulos híbridos e por fim, se necessário, emite ações.

Para essa corrente teórica, não há uma bem definida estrutura de capital, ou seja, não existe um nível ótimo de endividamento para a empresa, ao contrário do que indica a teoria do trade off. Logo, a partir do pecking order, é possível entender por que empresas com alta lucratividade preferem contrair menos dívida. Isso ocorre porque o lucro gerado é utilizado como fonte de financiamento, ao passo que empresas menos lucrativas acabam necessitando de capital de terceiros para financiar seus projetos.

Hovakimian, Opler e Titman (2001) indicam que os lucros passados constituem importante fonte de financiamento, consistente com a teoria do pecking order, entretanto as mudanças no nível de endividamento foram interpretadas pelos autores como uma teoria do trade off dinâmica, pois tais mudanças visam atingir um nível ótimo de endividamento no longo prazo.

Já Frank e Goyal (2003) concluíram que as empresas procuram fortemente levantar fundos externamente, e que tais fundos vêm, na maioria das vezes, na forma de emissão de ações. Os autores também encontraram que os fatores diretamente relacionados à alavancagem financeira, como valor market to book, receita de vendas, lucratividade, total de ativos fixos, não explicavam a estrutura de capital das empresas. Por fim, a teoria do pecking order é motivada pela assimetria de informação e, como tal, estaria alinhada com empresas de pequeno porte que apresentam elevadas oportunidades de crescimento. Contudo, o resultado do estudo mostra o contrário, fazendo que a teoria do pecking order opere melhor para grandes empresas que atuam em ambientes estáveis.

Perobelli e Famá (2003) investigaram os fatores determinantes da estrutura de capital para empresas latino-americanas, tendo como base o trabalho de Titman e Wessels (1988). Os resultados obtidos revelam que os fatores indutores do endividamento variam de acordo com o país. A despeito das diferenças entre os países, todos os casos apresentados parecem indicar a presença da teoria do pecking order, ao revelar que empresas que obtêm mais lucros são menos endividadas.

2.3 TEORIA DOS CUSTOS DE AGÊNCIA

Para Harris e Raviv (1991), a teoria de agência tem sido uma das mais importantes em levantar implicações acerca do financiamento da empresa. Em um trabalho clássico, Jensen e Meckling (1976) propõem entender a empresa como um conjunto de contratos. Um dos direitos contratuais é um direito residual (de participação acionária) sobre os ativos e fluxos de caixa da empresa. Assim, os administradores e os acionistas, se deixados a si mesmos, procurarão agir em defesa de seus interesses próprios. Assim sendo, surgem os custos de agência, oriundos da busca de resolução de conflitos de interesses entre gestores e acionistas.

De acordo com Jensen (1986), uma importante decorrência da teoria de agência está na análise da estrutura de capital, ou seja, a partir de um certo nível de endividamento, uma determinada empresa poderia ter mais oportunidades de crescimento. Ocorre, entretanto, que um fluxo de caixa residual maior pode aumentar o comportamento arbitrário do administrador. Desse modo, o autor defende um maior nível de endividamento, uma vez que obriga os administradores a serem mais eficientes, sem contar que as dívidas reduzem os custos de agência do fluxo de caixa livre, tornando menos arbitrárias as decisões dos administradores. Entretanto, a flexibilidade que a empresa possui ao manter baixos índices de alavancagem financeira é perdida, o que pode comprometer a necessidade de flexibilidade para a tomada de decisões em períodos futuros.

Como bem observa Leland (1998), quando as políticas de investimentos escolhidas para maximizar o valor da empresa são decididas depois da contratação da dívida, os conflitos entre acionistas e credores são intensificados. Por conseguinte, a presença da dívida distorce a mensuração de risco ex post, justamente pela presença dos custos de agência. A solução seria mensurar e classificar as dívidas em uma situação ex ante, isto é, no momento de a empresa solicitar o empréstimo, a fim de que os custos da agência sejam minimizados ou pelo menos estimados com maior precisão.

