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Certezas e incertezas sobre as relações de Heisenberg

Certainties and uncertainties about the Heisenberg relations

Resumos

O objetivo deste artigo é apresentar e discutir as famosas relações de Heisenberg, usualmente denominadas de "princípio da incerteza". A abordagem adotada é primordialmente conceitual, embora referências históricas sejam feitas para auxiliar a exposição. Distinguem-se três interpretações principais das relações, cada uma derivando de bases inteiramente distintas e conduzindo a conseqüências físicas e filosóficas igualmente diferentes.

relações de Heisenberg; princípio de incerteza; indeterminação quântica; Heisenberg; Bohr; Einstein; Popper


This article offers a conceptual analysis of the famous Heisenberg relations, usually referred to as "the uncertainty principle". After a brief historical introduction, it is pointed out that the relations can be interpreted in three entirely different ways. It is shown in some detail how each interpretation derives from a distinct basis, and leads to distinct physical and philosophical consequences.

Heisenberg relations; uncertainty principle; quantum indeterminacy; Heisenberg; Bohr; Einstein; Popper


ARTIGOS GERAIS

Certezas e incertezas sobre as relações de Heisenberg

Certainties and uncertainties about the Heisenberg relations

Silvio Seno Chibeni1 1 E-mail: chibeni@unicamp.br.

Departamento de Filosofia, IFCH, Unicamp, Campinas, SP, Brasil

RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar e discutir as famosas relações de Heisenberg, usualmente denominadas de "princípio da incerteza". A abordagem adotada é primordialmente conceitual, embora referências históricas sejam feitas para auxiliar a exposição. Distinguem-se três interpretações principais das relações, cada uma derivando de bases inteiramente distintas e conduzindo a conseqüências físicas e filosóficas igualmente diferentes.

Palavras-chave: relações de Heisenberg, princípio de incerteza, indeterminação quântica, Heisenberg, Bohr, Einstein, Popper.

ABSTRACT

This article offers a conceptual analysis of the famous Heisenberg relations, usually referred to as "the uncertainty principle". After a brief historical introduction, it is pointed out that the relations can be interpreted in three entirely different ways. It is shown in some detail how each interpretation derives from a distinct basis, and leads to distinct physical and philosophical consequences.

Keywords: Heisenberg relations, uncertainty principle, quantum indeterminacy, Heisenberg, Bohr, Einstein, Popper.

1. Introdução: Pano de fundo histórico-conceitual

A análise inicial do assunto que constitui o objeto central deste trabalho foi apresentada por Heisenberg num artigo publicado na Zeitschrift für Physik em 1927 [1]. Menos de dois anos haviam passado desde a formulação, pelo próprio Heisenberg, da primeira versão da mecânica quântica. Esse intervalo testemunhou não apenas o surgimento da outra versão da teoria quântica, devida a Schrödinger, mas também o recrudescimento das discussões conceituais sobre o significado dos fenômenos quânticos e seu tratamento teórico. Como salienta Heisenberg no parágrafo inicial do referido artigo, embora a nova teoria tenha ganhado aceitação imediata, sua interpretação física ainda estava "repleta de discrepâncias internas, que se manifestam nos argumentos sobre continuidade versus descontinuidade, e partícula versus onda" (p.62 da tradução inglesa).

Essas "discrepâncias" eram as mesmas que vinham assolando a física quântica desde o início do século, agravadas agora pelo fato de o novo formalismo - cujo poder preditivo se reconhecia prontamente - não contribuir para sua solução, muito pelo contrário. Numa situação aparentemente ímpar na história da física, tal formalismo não vinha acomodado em nenhum quadro ontológico claro. Curiosamente, embora na formulação de sua versão da teoria Heisenberg tivesse mesmo deliberadamente evitado qualquer comprometimento ontológico - seguindo, pois, a onda filosófica anti-realista positivista da época -, era evidente que até ele se ressentia da secura formal da teoria. Por mais que Bohr já viesse procurando justificar, por meio de argumentos diversos, a ruptura com a perspectiva realista típica da ciência até então, sentia-se difusamente que a elucidação do conteúdo físico da nova teoria não se poderia restringir ao mero fornecimento de regras de correspondência diretas com os fenômenos, requerendo, ao menos a título de apoio heurístico, a introdução de elementos ontológicos mínimos.

Tal exigência se manifestava, em particular, quando da análise da questão central da "revisão dos conceitos cinemáticos e mecânicos" ([1], p. 62). A pressão por essa revisão vinha, por um lado, da dificuldade de aplicação de tais conceitos na explicação dos fenômenos quânticos, associada à famosa "dualidade onda-partícula", e, por outro, do fato de que o novo formalismo não acomodava simultaneamente todos esses conceitos. Este último ponto havia sido salientado tanto por Dirac como por Jordan, em 1926. Dirac, por exemplo, afirmou, acerca das grandezas físicas conjugadas, como posição e momento: "Na teoria quântica não se pode responder a nenhuma questão que se refira aos valores numéricos [simultâneos] de ambos p e q" (apud [2], p. 326.). Outro fator explicitamente evocado por Heisenberg para a mencionada revisão conceitual são as "descontinuidades" típicas dos processos que ocorrem em regiões muito pequenas e intervalos temporais muito breves. Trata-se, pois, daquilo que Bohr popularizaria sob a denominação de "postulado quântico" (ver p. ex. [3]). Heisenberg pondera que essas descontinuidades podem ajudar a compreender a "contradição entre os conceitos de 'posição' e 'velocidade"' ([3], p. 63), na medida em que, por exemplo, este último claramente não se aplica a uma partícula que ocupe posições discretas, considerando-se cada uma dessas posições isoladamente (como ilustra a Fig. 2 do seu artigo).



Juntando todos esses ingredientes, Heisenberg chegou às famosas relações, por dois caminhos distintos. Embora o tenha criticado mesmo antes de sua publicação, Bohr reconheceu imediatamente a importância do trabalho de Heisenberg, e preparou ele próprio um longo texto sobre o assunto, que saiu na Nature no ano seguinte [3]. Nele, apresentou uma versão simplificada, pouco rigorosa, de um dos argumentos de Heisenberg, que até hoje é apresentada nos livros-textos de mecânica quântica. Ao re-elaborar seu trabalho com vistas a uma série de conferências dadas em 1929 na Universidade de Chicago (depois publicadas em forma de livro [4]), Heisenberg inicia justamente com esse argumento simples.

Como veremos, os dois argumentos de Heisenberg conduzem, na verdade, a versões conceitualmente distintas das relações (seções 2 e 3). Veremos também que um deles motivou, subseqüentemente, o desenvolvimento de uma terceira via para a obtenção das relações, que também assumem, neste caso, um significado físico completamente distinto das outras duas versões (seção 4).

Embora a distinção entre as duas primeiras versões tenha sido assinalada tanto por Bohr como por Heisenberg, eles próprios não foram capazes de manter uma invariável atenção quanto a isso, dando início à perniciosa confusão de pressuposições, argumentos e conseqüências físico-filosóficas das relações que perdura em amplos setores da literatura até nossos dias2 2 Para um exemplo, ver [5]; para um exame crítico desse artigo, ver Chibeni [37]. . Tal confusão engloba também a terceira versão das relações de Heisenberg, não obstante os pesquisadores que a desenvolveram tenham sido os primeiros a perceber claramente as diferenças entre as três versões. O presente trabalho tem como objetivo central explicar didaticamente essa situação, por meio de uma análise conceitual dessas versões.

