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BEM-ESTAR: ANTECEDENTES E CONSEQUENTES

O interesse pelo construto do bem-estar está fortemente relacionado ao que podemos denominar metaforicamente de giro teórico-metodológico em psicologia. A noção de giro tem raiz na geometria e refere-se à amplitude de rotação dos ângulos que favorece a mobilidade. Em outros domínios conceituais, essa metáfora se aplica quando se considera que a solução de nossas indagações e as respostas a elas não requerem apenas a coleta de mais dados, mas também a mudança de perspectiva que se observa e analisa o fenômeno. O giro de Copérnico para as inúmeras evidências empíricas que não se ajustavam perfeitamente aos dados permitiu que se saltasse de uma explicação geocêntrica para a heliocêntrica. O salto se deu quando se abandonou um ponto de vista intuitivo alinhado ao senso comum - o sol nasce e se põe todos os dias - e adotou-se um contraintuitivo - de que a Terra se move em torno do sol.

Outro exemplo do uso metafórico do conceito foi feito por Kant (1994)Kant, I. (1994).Crítica da razão pura (3a ed.) (M. P. dos S. & A. F. M., Trad.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. em seu giro epistemológico, quando propôs que o problema do conhecimento não seria o objeto a ser conhecido, mas do sujeito que conhece: o que pode ser conhecido está imposto por categorias metafísicas apriorísticas (tempo e espaço). Outro giro de que podemos nos lembrar é linguístico, descrito por Habermas (1987)Habermas, J. (1987). Teoría de la acción comunicativa. Madrid: Taurus. como o reposicionamento da linguagem como da consciência do sujeito (dimensão subjetiva) para o da prática discursiva (intersubjetiva e compartilhada).

O estudo do bem-estar representa também outro giro ao propor a mudança do foco de uma abordagem psicológica e psiquiátrica, centrada na doença e em suas consequências, contribuindo para a demarcação do que seria patológico e normal, para uma abordagem de estudo dos processos promotores de estados psicológicos favoráveis que tornassem a vida das pessoas mais gratificantes e promovessem melhor equilíbrio entre as forças e fragilidades humanas. O bem-estar seria um desses estados psicológicos. Essa abordagem veio a ser conhecida como o movimento da Psicologia Positiva, iniciado nos anos 2000, e que vem exercendo influência no campo dos estudos da gestão de pessoas e do comportamento organizacional.

Para este número especial, foram submetidos 19 artigos de diversas áreas do conhecimento afins que investigaram direta ou indiretamente construtos relacionados ao bem-estar por abordagens metodológicas diversificadas. Os artigos eram de muito boa qualidade, o que trouxe desafios para a eleição daqueles que iriam compor os seis artigos deste número especial. Os demais aprovados serão oportunamente publicados nos números regulares, de acordo com as regras de publicação de autorias da revista.

Em sequência, apresentamos brevemente um resumo dos seis artigos que integram este número especial. Sugerimos fortemente que os interessados em bem-estar possam seguir acompanhando as publicações subsequentes da RAM, para ter acesso a outros excelentes artigos que não puderam ser incluídos nesta edição.

No artigo “Práticas de gestão, bem-estar e comportamento de apoio”, os autores avaliaram a influência das práticas de gestão da mudança, das razões e dos benefícios sobre o bem-estar e o comportamento de apoio às mudanças em colaboradores administrativos de uma holding brasileira que oferece serviços de transporte rodoviário. Como resultados da investigação, os autores concluíram que as práticas de gestão da mudança afetam positivamente tanto os comportamentos de apoio quanto o bem-estar do trabalhador, e que há um efeito diferenciado das razões organizacionais percebidas e dos benefícios percebidos nos comportamentos de apoio e no bem-estar no trabalho.

O artigo “Antecedentes de bem-estar no trabalho: confiança e políticas de gestão de pessoas” investigou o impacto de políticas de gestão de pessoas e da confiança organizacional sobre o bem-estar no trabalho, tendo concluído que percepção de políticas de envolvimento e confiança nos padrões éticos e competência organizacional funcionam como preditoras do bem-estar no trabalho.

No artigo “O papel do redesenho do trabalho na promoção do flow e do bem-estar”, foi avaliado o papel mediador do flow no trabalho entre as relações das dimensões de redesenho no trabalho (redesenho da tarefa, reformulação cognitiva e redesenho das relações) com as dimensões de saúde mental positiva (bem-estar emocional, bem-estar psicológico e bem-estar social). As autoras realizaram a investigação com profissionais de diferentes estados brasileiros e concluíram que as ações de redesenho do trabalho, primordialmente a reformulação cognitiva, influenciam o bem-estar laboral e geral.

No artigo intitulado “Bem-estar pessoal nas organizações e qualidade de vida organizacional: o papel mediador da cultura organizacional”, os autores testam os efeitos de moderação e mediação da cultura organizacional nas relações entre qualidade de vida organizacional (QVO) e bem-estar pessoal nas organizações (BEO). No estudo realizado com 1.292 empregados, representando 81% dos servidores de uma organização pública, foram testados dois modelos de mediação e dois de moderação, e os resultados apontaram que, exceto com a cultura burocrática, todos os demais tipos de cultura atua ram como mediadores, sinalizando que o efeito de QVO sobre o BEO pode ser mais bem explicado pela cultura da organização.

No artigo que leva o título “Antecedentes e consequentes da prosperidade no trabalho: um modelo de mediação moderada”, os autores investigaram os efeitos da participação na tomada de decisões (recursos de contexto) e do suporte social no trabalho (recursos decorrentes do trabalho) sobre o desempenho de papéis no trabalho, assumindo como variável mediadora a prosperidade no trabalho. Foi testado ainda o papel moderador da autoeficácia na relação entre participação da tomada de decisão e suporte social no trabalho sobre a prosperidade. Os resultados corroboram as hipóteses de mediação e moderação, sinalizando que há um efeito indireto da participação na tomada de decisão e no desempenho de papéis pela via da prosperidade, e um efeito de interação com a autoeficácia, com a participação na tomada de decisão e o suporte social com impactos positivos sobre a prosperidade no trabalho.

No artigo denominado “Presenteísmo de professores regentes: bem-estar como estado psicológico crítico na mediação de características do trabalho”, os autores relatam um estudo sobre o efeito mediador exercido pela realização no trabalho, variável de bem-estar, sobre as relações entre variáveis de desenho do trabalho e presenteísmo, definido como trabalho completado e distração evitada. A mediação da variável realização no trabalho e da variável critério trabalho completado não foi confirmada para nenhuma categoria de desenho do trabalho. Entretanto, encontraram-se relações diretas entre autonomia de planificação, suporte social e uso de equipamentos e trabalho completado. No que diz respeito à distração evitada, a mediação foi encontrada somente para uma das variáveis de desenho do trabalho. Autonomia de decisão e escolha de métodos de trabalho, conforto e demandas físicas do trabalho mostraram relações diretas com distração evitada.

Desejamos a todos uma boa leitura!

References

  • Habermas, J. (1987). Teoría de la acción comunicativa Madrid: Taurus.
  • Kant, I. (1994).Crítica da razão pura (3a ed.) (M. P. dos S. & A. F. M., Trad.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2020
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