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Modificação da técnica de fetoscopia de suspensão para tratamento fetal de grandes meningomieloceles: estudo em ovelhas

RESUMO

Objetivo:

Modificar a técnica de fetoscopia de suspensão para redução do calibre dos orifícios de entrada no miométrio.

Métodos:

Sete ovelhas grávidas foram submetidas à fetoscopia para correção de um grande defeito de pele medindo 4,0 × 3,0 cm, criado na região lombar fetal com 100 dias de gestação. O defeito era corrigido através de sutura contínua da pele, aproximando-se as suas bordas. Para realizar a sutura, foi realizada a fetoscopia de suspensão, utilizando-se três orifícios para entrada de trocarte no miométrio. O trocarte da ótica era de 5,0 mm e das pinças de apreensão, dissecção e sutura eram de 3,5 mm. Após a cirurgia, a gestação era mantida até o sacrifício, realizado no 133º dia de gestação, quando os fetos eram avaliados.

Resultados:

Sete ovelhas prenhes foram operadas. Os dois primeiros casos constituíram o Grupo Piloto, no qual a técnica endoscópica foi modificada e a redução do calibre foi possível em dois dos três orifícios de entrada no miométrio. Nos cinco demais casos (Grupo de Estudo) a correção foi realizada com sucesso em todos os fetos e o tempo médio de duração da fetoscopia foi de 98 minutos. Houve um caso de morte materna atribuído à infecção intrauterina. A média de permanência intraútero após a cirurgia foi de 12 dias.

Conclusões:

A técnica foi modificada com sucesso, permitindo a redução do calibre dos orifícios uterinos necessários para realizar a correção de um defeito de pele na região lombar do feto através de uma nova técnica de fetoscopia. O impacto desta modificação na correção da meningomielocele em fetos humanos deve ser estudado.

Descritores:
Fetoscopia/métodos; Terapias fetais/métodos; Meningomielocele/cirurgia; Ovinos/anormalidades; Modelos animais de doenças; Procedimentos cirúrgicos operatórios; Técnicas de sutura; Ultrassonografia; Cirurgia vídeo-assistida

ABSTRACT

Objective:

To change the gasless fetoscopy technique in order to reduce the diameter of entry orifices in the myometrium.

Methods:

Seven pregnant ewes were submitted to fetoscopy for repairing a large skin defect measuring 4.0 × 3.0 cm, created in the fetal lumbar region at the gestational age of 100 days. The defect was repaired through continuous suture of the skin with approximation of borders. Gasless fetoscopy was used for performing the suture with three orifices to allow entry of the trocar into the myometrium. A 5.0-mm optical trocar, and 3.5-mm grasping, dissecting and suturing forceps were used. After surgery, pregnancy was maintained until the animals were euthanized on the 133rd day of gestation, and the fetuses were evaluated.

Results:

Seven pregnant ewes underwent surgery; the first two cases were characterized as the Pilot Group, in which the endoscopic technique was modified and caliber reduction was possible in two out of three entry orifices in the myometrium. In the five remaining cases (Study Group), the repair was successfully carried out in all the fetuses, and the mean duration of fetoscopy was 98 minutes. There was a case of maternal death attributed to intrauterine infection. Mean intrauterine permanence after surgery was 12 days.

Conclusions:

The technique was successfully modified, allowing reduction of the uterine orifices necessary to perform the repair of a skin defect in the fetal lumbar region through a new fetoscopy technique. The impact of this modification in repair of myelomeningocele in human fetuses should be studied.

Keywords:
Fetoscopy/methods; Fetal therapies/methods; Meningomyelocele/surgery; Sheep/abnormalities; Disease models, animal; Surgical procedures, operative; Suture techniques; Ultrasonography; Video-assisted surgery

INTRODUÇÃO

A correção pré-natal da meningomielocele parece melhorar o prognóstico neurológico dos indivíduos afetados, e sua correção vem sendo investigada num estudo colaborativo americano denominado MOMS. Nesse estudo, a correção do defeito é realizada através da exposição da área fetal a ser operada a céu aberto, ou seja, após laparotomia materna, seguida de abertura do útero e das membranas amnióticas(11. MOMS: Management of Myelomeningocele Study. [homepage on internet]. [cited 29 March 2009] Available from: http://www.spinabifidamoms.com/
http://www.spinabifidamoms.com/...
).