2. Versão ontológica: "Indefinição"

Esta primeira versão corresponde à que, no artigo clássico de Heisenberg, é apresentada em segundo lugar e que, como ele diz à p. 69, "deriva da formulação de Dirac-Jordan" da mecânica quântica, conhecida hoje como "teoria da transformação". Ao invés de me ater aos detalhes dessa demonstração3 3 Para uma análise histórica e conceitual detalhada, ver [7], seção 3.2. , seguirei (de forma aproximada) a formulação simplificada apresentada por Bohr [3]. Ela deixa claro que a demonstração se baseia na idéia da dualidade "onda-partícula", fortemente sugerida pelos peculiares fenômenos quânticos investigados desde o início do século XX. Do ponto de vista formal, a noção central aqui é a de pacotes de onda, ou, como prefere Bohr, campos ondulatórios ("wave-fields"), que seriam formas de representação matemática dos estranhos objetos quânticos. Os experimentos de difração e interferência de luz, conhecidos desde o início do século XIX, não deixavam dúvida quanto ao caráter ondulatório da luz. Por outro lado, as surpreendentes observações experimentais recentes de Davisson e Germer, e de G.P. Thomson e Reid mostravam que os elétrons, tidos até então como partículas diminutas, também apresentavam esse caráter ondulatório, confirmando-se assim a idéia de "ondas de matéria" proposta em 1924 por de Broglie. A versão da teoria quântica desenvolvida por Schrödinger partia exatamente dessa perspectiva. Por algum tempo, Schrödinger chegou mesmo a defender que as "ondas" de sua teoria seriam a imagem simbólica quase literal da realidade quântica. Não me aterei aqui à exposição das dificuldades a que essa proposta levou4 4 Por exemplo, conceber a existência em espaços com mais do que três dimensões, dar conta do aspecto corpuscular da luz e da matéria ponderável, etc. . Basta observar que mesmo depois de serem devidamente reconhecidas, a idéia geral de que, de uma forma ou de outra, os objetos quânticos são algo ondulatório ("wave-like") não pôde ser inteiramente descartada, dados os efeitos de difração e interferência que exibem.

Partindo pois da suposição de que os objetos quânticos, qualquer que seja sua natureza exata, são representáveis por pacotes de onda, chega-se facilmente a uma versão das relações de Heisenberg. Conforme notou Bohr, um pacote espacial de ondas pode ser obtido pela superposição de ondas planas sinusoidais de comprimentos de onda distribuídos em uma determinada faixa. Agora constitui uma propriedade matemática geral de tais pacotes que quanto mais estreita essa faixa, mais largo será o pacote; e quanto mais larga, mais localizado no espaço será o pacote. A Fig. 1 ilustra essa relação, em termos do número de onda k, que é o inverso do comprimento de onda.

A relação de dependência recíproca entre a largura dx do pacote de ondas e a faixa dk de números de onda das ondas que o compõem não é somente qualitativa: na situação mais favorável (espalhamentos mínimos), expressa-se pela relação dx dk = 1/2p; em geral tem-se:

Evocando-se agora a relação de de Broglie entre o momento e o comprimento de onda dos objetos quânticos,

a relação (1) dá:

que é a relação de Heisenberg para posição e momento. Explorando outros aspectos dos pacotes de onda e empregando a relação de Planck-Einstein entre energia e freqüência dos quanta,

pode-se obter também uma relação entre energia e tempo:

Não me aterei aqui aos detalhes desses argumentos5 5 Para isso consulte-se, por exemplo, o livro-texto de David Bohm [8]. Ver também [9], caps. 11 e 12, para uma análise atual e acessível, que cobre diversos pontos que não foram mencionados aqui, como por exemplo as complicações adicionais envolvidas na derivação das relações para energia e tempo. . Passo diretamente à questão do significado físico das relações obtidas por meio deles. No artigo original de Heisenberg a discussão desse significado físico mistura-se à da versão que apresentarei na seção seguinte, de modo que é preferível aqui examinar o que diz Bohr no artigo de 1928 [3]. Segundo Bohr, as relações de Heisenberg, tais quais explicadas pelo raciocínio acima, devem ser entendidas "como determinando a precisão máxima possível na definição da energia e momento dos indivíduos associados ao campo ondulatório" (p. 59-60). A palavra que grifei indica que se trata aqui de um limite na possibilidade de se definirem de modo preciso algumas das propriedades dinâmicas dos objetos. Na abordagem adotada esses objetos seriam, como já foi dito, entes ondulatórios, de modo que é fácil perceber que não possuem em si próprios uma posição e uma velocidade bem definidas. Na expressão clara de Bohm, "o momento e a posição não podem nem mesmo existir simultaneamente com valores perfeitamente bem definidos" ([8], p. 100-101). Parece, pois, adequado classificar a presente versão das relações de ontológica: ela diria respeito a uma indeterminação intrínseca aos entes físicos. Voltarei a comentar essa interpretação após haver exposto as outras duas versões das relações de Heisenberg.

3. Versão epistemológica: "Incerteza"

Muito embora a questão da dualidade onda-partícula esteja presente no pano de fundo do artigo original de Heisenberg, a perspectiva pela qual inicia a discussão enfatiza um ponto diferente, que ainda não comentei. Trata-se da concepção operacionalista dos conceitos físicos, que Heisenberg sintetiza nestes termos:

Quando queremos ter clareza sobre o que se deve entender pelas palavras 'posição do objeto', por exemplo do elétron (relativamente a um dado referencial), então é preciso especificar experimentos definidos com o auxílio dos quais se pretenda medir a 'posição do elétron'; caso contrário, a expressão não terá nenhum significado ([1] p. 64).

Assim, segundo essa concepção, o que confere legitimidade física a um conceito, e significado ao termo que o designa, é a existência de uma operação experimental claramente especificada por meio da qual se estabeleça a aplicação do conceito e, no caso dos conceitos quantitativos, se lhe possa atribuir um valor numérico preciso. Essa interpretação operacionalista estava naturalmente associada à perspectiva filosófica positivista que dominou o cenário intelectual da primeira metade do século XX.

Pois bem: logo após esse trecho Heisenberg se dedica a mostrar que embora para cada conceito mecânico tomado individualmente não haja, nem mesmo no domínio quântico, falta de experimentos capazes de lhe conferir legitimidade física, a quantização característica desse domínio impede que a posição e o momento possam ser determinados experimentalmente ao mesmo tempo com precisão ilimitada. Para isso, Heisenberg introduz o seu famoso experimento de pensamento do microscópio de raios gama6 6 Para o caso da relação entre tempo e energia, Heisenberg discute outro experimento, envolvendo um ímã de Stern-Gerlach. Para os propósitos deste artigo, podemos restringir nossa análise ao experimento do microscópio. . A análise que faz é porém excessivamente qualitativa, e passa por cima de um aspecto crucial, notado por Bohr antes mesmo de o artigo ser publicado. (Para detalhes, ver [7], p. 64-65.) Desse modo, é preferível seguir a apresentação mais completa feita por Heisenberg no seu livro de 1930 [4]. Nele, o experimento é ilustrado pelo seguinte diagrama:

O que se quer é determinar a posição de uma partícula livre (um elétron, por exemplo). Para tanto, ela deverá ser iluminada. Ora, sabe-se que a precisão de uma medida desse tipo será tanto maior quanto menor for o comprimento de onda l da radiação utilizada; daí a sugestão da utilização de radiação gama. Seja então a partícula iluminada por um feixe de raios gama na direção x indicada na figura. Eventualmente, um fóton de raios gama será espalhado pela partícula e capturado pela lente do microscópio. De acordo com as leis ópticas, a imprecisão dessa medida é dada por

Ocorre porém que ao ser espalhado o fóton transfere à partícula um momento da ordem de h/l (efeito Compton). Esse momento não pode ser exatamente conhecido, visto que a direção do fóton espalhado fica indeterminada dentro do ângulo e. Assim, existirá uma incerteza no momento final da partícula ao longo de x dada por

Heisenberg conclui então que "para o movimento após o experimento"

Como qualquer outro fator ligado às situações experimentais reais só pode contribuir para aumentar tais incertezas, esse raciocínio mostra que de fato seu produto está limitado por um mínimo da ordem da constante de Planck:

