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Experimento demonstrativo de levitação supercondutora: Ferramenta para problematização de conceitos físicos

(Demonstration experiment for superconducting levitation: A tool for the formulation of physics concepts)

Resumos

Em meados da década de 1980, os ditos supercondutores cerâmicos foram descobertos. Estes materiais se destacam por possuírem temperaturas de transição superiores à do nitrogênio líquido (T = 77 K). Este líquido criogênico possui um custo e facilidade de obtenção muito mais vantajosos se comparado com o hélio líquido (T = 4, 2 K). Assim, as possibilidades de aplicações desses materiais se ampliaram. Tais aplicações se adequam, em geral, aos esforços por buscas de fontes de energia limpas e a estruturação de uma sociedade sustentável por conta das propriedades dos supercondutores (por exemplo, resistividade nula e diamagnetismo perfeito). Neste trabalho apresentaremos a montagem de um experimento de levitação supercondutora que pode ser usado em problematizações a alunos do ensino médio além de incentivá-los a optarem por uma carreira científica.

maglevs; supercondutores; levitação; trilho magnético


In the middle of 1980’s, the ceramic superconductors were novel materials that exhibit superconductivity at temperatures larger than that of liquid nitrogen (T = 77 K). This cryogenic liquid is easier to be obtained and cheaper than liquid helium (T = 4.2 K). Thus, the possibility of applications of such materials increased and they are suited to the efforts to search clean energy sources and the growth of a sustainability society. This is possible due to the properties of the superconductors as zero resistivity and perfect diamagnetism. In this work we will present the arrangement of a superconducting levitation experiment that can be used as a motivation for high school students and also to encourage them to choose a scientific career.

maglev; superconductors; levitation; magnetic rail


1. Introdução

Com o crescimento populacional e a elevada densidade demográfica dos grandes centros urbanos, a necessidade de um sistema eficiente de transporte coletivo é assunto de grande interesse. Por esse motivo, muitos países tem investido em novos modelos de transporte que garantam maior eficiência energética e menor custo de implantação e manutenção. Dessa forma, os trens constituem a melhor alternativa comparada a carros e ônibus, uma vez que, poluem menos, transportam maior número de passageiros e carga além de poderem se deslocar com maior velocidade.

Entre os tipos mais conhecidos estão os trens de alta velocidade, também chamados de trens-bala, os quais ultrapassam os 250 km/h. Cabe realçar que existem duas tecnologias bem distintas de construção de tais trens, uma é o trem convencional, com rodas, e a outra são os trens de levitação magnética (MagLev) [1[1] Transrapid, http://www.transrapid.de/cgi/en/basics.prg?session=bad95c5e544fa33d_6023. Acesso em 28/10/2014.
http://www.transrapid.de/cgi/en/basics.p...
]. Destes últimos, no presente trabalho será abordado o MagLev supercondutor, simplesmente denominado neste texto por trem de levitação supercondutora. Maiores detalhes técnicos sobre a construção e caracterização de MagLev’s supercondutores podem ser obtidos nas Refs. [2[2] G.G. Sotelo, D.H. Nogueira Dias, R. de Andrade Jr. and R.M. Stephan, IEEE Trans. Appl. Supercond. 21, 3 (2011).5[5] Z. Deng, J. Wang, J. Zheng, H. Jing, J. Li, W. Liu, Y. Zhang and S. Wang, IEEE Trans. Appl. Supercond. 19, 3 (2009).].

Assim, neste trabalho construímos um aparato experimental que possa ser usado em aulas e feiras de ciência para problematização de conceitos de física fundamental, como termodinâmica e eletromagnetismo, e de física moderna, como mecânica quântica/supercondutividade.

Este artigo está estruturado da seguinte forma. Na seção 2 discute-se, brevemente, as principais características do fenômeno da supercondutividade dentro do contexto histórico desta área e que possibilitem o entendimento do fenômeno da levitação supercondutora. No item 3 serão detalhadas a montagem do trilho magnético e do trem supercondutor e algumas caracterizações que auxiliem o trabalho com, por exemplo, o conceito de campo magnético e suas características. Na seção 4 serão apresentados os resultados da caracterização do material supercondutor utilizado nos experimentos; a demonstração da levitação e da estabilidade do sistema.

