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Ensinando física através do radioamadorismo

Teaching physics through amateur radio

Resumos

Em nossas escolas a relação ensino-aprendizagem, na maioria das vezes, restringe-se à tentativa de atingir o objetivo dos alunos obterem grau suficiente para serem aprovados no final do ano, sem haver maior preocupação com a aprendizagem significativa e contextualizada dos conteúdos ensinados, e com a interação social que promova a discussão dos assuntos estudados. Apresentamos uma proposta de ensino utilizando o radioamadorismo como tema motivador, em uma tentativa de melhor qualificar o aprendizado de física. Adotamos como referencial as teorias de aprendizagem significativa, de David Ausubel, e da interação social, de Lev Vygotsky. O projeto, a montagem de uma estação radioamadora para fins educacionais, em especial para o ensino da física, foi aplicado no segundo semestre de 2010, com a participação voluntária de alunos da série final do Ensino Fundamental e das três séries do nível médio do Colégio Militar de Porto Alegre, na modalidade ensino extracurricular, no contraturno do horário regular das aulas. É apresentado um relato da experiência e dos resultados alcançados, além de um texto-guia facilitador do professor que se interessar em reproduzir experiência semelhante.

física; ensino-aprendizagem; Ausubel; Vygotsky; Ensino Médio; radioamadorismo


In our schools, the teaching-learning relationship, in most cases, is limited to the attempt of achieving the students approval at the end of the year, with no concern about meaningful and contextual learning and the social interaction that promotes discussion of the content. We present a proposal to Physics education by using ham radio as a motivational theme. We adopt the theories of meaningful learning, by David Ausubel, and social interaction, by Lev Vygotsky. The project, the assembling of a ham radio station for educational purposes, particularly in Physics, was applied in the second term of 2010, with voluntary participation of high school students from Colégio Militar de Porto Alegre, in the form of extracurricular education at the opposite turn of their regular classes. It is presented a report of the experience and its outcomes, as well as a guide for the teacher interested in replicating a similar educational experience.

physics; teaching-learning; Ausubel; Vygotsky; amateur radio; high school


DESENVOLVIMENTO EM ENSINO DA FÍSICA

Ensinando física através do radioamadorismo

Teaching physics through amateur radio

Gentil César BruscatoI, 1 1 E-mail: gentilbruscato@yahoo.com.br. ; Paulo Machado MorsII

IColégio Militar de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil

IIInstituto de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

RESUMO

Em nossas escolas a relação ensino-aprendizagem, na maioria das vezes, restringe-se à tentativa de atingir o objetivo dos alunos obterem grau suficiente para serem aprovados no final do ano, sem haver maior preocupação com a aprendizagem significativa e contextualizada dos conteúdos ensinados, e com a interação social que promova a discussão dos assuntos estudados. Apresentamos uma proposta de ensino utilizando o radioamadorismo como tema motivador, em uma tentativa de melhor qualificar o aprendizado de física. Adotamos como referencial as teorias de aprendizagem significativa, de David Ausubel, e da interação social, de Lev Vygotsky. O projeto, a montagem de uma estação radioamadora para fins educacionais, em especial para o ensino da física, foi aplicado no segundo semestre de 2010, com a participação voluntária de alunos da série final do Ensino Fundamental e das três séries do nível médio do Colégio Militar de Porto Alegre, na modalidade ensino extracurricular, no contraturno do horário regular das aulas. É apresentado um relato da experiência e dos resultados alcançados, além de um texto-guia facilitador do professor que se interessar em reproduzir experiência semelhante.

Palavras-chave: física, ensino-aprendizagem, Ausubel, Vygotsky, Ensino Médio, radioamadorismo.

ABSTRACT

In our schools, the teaching-learning relationship, in most cases, is limited to the attempt of achieving the students approval at the end of the year, with no concern about meaningful and contextual learning and the social interaction that promotes discussion of the content. We present a proposal to Physics education by using ham radio as a motivational theme. We adopt the theories of meaningful learning, by David Ausubel, and social interaction, by Lev Vygotsky. The project, the assembling of a ham radio station for educational purposes, particularly in Physics, was applied in the second term of 2010, with voluntary participation of high school students from Colégio Militar de Porto Alegre, in the form of extracurricular education at the opposite turn of their regular classes. It is presented a report of the experience and its outcomes, as well as a guide for the teacher interested in replicating a similar educational experience.