Essa rota para a derivação da relação de Heisenberg é muito diferente da considerada na seção anterior. Lá, partia-se da suposição de que os objetos quânticos são entes ondulatórios, representados quase literalmente por pacotes de onda. A relação obtida era uma relação de indeterminação ou indefinição intrínseca das grandezas conjugadas, tomadas em pares. Aqui, parte-se, ao contrário, da suposição de que o objeto que se está procurando observar (o elétron, no caso) é uma partícula, intrinsecamente caracterizável por uma posição e momento bem definidos. O problema, se o raciocínio for aceito, é que tais grandezas não poderão ser determinadas experimentalmente com precisão arbitrariamente grande. Trata-se pois de incertezas, no sentido próprio do termo. Nesta versão, e somente nela, a denominação usual de "princípio da incerteza" é justificada. Ora, incerteza é uma noção epistêmica, ou seja, relativa ao nosso conhecimento. Nesta versão, as relações de Heisenberg não expressariam, pois, uma característica física dos objetos (como na versão precedente), mas uma característica de nosso conhecimento acerca dos objetos. Portanto, é pertinente classificar a presente versão como epistemológica. Vejamos os termos em que o próprio Heisenberg expressa suas conclusões a partir do experimento do microscópio:

Os experimentos que fornecem tal definição [dos conceitos mecânicos] sofrem, eles próprios, de uma indeterminação introduzida puramente pelos procedimentos experimentais que utilizamos para a determinação simultânea de duas quantidades canonicamente conjugadas. A magnitude dessa indeterminação é dada pela relação (8) [na numeração do presente trabalho], generalizada para quaisquer quantidades canonicamente conjugadas ([1], p. 68; o grifo é meu).

Qual a relevância desse resultado para o objetivo central de Heisenberg, de dar conta das "discrepâncias internas" da interpretação física da mecânica quântica? Como vimos na seção 1, essas discrepâncias dizem respeito principalmente às "contradições" resultantes da utilização de concepções irreconciliáveis dos objetos quânticos, utilização essa requerida pelo conjunto dos diversos experimentos na base da física quântica ([1], p. 63). Heisenberg mantém, então, que a "relação de incerteza" ([4], p. 15) mostra como evitar os conflitos, na medida em que "especifica os limites dentro dos quais a concepção de partícula pode ser aplicada. Qualquer uso das palavras 'posição' e 'velocidade' com uma precisão que exceda aquela dada pela Eq. (3) [na presente numeração] é tão desprovida de significado como o uso de palavras cujo sentido não seja definido" ([4], p. 15).

Este último comentário é feito a propósito da relação obtida por meio do argumento simples desenvolvido por Bohr, apresentado na seção 2. No entanto, é claro, pelo que já vimos, que a relação estabelecida por esse argumento não deve ser entendida como uma relação de incerteza, mas de indeterminação ou indefinição. Estamos, pois, diante de uma das típicas passagens em que Heisenberg falha em distinguir as duas noções, a ontológica e a epistemológica. De qualquer modo, o comentário que vem de ser transcrito é inteiramente pertinente às relações estabelecidas por meio do argumento do microscópio de raios gama. Nesse caso, o que Heisenberg faz é evocar os alegados limites no nosso conhecimento possível dos valores precisos simultâneos de pares de grandezas conjugadas para justificar a falta desses valores no formalismo quântico (falta essa apontada por Dirac e Jordan, conforme já notamos), bem como, em um nível mais físico e intuitivo, a coexistência dos aspectos corpuscular e ondulatório dos objetos quânticos.

O raciocínio de Heisenberg se dirige, assim, a um só tempo à questão da completude da teoria quântica, que já começava a se apresentar como um dos pontos centrais das discussões, e à da estranha dualidade onda-partícula. Segundo sua perspectiva, a teoria seria completa, apesar de não fornecer valores precisos simultâneos para certas grandezas físicas, na medida em que os valores não fornecidos seriam em princípio impossíveis de obter experimentalmente, e portanto sem significado físico. E a dualidade não implica uma contradição, desde que se tenha o cuidado de aplicar os conceitos potencialmente conflitantes dentro das faixas de imprecisão estabelecidas pelas relações. O raciocínio parece perfeito, e exerceu, como se sabe, poderosa influência em todo o futuro das discussões sobre os fundamentos da mecânica quântica. No entanto, veremos na seção final deste trabalho que apresenta algumas deficiências conceituais e formais bastante sérias.

4. Versão estatística: "Dispersão estatística"

Não obstante as diferenças assinaladas, as duas versões das relações de Heisenberg examinadas nas seções precedentes têm um elemento em comum: em ambos os casos elas dizem respeito a um objeto ou situação experimental individual. No primeiro caso, cada objeto quântico exibiria uma certa forma de indefinição de propriedades; no segundo, nosso conhecimento de pares de grandezas conjugadas de cada objeto estaria limitado a uma determinada faixa de precisão. Mas na re-exposição do argumento para a primeira dessas versões feita em seu livro de 1930 [4] Heisenberg faz, efetivamente, uso de um conceito - o de desvio padrão - que viria a ser a semente de uma terceira versão de suas relações, como veremos agora.

No tratamento original, assim como no artigo de Bohr [3], as noções que simbolizamos acima por dx e dpx são explicitamente caracterizadas em termos da largura do pacote de onda (no espaço de coordenadas e momento, respectivamente). A rigor, como os pacotes típicos se estendem por todo o espaço, o de que se trata é da região em que o pacote, ou campo ondulatório, "difere apreciavelmente de zero" ([4], p. 69). Como salienta Jammer [2], p. 327, em termos quantitativos o que Heisenberg efetivamente usa em sua prova é uma função de onda cujo módulo quadrado é uma curva gaussiana, a faixa de indefinição sendo tomada como a metade do intervalo fora do qual essa quantidade cai a e-1 de seu valor máximo.

Ora, essa demonstração claramente precisava ser tornada mais geral, em vários sentidos. O primeiro a ressaltar isso em uma publicação parece ter sido E. H. Kennard, ainda em 1927. Além de procurar obter uma versão válida para quaisquer quantidades canonicamente conjugadas, Kennard mostrou que o uso de pacotes gaussianos dava as indeterminações mínimas possíveis7 7 Outro tratamento das relações que visou a um maior rigor e generalidade foi oferecido por Hermann Weyl em importante livro de 1928, Gruppentheorie und Quantenmechanik. Para referências e comentários adicionais sobre esses trabalhos de Kennard e Weyl, ver [2], p. 333. . Esse trabalho de Kennard foi explicitamente aproveitado por Heisenberg na reformulação de seu argumento, para as conferências de Chicago. O ponto que mais nos interessa aqui é o fato de que, seguindo Kennard e Weyl, Heisenberg passou a caracterizar as indefinições (ou, impropriamente, "incertezas") em termos dos desvios padrões das distribuições de probabilidades fornecidas pelo módulo quadrado das funções de onda8 8 Mais especificamente, as indefinições são definidas por vezes o desvio padrão. O termo 'desvio padrão' não é usado no texto de Heisenberg, embora o conceito efetivamente o seja. .

Ora, desvio padrão é uma noção estatística. O que estava, pois, por detrás de sua utilização neste contexto é a famosa interpretação estatística das funções de onda quânticas devida a Max Born, segundo a qual a probabilidade de se encontrar, numa medida de posição, a partícula quântica entre x e x + dx é dada pelo módulo quadrado da função de onda: |Y(x)|2 dx9 9 A regra pode ser generalizada para uma grandeza física qualquer, mas não precisamos aqui adentrar esse ponto. . Assim, a interpretação remete naturalmente a uma situação em que se considera, não um objeto individual, mas um conjunto, ou ensemble, de objetos preparados num mesmo estado quântico. Medidas realizadas sobre cada um dos membros do ensemble revelarão, tipicamente, valores diferentes e aleatórios, mas que se distribuem segundo uma curva dada pela função de onda. O novo tratamento dado por Heisenberg às suas relações (na porção do texto que estamos examinando!), insere-se, pois, dentro desse referencial conceitual, e não mais na perspectiva ontológica dos pacotes de onda como representações diretas dos objetos quânticos individuais.