2. Breve descrição do fenômeno da supercondutividade

O fenômeno da supercondutividade foi descoberto após Heike Kemerlingh Onnes, em 1908, em seu laboratório em Leiden, na Holanda, ter conseguido liquefazer o elemento He [6[6] S. Reif-Acherman, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 2601 (2011).], cuja temperatura é de cerca de 4,2 K (∼ −269 °C). Três anos depois, o mesmo cientista, ao estudar o comportamento elétrico de uma amostra de mercúrio em baixas temperaturas, verificou que a resistividade de tal material caía abruptamente a zero ao atingir cerca de 4,15 K [7[7] F. Ostermann, L.M. Ferreira e C.J.H. Cavalcanti, Revista Brasileira de Ensino de Física 20, 270 (1998).9[9] F. Ostermann e P. Pureur, Supercondutividade(Livraria da Física, São Paulo, 2005), v. 1, p. 78.]. Essa temperatura, abaixo da qual um material se torna supercondutor (SC), é conhecida por temperatura crítica, Tc. Em 1913 Onnes foi laureado com o prêmio Nobel por ter liquefeito o He.

A outra propriedade fundamental dos supercondutores só foi descoberta em 1933, quando os físicos alemães W. Meissner e R. Ochsenfeld verificaram um fenômeno nomeado por efeito Meissner. Este efeito tem origem no fato dos supercondutores serem diamagnetos perfeitos, ou seja, eles excluem todo o campo magnético de seu interior. Contudo, é imprescindível não confundir um supercondutor com um suposto condutor perfeito. Dessa forma, há a necessidade de se conhecer dois procedimentos de realização de medições em amostras supercondutoras no intuito de fazer tal diferenciação. Um dos procedimentos, denominado ZFC (Zero-Field-Cooling, onde resfria-se a amostra abaixo de Tc e, só então, aplica-se um campo magnético), evidencia o comportamento de expulsão do campo do interior do material. O outro procedimento é o FC (Field-Cooling, onde resfria-se a amostra na presença de um campo magnético) com o qual verifica-se que o fluxo é excluído do interior do material. É por este procedimento que demonstra-se que um SC não é um condutor perfeito e, sim, um diamagneto perfeito [7[7] F. Ostermann, L.M. Ferreira e C.J.H. Cavalcanti, Revista Brasileira de Ensino de Física 20, 270 (1998).9[9] F. Ostermann e P. Pureur, Supercondutividade(Livraria da Física, São Paulo, 2005), v. 1, p. 78.].

Como estamos trabalhando com campo magnético, é imprescindível o conhecimento e interpretação da relação constitutiva dos campos, ou seja, B = μ0(H + M), onde B é o campo de indução magnética e, no caso dos SCs, é o campo interno; μ0 é uma constate denominada de permeabilidade magnética do vácuo; H é o campo magnético, este, em geral, é o campo aplicado sobre o material e cuja origem pode ser devido a uma bobina ou um ímã permanente e M, conhecido por magnetização, é a resposta devida à interação de um material magnético a um campo aplicado sobre ele. No estado Meissner, B = 0 (não tem campo penetrado no interior do SC) e, consequentemente, M = −H. Esta magnetização surge devido a supercorrentes (portadores de carga dos supercondutores) que blindam o material do campo magnético externo, gerando, assim, um campo igual, porém de sentido oposto ao campo aplicado (por isso do sinal negativo).

É importante deixar claro, também, que o conceito de campo em física surgiu como um artifício matemático na tentativa de explicar a interação entre corpos à distância. Desta forma, o que resulta da interação entre corpos é a força que um exerce sobre o outro. Assim, como campo e força são grandezas vetoriais e diretamente proporcionais, constrói-se linhas que mapeiam a intensidade da força que um corpo exerce sobre o outro. Com isso, tais linhas serão tratadas por linhas de força do campo magnético. Estas são construídas de forma a que o sentido do campo é dado por uma reta tangente em qualquer ponto da linha e a sua intensidade é representada pela densidade de linhas em uma certa área, ou seja, linhas mais densas implicam em campos mais intensos.