Keywords: physics, teaching-learning, Ausubel, Vygotsky, amateur radio, high school.

1 Introdução

Como professores percebemos, tanto no contato com os alunos, como com outros docentes, que o ensino da física, muitas vezes, é visto como um simples decorar de conceitos e fórmulas com a intenção única de "livrar-se" de um resultado insatisfatório.

Buscando oferecer uma maneira diferenciada, inovadora e motivadora para desenvolver o processo ensino-aprendizagem, implementamos no Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) [1] a proposta de ensinar física através do radioamadorismo.

Este projeto criou um espaço dentro do CMPA, onde foi instalada uma estação radioamadora, tendo como anexo uma oficina de eletricidade e de eletrônica que, a partir deste trabalho, estão permanentemente integradas aos equipamentos didáticos do colégio. Com a finalidade de nomear a atividade extracurricular e definir o ambiente de trabalho, uma vez concedido o indicativo rádio PY3CM, pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) [2], foi criado o Clube de Radioamadores do Colégio Militar de Porto Alegre [3].

Para possibilitar a implantação deste projeto foi produzido um "Guia para montagem de estação radioamadora com fins educacionais, em especial para o ensino da física", com informações básicas sobre como obter autorização junto às autoridades competentes, legislação pertinente, material rádio e ferramental necessário, além de um conjunto de material instrucional específico na modalidade de apostilas, que pensamos ser suficiente para o desenvolvimento das atividades de uma estação radioamadora didática.

2 Objetivos e metas

Como se ensina física? Há muitas maneiras. Algumas formas têm como foco central do ensino a aprovação em algum vestibular, ou concurso público. Se desta experiência resulta realmente apropriação de conhecimento dos conceitos físicos por parte dos atores educacionais, não sabemos.

Como se ensina, e se aprende física é motivo de interesse de muitos pesquisadores que buscam identificar as deficiências e propor sugestões para melhorar o processo ensino-aprendizagem, como Batista [4]:

Quando nos dedicamos à melhoria do ensino de física, estamos grandemente sensibilizados pelos problemas que, em, geral, atingem o ensino de forma global. No entanto, em relação à física, temos características especiais quanto às dificuldades de compreensão e fixação de conceitos que muitas vezes exigem, nesses processos, grande abstração, interpretação e reflexão para serem aprendidos pelo alunos. O que se pode perceber é que os alunos, apesar de enunciarem uma determinada lei da física, não compreenderam todo o seu significado. [4, p. 462]

A opção pela criação de um grupo de estudo extraclasse se deu pela convicção de que, trabalhando em grupo e sem o engessamento de uma súmula a ser cumprida dentro de prazo pré-determinado, a interação aluno-aluno e professor-aluno seria facilitada, propiciando o aprendizado significativo desejado.

Subsidiariamente, também tivemos a intenção de resgatar o trabalho do padre e cientista portoalegrense Roberto Landell de Moura, pioneiro das telecomunicações, cujos principais inventos patenteados foram o transmissor de ondas, o telégrafo sem fio e o telefone sem fio. O Padre Roberto Landell de Moura é o patrono do radioamadorismo brasileiro e a sala rádio do Clube de Radioamadores do CMPA foi denominada "Sala Rádio Pe. Roberto Landell de Moura".

As metas a serem atingidas com a aplicação deste projeto podem ser divididas em duas categorias: as metas gerais, relacionadas com o desenvolvimento afetivo, psicomotor e cognitivo, e as metas específicas, que são aquelas relacionadas com a realização das atividades necessárias à instalação da estação rádio.

3 Trabalhos relacionados

Nas pesquisas em revistas especializadas, Revista Brasileira de Ensino de Física (RBEF), Caderno Brasileiro de Ensino de Física (CBEF) e The Physics Teacher, não encontramos trabalhos que versem sobre o ensino da física através do radioamadorismo. Nas páginas brasileiras da internet não foram encontrados trabalhos que se relacionem com o projeto em tela.