2.4 A ESTRUTURA DE CAPITAL E A INFLUÊNCIA DOS ASPECTOS INSTITUCIONAIS E MACROECONÔMICOS

Para Rajan e Zingales (1995), a estrutura de capital das empresas depende de quatro fatores principais relacionados às características das empresas:

1. Tamanho: grandes empresas tendem a possuir um nível de endividamento maior.

2. Ativos tangíveis: empresas que possuem altas taxas de ativos fixos em relação aos seus ativos totais apresentam maior nível de endividamento.

3. Lucratividade: empresas mais lucrativas possuem um índice de endividamento menor.

4. Valor de mercado sobre valor contábil: empresas com alto valor de mercado em relação ao valor contábil possuem menor nível de endividamento.

Wald (1999), em um estudo sobre a estrutura de capital das empresas na França, na Alemanha, no Japão, no Reino Unido e nos Estados Unidos, concluiu que, apesar de os fatores específicos das empresas serem similares no nível de endividamento, os fatores institucionais diferem significativamente entre os países. Especificamente, as diferenças surgiram da correlação entre dívida de longo prazo e o risco do negócio, lucratividade e tamanho e crescimento. Tais diferenças podem ser explicadas pela política tributária dos países, problemas de agência, incluindo diferenças nos custos de falência, na assimetria de informações e nos conflitos entre acionistas e credores.

Booth et al. (2001) analisaram a estrutura de capital de empresas dos países em desenvolvimento. Os autores concluíram que as variáveis relevantes que ajudam a explicar a estrutura de capital nos Estados Unidos e na Europa são também relevantes para as empresas de países em desenvolvimento, apesar da grande diferença de fatores institucionais entre os países em desenvolvimento. Os custos de agência e a assimetria de informações exercem um forte impacto nas decisões de financiamento das empresas, muito por conta da fraqueza institucional desses países. De forma geral, os índices de endividamento das empresas de países em desenvolvimento parecem ser afetados pelas mesmas variáveis que impactam o endividamento de empresas de países desenvolvidos. Contudo, existem diferenças sistemáticas, em que fatores específicos do país, como crescimento econômico, taxa de inflação e desenvolvimento do mercado de capitais, afetam, sobremaneira, o endividamento das empresas nos diferentes países em desenvolvimento.

Jong, Kabir e Nguyen (2007) apontaram a importância dos fatores específicos da firma e fatores específicos do país sobre o endividamento de empresas de 42 países. Os resultados indicam que os fatores específicos de estrutura de capital da firma diferem entre os países. Analisando o impacto direto dos fatores específicos dos países, a evidência sugere que proteção aos direitos do credor, desenvolvimento do mercado de capitais e crescimento econômico exercem forte influência sobre a estrutura de capital das empresas. Em relação ao impacto indireto dos fatores dos países, encontram-se evidências sobre aspectos legais, proteção dos acionistas e medidas macroeconômicas. Assim sendo, países com sistema legal eficiente e ambiente econômico estável possibilitam às empresas maior endividamento.

Terra (2007) verificou a influência dos fatores macroeconômicos sobre a estrutura de capital das empresas na América Latina, no período entre 1986 e 2000. Os resultados sugerem que fatores específicos de países, institucionais ou macroeconômicos, embora significativos na explicação da estrutura de capital, não parecem importar decisivamente em tais decisões. Ao contrário de estudos anteriores, documentou-se que o poder explicativo de tais fatores é compensado pelos muito mais importantes fatores específicos de empresas. Dada a evidência obtida na análise de dados em painel, ainda há fatores idiossincráticos desconhecidos que parecem ser decisivos na determinação da alavancagem financeira da empresa.

3 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Este estudo procura identificar quais são os determinantes da estrutura de capital das companhias abertas na América Latina, considerando os fatores específicos das empresas e fatores macroeconômicos e institucionais dos países.

3.1 HIPÓTESES DE PESQUISA

As hipóteses abrangem oito fatores ou atributos específicos das empresas e seis fatores macroeconômicos e institucionais de cada país analisado. Portanto, há dois grupos nos quais as hipóteses estão inseridas:

• Grupo 1: os fatores específicos das empresas foram escolhidos com base em diversos estudos empíricos realizados (BRADLEY; JARRELL; KIM, 1984; TITMAN; WESSELS, 1988; RAJAN; ZINGALES, 1995; BOOTH et al., 2001; BRITO; CORRAR; BATISTELLA, 2007; NAKAMURA et al., 2007) e são apresentados no Quadro 1.