Focando-se nas propriedades magnéticas, os supercondutores apresentam comportamentos diferentes recebendo duas classifições. Os do tipo I (SCI), apresentam somente o efeito Meissner até um campo crítico, Hc, acima do qual a amostra vai para o seu estado normal. Esta classe compreende grande parte dos metais, tais como Al, Pb, Hg entre outros. Os do tipo II (SCII) apresentam dois campos críticos, o campo crítico inferior, Hc1, que delimita o estado Meissner, e o superior, Hc2, acima do qual a supercondutividade é destruída. Para campos aplicados maiores que Hc1, torna-se energeticamente favorável a penetração de pequenas quantidades de campo magnético no interior do SCII. Desta forma, diz-se que o supercondutor está no estado misto. Como este campo penetrado também destrói a supercondutividade ao seu redor, surgem correntes em torno da região do campo que o confinam, impedindo-o de se espalhar pelo material. Assim, ao conjunto região normal, onde há campo, mais supercorrentes que circundam tal região, denomina-se vórtice. Conforme o campo magnético aplicado sobre o SCII aumenta, a densidade de vórtices também aumenta e, por interagirem repulsivamente, estes passam a se dispor no material formando uma rede triangular conhecida por rede de Abrikosov. Conforme a intensidade do campo externo aumenta, a densidade de vórtices cresce também. Eles, então, começam a se sobrepor e, em Hc2, seus núcleos se colapsam e o estado supercondutor é destruído.

Dentre as teorias que surgiram para explicar a supercondutividade, destaca-se a teoria fenomenológica dos irmãos London [7[7] F. Ostermann, L.M. Ferreira e C.J.H. Cavalcanti, Revista Brasileira de Ensino de Física 20, 270 (1998).,10[10] S.H. Pereira e M.G. Félix, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1313 (2013).]. Seu principal resultado é a obtenção da profundidade de penetração de London, λ, um dos comprimentos característicos dos supercondutores e que mede o quanto o campo magnético penetra no material a partir de uma interface. Outra teoria fenomenológica de destaque é a de Ginzburg e Landau (GL) [10[10] S.H. Pereira e M.G. Félix, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1313 (2013).,11[11] R. Zadorosny, A. Presotto, E.C.S. Duarte e E. Sardella, Fenomenologia da Supercondutividade e Supercondutores Mesoscópicos, arXiv:1505.01150 (2015).]. Esta teoria parte da verificação de que qualquer sistema físico tende a seu estado de mínima energia. Assim, constrói-se, por argumentos termodinâmicos, a energia livre do sistema (que está relacionada ao trabalho máximo que pode ser extraído do campo magnético/elétrico [12[12] J.R. Reitz, F.J. Milford e R.W. Christy, Fundamentos da Teoria Eletromagnética (Editora Campus Ltda, Rio de Janeiro, 1982), ed. 3, p. 132.]) e esta é minimizada. Obtém-se, então, duas equações que descrevem o estado supercondutor [10[10] S.H. Pereira e M.G. Félix, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1313 (2013).,11[11] R. Zadorosny, A. Presotto, E.C.S. Duarte e E. Sardella, Fenomenologia da Supercondutividade e Supercondutores Mesoscópicos, arXiv:1505.01150 (2015).]. Analisando-as é possível, além de recuperar λ, obter a previsão de outro comprimento característico dos SCs, o comprimento de coerência, ξ. Este corresponde à distância, a partir de uma interface, na qual há variação apreciável dos portadores de carga do SC, i.e., na interface não há portadores de carga e estes aumentam em quantidade à medida que se adentra no material. Após uma distância caracterizada por ξ, é atingida a saturação de tais portadores. Vale ressaltar que tanto λ quanto ξ são dependentes da temperatura, mas, em geral, sua razão não. Esta, denominada parâmetro de Ginzburg-Landau, κ = λ/ξ, determina o valor limite para a energia de uma interface normal-supercondutora, σ, ser negativa ou positiva. Para κ<1/2, σ > 0 e tem-se o SCI, para κ>1/2, σ < 0 e, então, há a possibilidade de penetração de vórtices no interior do SC e este, então, é denominado de SCII.