A cirurgia fetal a céu aberto começou a ser realizada no final da década de 1980 para o tratamento cirúrgico de várias anomalias fetais, porém a possibilidade de sequelas neurológicas nos fetos operados fez com que esta abordagem caísse em desuso(22. Bealer JF, Raisanen J, Skarsgard ED, Long SR, Wong K, Filly RA, et al. The incidence and spectrum of neurological injury after open fetal surgery. J Pediatr Surg. 1995;30(8):1150-4.). Dessa forma, a correção dos defeitos fetais vem migrando gradativamente para as técnicas de cirurgia fetal endoscópica ou fetoscópica. Inicialmente, foi estabelecida a abordagem fetoscópica para tratamento da síndrome de transfusão feto-fetal(33. Senat MV, Deprest J, Boulvain M, Paupe A, Winer N, Ville Y. Endoscopic laser surgery versus serial amnioreduction for severe twin-to-twin transfusion syndrome. N Engl J Med. 2004;351(2):136-44.,44. Pedreira DA, Acácio GL, Drummond CL, Oliveira RC, Deustch AD, Taborda WG. Laser for the treatment of twin to twin transfusion syndrome. Acta Cir Bras. 2005;20(6):478-81.) e, recentemente, para tratamento da hérnia diafragmática congênita(55. Deprest J, Gratacos E, Nicolaides KH; FETO Task Group. Fetoscopic tracheal occlusion (FETO) for severe congenital diaphragmatic hernia: evolution of a technique and preliminary results. Ultrasound Obstet Gynecol. 2004; 24(2):121-6.).

A fetoscopia tem sido realizada por meio de uma entrada percutânea única até ser atingido o interior da cavidade uterina(33. Senat MV, Deprest J, Boulvain M, Paupe A, Winer N, Ville Y. Endoscopic laser surgery versus serial amnioreduction for severe twin-to-twin transfusion syndrome. N Engl J Med. 2004;351(2):136-44.55. Deprest J, Gratacos E, Nicolaides KH; FETO Task Group. Fetoscopic tracheal occlusion (FETO) for severe congenital diaphragmatic hernia: evolution of a technique and preliminary results. Ultrasound Obstet Gynecol. 2004; 24(2):121-6.). Uma das principais complicações desse tipo de procedimento é a rotura prematura das membranas, risco que parece estar diretamente relacionado ao calibre do instrumento utilizado. Até o momento, não existem técnicas consagradas para fechamento do orifício causado nas membranas pela introdução do fetoscópio(66. Lewi L, Liekens D, Heyns L, Poliard E, Beutels E, Deprest J, et al. In vitro evaluation of the ability of platelet-rich plasma to seal an iatrogenic fetal membrane defect. Prenat Diagn. 2009;29(6):620-5.), o que poderia reduzir esse risco.

Nosso grupo vem estudando uma técnica alternativa para correção da meningomielocele por via endoscópica em animais(77. Pedreira DAL, Oliveira RCS, Valente PR, Abou-Jamra RC, Araújo A, Saldiva PH. Gasless fetoscopy: a new approach for endoscopic closure of a lumbar skin defect in fetal sheep. Fetal Diagn Ther. 2008;23(4):293-8.), tendo desenvolvido uma técnica inédita denominada fetoscopia de suspensão (em inglês, gasless fetoscopy). A técnica originalmente desenvolvida baseava-se na introdução de três trocartes de 5,0 mm na parede uterina para operação fetal. No entanto, novos instrumentos de laparoscopia de menor calibre foram desenvolvidos nos últimos anos e decidimos testá-los.

OBJETIVO

Modificar a técnica de fetoscopia de suspensão para redução do calibre dos orifícios de entrada no miométrio.

MÉTODOS

Sete ovelhas prenhes com idade gestacional conhecida chegaram ao laboratório no mínimo sete dias antes do procedimento cirúrgico para permitir sua aclimatação. As demais foram mantidas em ambiente fechado e calmo, com variação dia/noite.

