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Efeito Kelvin com corrente não-senoidal

Kelvin effect with non-sinusoidal current

Resumos

O objetivo deste trabalho é mostrar como o uso de um software adequado permite resolver o problema do efeito Kelvin de maneira simples em condutores cilíndricos. Calculamos a forma de onda da corrente elétrica para tensões aplicadas não senoidais, tópico este de importância em eletrônica de alta freqüência.

efeito Kelvin; onda não senoidal


The aim of this work is to show as the use of an adequate software allows us to solve the problem of the Kelvin effect in a simple way for cylindrical conductors. We calculate the waveform of electrical current for non-sinusoidal applied voltages, topic of great importance in high frequency electronics.

Kelvin effect; non-sinusoidal wave


ARTIGOS ORIGINAIS

Efeito Kelvin com corrente não-senoidal

Kelvin effect with non-sinusoidal current

Renê RobertI,1 1 E-mail: rene@lactec.org.br. ; Sergio L.M. BerlezeII; V. Swinka FilhoIII

IDepartamento de Engenharia Elétrica, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

IIDepartamento de Física, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

IIIInstituto de Tecnologia para Desenvolvimento, Curitiba, PR, Brasil

RESUMO

O objetivo deste trabalho é mostrar como o uso de um software adequado permite resolver o problema do efeito Kelvin de maneira simples em condutores cilíndricos. Calculamos a forma de onda da corrente elétrica para tensões aplicadas não senoidais, tópico este de importância em eletrônica de alta freqüência.

Palavras-chave: efeito Kelvin, onda não senoidal.

ABSTRACT

The aim of this work is to show as the use of an adequate software allows us to solve the problem of the Kelvin effect in a simple way for cylindrical conductors. We calculate the waveform of electrical current for non-sinusoidal applied voltages, topic of great importance in high frequency electronics.

Keywords: Kelvin effect, non-sinusoidal wave.

1. Introdução

Quando um condutor retilíneo filiforme é percorrido por uma corrente constante, esta se distribui uniformemente na seção transversal. O mesmo não ocorre quando a corrente é variável no tempo, por exemplo, no caso de uma corrente alternada senoidal de freqüência angular w. Este fenômeno recebe o nome de efeito pelicular ou efeito Kelvin. O efeito pelicular é função da condutividade s e da permeabilidade magnética m do condutor, bem como da freqüência angular w. Do ponto de vista microscópico o efeito pelicular é função do livre caminho médio [1] , do ''skin depth'' d [2] e do tempo de relaxação t = /v do elétron no condutor, onde v é a velocidade média quadrática devida ao movimento térmico. Daí a seguinte classificação [3]:

A - Efeito pelicular clássico << d e << v/ w

B - Relaxação v / w << << d

C - Efeito pelicular anômalo d << e d << v / w

D - Reflexão anômala v / w << d <<

Este trabalho se atém ao efeito pelicular clássico e mostra como manusear as equações básicas de modo a obter facilmente grandezas de interesse técnico tais como: resistência efetiva, reatância efetiva, diferença de fase entre corrente e tensão e forma de onda da corrente para um fio retilíneo de seção transversal circular uniforme, o qual é um dos raros casos que apresenta solução analítica simples.

2. Desenvolvimento analítico

Para deduzir a distribuição de corrente no condutor filiforme, com seção transversal circular de raio a conforme mostra a Fig. 1, algumas hipóteses simplificadoras devem ser feitas: os campos elétrico e magnético variam no tempo de modo que as condições do caso A sejam válidas; o condutor é homogêneo e não magnético, isto é, s = const. e m = const.; o condutor é eletricamente neutro, r = 0; vale a lei de Ohm J = sE; a corrente de deslocamento ¶Dt é muito pequena quando comparada com a corrente de condução J = sE; o comprimento l do condutor é muito maior que o raio a.


Nestas condições as equações de Maxwell se reduzem a:

Tomando o rotacional das Eqs. (3) e (4), e tendo em vista as hipóteses acima, obtém-se:

As Eqs. (5), (6) e (7) são conhecidas como equação de difusão. Só existem soluções analíticas fechadas para estas equações quando os condutores têm a forma de placas ou cilindros com comprimento muito grande. Para qualquer outra forma, só podem ser resolvida numericamente.

Considere a Eq. (7) aplicada a um condutor cilíndrico. Devido a simetria cilíndrica do problema, e usando coordenadas cilíndricas (r, j, z), obtém-se:

Fazendo Jz (r, t) = Jz (r) exp(iwt) a Eq. (8) transforma-se em

onde T2 = - imsw e i é a unidade imaginária. A Eq. (9) é uma equação diferencial de Bessel, a qual tem como solução

onde J0 (Tr) e Y0 (Tr) são as funções de Bessel de primeira e segunda espécie, respectivamente e ordem zero. A constante B deve ser igual a zero pois a corrente é finita para r = 0. Desta forma a densidade de corrente no condutor é expressa por

onde A é a densidade de corrente elétrica no eixo do cilindro condutor.

Com um pouco de álgebra obtém-se a seguinte equação para T = (1 - i)/d, onde d = é conhecido como ''skin depth''. Como o argumento de J0 é complexo a Eq. (11) transforma-se nas conhecidas funções de Kelvin.

Com o auxílio da lei de Ohm e da equação de Maxwell (3) calcula-se facilmente o campo elétrico E = Ez , o campo magnético H = Hj e a corrente elétrica I que flui pelo condutor obtendo-se, respectivamente,

onde J1 (Ta) é a função de Bessel de primeira espécie e ordem um.