No exterior, a utilização do radioamadorismo para motivar e desenvolver práticas educacionais é bastante difundida. Estados Unidos, Portugal e Argentina, desenvolvem projetos educacionais motivados pelo radioamadorismo.

Abaixo citamos algumas destas iniciativas.

a) Agrupamento de Escolas de São Gonçalo, Torres Vedras - Portugal [5].

b) Programa CanSat Argentina [6].

c) Amateur Radio on the Internacional Space Station (ARISS) - EUA [7].

d) Radio Amateur Satellite Corporation - AMSAT - EUA [8].

4 Referencial teórico

Para definir o desenvolvimento dos trabalhos em grupo, tanto os práticos quanto os teóricos, tivemos em mente a condução das tarefas com foco nas teorias de aprendizagem de Ausubel e de Vygotsky, referenciais teóricos que julgamos importantes na condução das atividades de ensino-aprendizagem.

A aprendizagem significativa, conceito central da teoria de Ausubel, é um processo pelo qual uma informação nova se relaciona de maneira relevante com conhecimento já existente na estrutura cognitiva do indivíduo. A aprendizagem significativa envolve a interação de uma informação nova com a estrutura de um conhecimento específico, que Ausubel define como conceito subsunçor, ou apenas subsunçor, que é uma ideia, um conceito, uma proposição pré-existente na estrutura cognitiva.

Ausubel sugere para a nova aprendizagem o uso de organizadores prévios, que implica no desenvolvimento de subsunçores que possibilitem a aprendizagem futura. Os materiais introdutórios, apresentados antes do material a ser aprendido, podem ser organizadores prévios que sirvam de ligação entre os subsunçores e a nova informação.

Para acontecer o processo de subsunção é necessária a assimilação. A assimilação é um processo que ocorre quando um conceito ou proposição potencialmente significativo é absorvido através de uma ideia ou conceito mais inclusivo que pré-existe na estrutura cognitiva do aprendiz.

A modificação do conceito subsunçor e aquisição de novo significado, ocorrendo uma ou mais vezes, leva a uma diferenciação progressiva, e este processo mostra-se presente na aprendizagem, sendo permanentemente modificado e elaborado, adquirindo significados novos numa evolução progressiva onde ideias estabelecidas, já presentes na estrutura cognitiva, possam ser identificadas como relacionadas à nova informação.

A diferenciação progressiva é vista como um princípio programático da matéria de ensino, segundo a qual as ideias, conceitos, proposições mais gerais e inclusivos do conteúdo devem ser apresentados no início da instrução e, progressivamente, diferenciados em termos de detalhe e especificidade. Ao propor isto Ausubel baseia-se em duas hipóteses: 1) é menos difícil para seres humanos captar aspectos diferenciados de um todo mais inclusivo previamente aprendido, do que chegar ao todo a partir de suas partes diferenciadas previamente aprendidas; 2) a organização do conteúdo de uma certa disciplina, na mente de um indivíduo, é uma estrutura hierárquica na qual as ideias mais inclusivas e gerais estão no topo e, progressivamente, incorporam proposições, conceitos e fatos menos inclusivos e mais diferenciados. [9, p. 159]

Para Ausubel, a reorganização destes elementos é denominada reconciliação integrativa:

A reconciliação integrativa, por sua vez, é o princípio segundo o qual a instrução deve também explorar relações entre ideias, apontar similaridades e diferenças importantes e reconciliar discrepâncias reais ou aparentes. [9, p. 159]

Como as atividades foram realizadas em grupo, em todos os encontros, foi possível, no desenvolvimento do presente projeto, evidenciar a interação social. Através desta interação pode-se potencializar o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Esta ideia é a teoria central de outro pensador da educação, Lev Semenovich Vygotsky, psicólogo russo reconhecido como um pioneiro da psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento intelectual.

Para Vygotsky três aspectos orientaram seu trabalho. O livro A Formação Social da Mente [10] ressalta estes aspectos:

Qual a relação entre os seres humanos e o seu ambiente físico e social?

