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O uso de 'espirais' de encadernação como molas

The use of plastic book binding 'spirals' as springs

Resumos

No presente texto mostramos como utilizar 'espirais' de plástico para encadernação em lugar das tradicionais molas de aço na realização de uma série de interessantes atividades práticas para ensino de Física em escolas de nível médio.

ensino experimental; material de baixo custo; elasticidade; oscilações mecânicas


In this paper we describe how plastic book binding 'spirals' can be used to substitute the usual steel springs to perform a set of interesting laboratory teaching activities for secondary schools.

laboratory teaching; low-cost materials; elasticity; mechanical oscilations


PRODUTOS E MATERIAIS DIDÁTICOS

O uso de 'espirais' de encadernação como molas

The use of plastic book binding 'spirals' as springs

Rolando AxtI,1 1 E-mail: lang@if.ufrgs.br. ; Helio BonadimanI; Fernando Lang da SilveiraII

IDepto. de Física, Estatística e Matemática, UNIJUÍ, Ijuí, RS, Brasil

IIInstituto de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

RESUMO

No presente texto mostramos como utilizar 'espirais' de plástico para encadernação em lugar das tradicionais molas de aço na realização de uma série de interessantes atividades práticas para ensino de Física em escolas de nível médio.

Palavras-chave: ensino experimental, material de baixo custo, elasticidade, oscilações mecânicas.

ABSTRACT

In this paper we describe how plastic book binding 'spirals' can be used to substitute the usual steel springs to perform a set of interesting laboratory teaching activities for secondary schools.

Keywords: laboratory teaching, low-cost materials, elasticity, mechanical oscilations.

1. Introdução

A determinação da constante de elasticidade de uma mola helicoidal é um experimento de fácil execução desde que se disponha de uma mola apropriada para esse fim. Outros acessórios, tais como uma balança de Jolly2 2 Uma balanca de Jolly pode ser vista na Fig. 3. e um conjunto de pesos graduados, podem ser substituídos por materiais mais simples. Por exemplo, improvisa-se a balança com uma longa régua de madeira e os pesos com um conjunto de arruelas, de 8 a 10 g cada uma, que, para medir elongações, podem ser suspensas na mola individualmente ou agrupadas.

No presente texto mostramos ser possível improvisar inclusive as molas, utilizando em seu lugar 'espirais'3 3 Como é bem sabido, uma espiral é uma curva plana. Entretanto, utilizaremos neste texto a denominacão vulgar de 'espiral' de encadernacão para aquilo que, mais apropriadamente, deveria ser denominado helicóide de encadernacão. Na seqüência do texto passamos a usar o termo espiral sem aspas. de encadernação. Além da vantagem do baixo custo e da facilidade com que são adquiridas, essas espirais apresentam um desempenho satisfatório na realização de diversas atividades práticas sobre propriedades das molas e outros efeitos que podem ser com elas demonstrados.

2. Determinação da constante elástica da mola - Lei de Hooke

A Lei de Hooke estabelece uma relação de proporcionalidade entre a força F exercida sobre uma mola e a elongação Dx correspondente (F = k.Dx), onde k é a constante elástica da mola.

Para determinar o valor da constante elástica da espiral, utilizamos uma balança de Jolly equipada com uma escala espelhada e uma haste vertical de altura regulável. Na espiral foram suspensos, além de um ''suporte de pesos'' de 10 g, mais cinco ''pesos'', cada um de 10 g, tendo-se medido as respectivas elongações da espiral.

Os dados técnicos desta espiral, também utilizada nas atividades descritas nas seções 4 e 5, são os seguintes: é de plástico transparente, sua massa é de 39 g, mede 38 cm de comprimento e 3,5 cm de diâmetro, e foi adquirida numa loja de xerox por R$ 1,00.

A Fig. 1 apresenta o gráfico que relaciona a massa suspensa na espiral com a leitura da escala com base nos dados que constam na Tabela 1.