Se essa linha tivesse sido consistentemente desenvolvida por Heisenberg ela o teria conduzido à terceira versão das relações. Quem primeiro fez isso de forma sistemática foi o filósofo da ciência Karl Popper, em seu livro de 1934, Logik der Forschung, que permaneceu virtualmente ignorado até que fosse traduzido para o inglês, no final da década de 1950 [10]. A razão principal do desprezo não foi a língua, é claro, mas o fato de o livro desenvolver uma análise filosófica da ciência que discrepava fortemente das que predominavam à época. Isso vale igualmente para a análise feita por Popper de diversos tópicos relativos aos fundamentos da mecânica quântica, entre os quais uma nova interpretação das relações de Heisenberg.

O que Popper propôs é que as relações fossem entendidas como "relações de dispersão estatística" ([10], p. 225). A motivação para isso é, naturalmente, a referida interpretação de Born das funções de onda. Segundo Popper, essa interpretação mostra que "a teoria ondulatória pode também ser tomada como uma teoria de partículas; pois a equação de ondas de Schrödinger pode ser interpretada como fornecendo a probabilidade de encontrar a partícula em uma dada região qualquer do espaço" (ibid., p. 222). A utilização da teoria de Schrödinger e da interpretação de Born da maneira sintetizada por Popper nessa passagem não era nenhuma novidade. Todo mundo sabia que a detecção individual dos objetos quânticos invariavelmente exibe um padrão corpuscular; as "ondas" introduzidas por Schrödinger nunca são vistas experimentalmente de forma direta (mesmo porque, na maioria dos casos, só são definidas em espaços com mais de três dimensões). Para aqueles que, como o próprio Schrödinger, de alguma forma acreditavam que a realidade física era ondulatória, esse ponto representava um intrigante problema. Schrödinger iria explorá-lo a fundo no seu artigo de 1935, em que aparece o famoso exemplo do "gato" [11]. Mas não é isso que nos interessa agora, nem interessava diretamente a Popper naquela época. Do ponto de vista operacional, não havia dúvidas quanto à correção das predições estatísticas feitas a partir das funções de onda, regidas pela equação de Schrödinger, e da fórmula de Born que as conectava ao plano experimental.

Pois bem: nesse quadro teórico e conceitual a interpretação correta das relações de Heisenberg é a da especificação de um limite mínimo para a dispersão estatística nos resultados de medida de grandezas conjugadas. Classicamente, não haveria nenhum tal limite, visto que qualquer dispersão teria origem puramente nas imperfeições experimentais, contingentes e capazes de em princípio serem melhoradas indefinidamente. Na mecânica quântica, porém, há uma dispersão mínima ineliminável, radicada na teoria, quando se trata de pares de grandezas conjugadas. Isso pode ser demonstrado rigorosamente a partir do formalismo matemático, sem nenhuma interpretação filosófica adicional, ontológica ou epistemológica. O que se requer é simplesmente uma generalização ulterior do resultado exposto no livro de Heisenberg (que, como vimos, se apoiava em investigações anteriores de Kennard e Weyl). Diversos autores contribuíram nesse empreendimento. Uma demonstração bastante precisa, simples e elegante foi oferecida por H.P. Robertson [12]. Ao tomar conhecimento desse trabalho, Schrödinger percebeu que podia ser generalizado ainda mais. Mostrou, no ano seguinte (ver [7], p. 73), que, para dois operadores auto-adjuntos quaisquer, A e B, os desvios padrões DA e DB das respectivas quantidades físicas obedecem à relação:

onde '<A>' denota o valor esperado de A para o estado quântico em questão, e analogamente para as outras grandezas. Para grandezas canonicamente conjugadas, o comutador de A e B (i.e., o fator AB - BA) é ih/2p; e para estados como o estudado por Heisenberg, que levam a uma dispersão mínima, o último termo quadrático é zero, para grandezas conjugadas, ficando-se pois com

que é a versão estatística da relação de Heisenberg. A Fig. 3 ilustra essa relação, para o caso de posição e momento. A relação significa que, qualquer que seja o objeto quântico, e quaisquer que sejam o seu estado e a situação experimental de medida, os histogramas não podem ser indefinidamente estreitados ao mesmo tempo.


É importante notar que a relação estatística (11) e sua demonstração independem completamente não apenas de qualquer hipótese acerca da natureza do objeto quântico, como também acerca de eventuais limitações de nosso conhecimento a seu respeito10 10 Mas os erros experimentais d q e d p devem, evidentemente, de ser razoavelmente menores que os desvios padrões, para que o estudo estatístico da situação seja possível. .

5. Esboço de análise crítica das três versões das relações

A interpretação estatística das relações de Heisenberg é uma interpretação mínima, que pode - e deve - ser aceita por todas as partes em disputa, facultando-se a cada uma delas acrescentar-lhe elementos adicionais. A posição de Popper em 1934 era a de que nada fosse acrescentado, ao menos até que investigações ulteriores esclarecessem uma série de questões ontológicas e epistemológicas suscitadas pela mecânica quântica. Isso estava inteiramente alinhado com o pensamento de Einstein, que à época já insistia que a mecânica quântica não deveria ser entendida como uma teoria sobre objetos individuais, e sim sobre ensembles estatísticos. Como se sabe, até o final de sua vida essa interpretação nortearia seu tratamento de virtualmente todos os problemas conceituais e teóricos suscitados pela mecânica quântica. Tal atitude de cautela motiva-se por dois fatores. Primeiro, conforme ilustra o caso das relações de Heisenberg, tudo o que o formalismo teórico propriamente dito autoriza é contemplado pela interpretação estatística. Depois, os diversos acréscimos interpretacionais propostos parecem todos envolver problemas teóricos e filosóficos bastante sérios. Vejamos como se pode argumentar a favor deste último ponto a partir do estudo das relações de Heisenberg11 11 Para uma defesa mais abrangente da interpretação estatística, veja-se o clássico artigo de Ballentine [13]. .

Comecemos pela interpretação ontológica ondulatória exposta na seção 2. Como vimos, a proposta neste caso é de que os entes quânticos têm uma natureza ondulatória, estendendo-se pelo espaço. A motivação experimental dessa interpretação é, naturalmente, o conjunto de fenômenos que indicam que os objetos quânticos (luz, elétrons, etc.) sofrem difração e interferência, como as ondas macroscópicas ordinárias. Do ponto de vista teórico, a motivação liga-se ao formalismo quântico desenvolvido por Schrödinger, baseado nas chamadas "funções de onda". Ora, a esse arrazoado se contrapõem diversas considerações.

Primeiro, quanto ao aspecto puramente experimental, os mencionados fenômenos coexistem com outros, como o efeito fotoelétrico, o efeito Compton e o movimento browniano, que sugerem que os entes quânticos são partículas. Esse é, naturalmente, o grande enigma que intrigou os físicos desde o início do século XX, e que até hoje não encontrou solução satisfatória. Uma tentativa de solucioná-lo foi a idéia de que, embora essencialmente ondulatórios, os objetos quânticos parecem por vezes se comportar como partículas porque nessas situações as "ondas" se concentram numa região muito pequena do espaço, formando como que "singularidades". Porém o mecanismo pelo qual isso ocorreria não só não está contido no formalismo de Schrödinger, mas também nunca pôde ser elucidado adequadamente do ponto de vista físico, envolvendo, ao contrário, uma série de graves dificuldades teórico-conceituais, como o famigerado "problema da medida", ou, mais geralmente, do "colapso da função de onda", cuja exposição não cabe no escopo deste trabalho12 12 Para uma análise atualizada desse problema, ver, por exemplo, [14]. .