Quais as formas novas de atividade que fizeram com que o trabalho fosse o meio fundamental de relacionamento entre o homem e a natureza e quais são as consequências psicológicas dessas formas de atividade?

Qual a natureza das relações entre o uso de instrumentos e o desenvolvimento da linguagem? [10, p. 25]

Um dos conceitos mais importantes desenvolvidos por Vygotsky é o de zona de desenvolvimento proximal, definida como a diferença entre o que o indivíduo faz sozinho e aquilo que consegue fazer com a mediação social. É no desenvolvimento das relações do sujeito com a realidade em que vive que se dá o processo de apropriação de conhecimento. O ser humano é, por excelência, um ser social, e nesta constante interação com a sociedade, se desenvolve e se constitui como indivíduo.

...a zona de desenvolvimento proximal. Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. [10, p. 112]

Dois fatores propiciaram uma necessária interação entre os participantes do projeto. Primeiro, a diversidade de nível escolar dos alunos do clube: havia alunos desde o nono ano do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio. Segundo, a inclusão de alunos no clube com o projeto já em andamento. Por diversos momentos durante a aplicação do projeto mantivemo-nos, de maneira intencional, a uma certa distância da mesa em que os alunos trabalhavam, adotando uma atitude de "ouvinte atento" do que era discutido entre os alunos. Nossas intervenções se davam sempre que nos parecia necessário provocar alguma "correção de rumo" no processo

Para Vygotsky, o momento de maior significado para o evolução do processo cognitivo é quando os indivíduos operam de maneira prática, expressando-se oralmente.

...o momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas completamente independentes de desenvolvimento, convergem. [10, p. 33]

E, no momento em que se passa a estudar a atividade prática realizada com a participação de outros indivíduos, prossegue Vygotsky:

Quando analisado dinamicamente, esse amálgama de fala e ação tem uma função muito específica na história do desenvolvimento da criança; demonstra, também, a lógica da sua própria gênese. Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social e, sendo dirigidas a objetivos definidos, são refratadas através do prisma do ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social. [10, p. 40]

Ao analisarmos a evolução afetiva, cognitiva e psicomotora dos alunos que participaram deste projeto de ensino de física através do radioamadorismo, foi possível perceber um significativo avanço na apropriação dos conceitos físicos abordados, e na constatação de que os aprendizes passaram por uma experiência motivadora e contextualizada onde perceberam sentido no estudo da física.

5 Procedimentos metodológicos e didáticos

Passamos a descrever a aplicação da proposta de montagem de uma estação radioamadora para fins educacionais, em especial para o ensino da física, que foi implementada no Colégio Militar de Porto Alegre, instituição de ensino básico pública federal, localizado na Rua José Bonifácio, 363, bairro Parque Farroupilha, nesta capital. O CMPA oferece aulas do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, conta atualmente com cerca de 1.100 alunos(as) divididos em turmas de aproximadamente 30. O colégio possui laboratórios de física, química, biologia e informática, observatório astronômico didático e salas especiais para ensino de língua estrangeira moderna. A aplicação do projeto ocorreu no segundo semestre de 2010, totalizando 15 encontros, do dia 19 de agosto até o dia 15 de dezembro de 2010.

Visando definir o ambiente de trabalho e nomear a atividade extraclasse foi criado o Clube de Radioamadores do Colégio Militar de Porto Alegre, sendo os alunos inscritos no clube aqueles que participaram da implementação da Estação Rádio PY3CM.

Apresentamos, a seguir, um resumo das apostilas utilizadas na aplicação deste projeto, em ordem correspondente à sequência de desenvolvimento dos trabalhos.

Apostila 1: Segurança com ferramentas manuais

No estudo do ferramental é feita a apresentação das principais ferramentas utilizadas nas atividades da estação rádio e orientação para o correto dimensionamento da ferramenta a ser empregada. Também se ensina a adoção de atitudes que visam evitar acidentes, a chamada prevenção ao ato inseguro.