• Grupo 2: para esse grupo, a escolha dos fatores baseou-se em diversos estudos (LA PORTA et al., 1998; DEMIRGÜÇ-KUNT; MAKSIMOVIC, 1998; WALD, 1999; BOOTH et al., 2001; TERRA, 2007; JONG; KABIR; NGUYEN, 2007). Os fatores são apresentados no Quadro 2.



De acordo com Booth et al. (2001), distinguir empiricamente as hipóteses entre as correntes teóricas tem se mostrado uma tarefa difícil. Em muitas situações, o comportamento de uma variável ora pode ser explicado por uma teoria, ora por outra. Também as correntes teóricas são conflitantes em buscar explicações para o comportamento de algumas variáveis.

3.2 FONTE E COLETA DE DADOS

Os dados sobre os fatores específicos das firmas foram coletados diretamente da Economática®, que fornece tanto dados contábeis como de mercado. Portanto, trata-se de dados secundários. Tais dados compreendem as variáveis econômico-financeiras das companhias de capital aberto, com exceção de bancos, companhias de seguro e holdings, em razão das peculiaridades desses setores quanto aos níveis de alavancagem financeira. Os dados anuais são provenientes de balanços patrimoniais, demonstrações do resultado do exercício e informações de mercado disponíveis no próprio banco de dados. Foram eliminadas da amostra empresas que possuíam, em algum momento do período analisado, patrimônio líquido negativo, bem como valores que fugiam ou destoavam da média (outliers). O período de análise compreende os anos de 2001 a 2006, sendo todos os valores contábil-financeiros expressos em dólares americano, a fim de facilitar as comparações.

A amostra é não probabilística, uma vez que a coleta foi intencional, compreendendo 388 companhias abertas das sete maiores economias da América Latina (em ordem decrescente do PIB, em dólares): México, Brasil, Argentina, Chile e Peru.

Os dados relacionados às variáveis macroeconômicas e institucionais foram coletados do site do Banco Mundial, como também do relatório Doing Business do Banco Mundial, do site das Organizações das Nações Unidas (ONU) e dos relatórios econômicos da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal).

3.3 DEFINIÇÃO OPERACIONAL DAS VARIÁVEIS

As variáveis que compõem o presente estudo são apresentadas no Quadro 3.


A escolha das variáveis dependentes procurou abranger, além do endividamento total a valor contábil e de mercado, variáveis que expliquem o endividamento de curto e longo prazos. Essas variáveis são apresentadas nos quadros 4 e 5.



3.4 TRATAMENTO E TESTES ESTATÍSTICOS

Para este estudo, utilizaram-se a técnica econométrica de painel de dados e o software econométrico Gretl, versão 1.7.1.

Um conjunto de dados em painel (ou dados longitudinais) consiste em uma série de tempo para cada membro do corte transversal do conjunto de dados. São conjuntos de dados nos quais as mesmas unidades de corte transversal (N) são acompanhadas ao longo do tempo (T).

Para estimar as regressões referentes aos fatores específicos da empresa para cada país, foi escolhido o modelo de efeitos fixos. Tal modelo leva em consideração as características únicas de cada unidade (empresa) do corte transversal, fazendo variar o intercepto para cada unidade, considerando, no entanto, que os coeficientes angulares são constantes entre unidades. Seus estimadores são obtidos pelos mínimos quadrados ordinários (ordinary least squares - OLS). A escolha desse modelo foi amparada pelo teste de Hausman, que apresentou resultados mais favoráveis ao modelo de efeitos fixos em comparação ao modelo de efeitos aleatórios.