Em segundo lugar, a tentativa de conceber a realidade quântica em conformidade literal com o formalismo ondulatório de Schrödinger esbarra na dificuldade de que, a não ser para o caso de uma única "partícula", as funções de onda não são descritíveis em espaços com três dimensões. Que realidade seria essa, que "existe" em espaços com inúmeras (e até mesmo infinitas) dimensões? Por que a realidade percebida é sempre tridimensional? Esse problema foi notado logo no início, e acabou levando o próprio Schrödinger ao abandono da idéia, ou à busca de uma versão mais sofisticada para ela13 13 Ver, a esse respeito, [15] e [16]. .

Passemos agora à versão epistemológica das relações de Heisenberg. Como vimos na seção 3, a idéia central aqui é que as relações não dizem respeito a nenhuma indefinição intrínseca dos objetos quânticos, mas simplesmente às limitações cognitivas sobre eles, devidas a um suposto distúrbio incontrolável e ineliminável introduzido quando da mensuração das propriedades dinâmicas dos objetos. Deve-se enfatizar, no entanto, que embora no cerne dessa interpretação esteja uma tese de natureza epistemológica, a análise dos argumentos avançados a seu favor revela que eles pressupõem uma ontologia de partículas. Tais argumentos apóiam-se em diversos experimentos de pensamento, o mais famoso dos quais sendo o do microscópio de raios gama. Já temos aqui os ingredientes para várias críticas importantes a essa interpretação.

Primeiro, há o problema epistemológico de se defender um princípio físico que se supõe de aplicação geral por meio de considerações sobre situações experimentais particulares. Esse problema não é exclusivo desse caso, é claro, abrangendo na verdade praticamente todo o domínio das ciências naturais, como salientam as análises pioneiras de Locke e Hume nos séculos XVII e XVIII. Mas no caso presente a referida generalização assume contornos especialmente problemáticos, visto que pretende abarcar uma classe inteira de processos físicos inteiramente diversos entre si. As generalizações empíricas mais aceitáveis na ciência são aquelas em que se parte de observações particulares para uma lei geral que subsuma somente os casos do mesmo tipo. Mas nos argumentos para as "relações de incerteza" pretende-se que o que (aparentemente) vale para aquele tipo o microscópio vale para qualquer outro, e para qualquer processo de observação de qualquer grandeza dinâmica em geral. Ora, não é preciso muito tino epistemológico para perceber que essa inferência é arriscada. O problema é agravado pela inexistência de um suporte teórico adequado para a generalização, em que pese a suposição de que a existência do chamado "quantum de ação" poderia ser esse suporte.

Outro problema liga-se ao fato de os argumentos experimentais para a presente versão das relações de Heisenberg se basearem em experimentos de pensamento. Numa análise bastante lúcida do papel desses experimentos na ciência, Popper defendeu a tese de que os experimentos de pensamento podem ter um papel importante na crítica de teorias e princípios, mas não em sua defesa, como é o caso aqui. Não me alongarei sobre esse ponto, remetendo o leitor diretamente ao texto de Popper, um dos apêndices introduzidos na tradução de seu livro já mencionado ([10], apêndice *xi).

Finalmente, o raciocínio de Heisenberg envolve uma falha conceitual grave e insanável, igualmente apontada por Popper nesse livro, tendo sido posteriormente examinada também por outros autores. Ocorre que, propriamente interpretados, os experimentos de pensamento não exibem a impossibilidade de medir simultaneamente os pares de grandezas conjugadas. No caso do microscópio, por exemplo, o que se mede - como em qualquer observação por microscópios, aliás - é apenas a posição da partícula (elétron, p. ex.), não o seu momento. Este é assumido como tendo um valor preciso bem conhecido (no caso, zero), como o próprio Heisenberg deixa claro ao iniciar a exposição do argumento: "Suponha, assim, que a velocidade de um elétron livre seja precisamente conhecida, ao passo que sua posição é completamente desconhecida" ([4], p. 20). O que o argumento visa a mostrar é apenas que a mensuração da posição do elétron introduz um distúrbio nesse momento inicial, distúrbio que não pode ser determinado quantitativamente de forma exata. Em conseqüência, após a mensuração o estado do elétron será tal que nem a posição é bem conhecida (pois a medida necessariamente tem uma margem de imprecisão), nem o momento, e que o produto das incertezas é, no melhor caso possível, da ordem da constante de Planck.

O ponto essencial aqui é a distinção entre mensuração e preparação de estado, ou "seleção física", como colocou Popper em sua análise pioneira do assunto ([10], p. 225 ss.). Não obstante a importância da distinção, ela só seria reconhecida e desenvolvida bem mais tarde, por Henry Margenau, em uma série de trabalhos publicados nas décadas de 1950 e 1960 [17], [18], [19]; ver também [13]. Servindo-nos do exemplo usado por Popper para caracterizar essas noções, temos uma seleção física de posição quando eliminamos de um feixe todas as partículas, exceto aquelas que passam por uma abertura estreita Dx, situada em uma determinada posição de um anteparo. Esse arranjo experimental não assegura, porém, que alguma partícula de fato tenha passado pela abertura. Para tanto, um detector - contador Geiger, placa fotográfica, etc. - deverá ser colocado diante da abertura. Somente quando uma partícula é efetivamente registrada, temos uma mensuração (no caso, de posição). Como salientou Margenau, a preparação de estado é um processo puramente hipotético; pode até ocorrer que a preparação seja vazia, ou seja, que de fato nenhum objeto físico seja preparado no estado desejado ([17], p. 30). Por outro lado, uma "mensuração significa colocar uma questão para a Natureza e obter uma resposta única" ([17], p. 26).

Em termos dessas noções, o experimento do microscópio de raios gama é um experimento de mensuração de posição, mas não de momento, e de preparação de momento, mas não de posição. Com a vantagem da retrospecção, podemos mesmo notar que o próprio Heisenberg reconheceu essa distinção em sua essência, ao salientar que sua relação de incerteza

não se refere ao passado; se a velocidade do elétron é inicialmente conhecida [como o argumento explicitamente assume] e a posição é mensurada com exatidão [o que em princípio é possível], a posição para tempos anteriores à mensuração pode ser calculada. Então, para tais tempos DpDq é menor do que o limite usual [dado pela relação de incerteza] ([4], p. 20; grifei).

Esses comentários são absolutamente corretos. Ao dizer que a relação não se refere ao passado Heisenberg está efetivamente reconhecendo que o que o experimento faz com o elétron é preparar seu momento: a incerteza Dp que aparece na fórmula obtida é referente ao estado do elétron depois do experimento, não sendo pois propriamente uma incerteza de mensuração. Por outro lado, o que é efetivamente medido é a posição do elétron. Não há nenhum limite fixo para a precisão dessa medida, como o próprio Heisenberg muitas vezes ressaltou. Assim, o experimento é inteiramente compatível com a situação indicada por Heisenberg nessa citação, e que numa análise equivocada poderia ser vista como a violação do princípio de incerteza. Na verdade, não há essa violação, é claro, desde que se atente ao ponto que Heisenberg está efetivamente fazendo: o princípio limita a preparação de estado (que remete ao futuro) não a mensuração de pares de grandezas conjugadas (relativa ao passado).

Note-se agora que essa interpretação do experimento do microscópio é inteiramente compatível com a interpretação estatística das relações de Heisenberg. Segundo essa interpretação, lembremos, não seria possível, dentro da teoria quântica, haver ensembles de objetos quânticos para os quais a dispersão estatística nos valores de pares de grandezas físicas conjugadas é menor do que o indicado nas relações. O que isso quer dizer em termos físicos, assumindo-se a adequação empírica da teoria, é que não é possível preparar experimentalmente tais ensembles. Ora, o experimento de Heisenberg, corretamente interpretado, simplesmente ilustra esse princípio numa situação particular. Note-se, a propósito, que o título da seção em Heisenberg 1930 [4] em que o experimento do microscópio e outros experimentos gedanken são apresentados é justamente "Ilustrações das relações de incerteza".