Outra teoria de muito destaque é a teoria de primeiros princípios (fundamentada nos princípios da mecânica quântica) proposta por Bardeen, Cooper e Schrieffer, conhecida por BCS. Maiores detalhes podem ser obtidos nas Refs. [7[7] F. Ostermann, L.M. Ferreira e C.J.H. Cavalcanti, Revista Brasileira de Ensino de Física 20, 270 (1998).9[9] F. Ostermann e P. Pureur, Supercondutividade(Livraria da Física, São Paulo, 2005), v. 1, p. 78.].

Há um limite de validade para a teoria BCS e esta não explica o fenômeno da supercondutividade que ocorre nos materiais cerâmicos tais como YBCO, BSCCO e mesmo nos ditos pinictídeos. Maiores informações sobre um recente tratamento teórico podem ser obtidas na Ref. [13[13] S.E. Sabastian, N. Harrison, F.F. Balakirev, M.M. Altarawneh, P.A. Goddard, R. Liang, D.A. Bonn, W.N. Hardy and G.G. Lonzarich, Nature 511, 61 (2014).].

2.1. Supercondutores granulares

Até aqui foram descritas algumas características básicas dos materiais supercondutores. Contudo, para entender, de uma forma geral, o processo de levitação supercondutora, devemos manter em mente os conceitos sobre o estado Meissner, procedimento FC e SCII. Antes de conectarmos tais conceitos, é necessário entendermos um pouco sobre supercondutores granulares [14[14] F.M. Araújo-Moreira, W. Maluf, G.M. Cecato, L.F. Kawashita, P. Barbara, A.B. Cawthorne, A. Nielsen e C.J. Lobb, Revista Brasileira de Ensino de Física 24, 390 (2002).].

Os materiais usados em experimentos de levitação são os SCs cerâmicos que são sempre SCII. Outra característica dos SCs cerâmicos é o fato de serem materiais granulares, ou seja, uma amostra grande (com centímetros de diâmetro) é constituída de inúmeros grãos supercondutores imersos em uma matriz que não necessariamente exibe propriedades supercondutoras. A Fig. 1 mostra o esquema de um material granular.

Figura 1
Esquematização de um supercondutor granular. A matriz cinza simboliza o material intergranular não-supercondutor que permeia os grãos supercondutores (na cor preta). As circuitações amarelas indicam as correntes intragranulares que surgem para blindar os grãos de campos magnéticos exteriores, i.e., são devidas ao efeito Meissner; as regiões hachuradas, na cor azul, exemplificam regiões de contato entre os grãos (conhecidos por weak-liks, ou, elos fracos) e a circuitação vermelha indica a corrente intergranular. A região em cinza escuro enclausurada pela circuitação vermelha indica campo magnético aprisionado devido a um procedimento FC, por exemplo. Há, também, a possibilidade de se ter vórtices penetrados em cada grão, contudo, este caso não está demonstrado na presente figura.

Os grãos de material supercondutor, ao serem submetidos a um campo magnético, são blindados (efeito Meissner) por correntes confinadas em cada grão, denominadas por correntes intragranulares (circuitações amarelas na Fig. 1). Contudo, sob certas condições, há a possibilidade de ocorrência de um efeito quântico chamado tunelamento pelo qual alguns portadores de carga conseguem passar de um grão a outro (dizemos que eles tunelam) formando, então, uma corrente intergranular (circuitação vermelha na Fig. 1). É esta corrente que blinda a amostra como um todo do campo externo. Contudo, como a região entre os grãos não é supercondutora, ao realizarmos um procedimento FC, por exemplo, parte do campo que permeava a amostra no estado normal fica confinado ou na forma de vórtices, dentro dos grãos (não mostrado na Fig. 1), ou como um contínuo, no meio intergranular (região em cinza escuro delimitada pelas correntes intergranulares na Fig. 1).

