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Determinação das forças de vínculo em sistemas clássicos holônomos: análise crítica de três métodos

Determination of constraint forces in holonomic classical systems: critical analysis of three methods

Resumo

Nesse trabalho, analisamos de maneira crítica as peculiaridades e potencialidades de três abordagens para o cálculo das forças de vínculo em sistemas clássicos holônomos, a saber, o formalismo Newtoniano, o formalismo Lagraniano e um terceiro método misto desenvolvido pelo físico brasileiro Nivaldo A. Lemos [1]1 N.A. Lemos, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 283 (2004).. Analisando as soluções de três problemas clássicos por cada um desses métodos, concluímos que o número de dimensões e a quantidade de vínculos do problema influem sobre a eficiência dos métodos, o que proporcionou o estabelecimento de um critério para a escolha do formalismo a ser utilizado.

Palavras-chave:
Forças de Vínculo; Sistemas Clássicos Holônomos; Mecânica Lagrangiana

Abstract

In this work, we critically analyze the peculiarities and potentialities of three approaches for the calculation of constraint forces in classical holonomic systems, namely, the Newtonian formalism, the Lagrangian formalism and a third mixed method developed by Brazilian physicist Nivaldo A. Lemos [1]1 N.A. Lemos, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 283 (2004).. Analyzing the solutions of three classic problems by each of these methods, we conclude that the number of dimensions and the number of constraints of the problem influence in the efficiency of the methods, which provided the establishment of a criterion for the choice of formalism to be used.

Keywords:
Forces of Constraint; Holonomic Classical Systems; Lagrangian Mechanics

1. Introdução

O problema fundamental da dinâmica consiste em, a partir da análise do movimento, investigar as forças da natureza e, em seguida, ser capaz de prever novos fenômenos [2]2 J.I. Newton, Principia: Princípios Matemáticos de Filosofia Natural (Nova Stella, São Paulo, 1990).. Desse modo, imagine que uma determinada partícula não possa se mover livremente no espaço, de modo que suas coordenadas não são todas independentes entre si, isto é, há uma equação que as conecta. Restrições como essas, que podem ser de caráter geométrico ou cinemático, ao movimento das partículas são chamadas de vínculos. Esses, por sua vez, podem ser classificados em holônomos, no caso em que as equações que os descrevem só dependam das coordenadas generalizadas, ou em não-holônomos, caso haja dependência das velocidades generalizadas [3]3 N.A. Lemos, Mecânica Analítica (Livraria da Física, São Paulo, 2007).. Há também vínculos que aparentemente não são holônomos, mas se suas equações de restrição forem integráveis é dito que o vínculo é holônomo efetivo. As forças que fazem com que as partículas respeitem as equações de vínculo são chamadas de forças de vínculo. Nesse contexto, surge naturalmente a pergunta: Como proceder para encontrar tais forças?

A resposta a esse questionamento pode ser obtida por três métodos. O primeiro, denominado neste trabalho por “Método de Newton” consiste em resolver a segunda lei de Newton considerando as forças de vínculo acrescidas ao somatório das forças aplicadas [4]4 H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica: Mecânica (Edgard Blücher, São Paulo, 2013).. O segundo, ao qual denotaremos por “Método de Lagrange” consiste em resolver as equações de Lagrange com multiplicadores indeterminados [5]5 S.T. Thornton e J.B. Marion, Classical Dynamics of Particles and Systems (Cengage Learning, Boston, 2008).. Por fim, o terceiro método, desenvolvido pelo físico brasileiro Nivaldo Agostinho Lemos [1]1 N.A. Lemos, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 283 (2004)., propõe uma espécie de abordagem mista, que designamos por “Método de Lemos”, no qual ele faz uso de particularidades das duas abordagens anteriores para encontrar as forças de vínculo, de modo a prescindir dos multiplicadores indeterminados em problemas envolvendo vínculos holônomos.

Um problema, sobretudo didático-pedagógico no âmbito do Ensino de Física é a não completude de determinada área e/ou assunto na literatura; as forças de vínculo não se mostram uma exceção. Constatamos que a bibliografia em nível de graduação e pós-graduação em Física relacionada à Mecânica Clássica e Analítica apresenta isoladamente apenas um dos métodos [4]4 H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica: Mecânica (Edgard Blücher, São Paulo, 2013). [5]5 S.T. Thornton e J.B. Marion, Classical Dynamics of Particles and Systems (Cengage Learning, Boston, 2008). [6]6 H. Goldstein, C. Poole e J. Safko, Classical Mechanics (Pearson Education Limited, New York, 2014)., de tal maneira que o assunto é tratado de forma estanque, sem conexão ou comparação concreta com outros formalismos. Até mesmo em seu artigo, Lemos [1]1 N.A. Lemos, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 283 (2004). apresenta seu método afirmando sua eficácia em relação ao Método de Lagrange por revelar-se mais conciso e direto, mas sem contrapor explicitamente com o já conhecido.

Nessa perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo suprir uma carência na literatura ao realizar uma análise crítica, unificada e imparcial, mas ao mesmo tempo didático-pedagógica dos três diferentes métodos para o cálculo de forças de vínculo em sistemas clássicos holônomos, comparando teoricamente sua construção e analisando sob quais situações cada método é mais eficaz para o que se propõe, podendo ser empregado como material auxiliar nas disciplinas de mecânica analítica nos cursos de graduação e pós-graduação em física.

Nas próximas seções discutiremos, em mais detalhes, o formalismo matemático envolvido em cada uma das três abordagens, apresentando as soluções de três problemas já respaldados pela literatura por cada um dos métodos, no qual por fim será avaliada a eficiência das soluções.