Apostila 2: Normas básicas de segurança em eletricidade

Este material fornece informações básicas sobre normas de segurança em trabalhos com eletricidade a baixa tensão, ou seja, níveis de diferença de potencial de até 220 volts. São evidenciados, principalmente: a importância da segurança no manuseio da eletricidade, a conscientização para uso de medidas de prevenção de acidentes, a identificação de condições de risco e atitudes inseguras, a disseminação de um padrão de comportamento que favoreça a eliminação de acidentes.

Apostila 3: Montagem de bancadas para eletrônica

As bancadas são os locais de trabalho dentro da estação rádio. É na bancada que se instala e se conserta os equipamentos. Nesta apostila faz-se apresentação de tipos de bancadas, acessórios que podem ser instalados, tomadas elétricas, disjuntores, fonte de alimentação de corrente contínua, conectores de antena, aterramento, lâmpadas para iluminação eficiente, tampo com material isolante, etc,

Apostila 4: Faixa de frequências para radioamadores

A distribuição das frequências permitidas aos radioamadores obedece normas internacionais, das quais o Brasil é signatário, sendo permitido ao radioamador o uso de faixas de frequência desde 1800 kHz até 10,50 GHz. Esta apostila ensina quais os principais fatores para a escolha da radiofrequência e como escolher a frequência de trabalho adequada.

Apostila 5: Propagação de ondas eletromagnéticas

Esta apostila fornece informações para o entendimento dos princípios básicos sobre a propagação da radiação eletromagnética, diferentes caminhos que a onda de rádio pode percorrer para estabelecer contato rádio da antena transmissora com a antena receptora, estrutura da atmosfera terrestre (com ênfase na ionosfera), e as interações entre a Terra e o Sol na radiopropagação.

Apostila 6: Antenas de radiocomunicações

Por ser um elemento do sistema rádio com várias opções de modelos, alguns de baixo custo, a antena é o componente que mais se presta à experimentação e pesquisa dentro das atividades do radioamadorismo. O objetivo desta apostila é fornecer as informações básicas sobre o que é uma antena, que materiais são empregados em sua montagem, tipos, dimensões, etc.

Apostila 7: Fundamentos de eletricidade e eletrônica

O conhecimento básico sobre eletricidade e eletrônica envolve diversos conceitos físicos. Este documento apresenta características básicas de componentes elétricos e eletrônicos como nome, função, faixa de valores, emprego prático, etc.

Apostila 8: Alfabeto fonético da OTAN e código internacional "Q"

O alfabeto fonético da OTAN e o código internacional "Q" são técnicas mundialmente utilizadas pelos radioamadores para facilitar o estabelecimento de contato rádio.

Apostila 9: Código Morse: O início da telegrafia moderna

A utilização do código Morse, primeiramente através de fio e depois através de rádio, foi responsável por grande evolução na rapidez e alcance das comunicações. Consta desta apostila: histórico dos fatos e pessoas envolvidas na criação e desenvolvimento dos códigos de transmissão de sinais a grandes distâncias, tanto em âmbito nacional como mundial, descrição de como é composto o código Morse e suas maneiras de utilização, tanto sonora como visual, tabelas com o código Morse correspondente às letras do alfabeto, dos números e de alguns sinais especiais de serviço.

Apostila 10: Legislação, técnica e ética operacional do radioamador

A existência do radioamadorismo em nível mundial exige organização, controle e fiscalização para que se possa otimizar a possibilidade de realização de diversos contatos via rádio ao mesmo tempo. Há legislação nacional e internacional regulando as condições de funcionamento das estações de radioamador, bem como técnicas específicas, que facilitam a operação das estações e ética a ser respeitada nos contatos rádio.

6 Aplicação do projeto

A implementação desta proposta de ensino de física nos foi percebida, como professores, de maneira muito positiva por vários motivos, a saber;

1) a direção de ensino do CMPA apoiou e incentivou a ideia desde a apresentação do projeto;

2) os radioamadores convidados para palestrarem contribuíram com a necessária vivência e relatos de práticas comuns em uma estação rádio, além de cederem as instalações de suas estações rádio para a nossa prática;

3) os alunos se engajaram de maneira entusiasmada e participativa (vide transcrição de depoimento abaixo);

4) um dos autores (GCB) é radioamador, o que facilitou sobremaneira a condução das atividades e facilitou o contato com outras agremiações radioamadorísticas. Caso não haja na escola que deseja replicar o projeto em tela um radioamador, é importante buscar na comunidade algum aficionado que possa colaborar, principalmente, com as questões técnica e ética do tráfego rádio.