Conforme se observa no gráfico da Fig. 1, a espiral de encadernação, quando tensionada, obedece aproximadamente a Lei de Hooke4 4 A possibilidade de investigar regimes elásticos e plásticos, assim como efeitos de histerese nessa mola é uma questão para ser proposta aos alunos, possivelmente na forma de um projeto para estudo extra-classe. Uma deformacão permanente na espiral de plástico não é tão ''trágica'' quanto a deformacão permanente das molas de aco que temos nos laboratórios. Sobre elasticidade, plasticidade e histerese pode-se consultar [1]. . A constante de elasticidade da espiral, calculada a partir desses dados, tem um valor de 1,79 N/m.

3. O comprimento da mola e sua constante elástica - associação de molas

Se for cortado um pedaço da espiral, o valor da constante elástica aumentará. Esse resultado é contra-intuitivo para muitos estudantes que acreditam que a mola mais curta tem constante elástica menor. O professor pode facilmente expor o efeito do comprimento da espiral sobre a constante elástica, suspendendo massas iguais em espirais de diferentes comprimentos. A Fig. 2 demonstra esse efeito com espirais cujas espiras têm diâmetro de 2 cm e cujos comprimentos estão na proporção de dois para um5 5 As alcas das extremidades das espirais são feitas dobrando-se meio elo com o auxílio de um alicate. A esse respeito, consulte o apêndice. .


Depreende-se dessa figura que a espiral de comprimento 2L deforma-se o dobro em relação à espiral de comprimento L quando ambas sustentam a mesma carga. Observa-se também que os espaçamentos entre os elos contíguos das espirais deformadas são aproximadamente iguais. As constantes elásticas das espirais de comprimentos L e 2L foram determinadas e valem, respectivamente, 6,6 N/m e 3,3 N/m.

Na associação em série de duas espirais de comprimento L (cada uma com constante elástica de 6,6 N/m), mediu-se a constante elástica equivalente, obtendo-se ks @ 3,3 N/m; este resultado corrobora a teoria segundo a qual a constante elástica da associação em série de duas molas idênticas corresponde à metade da constante de um única mola. Na associação das mesmas espirais de comprimento L em paralelo, o valor medido para a constante elástica equivalente dobra em relação ao das constantes elásticas das molas individuais, sendo kp @ l3,2 N/m, corroborando novamente a teoria6 6 São facilmente encontradas duas espirais que aparentemente diferem apenas no diâmetro das espiras; entretanto, quando se mede precisamente as espessuras dos fios de plástico utilizados para confeccioná-las, constata-se que existe diferenca na espessura média desses fios. Dessa forma o estudo empírico da relacão entre a constante elástica e o diâmetro das espiras, bem como a espessura do fio, fica prejudicado. .

4. O oscilador massa-mola

Outro procedimento para determinar a constante elástica k de uma mola é o método dinâmico. Diferentemente do método estático, onde são medidas forças tensoras e deformações, neste método as variáveis a serem investigadas são as massas do sistema, a constante elástica da mola e o período do oscilador massa-mola.

Suspendendo uma massa M de 30 g na espiral, colocamos o sistema a oscilar e medimos um período de aproximadamente 0,98 s. No presente caso, para calcular a constante elástica não se aplica a conhecida equação que relaciona o período do oscilador com a constante k da mola e com a massa M, pois essa equação é deduzida supondo-se que a massa m da própria mola seja desprezível em relação à massa nela suspensa. Como a massa m da espiral é de 39 g, (portanto maior do que M), e também oscila, devemos considerá-la como parte do oscilador. Na ref. [2], por exemplo, encontra-se uma equação mais completa para o período T do oscilador massa-mola. Nessa equação a massa da mola toma parte da massa do sistema oscilante7 7 Justifica-se qualitativamente a adicão apenas parcial da massa m da mola à massa do sistema oscilante, alegando que regiões diferentes da mola oscilam com amplitudes diferentes e, portanto, sofrem aceleracões instantâneas desiguais. A adicão integral da massa m à massa M somente seria admissível se em toda a extensão da mola a oscilacão tivesse a mesma amplitude; é notório que quanto mais próxima da extremidade fixa se encontra uma particular porcão da mola, menor é a sua amplitude de oscilacão e que, finalmente, esta se anula na extremidade fixa. Na ref. [4] este problema da oscilacão vertical de uma mola com uma massa acoplada a ela é abordado mais detalhadamente do que nos livros didáticos, sendo discutido também o limite de validade da Eq. (1).