Foram construídas as regressões lineares múltiplas a partir de duas variáveis dependentes (nível de endividamento das empresas): 1. endividamento total contábil (ETC) e 2. endividamento total a valor de mercado (ETM) como função de variáveis independentes relacionadas a variáveis específicas de cada empresa, conforme o modelo a seguir:

onde:

• NEit é o nível de endividamento (variável dependente) para in alavancagem financeira da firma no período tn;

• β1i é a constante específica das empresas de cada país;

• ILCit é a variável independente "índice de liquidez corrente" da empresa em um determinado período;

• TGBit é a variável independente "tangibilidade" da empresa em um determinado período;

• ROAit é a variável independente "rentabilidade do ativo" da empresa em um determinado período;

• MTBit é a variável independente market to book value da empresa em um determinado período;

• OCRit é a variável independente "oportunidade de crescimento" da empresa em um determinado período;

• PIRit é a variável independente "pagamento de imposto de renda" da empresa em um determinado período;

• TAMit é a variável independente "tamanho" da empresa em um determinado período;

• RSCit é a variável independente "risco do negócio" da empresa em um determinado período;

• μit é o elemento de erro combinado da série temporal e do corte transversal.

O modelo econométrico utilizado para estimar a equação de regressão a partir dos fatores específicos da empresa e fatores macroeconômicos e institucionais foi o Pooled. Este modelo trata os dados de forma agrupada, desconsiderando as dimensões de tempo, bem como a heterogeneidade dos indivíduos. O modelo ainda mantém as premissas clássicas da regressão linear múltipla, sendo seus estimadores eficientes e não enviesados, obtidos pelos mínimos quadrados ordinários.

Para minimizar a desconsideração da heterogeneidade dos indivíduos, Greene (2008) propõe o Pooled estratificado, em que os indivíduos são estratificados (agrupados) em função de alguma similaridade. Neste estudo, os indivíduos (empresas) são estratificados por indústria (variável dummy) e país (variável dummy), sendo a referência para indústria o setor manufatureiro e a referência para país o Brasil. Dessa maneira, omitem-se tais referências para evitar a situação de perfeita colinearidade.

Foram construídas as regressões lineares múltiplas a partir das seis variáveis dependentes (nível de endividamento das empresas) como função de variáveis independentes relacionadas a variáveis específicas de cada empresa, variáveis binárias do setor de atividade econômica (indústria), variáveis macroeconômicas e institucionais e variáveis binárias do país de origem, conforme o modelo a seguir:

onde:

• NEit é o nível de endividamento (variável dependente) para in alavancagem financeira da firma no período tn;

• β1i é a constante específica das empresas brasileiras pertencente ao setor de manufatura no modelo de Pooled estratificado;

• Xift é a matriz de F variáveis independentes, específicas de cada empresa;

• Wiet é a matriz de E variáveis econômicas e institucionais;

• Zipt é a matriz de P variáveis binárias do país de origem;

• Yist é a matriz de S variáveis binárias do setor de atividade econômica;

• μit é o elemento de erro combinado da série temporal e do corte transversal.

4 RESULTADOS E ANÁLISES

As 388 companhias abertas dos países aqui analisados (México, Brasil, Argentina, Chile e Peru) foram distribuídas entre 14 indústrias, de acordo com o código de identificação industrial americano (standard industrial code - SIC), atingindo o nível de três dígitos quanto à diferença entre as indústrias. A distribuição das empresas é retratada na Tabela 1.

Verifica-se que o Brasil contribui com pouco mais de 35% do total da amostra de empresas, seguido pelo Chile com 24,49%. O país com o menor número de empresas é a Argentina, com pouco mais de 11%. Com relação à indústria, mais de 45% do total da amostra de empresas pertence ao setor manufatureiro, seguido com certa distância pelo setor de eletricidade, gás e água, com pouco mais de 12%. Os demais setores ficaram com uma representatividade abaixo de 10%.

Para observar o comportamento das variáveis independentes e detectar a existência de autocorrelação entre elas, foi calculado o coeficiente de correlação de Pearson para as variáveis independentes.

A Tabela 2 apresenta o valor do r de Pearson para as variáveis independentes dos países da América Latina.

Como se pode observar, o coeficiente (ROA e market to book) apresentou o maior grau de correlação (0,498), ficando bem abaixo do limite tolerável (GUJARATI, 2006) de 0,60, o que não compromete a análise econométrica. Os demais coeficientes ficaram abaixo de 0,40, sendo a maioria próximo de 0. Cabe ressaltar que, quando se inclui a variável ROE, o coeficiente (ROA e ROE) atinge o grau de correlação de 0,633, o que leva a optar por uma variável ou outra nas regressões lineares múltiplas, a fim de eliminar problemas de multicolinearidade.