Cirurgia: 100º dia de gestação

O animal foi deixado em jejum alimentar por dois dias, sendo água permitida até 12 horas antes do ato operatório. Ainda na baia, foram administrados 0,2 a 0,4 mg/kg de acepromazina 1% e 0,3 a 0,5 mg/kg de midazolam por via endovenosa para que o animal estivesse sedado durante a tricotomia e o transporte até a sala cirúrgica. Para a anestesia, foi utilizado tiopental (7,5 a 10 mg/kg), seguido de entubação endotraqueal e manutenção com isofluorane 2%. A enrofloxacina (5,0 mg/kg) por via endovenosa foi utilizada para profilaxia antibiótica, antes de se iniciar o ato operatório.

Após assepsia, antissepsia e colocação de campos cirúrgicos, foi realizada a abertura da parede abdominal materna e exposição do útero. A posição fetal foi verificada por meio da ultrassonografia e, após a localização da região lombar do feto, realizou-se uma histerotomia de 7,0 cm para criação de um defeito na pele do feto (Figura 1A e B). O defeito foi criado com tamanho suficiente para não permitir a aproximação imediata da pele fetal. O defeito media 4,0 × 3,0 cm e foram retirados a pele e o tecido celular subcutâneo.

Figura 1
(A) Aspecto externo da preparação do animal para cirurgia fetal endoscópica. Observar o aparelho de ultrassonografia colocado ao lado do conjunto de vídeo-laparoscopia. A abordagem do procedimento é sono-endoscópica. (B) Após a exposição do útero e criação do defeito na coluna, observa-se o posicionamento dos 3 trocartes. (C) A ultrassonografia é utilizada para avaliar a vitalidade fetal durante o procedimento.

O defeito da pele fetal foi deixado aberto e o útero foi fechado com sutura contínua. Em seguida, foram inseridos três trocartes sem válvula, um de 5,0 mm e dois de 3,5 mm, que foram fixados por meio de sutura em bolsa (deixadas com reparo) no ponto de sua inserção uterina.

Foi introduzida uma ótica reta de 4,0 mm, ângulo de 30º (HStratner®, Brasil; Karl Storz®, Germany) através do trocarte de 5,0 mm para inspeção da cavidade e visualização direta do defeito. Foram retirados 100 ml de líquido amniótico, armazenado em seringas estéreis, mantendo-se o seu aquecimento para posterior restituição.

Foi realizada a apreensão com pinça do miométrio situado imediatamente sobre o centro da lesão criada no dorso do feto. Nesta região, foi introduzida uma pinça helicoidal para afastamento da parede uterina acima da lesão, formando uma “tenda”. A pinça de “suspensão” miometrial, com ponta cortante, era introduzida na espessura do miométrio por meio de rotação da pinça no seu maior eixo, fazendo uma divulsão das fibras musculares do trajeto, até finalmente penetrar as membranas amnióticas através de um orifício único.

O levantamento da pinça fazia o ar ambiente penetrar na cavidade através dos trocartes que não possuíam válvulas, criando uma “bolsa de ar” sobre o defeito. Eram identificados os melhores pontos no miométrio para colocação dos dois trocartes de 3,5 mm, com o objetivo de deixar a ótica na bissetriz de um ângulo de 90º. Estes dois pontos foram abordados por transiluminação, utilizando-se a ótica já inserida na cavidade. Os dois trocartes foram inseridos após sutura em bolsa no miométrio (Figura 1C). Os trocartes foram previamente preparados para conter um balão inflável em sua ponta que não permitiria seu deslocamento para fora da cavidade uterina, ajudando também na ampliação da “tenda” uterina.

As pinças e tesoura eram introduzidas através dos trocartes para dissecção da pele ao redor do defeito e criação de um espaço entre a derme e o tecido celular subcutâneo que permitisse a reaproximação parcial das bordas de pele.

Uma película de celulose biossintética (Bionext®, São Paulo, Brasil) era colocada sobre o defeito na pele da região lombar do feto, medindo 2,0 × 1,0 cm. Sobre a celulose, foi colocada a pele artificial (Integra®, Integra, Estados Unidos), medindo 3,0 × 2,0 cm, abaixo das bordas previamente dissecadas sob a pele.

Uma tentativa de aproximar as bordas da pele na linha média do defeito era realizada por meio de sutura contínua de mononylon 4-0, sepultando a celulose e a pele artificial, que ficou propositalmente exposta na região mediana do defeito. Nosso objetivo era que o tamanho da lesão não permitisse a reaproximação das bordas da pele, mimetizando o que ocorre numa grande meningomielocele após o nascimento.