As poucas dificuldades que tivemos foram de ordem administrativa no tocante a solicitação de construção de torre para sustentação de conjunto antenas.

A estratégia adotada, na implementação do projeto, foi a seguinte:

- Apresentação e aprovação do projeto, pelo diretor de ensino do CMPA.

- Divulgação do projeto da estação radioamadora em todas as séries do CMPA.

- Exposição de cartazes convidando os alunos para a participação no projeto além de matéria divulgada no portal eletrônico do colégio [11].

- Encontros semanais às quintas-feiras, com início às 14h e previsão de término para 16 h.

- Apresentação do material instrucional (apostilas) aos alunos, com explicação dos itens constantes de cada documento.

- Apresentação e estudo de equipamentos eletrônicos, enfatizando-se a necessidade do conhecimento de conceitos físicos para a compreensão de seu funcionamento.

- Convite de palestrantes com largo conhecimento sobre determinado assunto para dinamizar o processo ensino-aprendizagem. Em nosso caso específico, houve a participação de três palestrantes em quatro encontros.

Relato sucinto das principais atividades:

- Apresentação da proposta de trabalho, apostilas, ferramental, e descrição de concurso de radioamadorismo.

- Estudo e uso do multímetro.

- Medição de corrente contínua e alternada, diferença de potencial eficaz.

- Confecção de emendas em fios elétricos e extensões com tomadas e flechas no novo padrão brasileiro de três pinos.

- Estudo da faixa de frequência dos radioamadores.

- Desmontagem e estudo de funcionamento de caixas acústicas, faixa de frequência audível.

- Cálculo de comprimento de onda.

- Solda de conectores, montagem de medidores de intensidade de campo elétrico, antenas vertical e delta loop, estudo de faixa de frequência.

- Palestra com técnico em eletrônica explicando o funcionamento dos componentes de um monitor de computador.

- Estudo do cálculo das dimensões de antenas, construção de antena tipo dipolo.

- Montagem de mastros para içamento das antenas, construção de mapa conceitual sobre ondas eletromagnéticas.

- Estudo do campo magnético terrestre, manchas solares e influência da atividade solar na ionosfera e nas telecomunicações.

- Recepção de sinais de rádio em ondas curtas, captação de sinais de telegrafia, medição de potência direta e refletida utilizando um wattímetro.

- Apresentação de rádio tipo galena, estudo do circuito LC, montagem da estação rádio no pátio do CMPA, realização dos primeiros contatos rádio.

- Estudo e uso de um multímetro.

- Estudo e uso de um osciloscópio.

- Estudo de funcionamento de semicondutores, junções, diodo e transistor, análise da estrutura eletrônica do Silício.

- Estudo de logaritmo e escala decibel.

- Transmissão/recepção de sinais de áudio modulando raio laser e diodo fotossensível.

Para se ter uma ideia sobre a impressão dos discentes transcrevemos abaixo o depoimento de um dos alunos participantes.

"Quando olhei o convite para entrar no Clube de Radioamadores do CMPA no site do colégio não fiquei muito interessado, pois achava que nele os alunos só ficariam falando no rádio o tempo todo, e eu não sou de falar muito. Mas lendo melhor as propostas li sobre atividades com eletrônica, o que me chamou para o clube pois eu seguirei essa área na minha carreira. Fui então para o clube desde o primeiro dia e continuei indo dentro do possível em quase todas as quintas-feiras tentando conciliar as atividades do clube com os estudos para o vestibular.