Parece que, finalmente, estamos indo por um caminho seguro. Infelizmente, porém, difundiu-se amplamente a idéia de que as relações de Heisenberg indicam a impossibilidade de mensurações simultâneas de grandezas conjugadas com precisão maior do que a indicada. Para essa tradição desafortunada contribuíram o próprio Heisenberg, Bohr e praticamente todos os pais da teoria, com possível exceção de Einstein. A crítica aqui apresentada deve-se pioneiramente a Popper, mas como já observei, ela foi ignorada por mais de duas décadas. Depois dos trabalhos teóricos de Margenau e de outros pesquisadores, bem como das extensivas análises históricas de Jammer, o ponto foi finalmente reconhecido no círculo dos pesquisadores dos fundamentos da mecânica quântica; todavia, fora dele as confusões perduram até hoje.

Essa análise mais rigorosa das relações de Heisenberg deixa, no entanto, uma série de questões em aberto. Um primeiro ponto diz respeito à própria mensurabilidade simultânea com precisão arbitrária de pares de grandezas conjugadas. Muito embora, como vimos, essa possibilidade não seja vedada pelas relações, o formalismo quântico não tem como acomodar o eventual conhecimento obtido por uma tal mensuração. Mas ao contrário de Einstein, que via nisso uma indicação de que a teoria oferece uma descrição incompleta da realidade14 14 Essa tese foi defendida explicitamente por Einstein por meio do famoso argumento envolvendo pares de objetos quânticos correlacionados [20]. Note-se que os continuados esforços de Einstein (e também de Schrödinger, visto que o seu argumento do "gato" tinha o mesmo objetivo; ver [21]) para estabelecer essa tese só fazem sentido quando se assume a versão correta das relações de Heisenberg. Embora Einstein não tenha desenvolvido uma análise tão incisiva e detalhada dessas relações como fez Popper, está claro que ele nunca aceitou a interpretação popular errada daquelas relações. Para uma análise detalhada das posições de Einstein quanto à mecânica quântica, ver [22] e [23], assim como o clássico [24]. , Heisenberg não se impressionou com o fato, aparentemente pelas razões apontadas no seu livro de 1930, logo após o trecho da p. 20 citado acima, em que admite que suas relações não excluem a possibilidade de medições simultâneas com precisão arbitrária. Segundo Heisenberg, o eventual "conhecimento do passado" obtido por tais medições

é de caráter puramente especulativo, visto que nunca pode (em razão da alteração desconhecida do momento causada pela mensuração da posição) ser usado como condição inicial em nenhum cálculo da progressão futura do elétron, não podendo portanto ser objeto de verificação experimental. É uma questão de pura crença pessoal se ao cálculo relativo à história passada do elétron pode-se ou não atribuir realidade física. ([4], p. 20).

Essa é uma das mais penetrantes observações já feitas sobre a questão que ora nos ocupa. Em minha opinião, traz um desafio muito mais forte aos defensores da tese da incompletude do que os famosos - e obscuros - argumentos de Bohr. Infelizmente, o ponto ficou diluído no meio de toda uma discussão mal direcionada de outros aspectos relativos à questão. Somente Popper, ao que eu sabia, procurou dar uma resposta explícita a esse argumento de Heisenberg ([10], seção 76). O que Popper faz é, em síntese, argumentar que não obstante o distúrbio no ato da mensuração e a conseqüente validade das relações de Heisenberg, o conhecimento obtido por eventuais medidas precisas de grandezas conjugadas (que no trecho citado Heisenberg chama de "cálculo relativo à história passada do elétron") pode desempenhar um papel importante no teste da teoria, e portanto na sua legitimação científica. Uma avaliação rigorosa desse ponto delicado é algo que ainda está por ser feito.

Antes de deixar esse assunto, vale a pena mencionar que há na literatura propostas explícitas de experimentos de pensamento para mostrar a possibilidade de mensurações de posição e momento com precisão arbitrariamente grande15 15 Ver [25] e [13]. Tais experimentos são do mesmo tipo do esboçado por Heisenberg no trecho citado acima [4], p. 20; ver também [10]. Não disponho de espaço aqui para discutir esses interessantes, porém controversos, experimentos. . Ademais, investigações teóricas da questão da mensurabilidade simultânea de grandezas conjugadas levaram, a partir da década de 1960, a um debate específico bastante técnico na literatura16 16 Para uma avaliação recente, com referências aos principais trabalhos, ver [26]. .

6. Indo um pouco além...

Para finalizar, algo deve ser dito aqui sobre a percepção comum de que, embora correta, a interpretação estatística das relações de Heisenberg deixa algo a desejar, no sentido de não oferecer uma explicação para a existência dos limites mínimos na dispersão estatística de grandezas físicas envolvidas. As opções para o fornecimento de uma tal explicação se delineiam dentro das propostas gerais de tratamento dos problemas conceituais e teóricos que assolam os fundamentos da mecânica quântica. Um assunto tão vasto não pode ser tratado neste artigo, naturalmente. Limitar-me-ei a identificar algumas posições, comentando-as brevemente.

Uma opção que não parece ter chances de sucesso é a de acoplar a interpretação estatística a uma ontologia de partículas clássicas, como a pressuposta no experimento do microscópio de raios gama. Naquele experimento, lembremos, toda a carga de inovação, relativamente à perspectiva da física clássica, recai sobre a existência do "quantum de ação" e sua influência sobre o processo de medição. Mas há aqui um problema de ordem física e outro de ordem filosófica. Primeiro, dentro de um referencial puramente clássico não há como encaixar a quantização das quantidades físicas. Depois, o deslocamento da explicação das peculiaridades dos fenômenos quânticos para o ato de medição traz o risco latente de subjetivização da física. Como a história do debate sobre a mecânica quântica bem testemunha, por essa ladeira muitos efetivamente escorregaram, puxados pelo próprio Heisenberg e por Bohr, que facilmente passavam da tese física, em princípio defensável, de um distúrbio físico entre o aparelho de medição e o objeto medido para a tese filosófica duvidosa de uma interferência mútua entre este último e os "agentes de observação", no sentido do sujeito cognitivo, com a suposta implicação de uma ruptura essencial, pela mecânica quântica, da distinção geral entre sujeito e objeto. Não há espaço aqui para examinar a fragilidade dessa inferência. Tampouco poderei comentar aquela que parece ter sido a única tentativa de instaurar uma interpretação de partículas em bases puramente físicas, a saber, a hoje desacreditada proposta de Alfred Landé17 17 Para referências, síntese e críticas, ver [7], seção 10.3. Para um dos raros comentários otimistas quanto a essa proposta, ver [13]. .

Outra opção explicativa para as relações de dispersão estatística de Heisenberg seria insistir na interpretação ontológica ondulatória. Já comentei, ao longo do texto, algumas das graves dificuldades físicas e conceituais que essa proposta envolve, entre as quais sobreleva a de dar conta dos aspectos corpusculares da matéria e da radiação. Mas, ao contrário da opção precedente, parece haver aqui alguma margem para a sofisticação da idéia tosca inicial. O próprio Schrödinger parece ter voltado a explorar esse caminho na fase final de sua produção científica (ver [16], [17]). Limito-me aqui a observar que, não obstante a impressionante magnitude das dificuldades que coloca, essa proposta fascina pelos potenciais ganhos que seu eventual encaminhamento frutífero poderia trazer, que certamente incluiriam um esclarecimento geral da situação nos fundamentos da teoria quântica.