Os coeficientes de correlação das variáveis macroeconômicas e institucionais também apresentaram coeficientes de correlação baixos (Tabela 3). O coeficiente (Tempo neg. e C. fiscal) apresentou o maior grau de correlação (0,604). Também os coeficientes (Tempo neg. e Renda PC) e (Tempo Neg. e Part. CA) apresentaram graus de correlação (- 0,565 e - 0,546, respectivamente). Os demais coeficientes ficaram abaixo de 0,40.

Quando todas as variáveis são consideradas conjuntamente (específicas da firma, macroeconômicas e institucionais), os coeficientes (Oport. cresc. e C. fiscal) e (Oport. cresc. e Tempo neg.) atingem graus de correlação (0,865 e 0,750, respectivamente). Em razão da elevada correlação entre as variáveis, foram processadas regressões, retirando-se a variável "oportunidades de crescimento", porém não foram identificadas alterações nos resultados. Por isso, os resultados apresentados no presente estudo incluem todas as variáveis selecionadas. Os demais coeficientes de correlação permaneceram abaixo de 0,605.

A Tabela 4 mostra o nível de endividamento médio no período entre 2001 e 2006, estando o desvio padrão entre parênteses dos cinco países analisados neste estudo. Dentre esses países, o Brasil é o que apresenta o maior nível de endividamento total, tanto contábil como a valor de mercado. O Peru apresenta o menor endividamento total contábil, seguido de perto pelo México. Argentina e Chile possuem níveis praticamente iguais. Para o endividamento total a valor de mercado, o Chile apresenta o menor nível, seguido pelo México. Argentina e Peru possuem níveis próximos. Quanto ao endividamento contábil, verifica-se uma predominância de dívidas de curto prazo, com exceção do Chile, em que há de forma igualitária a utilização de dívidas de curto e longo prazos. Já para o endividamento financeiro oneroso, observa-se uma predominância de dívidas onerosas de longo prazo, exceto para o Peru, em que predominam as de curto prazo.

4.1 DETERMINANTES DA ESTRUTURA DE CAPITAL PARA MÉXICO, BRASIL, ARGENTINA, CHILE E PERU, CONSIDERANDO OS FATORES ESPECÍFICOS DA EMPRESA

Os determinantes da estrutura de capital para os cinco países da América Latina são analisados nas tabelas 5 e 6, tendo como variável dependente o endividamento total contábil (ETC) e o endividamento total a valor de mercado (ETM), respectivamente.

Os determinantes que parecem influenciar de forma mais acentuada o grau de alavancagem financeira da firma são: índice de liquidez corrente, ROA, market to book e tamanho. Essa conclusão está muito próxima dos resultados alcançados por Rajan e Zingales (1995) que observaram que os fatores determinantes da estrutura de capital são ROA, market to book, tamanho e tangibilidade.

Os resultados para a variável tangibilidade apresentaram uma relação inversa significante com o endividamento, mostrando um comportamento contrário às teorias. Para as empresas situadas na Argentina, a variável risco mostrou-se diretamente relacionada com o endividamento, também refutando as teorias sobre estrutura de capital. Talvez, esse resultado deva-se às condições econômicas pelas quais tem passado a Argentina nos últimos anos.

A variável market to book apresentou uma relação inversa com o endividamento total a valor de mercado, que pode ser explicado pelo fato de empresas com maiores oportunidades de crescimento evitarem um maior nível de endividamento que possa levá-las às tensões financeiras decorrente das dívidas, favorecendo a teoria do trade off. No entanto, essa mesma variável independente obteve uma relação direta com o endividamento total contábil, evidenciando que empresas com mais oportunidades de crescimento geram mais lucro, diminuindo a dependência das dívidas, conforme a teoria do pecking order.

De modo geral, os melhores resultados em termos de poder explicativo (R2 ajustado) foi para a variável endividamento total a valor de mercado, refletindo ser esse tipo de mensuração de dívida mais adequado ao estudo da estrutura de capital da amostra.