A Fig. 2 mostra a esquematização da distorção que uma amostra supercondutora provoca no campo magnético aplicado sobre ela. O campo que transpassa o material pode ser devido tanto aos vórtices penetrados nos grãos quanto ao campo aprisionado nas regiões intergranulares. Nota-se, ainda, que o campo magnético expulso pelo SC acaba se concentrando nas bordas do mesmo (maior densidade de linhas de força). Isto dá origem a um efeito denominado de efeito de desmagnetização o qual intensifica o campo nas bordas do material de tal forma que nesta região o campo pode ser milhares de vezes mais ntenso do que o aplicado.

Figura 2
Representação das linhas de força do campo magnético quando da presença de um material supercondutor. O campo que transpassa o material é devido ou à formação de vórtices no interior dos grãos, ou ao aprisionamento do campo no meio intergranular ou mesmo uma mistura destes. O acúmulo de linhas próximas à superfície da amostra é devido ao de efeito de desmagnetização.

Assim, para que um experimento de levitação seja bem sucedido, há a necessidade de se utilizar supercondutores granulares (que por sua vez são SCII) e efetuar um procedimento de FC.

Tendo visto os principais conceitos que definem os materiais supercondutores e aqueles que estão envolvidos nos processos de levitação, na próxima seção serão descritos os procedimentos para montagem do aparato experimental necessário para as demonstrações de levitação supercondutora.

3. Procedimento Experimental

3.1. Montagem e caracterização do trilho magnético

O trilho magnético usado para as demonstrações de levitação deve ser construído de forma a perfazer três segmentos de ímãs alinhados com polaridades sul-norte-sul (SNS) ou norte-sul-norte (NSN), como ilustrado na Fig. 3(a). Além disso, esses segmentos devem ser repetidos ao logo do trilho para o total recobrimento do mesmo. Assim, usamos ímãs de Nd2Fe14B (neodímio-ferro-boro) em forma de pastilhas com dimensões de 1×1×0,5 cm3. Contudo, a dificuldade que se encontra nesse procedimento é que, como há fileiras sequenciais com repetição dos mesmos polos, os ímãs de uma mesma fileira interagem repulsivamente. Sendo o campo de tais ímãs muito forte (cerca de 0,5 Tesla, lembrando que o campo da Terra, nos polos, é de cerca de 0,5 × 10−4 Tesla) a força de repulsão também será forte. Assim, fixa-se os ímãs sobre uma base metálica que, no nosso caso, foi uma chapa comercial de ferro cortada no formato do trilho magnético.2 2 Um material ferromagnético (a chapa metálica), confina as linhas de força do campo magnético que, então, se concentram nesta base (é por isso também, que nos núcleos de transformadores é colocado um material ferromagnético, assim, a eficiência de tal dispositivo é aumentada consideravelmente). Com a forte atração entre o ímã e a base de ferro é gerado um atrito cuja intensidade supera a força de repulsão entre ímãs de mesma polaridade, facilitando, então, o recobrimento do trilho. A Fig. 4 ilustra o processo de montagem do trilho magnético. O custo do trilho ficou em cerca de R$ 2000,00.

Figura 3
Disposição de um conjunto de ímãs cujas extremidades superiores estão na forma SNS. Em (a) é ilustrada a configuração das linhas de força do campo magnético produzido pelos ímãs. Atentem ao fato de que uma maior densidade de linhas (número de linhas por unidade de área) de força implica em uma maior intensidade do campo magnético. Em (b) está ilustrado a expulsão do campo magnético, devido ao efeito Meissner, do interior de um SC e o aprisionamento de algum campo no material devido a defeitos presentes no mesmo como, por exemplo, contornos de grãos. O campo expulso forma um tipo de gaiola magnética ao redor do SC e o campo aprisionado ajuda na estabilidade do material que está levitando.
Figura 4
Montagem experimental do trilho magnético. Em (a) é mostrado o desenho do trilho cujos diâmetro externo da região maior e da região menor são de 47 cm e 36 cm respectivamente. No painel (b) é mostrado o suporte de madeira (de cor preta) onde foram fixadas a base metálica e as guias de alumínio. As guias são apenas para facilitar a fixação dos ímãs e melhorar a estética do trilho. Em (c) são mostrados os ímãs de Nd2Fe14B (que não estão na disposição SNS). A imagem do painel (d) mostra o trilho magnético completamente montado.