Introduzindo na Eq. (1) os dados disponíveis, obtivemos para a constante elástica dinâmica da espiral o valor de 1,77 N/m, que está em boa concordância8 8 Caso a massa da espiral não tivesse sido considerada, encontraríamos uma constante elástica de 1,23 N/m, resultado este em flagrante incoerência com o valor obtido pelo método estático. com o valor de 1,79 N/m, anteriormente encontrado pelo método estático.

Obviamente, pela natureza do material de que a espiral é feita, fatores como temperatura e fadiga podem alterar esses valores, o que não chegamos a verificar.

5. A mola em queda livre

Uma demonstração interessante pode ser feita segurando a espiral em posição vertical e a seguir deixando-a cair [3]. Por estar ela esticada pela ação do próprio peso antes de ser solta, existem tensões internas no seu sistema de elos. A Fig. 3 apresenta dois instantes da demonstração realizada com uma espiral de 5,5 cm de diâmetro.


Na foto da esquerda da Fig. 3 a espiral encontra-se em repouso e pode-se notar que o espaçamento entre os elos contíguos aumenta de baixo para cima, indicando que as forças elásticas crescem de baixo para cima. A foto da direita é um instantâneo da queda da espiral. Observa-se que a extremidade superior da espiral desceu muito (a balança de Jolly serve como referência) ao passo que a extremidade inferior permaneceu em repouso!!!

Liberada a espiral, o seu centro de massa sofre a aceleração da gravidade mas, devido às forças elásticas internas, as acelerações não são as mesmas nas diferentes partes da espiral. Inicialmente a extremidade superior desce com aceleração maior do que a da gravidade e, surpreendentemente para nossa intuição, sua extremidade inferior permanece estática durante algum tempo!!!

Caso se utilize uma espiral de encadernação com espiras de menor diâmetro (e, portanto, com maior constante elástica), pode-se tornar esse efeito mais visível prendendo um peso adicional à extremidade inferior da espiral. Nesse caso, o centro de massa do sistema se localiza mais próximo da extremidade inferior da espiral e os seus elos ficam mais afastados uns dos outros, o que a torna mais longa. Então, quando o sistema começa a cair, a descida rapidíssima da extremidade superior da espiral fica facilmente perceptível.

6. Demonstrações sobre ondas mecânicas

A idéia inicial para aproveitamento da espiral de encadernação foi de utilizá-la como modelo para visualizar a propagação de ondas mecânicas. Esticando-a sobre uma mesa de laboratório de superfície lisa, demonstra-se facilmente tanto a propagação e a reflexão de pulsos transversais e longitudinais quanto a formação de ondas estacionárias. Nas duas situações, um aluno segura firmemente uma das extremidades da espiral e o outro agita a extremidade oposta. Para estabelecer os diversos harmônicos da onda estacionária, é preciso ajustar o comprimento da espiral e a tensão nela existente, agitando a seguir sua extremidade com as correspondentes freqüências de ressonância. A Fig. 4 apresenta duas fotos da mola em ressonância, oscilando de acordo com o seu segundo modo normal de vibração. As fotos foram realizadas com diferentes tempos de exposição para captar no mínimo uma oscilação completa da espiral (foto superior) ou um instantâneo da espiral (foto inferior).


A Fig. 5 retrata duas demonstrações diferentes sobre a propagação de um pulso longitudinal numa espiral em posição vertical. Em cada demonstração um certo número de elos da espiral foi agrupado e repentinamente solto para produzir um pulso que se propaga ao longo dela. Em uma das demonstrações observa-se o pulso na região mediana da espiral e na outra, quando se reflete na extremidade fixa da espiral.