No início eu caí meio de para-quedas, pois eu não sabia bem o que era o radioamadorismo e pelo que eu sabia anteriormente achava que o rádio era uma tecnologia ultrapassada e que poucos usavam. Mas quando eu vi um rádio(transmissor) pela primeira vez, escutei as histórias do Ten Bruscato (de suas experiências profissionais pelo mundo) e as informações sobre a tradição do radioamadorismo, a utilização dele, o funcionamento básico do radio e das antenas, depois de tudo isso me entusiasmei pelo clube e não foi só pela eletrônica. Comecei a gostar do radioamadorismo e ser seu fã como se fosse meu time de futebol.

Nos nossos vários encontros sempre aprendíamos cada vez mais: além de informações sobre o radioamadorismo, física, química, eletrônica, eletricidade, mecânica, aprendemos lições e experiências para a vida.

O Clube complementava as aulas de física muitas vezes passando o que tínhamos aprendido na sala de aula para a prática, tornando o estudo muito mais interessante. Realizamos várias atividades em 2010 como a construção de uma antena e a utilização dela para realizar nossos primeiros contatos com outros radioamadores; desmontagem de equipamentos e aparelhos para entender o seu funcionamento; modulação de raio laser para transmitir som para um receptor; construção de mapas conceituais sobre o assunto visto; além de aprender a usar vários equipamentos e ferramentas eletrônicas, elétricas e mecânicas.

Citei apenas algumas das várias atividades realizadas pois foram muitas atividades e citar todas iria levar um bom tempo. Além dos encontros coordenados pelo Ten Bruscato, recebemos várias visitas de radioamadores que nos ajudaram na realização de tarefas ou nos ministraram "palestras" sobre assuntos interessantes fazendo aprofundarmos mais ainda no radioamadorismo.

7 Guia facilitador para replicar o projeto

Nossa principal intenção é a de disponibilizar aos educadores um instrumento que possibilite a instalação, montagem, manutenção e operação de uma estação de radioamador, com o objetivo de ensinar física através do radioamadorismo, tendo por público-alvo alunos das séries finais do Ensino Fundamental e alunos do Ensino Médio.

Este trabalho resultou na Dissertação de Mestrado Profissional em Ensino de Física de um dos autores (GCB). Foi redigido um guia que apresenta os aspectos técnicos, legais e administrativos necessários à instalação da estação rádio, objetivando orientar os educadores que optarem por aplicar esta motivadora experiência, e demonstrar como trabalhar os conceitos da física relacionados, principalmente nos aspectos do eletromagnetismo, estrutura da matéria, ionização da atmosfera e radiação solar.

O leitor pode acessar a íntegra da Dissertação na Ref. [12].

8 Resultados

Avaliamos qualitativamente os resultados da aplicação deste projeto de ensino de física na modalidade extraclasse sob dois aspectos: primeiro, através do funcionamento dos equipamentos montados pelos alunos; segundo, pelo retorno dado pelos alunos, tanto na construção socializada de mapas conceituais quanto na forma de depoimentos.

No primeiro momento, para se ter uma noção dos conhecimentos prévios dos alunos iniciantes no clube, foi aplicado um questionário com perguntas sobre a proposta do ensino de física através do radioamadorismo.

Sempre que algum procedimento e/ou resultado fosse colocado em dúvida, na instalação de algum equipamento, era feita uma revisão dos conceitos físicos envolvidos no funcionamento daquele equipamento para, então, se corrigir a eventual falha. Esta não é uma maneira usual para se avaliar um grupo de alunos. Mas, como se realiza a avaliação de uma atividade de ensino? Para o Ministério da Educação o processo de avaliação é tido como o que está descrito nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) [13]:

A avaliação, ao não se restringir ao julgamento sobre sucessos ou fracassos do aluno, é compreendida como um conjunto de atuações que tem a função de alimentar, sustentar e orientar a intervenção pedagógica. Acontece contínua e sistematicamente por meio da interpretação qualitativa do conhecimento construído pelo aluno. Possibilita conhecer o quanto ele se aproxima ou não da expectativa de aprendizagem que o professor tem em determinados momentos da escolaridade, em função da intervenção pedagógica realizada...

Para o aluno, é o instrumento de tomada de consciência de suas conquistas, dificuldades e possibilidades para reorganização de seu investimento na tarefa de aprender. [13, p. 55].