Pelos resultados obtidos, a corrente teórica que parece explicar de forma mais acentuada a estrutura de capital nos países em questão é a teoria do pecking order. Entretanto, algumas variáveis relevantes do ponto de vista teórico carecem de confirmações empíricas, a exemplo do nível de pagamento de imposto de renda, tangibilidade, oportunidades de crescimento e tamanho (empresas no Brasil). Essas variáveis, de acordo com a teoria do trade off, deveriam apresentar resultados significantes, entretanto, para este estudo, apresentaram-se inconclusas.

4.2 DETERMINANTES DA ESTRUTURA DE CAPITAL PARA A AMÉRICA LATINA, CONSIDERANDO OS FATORES MACROECONÔMICOS E INSTITUCIONAIS

Os determinantes da estrutura de capital para a América Latina são analisados, na Tabela 7, considerando os fatores específicos da firma e também os fatores macroeconômicos e institucionais.

O resultado para o índice de liquidez corrente confirma a hipótese referente à teoria do pecking order, de que há uma relação negativa entre liquidez e endividamento. Quanto à tangibilidade, considerando os endividamentos contábil total e de curto prazo, os resultados refutam as hipóteses teóricas, devendo haver outras causas ainda desconhecidas que induzam a tal comportamento. Entretanto, com o endividamento contábil de longo prazo e com o financeiro oneroso de longo prazo, a relação positiva reforça todas as hipóteses.

A rentabilidade operacional (ROA) indicou uma relação negativa e significante para todos os seis níveis de endividamento. Esse resultado confirma fortemente a teoria do pecking order.

O indicador market to book value aceita, em parte, as hipóteses das teorias do pecking order e de agência. A teoria do pecking order é ambígua com relação a tal variável independente. As empresas com maiores oportunidades de crescimento necessitam de fundos que muitas vezes não são suficientemente gerados pelos lucros retidos ou, então, podem possuir uma lucratividade maior dependendo, assim, de menos dívidas. Já para a teoria de agência, empresas que possuem muitas oportunidades de crescimento devem aumentar seu grau de alavancagem financeira para limitar a autonomia ou a liberdade dos gestores. Para os endividamentos total a valor de mercado e financeiro oneroso (curto e longo prazo), as teorias do trade off e, parcialmente, do pecking order e de agência explicam tais comportamentos.

O indicador sobre oportunidades de crescimento apontou relação significante com o endividamento contábil de curto prazo e oneroso financeiro de curto prazo. Esse resultado corrobora, parcialmente, todas as hipóteses dessa variável sobre a estrutura de capital. O pagamento de imposto de renda (IR) apresentou um relacionamento negativo e significante com os endividamentos total contábil, a valor de mercado e financeiro oneroso de curto e longo prazos. Essas evidências contrariam a teoria do trade off, que postula que as empresas, de forma geral, endividam-se mais por conta do benefício fiscal da dívida.

Para a variável tamanho, os resultados estão em consonância com as teorias do trade off e de agência, e, em parte, com a teoria do pecking order. Em razão disso, as empresas maiores obtêm com mais facilidade recursos financeiros de longo prazo, talvez por conta do menor risco, da menor probabilidade de falência e do custo mais baixo desse tipo de recurso. Já as empresas menores recorrem mais às dívidas de curto prazo, pois estão mais limitadas para alcançar recursos de longo prazo.

Para a variável risco dos negócios, os resultados corroboram todas as teorias analisadas neste estudo, uma vez que o risco influi diretamente na busca por dívidas de longo prazo. Assim, empresas que possuem um nível de risco maior são mais cautelosas em contrair dívidas, principalmente de longo prazo. Os endividamentos contábil de curto prazo, total contábil e oneroso financeiro de curto prazo apresentaram uma relação positiva. Empresas com maior risco possuem maior quantidade de obrigações contábeis de curto prazo e/ou dívidas financeiras onerosas de curto prazo.

O crescimento do PIB apresentou coeficientes negativos e significantes para o endividamento total a valor de mercado e financeiro oneroso para curto e longo prazos, indicando que, quando há crescimento econômico de um país, as empresas diminuem seus endividamentos. Nesse caso, a estratégia adotada pelas empresas é a utilização de fontes internas como lucros retidos. Essa constatação está de acordo com a teoria do pecking order (MYERS, 1984). O crescimento econômico promove um aumento de recursos internos para o financiamento interno, evitando uma subvalorização de mercado por conta da assimetria de informação.