7. Conclusão

O presente texto tem por objetivo propor diversas atividades experimentais simples, sem ''carregar'' no formalismo, que pode ser facilmente encontrado nos livros-textos. Se considerarmos apenas aspectos didáticos, podemos afirmar que as espirais de encadernação apresentam até mesmo vantagem sobre as molas de aço (as quais certamente não gostaríamos de cortar ou deformar permanentemente). Além disso, elas tornam possível fazer demonstrações sobre a propagação de ondas mecânicas [5, 6, 7]. Tendo em vista a facilidade do manejo das diversas atividades aqui apresentadas, esperamos encorajar professores(as) das nossas escolas a adotá-las em suas aulas.

Agradecimento

Os autores agradecem ao árbitro pelas sugestões que contribuíram para aprimorar o presente trabalho.

[6] http://www.kettering.edu/ ~ drussell/demos/

[7] http://www.if.ufrgs.br/cref/ntef/simulacoes/ondas/

Recebido em 3/5/2005; Revisado em 6/9/2004; Aceito em 15/9/2005

A Fig. 6 apresenta um detalhe da extremidade da espiral, dobrada com auxílio de um alicate, para formar um gancho ou alça.


  • [1] L. Mutzemberger, E. Veit e F.L. Silveira, Rev. Bras. Ens. Fís. 26, 307 (2004).
  • [2] F.W. Sears e M.W. Zemanski, Física (Livros Técnicos e Científicos, Rio de Janeiro, 1975) v. 1.
  • [3] M. Gardner, The Physics Teacher 38, 78 (2000).
  • [4] H.L. Armstrong, American Journal of Physics 37, 447 (1969).
  • [5] PSSC. Física (Ed. UNB, Brasília, 1967), v. 2.

apêndice

  • 1
    E-mail:
  • 2
    Uma balanca de Jolly pode ser vista na
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    Como é bem sabido, uma espiral é uma curva plana. Entretanto, utilizaremos neste texto a denominacão vulgar de 'espiral' de encadernacão para aquilo que, mais apropriadamente, deveria ser denominado
    helicóide de encadernacão. Na seqüência do texto passamos a usar o termo espiral sem aspas.
  • 4
    A possibilidade de investigar regimes elásticos e plásticos, assim como efeitos de histerese nessa mola é uma questão para ser proposta aos alunos, possivelmente na forma de um projeto para estudo extra-classe. Uma deformacão permanente na espiral de plástico não é tão ''trágica'' quanto a deformacão permanente das molas de aco que temos nos laboratórios. Sobre elasticidade, plasticidade e histerese pode-se consultar [1].
  • 5
    As alcas das extremidades das espirais são feitas dobrando-se meio elo com o auxílio de um alicate. A esse respeito, consulte o
    apêndiceapêndice.
  • 6
    São facilmente encontradas duas espirais que aparentemente diferem apenas no diâmetro das espiras; entretanto, quando se mede precisamente as espessuras dos fios de plástico utilizados para confeccioná-las, constata-se que existe diferenca na espessura média desses fios. Dessa forma o estudo empírico da relacão entre a constante elástica e o diâmetro das espiras, bem como a espessura do fio, fica prejudicado.
  • 7
    Justifica-se qualitativamente a adicão apenas parcial da massa
    m da mola à massa do sistema oscilante, alegando que regiões diferentes da mola oscilam com amplitudes diferentes e, portanto, sofrem aceleracões instantâneas desiguais. A adicão integral da massa
    m à massa
    M somente seria admissível se em toda a extensão da mola a oscilacão tivesse a mesma amplitude; é notório que quanto mais próxima da extremidade fixa se encontra uma particular porcão da mola, menor é a sua amplitude de oscilacão e que, finalmente, esta se anula na extremidade fixa. Na ref. [4] este problema da oscilacão vertical de uma mola com uma massa acoplada a ela é abordado mais detalhadamente do que nos livros didáticos, sendo discutido também o limite de validade da Eq. (1).
  • 8
    Caso a massa da espiral não tivesse sido considerada, encontraríamos uma constante elástica de 1,23 N/m, resultado este em flagrante incoerência com o valor obtido pelo método estático.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      15 Set 2005
    • Recebido
      03 Maio 2005
    • Revisado
      06 Set 2004
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