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) [14], em seu artigo 24, inciso V, define regras comuns de organização do Ensino Fundamental e Médio, sendo definida como preferencial a avaliação qualitativa à avaliação quantitativa:

V - a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:

a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais...

Assim, pensamos que a avaliação do aprendizado dos conceitos físicos, do desenvolvimento psicomotor, afetivo e cognitivo dos alunos que participaram da implantação deste projeto, foi realizada dentro do que está previsto nas normas do Ministério da Educação.

Os alunos produziram mapas conceituais [15] sobre ondas eletromagnéticas, antenas de comunicações, propagação de ondas eletromagnéticas e conceitos básicos de eletrônica e eletricidade. Também como resultado de nosso trabalho houve a criação de um domínio eletrônico, onde são divulgadas atividades do clube [3].

Pensamos que a ideia do nosso projeto, de criar uma proposta de ensino de física diferenciada que pudesse motivar os alunos ao estudo contextualizado com aplicação prática dos conceitos físicos, pode contribuir significativamente para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor dos alunos.

Finalmente, registramos a contribuição do parecerista deste trabalho, que nos chamou a atenção para sua natureza, enquadrada na perspectiva de "Ensino por Projeto", já teoricamente muito bem fundamentada. Ressaltamos que, realmente, assim é, destacando que não se trata de "Aprendizagem por Projeto". A diferença entre essas duas concepções está muito claramente explicada na Ref. [16].

Agradecimentos

Este trabalho foi parcialmente financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES).

Recebido em 24/3/2013

Aceito em 7/8/2013

Publicado em 6/3/2014

  • [1] L. Araújo, Colégio Militar de Porto Alegre Disponível em http://www.cmpa.tche.br, acesso em 15/12/2012.
  • [2] Brasil, Ministério das Comunicações, Agência Nacional de Telecomunicações Disponível em http://www.anatel.gov.br, acesso em 2/11/2010.
  • [3] V.A. Vieira Júnior, Clube de Radioamadores do CMPA. Disponível em http://cluberadioamadorcmpa.blogspot.com.br, acesso em 19/3/2013.
  • [4] I.L. Batista, Ciência e Educação 10, 461 (2004).
  • [5] L. Dutra, Radioamadorismo na Escola Disponível em http://moodle.ag-sg.net/mod/forum/discuss.php?d=992, acesso em 10/3/2011.
  • [6] G. Descalzo, Programa CanSat Argentina Disponível em http://www.cansat.com.ar, acesso em 10/3/2011.
  • [7] B. Boen, Amateur Radio on the Internacional Space Station Disponível em http://www.nasa.gov/mission{\_}pages/station/research/experiments/ARISS.html, acesso em 10/03/2011.
  • [8] B. Baines, Radio Amateur Satellite Corporation Disponível em http://www.amsat.org/amsat-new/index.php, acesso em 10/3/2011.
  • [9] M.A. Moreira, Teorias de Aprendizagem (EPU, São Paulo, 1999).
  • [10] L.S. Vygotsky, A Formação Social da Mente (Martins Fontes, São Paulo, 2002).
  • [11] L. Araújo, Clube de Radioamadores do CMPA Disponível em www.cmpa.tche.br, acesso em 9/8/2010.
  • [12] G.C. Bruscato, O Ensino de Física Através das Atividades Práticas Realizadas na Instalação, Operação e Manutenção de uma Estação Radioamadora Dissertação de Mestrado em Ensino de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.
  • [13] Brasil, Ministério da Educação, Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio Disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf, acesso em 31/3/2011.
  • [14] Brasil, Ministério da Educação, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Disponível em http://www.planalto.gov.br/civil_03/Leis/L9394.htm, acesso em 31/3/2011.
  • [15] M.A. Moreira, Textos de Apoio ao Professor de Física 3, 7 (1992).
  • [16] L. Fagundes, L.S. Sato e D.L. Maçada, Aprendizes do Futuro: As Inovações Começaram. Coleção Informática para a Mudança na Educação MEC. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me003153.pdf, acesso em 18/7/2013.
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014

    Histórico

    • Recebido
      24 Mar 2013
    • Aceito
      07 Ago 2013
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