A renda per capita não apontou relação significante com o endividamento. Booth et al. (2001) constatou que empresas de países em desenvolvimento apresentam uma amplitude extensa de grau de endividamento. No entanto, em países desenvolvidos, não é verificada essa dispersão, de forma que as empresas desses países apresentam um nível de endividamento mais homogêneo. Para os países da América Latina, os resultados para a variável renda per capita não permitem concluir de forma satisfatória a relação entre essa variável e o nível de endividamento.

A inflação não indicou resultados significantes, embora fosse esperada uma relação positiva com o endividamento contábil, pois a inflação crescente deprecia os montantes nominais das dívidas, ficando, assim, mais atraentes ao tomador de recursos. Para Terra (2007), uma possível explicação seria que os contratos de dívida são indexados de alguma forma ao nível de preços, então os possíveis ganhos de capital (vantagem de utilizar dívidas) seriam eliminados, não havendo nenhuma influência da inflação sobre o grau de alavancagem financeira.

A participação das companhias de capital aberto é uma proxy importante do porte e da relevância do mercado de capitais de um país, de acordo com Booth et al. (2001). Para o endividamento total contábil, houve uma relação negativa e significante para as empresas da América Latina, aceitando-se a hipótese referente a esse relacionamento. Tal indicador é uma boa medida da qualidade institucional, uma vez que quanto mais importante for esse mercado, melhor será o ambiente institucional de um país. Dessa maneira, um relevante mercado de capitais representa uma opção de financiamento para as empresas, que pode apresentar um menor custo e, portanto, tornar as empresas menos endividadas. Esse resultado evidencia que um mercado de capitais robusto incentiva as empresas a utilizá-lo mais intensamente.

A carga fiscal apresentou uma relação negativa e significante com o endividamento contábil de curto prazo, rejeitando a hipótese acerca da influência positiva sobre o endividamento. Quanto maior for a carga fiscal de um país, maior poderá ser o nível de endividamento das empresas à luz da teoria do trade off, por conta do benefício fiscal relativo às dívidas. No entanto, outros fatores podem explicar o comportamento da carga fiscal. Uma elevada carga fiscal pode comprometer a eficiência dos negócios, principalmente se um país tiver elevados déficits fiscais. Além disso, uma elevada carga fiscal pode onerar o custo de capital de terceiros, tornando-o caro e desestimulando sua captação.

O tempo de negócio que mensura quantos dias, em média, são necessários para abrir uma empresa é uma boa medida do ambiente institucional de um país. Assim, países em que há uma demora para a abertura de novos negócios podem não possuir um ambiente institucional sólido e saudável, fazendo que as empresas sejam menos endividadas em razão dos custos de transação ou institucionais. Portanto, a hipótese acerca desse relacionamento é negativa. Os resultados encontrados para a América Latina mostram uma relação positiva e significante para o endividamento financeiro oneroso de curto prazo, rejeitando a hipótese formulada. Em ambientes institucionais mais frágeis, as empresas buscam dívidas de curto prazo.

Quanto às diferenças entre as indústrias, verificam-se diferenças significantes em muitas delas, indicando haver características únicas (idiossincráticas) para cada uma dessas indústrias. O endividamento contábil total apresentou o maior número de diferenças significantes entre as indústrias.

Os coeficientes para os países são, em sua maioria, negativos e significantes, confirmando haver características únicas para cada um desses países que os tornam diferentes. Tais características devem ser devidas aos próprios fatores institucionais. Reforçando essa ideia, Booth et al. (2001) conclui que as diferenças na estrutura de capital da empresas devem-se, de fato, às características institucionais próprias de cada país.