Mediu-se a intensidade do campo magnético produzido pelos ímãs dispostos no trilho ao longo da largura do mesmo (denominado por eixo x), H(x), para diferentes valores de altura (eixo z). Tais medições foram realizadas usando-se um gaussímetro DC. O sinal negativo, no nosso caso, indica a intensidade do campo no polo norte e o sinal positivo é referente ao polo sul. A Fig. 5 mostra as curvas H(x) e o inset ilustra as condições para as quais as medições foram realizadas.

Figura 5
Campo em função da posição, H(x), e para diferentes alturas a partir da superfície dos ímãs. O sinal positivo é referente ao polo sul e o negativo referente ao polo note.

Fixando, por exemplo, na posição x = 1,5 cm (15 mm), nota-se que há uma variação da amplitude do campo com relação à distância. Dessa forma, fizemos uma caracterização prévia do campo magnético do trilho em função da distância (altura) fixando a posição no meio do plano do ímã central e comparamos com o campo de um único ímã. A Fig. 6 mostra o resultado de tais medições. Como esperado, ambos os campos decaem com a distância, contudo a diferença entre as curvas é devido à interação entre os campos gerados pelos ímãs no trilho (tal como exemplificado na Fig. 3). O interessante é que esta interação é tal que, após determinada distância do ímã (ou magneto), no caso em torno de 15 mm, o campo se anula e, então inverte a polarização, ou seja, passa de norte (positivo) para sul (negativo). Esta inversão de polarização é devida à interação entre os ímãs e, como no aparato há um ímã com polaridade norte e dois ímãs com polaridade sul, há ainda uma detecção de campo magnético devido a estes últimos.

Figura 6
Campo em função da distância com relação ao centro do plano dos ímãs. Os quadrados representam o campo de um único ímã e os círculos representam o campo do ímã central do trilho.

3.2. Montagem do material SC e do trem

Para as demonstrações de levitação supercondutora, há, basicamente, dois procedimentos para obtenção do material supercondutor. Um deles é a compra ou fabricação de pastilhas de material cerâmico tais como o YBa2Cu3O7−δ ou Bi2Sr2CaCu2O8, por exemplo. O processo de produção pode ser encontrado na Ref. [15[15] F.S. Rocha e H.A. Fraquelli, Revista Brasileira de Ensino de Física 26, 11 (2004).]. O outro método consiste em empilhar pedaços de fitas supercondutoras formando um bloco supercondutor, tal como está descrito na Ref. [16[16] F. Sass, D.H. Nogueira Dias, G.G. Sotelo and R. de Andrade Jr., IEEE Trans. Appl. Supercond. 23, 3600905 (2013).]. Este foi o procedimento que adotamos. O material utilizado foi uma fita de segunda geração de supercondutor cerâmico da família do YBCO (RE-BCO, onde RE significa Terra Rara) (da SuperPower®, modelo SF12050). A Fig. 7 mostra uma ilustração da fabricação de tal fita obtida no site da SuperPower® [17[17] SuperPower. http://www.superpower-inc.com/content/2g-hts-wire, acesso em 27/10/2014.
http://www.superpower-inc.com/content/2g...
], estas também são conhecidas por “coated conductors” devido ao processo de fabricação, onde, primeiramente, são depositados vários óxidos para darem suporte a uma formação epitaxial do filme supercondutor. O bloco supercondutor foi colocado em uma caixa de isopor propriamente feita para acondiciona-lo e também de forma a encaixar em uma carcaça no formato de um trem sobre tal caixa. O bloco foi fixado no isopor com graxa de vácuo, a qual enrijece ao entrar em contato com nitrogênio líquido (T = 77 K ∼ −196°C).