Após finalização da sutura da pele fetal, a pinça de suspensão era retirada e, em seguida, os trocartes. No momento da retirada do último trocarte, o líquido amniótico armazenado era restituído, fazendo-se o esforço de retirar todo o ar antes de fechar a sutura em bolsa, que permanecia reparada para fechamento. Após a avaliação ultrassonográfica transuterina da vitalidade fetal, era realizado o fechamento da parede abdominal materna por planos e o animal era enviado para alojamento após recuperação anestésica.

Sacrifício: 133º dia de gestação

As ovelhas foram sacrificadas, assegurando-se que não tivessem nenhum sofrimento. Para tanto, foi utilizado o mesmo protocolo anestésico acima descrito, excetuando-se a entubação orotraqueal e o uso do isofluorane. A dose utilizada de tiopental foi elevada para 20 mg/kg, garantindo a sedação materna e fetal. Garantida a sedação, foram injetados 0,4 ml/kg de KCL 19,1% em bolo na circulação materna. Após a parada dos batimentos cardíacos maternos, era realizada a abertura da parede e do útero e retirava-se o feto, uma vez assegurada a parada dos seus batimentos cardíacos.

Os fetos foram fotografados e tiveram a pele, o tecido celular subcutâneo e a musculatura paravertebral abaixo da região operada retirados em bloco para avaliação anatomopatológica. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Israelita Albert Einstein.

RESULTADOS

Foram operados sete animais, sendo que os dois primeiros constituíram o piloto do estudo. Nesses casos, foi testada a utilização de ótica de menor calibre (2,0 e 3,0 mm), que não propiciaram uma imagem adequada do defeito. Quanto menor o calibre da ótica, menor era a visão de grande angular e a iluminação no interior da cavidade uterina. Dessa forma, ficou estabelecido que o calibre mínimo da ótica para uma visualização adequada do defeito era de 4,0 mm. No entanto, foi possível reduzir o calibre dos dois orifícios auxiliares para passagem das pinças de 5,0 para 3,5 mm, e esta foi a técnica utilizada nos cinco casos restantes.

Nos casos piloto, o fechamento do defeito na pele do feto foi realizado a céu aberto (Figura 2A) para não se prolongar o tempo cirúrgico, porém a técnica de fechamento do defeito propriamente dita foi a mesma nos sete casos.

Figura 2
(A) Aspecto da sutura contínua aproximando as bordas do defeito, realizada a céu aberto realizado durante o piloto. (B) O mesmo feto após o nascimento; podemos observar a presença do fio de sutura e a aderência da pele artificial aos tecidos adjacentes

O tempo operatório total médio nos cinco casos de estudo foi de 224 minutos e a duração da abordagem endoscópica foi de 98 minutos (Tabela 1 e Figura 3).

Tabela 1
Tempo operatório e duração da gestação após a cirurgia
Figura 3
Tempo operatório dos animais submetidos à fetoscopia

Todos os fetos sobreviveram ao final da cirurgia, porém ocorreu um óbito materno e, consequentemente, fetal 20 horas após o término do procedimento cirúrgico. Essa morte materna foi atribuída à ocorrência de infecção intrauterina, posto que as membranas e o líquido amniótico apresentavam grande quantidade de secreção purulenta com odor fétido. Esse caso foi excluído das demais análises.

Em três, do total de quatro casos restantes, ocorreu o parto prematuro, após 3, 4 e 15 dias da operação, sendo que o sacrifício foi realizado em um caso que permaneceu 21 dias intraútero. A média de permanência intrauterina após a correção foi de 12 dias.

O fio de sutura foi observado, aproximando-se as bordas do defeito da pele na região lombar do feto em todos os casos (Figura 2A). A celulose e a pele artificial utilizadas para corrigir o defeito foram observadas em todos os casos, exceto um, no qual nenhum dos materiais foi encontrado no momento do parto. Nesse caso, acreditamos que eles podem ter se deslocado durante o trabalho de parto prematuro, ocorrido quatro dias após a correção.

A pele artificial estava firmemente aderida à pele fetal nos dois espécimes que permaneceram mais tempo intraútero por 15 e 21 dias. Nesse último caso, havia sinais de infecção leve no local da sutura (Figura 2B).