Mais uma vez, a variável ETM obteve o melhor poder explicativo (R2 ajustado). Observa-se também a importância do endividamento contábil de curto prazo na determinação do grau de endividamento das empresas, refletindo a característica da região em priorizar as dívidas de curto prazo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho procurou investigar os determinantes da estrutura de capital das empresas pertencentes a cinco países da América Latina (México, Brasil, Argentina, Chile e Peru), que estão entre as sete maiores economias da região. São países que apresentam realidades econômicas, políticas e sociais semelhantes, sendo, assim, possuidores de ambientes institucionais um tanto parecidos entre si. Esse cenário é relevante, uma vez que, além dos fatores específicos da empresa, o estudo busca respostas também nos fatores econômicos e institucionais na determinação da estrutura de capital das empresas inseridas nesses países.

Em primeiro lugar, o estudo analisou os determinantes da estrutura de capital por país, considerando os fatores específicos da empresa, a partir de dois níveis de endividamento (variáveis dependentes): total a valor contábil e total a valor de mercado. Depois, foi analisada a estrutura de capital para a América Latina (composta pelos cinco países), considerando também os fatores específicos da empresa: indústria, país e fatores macroeconômicos e institucionais. Nessa etapa da pesquisa, utilizaram-se seis níveis de endividamento (variáveis dependentes). Esse espectro de medidas leva em consideração o tipo e o prazo de endividamento, permitindo uma investigação mais profunda que possa chegar a conclusões mais relevantes ou inovadoras.

Analisando exclusivamente os fatores específicos da empresa, verifica-se a forte influência das variáveis índice de liquidez corrente e ROA (significantes para todos os países). A variável tangibilidade mostrou-se contrária às teorias acerca de estrutura de capital. A variável market to book obteve resultados significantes distintos para as duas medidas de endividamento, sendo explicada pelas teorias do trade off, pecking order e de agência. Os demais determinantes apresentaram resultados não conclusivos, com exceção da variável risco para a Argentina e tamanho para o Brasil.

Quando se considera a América Latina, as variáveis que apresentaram resultados significantes e suportados pelas teorias foram índice de liquidez corrente, ROA, market to book e tamanho. A teoria do pecking order mostrou-se mais robusta em explicar a estrutura de capital das empresas latino-americanas. Os tipos e prazos de endividamento mostraram que há diferenças no relacionamento com as variáveis independentes e que, de fato, é relevante saber como tais variáveis impactam a estrutura de capital das empresas. A variável dummy indústria indicou que há diferenças nos graus de endividamento entre elas. A variável dummy país também indicou que há diferenças nos graus de endividamento entre os países.

Com relação aos fatores macroeconômicos e institucionais, a variável crescimento do PIB foi a mais relevante em termos estatísticos, tendo uma relação negativa com o endividamento total a valor de mercado e financeiros onerosos, corroborando a hipótese em questão. Esse resultado está coerente com outros estudos ao revelar que, em tempos de crescimento econômico, as empresas diminuem suas alavancagens financeiras por conta da maior disponibilidade de recursos internos, de acordo com a teoria do pecking order.

Esta pesquisa mostra que os fatores macroeconômicos e institucionais não podem mais ser desconsiderados, pois são fatores que ajudam a explicar o comportamento das empresas, embora ainda haja muito que se pesquisar nesse campo.

As limitações deste trabalho científico, como nos demais, devem ser comentadas com o intuito de melhorar cada vez mais pesquisas futuras que possam desviar-se de tais limitações. Em primeiro lugar, a limitação foi de ordem econométrica. Dados em painel podem gerar vários problemas de estimação e de inferência, a partir dos dados cross-section (heterocedasticidade) e séries temporais (autocorrelação). Utilizaram-se, neste estudo, dados em painel estático, que não permite analisar a dinâmica de ajuste do endividamento ao longo do tempo, em razão de uma suposta estrutura-meta de capital. Também os resultados foram processados apenas para Pooled estratificado ou efeitos aleatórios, sendo tal escolha amparada pelo teste de Hausman.

Quanto aos métodos empregados, poder-se-iam utilizar dados em painel dinâmico que podem apresentar novas evidências, como a velocidade de ajuste do nível de endividamento em direção a uma meta ótima de estrutura de capital; além disso, seria possível verificar se tal velocidade é influenciada por questões macroeconômicas e institucionais.

Submissão: 9 set. 2009.

Aceitação: 8 out. 2009.

Sistema de avaliação: às cegas tripla.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Ago 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2009
  • Aceito
    08 Out 2009
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