Usando o teorema de Poynting-Oumov é possível calcular a impedância efetiva do cilindro condutor de comprimento unitário com auxílio da equação abaixo [4]:

obtendo-se para Z = R + iX a equação:

onde R0 = 1/pa2s é a resistência elétrica para corrente constante, R é a resistência efetiva e X a reatância efetiva do condutor.

Considera-se agora o caso em que o campo aplicado é periódico mas não senoidal, representado por uma série de Fourier do tipo V(t) = Vn exp(inwt) . Para resolver este problema supõe-se um circuito linear de modo a ser possível utilizar o princípio de superposição [5]. Um circuito para gerar a tensão representada por uma série de Fourier pode ser composto de diversas fontes de tensão ligadas em série. Sendo que cada fonte deve gerar uma componente com amplitude Vn e freqüência nw. Na Fig. 2 a carga deve ser um circuito com comportamento linear onde a relação Zn = Vn (nw)/I(nw) é válida, conforme representação esquemática deste. Nestas condições a densidade de corrente pode ser escrita como: Jz (r,t) = Jn (r) exp(inwt) . Substituindo este valor na Eq. (7) obtém-se uma equação diferencial de Bessel similar à (9), cuja solução é a seguinte:

onde img06 = - imsnw, A0n é a amplitude da densidade de corrente para a freqüência nw no eixo do cilindro e J0 (Tn r) é a função de Bessel de primeira espécie e ordem zero.


A impedância unitária para a componente de freqüência nwé dada pela equação:

onde J1 (Tn a) é a função de Bessel de primeira espécie e ordem um, Tn = 1 - i/dn e dn = .

A corrente elétrica total será dada pela equação

onde Zn = |Zn| exp(ijn).

Para o cálculo da corrente elétrica deve-se acrescentar a indutância externa à impedância dada pela Eq. (18). A equação da indutância externa é expressa por [6,7]

onde l é o comprimento do condutor e a é o seu raio.

3. Resultados numéricos

Para exemplificar numericamente as equações acima, usamos o SI e vamos tomar um fio de cobre de comprimento l = 1 m, com diâmetro 2a = 3 mm e condutividade elétrica de s = 5.71×107 S/m. Para efetuar os cálculos utilizou-se o software Mathematica, o que torna a tarefa extremamente simples. Para um condutor de cobre sabe-se que o número de elétrons por unidade de volume vale n = 8.45 ×1028 eletrons/m3, e a velocidade de Fermi vale v = 1.57×106 m/s. Com estes dados pode-se estimar o tempo de colisão t = ms/ne2, onde m é a massa do elétron, e e é a carga eletrônica, e o livre caminho médio = tv. Estes valores são, respectivamente, t = 2.39×10-4 s e = 3.76 ×10-8 m. Desta forma verifica-se que a hipótese A é válida para freqüências de até aproximadamente 1 GHz.

A Fig. 3 mostra um gráfico da corrente e da tensão elétrica para uma onda senoidal de freqüência 10 kHz e a Fig. 4 mostra a resistência efetiva e a reatância interna efetiva como função de a/d calculada com a Eq. (16).



A Fig. 5 mostra uma onda quadrada de tensão com amplitude unitária, representada por sua série de Fourier, a qual é dada pela equação


Usando a impedância fornecida pela Eq. (18) acrescida da reatância externa iwL calcula-se a corrente elétrica total no circuito, suposto linear. A Fig. 6 mostra a variação da corrente no tempo para uma freqüência fundamental de 100 Hz. A forma da onda de corrente e da tensão são muito semelhantes. A Fig. 7 mostra a variação da corrente quando a freqüência fundamental é de 10 kHz, onde nota-se uma drástica diferença com o caso anterior. Chama-se atenção para o fato de que os cálculos tornam-se extremamente fáceis com o uso de certos softwares que permitem o uso de argumentos complexos para as funções de Bessel.



4. Conclusão

Conforme pudemos constatar, o uso de softwares que permitem a entrada de argumentos complexos nas funções de Bessel tornam extremamente fácil o estudo do efeito pelicular tanto no que se refere ao cálculo da resistência e reatância efetiva bem como na corrente elétrica. Este mecanismo dispensa o cálculo explícito das funções de Kelvin. Ondas periódicas não-senoidais são aplicadas em diversas áreas da engenharia tais como telecomunicações, rádio, controle automático, computação, processamento de dados, etc. Deve-se mencionar também como curioso a mudança da forma de onda da corrente, especialmente em altas freqüências o que é de suma importância na eletrônica.

Recebido em 28/3/2005; Aceito em 28/7/2005

  • [1] N.W. Ashcroft and N.D. Mermin, Solid State Physics (W.B. Saunders Company, Philadelphia, 1976), p. 1-11.
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  • [3] H.B.G. Casimir and J. Ubbink, Philips Technical Review 28, 300 (1967).
  • [4] L. Bessonov, Cours d'Eletrotechnique Theorique (Editions Ecole Superieur, Moscou, 1968), p. 665.
  • [5] G. Zeveke, A. Ionkin, A. Netushil and S. Strakhov, Analysis and Synthesis of Electric Circuits (Mir Publishers, Moscow, 1979), p. 378.
  • [6] E.B. Rosa, Bulletin of the National Bureau of Standard 4, 301 (1908), p. 301-344.
  • [7] M.N.O. Sadiku, Elements of Electromagnetics (Oxford University Press, Oxford, 1995), p. 373.
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      28 Mar 2005
    • Aceito
      28 Jul 2005
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