DISCUSSÃO

O modelo animal de escolha para estudo em cirurgia fetal tem sido o feto de ovelha(88. Meuli M, Meuli-Simmen C, Yingling CD, Hutchins GM, Hoffman KM, Harrison MR, et al. Creation of myelomeningocele in utero: a model of functional damage from spinal cord exposure in fetal sheep. J Pediatr Surg. 1995;30(7):1028-32.1010. Abou-Jamra RC, Valente PR, Araújo A, Sanchez e Oliveira Rde C, Saldiva PH, Pedreira DA. Simplified correction of a meningomyelocele-like defect in the ovine fetus. Acta Cir Bras. 2009;24(3):239-44.). No entanto, existem limitações deste modelo animal como, por exemplo, a dificuldade de avaliação da perda de líquido no pós-operatório. A fetoscopia com um único orifício de entrada aumenta o risco de rotura prematura de membranas, sendo que esta ocorrência varia de 10 a 20%(1111. Peiró JL, Carreras E, Guillén G, Arévalo S, Sánchez-Durán MA, Higueras T, et al. Therapeutic indications of fetoscopy: a 5-year institutional experience. J Laparoendosc Adv Surg Tech A. 2009;19(2):229-36.). Esse risco varia dependendo do tipo de abordagem a ser realizada no interior da cavidade uterina, sendo que quanto maior a manipulação, maior o risco de rotura das membranas. Até o momento, não se conhecem os riscos da fetoscopia com três orifícios de entrada, porém reduzir o número e o calibre dos orifícios de entradas tem potencial para reduzir os riscos materno/fetais. Da mesma maneira, a utilização de selantes ou “plugs” para fechar os orifícios nas membranas talvez possa reduzir a ocorrência de rotura das membranas.

Em estudo anterior, no qual a técnica de fetoscopia de suspensão foi desenvolvida, foram usados três trocartes de 5,0 mm para corrigir um defeito criado na pele do feto, porém o tamanho do defeito permitia o fechamento completo da pele(77. Pedreira DAL, Oliveira RCS, Valente PR, Abou-Jamra RC, Araújo A, Saldiva PH. Gasless fetoscopy: a new approach for endoscopic closure of a lumbar skin defect in fetal sheep. Fetal Diagn Ther. 2008;23(4):293-8.) e estas foram as principais diferenças entre os dois estudos.

No presente estudo, o trabalho de parto prematuro foi a principal complicação encontrada e foi comparável ao nosso estudo anterior, no qual ele ocorreu em 50% dos casos(77. Pedreira DAL, Oliveira RCS, Valente PR, Abou-Jamra RC, Araújo A, Saldiva PH. Gasless fetoscopy: a new approach for endoscopic closure of a lumbar skin defect in fetal sheep. Fetal Diagn Ther. 2008;23(4):293-8.).

Quanto à duração da cirurgia endoscópica, o tempo médio no presente estudo foi comparável ao nosso estudo anterior(77. Pedreira DAL, Oliveira RCS, Valente PR, Abou-Jamra RC, Araújo A, Saldiva PH. Gasless fetoscopy: a new approach for endoscopic closure of a lumbar skin defect in fetal sheep. Fetal Diagn Ther. 2008;23(4):293-8.), em que a duração foi de 105 minutos. Considerando que a técnica cirúrgica utilizada para o fechamento do defeito no presente estudo era um pouco mais complexa do que a utilizada no estudo anterior, podemos considerar que a curva de aprendizado dessa técnica de fetoscopia já se encontra estabilizada. Neste estudo, foi utilizada a pele artificial para cobrir a celulose, adicionando-se mais este tempo cirúrgico ao tempo endoscópico total.