Uma terceira opção é, em certo sentido, uma solução de compromisso: admitir na ontologia ondas e partículas ao mesmo tempo. Nessa proposta, delineada por de Broglie ao mesmo tempo em que a mecânica quântica era criada, partículas seriam "guiadas" por ondas. Mas nem as partículas nem as ondas envolvidas são inteiramente clássicas. Como ocorreu com a interpretação puramente ondulatória de Schrödinger, porém, a idéia foi logo abandonada pelo seu próprio criador, por causa de várias objeções levantadas contra ela. Mas a idéia das "ondas pilotos" reviveu na década de 1950, ao ser incorporada à teoria de variáveis ocultas formulada por David Bohm [28]. O programa de pesquisa a que essa surpreendente realização deu lugar assumiu um alto grau de desenvolvimento técnico e conceitual, continuando sempre ativo, ainda que minoritário, até nossos dias. Ele ofereceu, de forma direta ou indireta, contribuições de grande importância para a microfísica, que não cabe examinar aqui18 18 Ver, a esse respeito, Chibeni [6] e as referências ali citadas. . No que diz respeito especificamente à questão central que nos interessa presentemente, vale mencionar que o efeito de perturbação no ato da medida é explicitamente incorporado pela teoria de Bohm, que indica um mecanismo para ele. Mas ao contrário do tratamento dado à questão pela interpretação de Copenhague, esse mecanismo não envolve nenhum elemento subjetivo, inserindo-se no quadro geral das interações físicas (no caso, as resultantes do "potencial quântico"). Do ponto de vista teórico, a maior objeção a que a teoria está sujeita talvez seja o fato de envolver um tipo de ação não-local mais forte do que o presente na própria mecânica quântica19 19 Há uma vasta literatura sobre isso. Ver, por exemplo, os esclarecedores estudos de Jarrett [29] e Shimony [30]. . Do ponto de vista metodológico, paira sobre a teoria a acusação de violar o princípio da navalha de Occam, visto que as variáveis adicionais que introduz (que não são outras senão as próprias posições das partículas) não estão sob controle experimental completo. Em conseqüência disso, a teoria não fornece nenhum ganho empírico sobre a versão estatística comum da mecânica quântica.

Passando agora a algumas sugestões mais vagas, vale mencionar uma guinada que o pensamento de Popper sofreu desde o lançamento inicial de seu livro, em 1934, até sua tradução, em 1959. Como vimos, no livro Popper explicitou e defendeu a interpretação puramente estatística das relações de Heisenberg, dentro do quadro geral da interpretação estatística da mecânica quântica. Para ele, assim como para Einstein, as probabilidades quânticas em nada diferiam das probabilidades presentes nas teorias clássicas, como a mecânica estatística de Maxwell e Boltzmann. Essas probabilidades teriam, pois, origem epistêmica (falta de conhecimento detalhado dos processos físicos) e, além disso, deveriam ser estimadas experimentalmente por meio de freqüências relativas. Tal abordagem alia-se, naturalmente, à noção de uma realidade determinista subjacente aos fenômenos quânticos, como propõe de forma explícita a teoria de variáveis ocultas de Bohm, por exemplo. Mas ao passo que Einstein aparentemente nunca alterou suas convicções acerca de um substrato determinista para a física quântica20 20 Embora, como ressaltaram diversos historiadores, o compromisso com o determinismo não fosse o ponto central das críticas de Einstein à teoria quântica (ver e.g. [31], [23] e [32], cap. 9). Note-se também que Einstein não se entusiasmou com a teoria de variáveis ocultas apresentada por Bohm em 1952 [28], por considerá-la uma solução remendada para os problemas dos fundamentos da física quântica. , Popper abandonou explicitamente a visão determinista na edição de 1959 da Lógica da Descoberta Científica. Ao revisar e traduzir seu livro, inseriu inúmeras notas e alguns apêndices novos, em que indica ponto por ponto as alterações que gostaria de introduzir no que antes sustentara. Em síntese, sugere agora que as probabilidades quânticas têm origem em certos traços peculiares aos objetos quânticos, a que chamou de propensidades ("propensities"). Isso significou, pois, uma ruptura conceitual importante, não somente pela adesão ao indeterminismo, mas também pela suplementação da interpretação estatística por uma tese acerca dos objetos individuais. Deve-se enfatizar que, sendo uma suplementação, este último aspecto não altera o que há de essencial nas posições anteriores de Popper acerca da interpretação estatística da mecânica quântica, incluindo-se aí o tratamento dado às relações de Heisenberg. A nova sugestão opera no nível de uma explicação para aquelas relações e para os fenômenos quânticos em geral. A fraqueza da proposta é, claramente, seu caráter excessivamente vago, visto que pouco esclarece em termos físicos precisos acerca das tais propensidades, não obstante a extensão e o refinamento da análise filosófica do assunto feita por Popper num dos volumes do posfácio da Lógica [33]. Crítica semelhante se aplica às análises posteriores de Nicholas Maxwell [34], [35], que seguem na mesma direção, propondo a introdução das noções de "smearons", ou de "propênsitons discretos", para formar a base de uma ontologia quântica.

Em minha opinião, as contribuições desses e de diversos outros pesquisadores contemporâneos dos fundamentos da mecânica quântica, além de terem ajudado a retificar falhas que entravaram o progresso das pesquisas por muito tempo, apontam também no sentido de um maior interesse no desenvolvimento de uma interpretação realista da teoria quântica. O dogmatismo histórico que proibia ou desencorajava a busca de uma tal interpretação vai, assim, sendo aos poucos quebrado21 21 Para um mapeamento dos horizontes de investigação abertos na microfísica pela superação de barreiras introduzidas pela interpretação de Copenhague, ver [6], cap. 7. Para a sugestão de que a busca de uma interpretação realista da mecânica quântica pode e deve ser guiada por seu próprio formalismo teórico, ver [36]. ,22 22 Gostaria de agradecer a Michel Paty e Osvaldo Pessoa Jr. os valiosos comentários que fizeram a versões preliminares deste texto. A versão eletrônica da Fig. 1 foi-me gentilmente cedida por este último pesquisador. .