Figura 7
No painel principal é mostrada a estrutura fita supercondutora (“coated conductor”) (imagem retirada da Ref. [17[17] SuperPower. http://www.superpower-inc.com/content/2g-hts-wire, acesso em 27/10/2014.
http://www.superpower-inc.com/content/2g...
]) utilizada para a formação do bloco SC para o experimento de levitação. As imagens inferiores são, respectivamente da esquerda para a direita, um bloco SC envolto em fita kapton, base de isopor com os blocos dentro e a capa no formato de um trem.

4. Resultados e discussão

Primeiramente, um pedaço da fita supercondutora foi caracterizada por transporte elétrico [18[18] E. M. Girotto e I. A. Santos, Quim. Nova 25, 639 (2002).] e sua morfologia foi analisada via microscopia eletrônica de varredura, MEV. No painel principal da Fig. 8 é mostrada a curva de resistência em função da temperatura, R(T), e também a sua derivada3 3 Derivada de uma curva nada mais é que a obtenção do coeficiente angular entre dois pontos vizinhos ao longo de toda a curva. , a qual nos auxilia a obter a Tc da amostra e a sua largura de transição, ΔTc. A fita apresenta Tc = 94,5 K e ΔTc = 3,2 K, o que indica a boa qualidade da mesma. Note que R não é nula após a transição devido à resistência dos contatos. Não foram realizadas caracterizações magnéticas pelo fato de não possuirmos tais facilidades em nosso grupo. No inset da Fig. 8 é mostrada uma imagem obtida via MEV do perfil transversal da fita. A região cinza indica o material que está encapsulado pelas camadas metálicas do qual o material supercondutor é um dos constituintes.

Figura 8
Resistência em função da temperatura, R(T), da fita supercondutora. Note que R não é nula após a transição devido à resistência dos contatos, contudo, Tc = 94,5 K e ΔTc = 3,2 K, o que indica a boa qualidade da amostra. O inset mostra uma imagem obtida por MEV onde é visualizado um perfil da fita.

Foram feitos três blocos de supercondutores dobrando-se a fita em partes de cerca de 1 cm os quais foram envolvidos com fita kapton, para proteção, ver Fig. 7. Estes blocos foram inseridos em uma caixinha de isopor a qual foi colocada sobre um suporte e este, sobre o trilho magnético. Na sequência foi inserido nitrogênio líquido na caixa até que o mesmo parasse de borbulhar, ou seja, até ser atingido o equilíbrio térmico, ficando o supercondutor na mesma temperatura de tal líquido criogênico. Este procedimento corresponde ao FC, descrito no item 1 deste artigo. Na sequência, retirou-se o suporte entre o trem e o trilho verificando-se a levitação do conjunto, como mostrado no painel superior esquerdo da Fig. 9. Para demonstrar a estabilidade do sistema, o trilho, com o trem levitando sobre ele, foi virado de “ponta-cabeça” (ver Fig. 9) e, então, verificou-se que o trem permaneceu próximo ao trilho. Isso ocorre devido à gaiola magnética que se forma ao redor do supercondutor e também ao campo que fica aprisionado no interior da amostra, como mostrado nos painéis (a) e (b) da Fig. 3.

Figura 9
No painel superior esquerdo, é mostrado o trem levitando normalmente sobre o trilho magnético. Nos demais painéis é demostrada a estabilidade do processo de levitação supercondutora. O termo “zad” visualizado na imagem do topo do trem é apenas uma rubrica referente ao sobrenome do coordenador do projeto ora desenvolvido, i.e., Zadorosny.