No presente estudo, a mortalidade fetal foi muito inferior à encontrada em nossos estudos anteriores, por meio dos quais avaliamos a técnica cirúrgica para o fechamento de um defeito semelhante à meningomielocele no feto. Nos estudos prévios, encontramos mortalidade de 38,5 e 36,1%(99. Pedreira DAL, Sanchez e Oliveira Rde C, Valente PR, Abou-Jamra RC, Araújo A, Saldiva PHN. Validation of the ovine fetus as an experimental model for the human myelomeningocele defect. Acta Cir Bras. 2007;22(3):168-73.,1010. Abou-Jamra RC, Valente PR, Araújo A, Sanchez e Oliveira Rde C, Saldiva PH, Pedreira DA. Simplified correction of a meningomyelocele-like defect in the ovine fetus. Acta Cir Bras. 2009;24(3):239-44.), enquanto no estudo atual ocorreu uma morte entre os cinco casos operados. Acreditamos que essa diferença provavelmente se relacione ao tipo de defeito e à idade gestacional em que ele foi criado. No presente estudo, não foi criado um defeito na medula, apenas um defeito profundo na pele, enquanto nos estudos anteriores o defeito compreendia a retirada de tecido em todos os planos: pele, musculatura paravertebral, duramater, até atingir a medula. Acreditamos que um defeito mais agressivo tende a causar uma taxa maior de mortalidade fetal. Também no estudo atual, o defeito foi criado no momento da cirurgia de correção, enquanto nos estudos anteriores o defeito havia sido criado três semanas antes da sua correção. A nosso ver, quanto menor a idade gestacional em que o defeito é criado, maior a mortalidade fetal associada à sua criação.

Recomenda-se que quando o objetivo do estudo é apenas modificar a abordagem cirúrgica, e não a correção do defeito propriamente dita, a realização de um defeito de pele no mesmo momento da correção seja uma forma eficiente de reduzir a mortalidade fetal. Esta abordagem visa também a cumprir as normas éticas que recomendam utilizar o menor número de animais possíveis num estudo(1212. Schnaider TB. Ética e pesquisa. Acta Cir Bras. 2008;23(1):107-11.).

Em nossa casuística, ocorreu um caso de infecção intrauterina grave que deve ter sido a causa mais provável do óbito materno, porém a possibilidade de embolia amniótica não pode ser descartada e acreditamos que possíveis modificações da técnica nesse aspecto ainda podem ser necessárias. Esta ocorrência ainda sugere que a utilização de antibiótico intra-amniótica seja indicada em adição à profilaxia endovenosa utilizada em todos os casos.

A “fetoscopia de suspensão” ainda não foi aplicada em humanos e acreditamos que qualquer tentativa para reduzir os seus riscos seja benéfica. Acredita-se, ainda, que novas modificações da técnica e o seu treinamento em modelo animal precisam ser realizadas antes de se partir para o estudo em humanos.

Em 1999, Brunner et al.(1313. Bruner JP, Tulipan N, Paschall RL, Boehm FH, Walsh WF, Silva SR, et al. Fetal surgery for myelomeningocele and the incidence of shunt-dependent hydrocephalus. JAMA. 1999;282(19):1819-25.) utilizaram uma técnica endoscópica com a injeção de gás na cavidade para correção da meningomielocele em quatro fetos humanos, porém o seu insucesso levou ao abandono dessa técnica. A nosso ver, o estudo da nova técnica proposta pelo autor poderia ter se beneficiado da sua aplicação e treinamento prévios em modelos animais mais adequados.

Em uma recente revisão americana sobre a correção pré-natal da meningomielocele, o autor enfatiza a importância do estudo de novas técnicas para correção do defeito, e cita a fetoscopia de suspensão como uma das técnicas promissoras neste campo(1414. Chescheir N. Maternal-Fetal Surgery. Where are we and how did we get here? Obstet Gynecol. 2009;113(3):717-31.). A modificação apresentada no presente estudo tem potencial para reduzir os riscos materno-fetais associados à cirurgia fetal endoscópica, aspecto que deve ser estudado.

CONCLUSÕES

A técnica de fetoscopia de suspensão, com redução do calibre de dois orifícios de entrada no útero, foi modificada com sucesso.

  • Trabalho realizado no Centro de Experimentação e Treinamento em Cirurgia – CETEC do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein – IIEPAE, São Paulo (SP), Brasil.

AGRADECIMENTOS

Este estudo foi financiado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa da Sociedade Beneficente Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP), Brasil.

A empresa Promedon, revendedora do Integra® (Plainsboro, USA), doou a pele artificial utilizada no presente estudo.

Este trabalho é dedicado à memória do aluno Rogério Chaccur Abou-Jamra, que estará sempre presente em nossos corações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2010

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2009
  • Aceito
    14 Dez 2009
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