Recebido em 4/10/2004; Aceito em 21/11/2004

  • [1] W. Heisenberg, The physical content of quantum kine- matics and mechanics, traduzido por J.A. Wheeler e W.H. Zurek, in: J.A. Wheeler and W.H. Zurek (eds), Quantum Theory and Measurement (Princeton University Press, Princeton, 1983), p. 62-84 (originalmente publicado em Zeitschrift für Physik 43, 172 (1927)).
  • [2] M. Jammer, The Conceptual Development of Quantum Mechanics (McGraw-Hill, New York, 1966).
  • [3] N. Bohr, in The quantum postulate and the recent development of atomic theory, Atomic Theory and the Description of Nature (Cambridge University Press, Cambridge, 1961) (originalmente publicado em Nature 121, 580 (1928)).
  • [4] W. Heisenberg, 1930. The Physical Principles of the Quantum Theory(Dover, New York, 1949, traduzido por C. Eckart e F.C. Hoyt).
  • [5] A. Tartaglia, European Journal of Physics 19, 307 (1998).
  • [6] S.S. Chibeni, Aspectos da Descriçăo Física da Realidade (Coleçăo CLE, v. 21, Centro de Lógica da Unicamp, Campinas, 1997).
  • [7] M. Jammer, The Philosophy of Quantum Mechanics (John Wiley & Sons, New York, 1974).
  • [8] D. Bohm, Quantum Theory (Prentice-Hall, Englewood Cliffs, 1951).
  • [9] O. Pessoa Jr., Conceitos de Física Quântica (Editora Livraria da Física, Săo Paulo, 2003).
  • [10] K.R. Popper, The Logic of Scientific Discovery (Hutchinson, London, 1968), 5 ed. (originalmente Logik der Forschung, que saiu em Viena em 1934, com data de 1935. Traduçăo inglesa do autor, revista e ampliada, 1959).
  • [11] E. Schrödinger, Proceedings of the American Philosophical Society 124, 323 (1980) (traduzido por J.D. Trimmer. Originalmente publicado em Naturwissenschaften 23, 807, 823 e 844 (1935)).
  • [12] H.P. Robertson, Physical Review 34, 163 (1929).
  • [13] L.E. Ballentine, 1970. Review of Modern Physics 42, 358 (1970).
  • [14] O. Pessoa Jr, Cadernos de História e Filosofia da Cięncia, Série 3, 2, 177 (1992).
  • [15] J. Dorling, Schrödinger's original interpretation of the Schrödinger's equation: A rescue attempt, in: C.W. Kilmister (ed), Schrödinger, Centenary Celebration of a Polymath (Cambridge University Press, Cambridge, 1987) p. 16-40.
  • [16] M. Bitbol, in Introduçăo ŕ coletânea de textos de Schrödinger, editado por M. Bitbol, The Interpretation of Quantum Mechanics (Ox Bow Press,mWoodbridge, 1995).
  • [17] H. Margenau, Philosophy of Science 25, 23 (1958).
  • [18] H. Margenau, Philosophy of Science 30, 1 e 138 (1963a).
  • [19] Margenau, H. Annals of Physics 23, 469 (1963b).
  • [20] A. Einstein, B. Podolsky e N. Rosen, Physical Review 47, 777 (1935).
  • [21] A. Fine, The Shaky Game. Einstein and the Quantum Theory (The University of Chicago Press, Chicago, 1986).
  • [22] M. Paty, Einstein Philosophe (Presses Universitaires de France, Paris, 1993b).
  • [23] M. Paty, Foundations of Physics 25, 183 (1995).
  • [24] A. Pais, Subtle is the Lord (Oxford University Press, Oxford, 1982).
  • [25] M.C. Robinson, Canadian Journal of Physics 47, 963 (1969).
  • [26] J. Uffink, International Journal of Theoretical Physics 33, 199 (1994).
  • [27] M. Paty, Formalisme et interpretation physique chez Schrödinger, in: M. Bitbol. e O. Darrigol (eds), Erwin Schrödinger. Philosophy and the Birth of Quantum Mechanics (Éditions Frontičres, Gif-sur-Ivette, 1993c), p. 161-190.
  • [28] D. Bohm, Physical Review 85, 166 e 180 (1952).
  • [29] J.P. Jarrett, Nous 18, 569 (1984).
  • [30] A. Shimony, Controllable and uncontrollable non-locality, in: Kamefuchi et al. (eds) Foundations of Quantum Mechanics in the Light of New Technology (The Physical Society of Japan, Tokio, 1984) e reproduzido em A. Shimony, Search for a Naturalistic World View (Cambridge University Press, Cambridge, 1993), v. II, p. 130-139.
  • [31] M. Paty, La Pensée 292, 93 (1993a).
  • [32] M. Paty, Albert Einstein, ou la Création Scientifique du Monde (Les Belles Lettres, Paris, 1997).
  • [33] K.R. Popper, Quantum Theory and the Schism in Physics (Hutchinson, London, 1982).
  • [34] N. Maxwell, Foundations of Physics 12, 607 (1982).
  • [35] N. Maxwell, The British Journal for the Philosophy of Science 39, 1 (1988).
  • [36] M. Paty, European Journal of Physics 20, 373 (1999).
  • [37] S.S. Chibeni, European Journal of Physics 22, 9 (2001).
  • [38] C.W. Kilmister (ed.), Schrödinger, Centenary Celebration of a Polymath (Cambridge University Press, Cambridge, 1987).
  • 1
    E-mail:
  • 2
    Para um exemplo, ver [5]; para um exame crítico desse artigo, ver Chibeni [37].
  • 3
    Para uma análise histórica e conceitual detalhada, ver [7], seção 3.2.
  • 4
    Por exemplo, conceber a existência em espaços com mais do que três dimensões, dar conta do aspecto corpuscular da luz e da matéria ponderável, etc.
  • 5
    Para isso consulte-se, por exemplo, o livro-texto de David Bohm [8]. Ver também [9], caps. 11 e 12, para uma análise atual e acessível, que cobre diversos pontos que não foram mencionados aqui, como por exemplo as complicações adicionais envolvidas na derivação das relações para energia e tempo.
  • 6
    Para o caso da relação entre tempo e energia, Heisenberg discute outro experimento, envolvendo um ímã de Stern-Gerlach. Para os propósitos deste artigo, podemos restringir nossa análise ao experimento do microscópio.
  • 7
    Outro tratamento das relações que visou a um maior rigor e generalidade foi oferecido por Hermann Weyl em importante livro de 1928,
    Gruppentheorie und Quantenmechanik. Para referências e comentários adicionais sobre esses trabalhos de Kennard e Weyl, ver [2], p. 333.
  • 8
    Mais especificamente, as indefinições são definidas por
    vezes o desvio padrão. O termo 'desvio padrão' não é usado no texto de Heisenberg, embora o conceito efetivamente o seja.
  • 9
    A regra pode ser generalizada para uma grandeza física qualquer, mas não precisamos aqui adentrar esse ponto.
  • 10
    Mas os erros experimentais d
    q e d
    p devem, evidentemente, de ser razoavelmente menores que os desvios padrões, para que o estudo estatístico da situação seja possível.
  • 11
    Para uma defesa mais abrangente da interpretação estatística, veja-se o clássico artigo de Ballentine [13].
  • 12
    Para uma análise atualizada desse problema, ver, por exemplo, [14].
  • 13
    Ver, a esse respeito, [15] e [16].
  • 14
    Essa tese foi defendida explicitamente por Einstein por meio do famoso argumento envolvendo pares de objetos quânticos correlacionados [20]. Note-se que os continuados esforços de Einstein (e também de Schrödinger, visto que o seu argumento do "gato" tinha o mesmo objetivo; ver [21]) para estabelecer essa tese só fazem sentido quando se assume a versão correta das relações de Heisenberg. Embora Einstein não tenha desenvolvido uma análise tão incisiva e detalhada dessas relações como fez Popper, está claro que ele nunca aceitou a interpretação popular errada daquelas relações. Para uma análise detalhada das posições de Einstein quanto à mecânica quântica, ver [22] e [23], assim como o clássico [24].
  • 15
    Ver [25] e [13]. Tais experimentos são do mesmo tipo do esboçado por Heisenberg no trecho citado acima [4], p. 20; ver também [10]. Não disponho de espaço aqui para discutir esses interessantes, porém controversos, experimentos.
  • 16
    Para uma avaliação recente, com referências aos principais trabalhos, ver [26].
  • 17
    Para referências, síntese e críticas, ver [7], seção 10.3. Para um dos raros comentários otimistas quanto a essa proposta, ver [13].
  • 18
    Ver, a esse respeito, Chibeni [6] e as referências ali citadas.
  • 19
    Há uma vasta literatura sobre isso. Ver, por exemplo, os esclarecedores estudos de Jarrett [29] e Shimony [30].
  • 20
    Embora, como ressaltaram diversos historiadores, o compromisso com o determinismo não fosse o ponto central das críticas de Einstein à teoria quântica (ver e.g. [31], [23] e [32], cap. 9). Note-se também que Einstein não se entusiasmou com a teoria de variáveis ocultas apresentada por Bohm em 1952 [28], por considerá-la uma solução remendada para os problemas dos fundamentos da física quântica.
  • 21
    Para um mapeamento dos horizontes de investigação abertos na microfísica pela superação de barreiras introduzidas pela interpretação de Copenhague, ver [6], cap. 7. Para a sugestão de que a busca de uma interpretação realista da mecânica quântica pode e deve ser guiada por seu próprio formalismo teórico, ver [36].
  • 22
    Gostaria de agradecer a Michel Paty e Osvaldo Pessoa Jr. os valiosos comentários que fizeram a versões preliminares deste texto. A versão eletrônica da
    Fig. 1 foi-me gentilmente cedida por este último pesquisador.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Recebido
      04 Out 2004
    • Aceito
      21 Nov 2004
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