Na tentativa de facilitar a visualização dos conceitos envolvidos como expulsão e aprisionamento do campo magnético no supercondutor, elaboramos uma maquete que usa fios para simular as linhas de força do campo magnético e um pedaço de madeira esquematizando um supercondutor, como mostrado na Fig. 10. Nota-se a distorção do campo magnético ao redor da amostra, similar ao demonstrado na Fig. 2 e causa do efeito de desmagnetização. A estabilidade também é demonstrada por tal aparato pelo fato de que a madeira não está colada nos fios e, mesmo assim, ela permanece estática. Frisamos ainda, que o aparato ora desenvolvido é, também, de suma importância para levar os conceitos de campo magnético, fator de desmagnetização e comportamento do campo ao interagir com um material magnético à pessoas com deficiência visual como tratado por Camargo e colaboradores [19[19] E.P. Camargo, M.M. Agostini, R.P. Silva, D. Alcantara, G.F.S. Santos e E.R. Viveiros, Benjamin Constant 18, 13 (2012).,20[20] E.P. Camargo, Saberes Docentes para a Inclusão do Aluno com Deficiência Visual em Aulas de Física (Editora Unesp, São Paulo, 2012), ed. 1, p. 276.].

Figura 10
Aparato para visualização do comportamento do campo magnético sobre um SC após um processo FC. O acúmulo de linhas de força do campo magnético sobre o objeto de madeira (representando o SC) é conhecido por efeito de desmagnetização, onde o campo magnético nas bordas da amostra é maior do que o campo aplicado sobre ela. Há, ainda, algumas linhas que transpassam o material indicando o campo que penetra no SC. Assim como ocorre no experimento de levitação, o seu análogo mecânico ajuda na compreensão dos comportamentos envolvidos tais como efeito Meissner e estabilidade da levitação supercondutora.

5. Conclusão

Neste trabalho foram discutidos alguns aspectos fundamentais do fenômeno da supercondutividade focando no entendimento das propriedades básicas que estão relacionadas ao fenômeno da levitação supercondutora tais como: o efeito Meissner; a necessidade de se usar supercondutores do tipo II (os cerâmicos e granulares) e o fato de que, ao se resfriar uma amostra abaixo da sua temperatura crítica na presença de um campo magnético (procedimento field cooling, FC) o campo fica aprisionado nas regiões normais do material. Tais características são de suma importância para o processo de levitação e estabilidade do trem. Assim, foram discutidos os procedimentos para construção de um trilho magnético com ímãs de NdFeB cujas faces superiores ficaram com a polaridade sul-norte-sul. Esta configuração foi repetida ao longo de uma base metálica, formando o trilho. Esta base foi necessária pelo fato de que os ímãs, por possuírem a mesma polaridade ao longo da extensão do trilho, interagem repulsivamente, assim, a atração entre eles e a base metálica gera uma força de atrito muito grande que supera a força de repulsão, facilitando a montagem do aparato. O material supercondutor utilizado consistiu de um empilhamento de vários pedaços de uma fita supercondutora de segunda geração. Com isso, a demonstração de levitação foi realizada e a estabilidade do sistema foi testada virando-se o trilho com o trem em levitação de “ponta-cabeça”. Mesmo em tal configuração, o trem permaneceu próximo ao trilho, sem cair. Montou-se, também, um aparato para visualização do comportamento do campo magnético na presença de um material supercondutor. Com este é possível explicar, por exemplo, a origem do fator de desmagnetização tanto visualmente quanto de forma tátil para pessoas que possuam alguma deficiência visual.

Agradecimentos

Agradecemos à Pró-reitoria de extensão da Unesp - PROEx pelo incentivo e apoio financeiro ao projeto “Montagem de experimento para demonstração de levitação magnética usando material supercondutor: meios de transporte em massa e sustentabilidade”. Agradecemos, também ao Grupo de Supercondutividade e Magnetismo - GSM da UFSCar, São Carlos, que nos auxiliaram no primeiro teste com o trilho magnético e à Vivian Delmute Rodrigues e Francine Bettio Costa por nos ajudar com alguns afazeres experimentais.

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    Um material ferromagnético (a chapa metálica), confina as linhas de força do campo magnético que, então, se concentram nesta base (é por isso também, que nos núcleos de transformadores é colocado um material ferromagnético, assim, a eficiência de tal dispositivo é aumentada consideravelmente).
  • 3
    Derivada de uma curva nada mais é que a obtenção do coeficiente angular entre dois pontos vizinhos ao longo de toda a curva.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2014
  • Aceito
    04 Fev 2015
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