2. Formalismos para o cálculo das forças de vínculo

O Método de Newton para encontrar as forças de vínculo consiste em aplicar o Princípio Fundamental da Dinâmica para cada partícula constituinte do sistema, o qual, segundo Nussenzveig [4]4 H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica: Mecânica (Edgard Blücher, São Paulo, 2013)., em relação aos referenciais inerciais, pode ser expresso como

(1) F i = d p i d t ,

onde Fi é a força resultante sobre a i-ésima partícula e pi é seu momento. Em corpos rígidos usamos

(2) F ( e x t ) = d P d t e τ ( e x t ) = d L d t ,

que correspondem, respectivamente, ao movimento de translação do centro de massa (CM) e à rotação em torno deste, onde F(ext) é a resultante das forças externas que atuam no CM, P é o momento do CM, τ(ext)é a resultante dos torques externos e L é o momento angular total do sistema, ambos em relação ao CM [4]4 H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica: Mecânica (Edgard Blücher, São Paulo, 2013). [7]7 K.R. Symon, Mechanics (Addison-Wesley Publishing Company, Massachusetts, 1960).. Com a equação (1) ou a equação (2) e as equações de restrição, obtemos um sistema que pode ser resolvido para obter as forças de vínculo.

O Método de Lagrange, por sua vez, é usado quando o sistema apresenta N vínculos holônomos, ou dependentes da velocidade mas integráveis, cujas equações de restrição podem ser escritas como [5]5 S.T. Thornton e J.B. Marion, Classical Dynamics of Particles and Systems (Cengage Learning, Boston, 2008).

(3) f k ( q , t ) = 0 , k = 1 , 2 , , N .

Este método consiste basicamente na resolução das equações

(4) L q j d d t L q ˙ j + k λ k ( t ) f k q j = 0 ,

onde L é a lagrangiana do sistema, definida como a diferença da energia cinética T e potencial U, LTU, escrita como se não houvesse vínculos [3]3 N.A. Lemos, Mecânica Analítica (Livraria da Física, São Paulo, 2007).. Os λk(t) são os multiplicadores de Lagrange, que fornecem as forças de vínculo generalizadas [5]5 S.T. Thornton e J.B. Marion, Classical Dynamics of Particles and Systems (Cengage Learning, Boston, 2008).

(5) Q j k λ k ( t ) f k q j .

Perceba que se qj tem dimensão de posição, então Qj resultará nas forças de vínculo, mas se qj é um ângulo então obteremos torques Qj correspondentes a tais forças.

Já o Método de Lemos consiste em decompor Fi, proveniente da segunda Lei de Newton, equação (1), em termos da resultante das forças aplicadas Fi(a) e da resultante das forças de vínculo fi que atuam na i-ésima partícula em questão [1]1 N.A. Lemos, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 283 (2004).. Ou seja,

(6) F i ( a ) + f i = F i = d p i d t = m a i ,

desse modo, segundo Lemos [1]1 N.A. Lemos, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 283 (2004). as forças de vínculo são obtidas por

(7) f i = m i r ¨ i F i ( a ) ,

onde r¨i é o vetor aceleração da i-ésima partícula. As componentes de tal vetor são obtidas por meio da eliminação das acelerações generalizadas q¨j pela resolução da equação de Lagrange

(8) L q j d d t L q ˙ j = 0 .

As forças aplicadas, por sua vez, são consideradas conservativas, de modo que podem ser obtidas pelo negativo do gradiente da energia potencial

(9) F i ( a ) = U i .

3. Aplicação

Com o intuito de analisar, de um ponto de vista pedagógico, a eficiência dos três métodos, apresentaremos a seguir as soluções de três problemas clássicos.

Problema I: A famosa máquina de Atwood, representada na Figura 1, consiste em duas massas (m1 e m2) unidas por um fio leve e inextensível de comprimento l passando por uma polia de massa desprezível. Sejam, x1 e x2 os comprimentos do fio que ligam, respectivamente, os blocos m1 e m2 à polia. Como o fio é inextensível haverá uma restrição no sistema, correspondente a uma força de vínculo, conhecida como tensão T do fio, que temos o desafio de encontrar.

Figura 1
Máquina de Atwood.

Método de Newton: Inicialmente devemos escrever as equações de movimento para cada bloco, que de acordo com a Figura 1 e a equação (1) podem ser expressas por

(10) m 1 g T = m 1 a 1 ,

e

(11) m 2 g T = m 2 a 2 ,

onde T é o módulo da tensão, g é o módulo da aceleração da gravidade e a1 e a2 são os módulos das acelerações das partículas 1 e 2, respectivamente.

Por outro lado, perceba que pela Figura 1, x1+x2=l, sendo l o comprimento do fio, que é constante. Desse modo se a massa m1 sobe ou desce, variando x1 de Δx1, devemos ter Δx2=Δx1. Isso significa que se m1 sobe de uma determinada distância, então m2 desce da mesma distância, mostrando que a2=a1. Com isso, se a1a, as equações (10) e (11) resultam

(12) m 1 g T = m 1 a ,

e

(13) m 2 g T = m 2 a .

Resolvendo esse sistema de equações, obtemos tanto a aceleração quanto o módulo tensão do fio, que é a força de restrição procurada,

(14) T = 2 m 1 m 2 m 1 + m 2 g e a = m 1 m 2 m 1 + m 2 g .

Método de Lagrange: Pelo método dos multiplicadores, consideraremos x1 e x2 como as coordenadas generalizadas. Vale mencionar que elas não são independentes, devido à equação de restrição,

(15) f x 1 + x 2 l = 0 ,

mesmo assim podemos escrever a Lagrangiana como se não houvesse vínculos e resolver a equação (4) para cada coordenada.

Sabendo que as energias do sistema são dadas pela soma das energias individuais de cada bloco, teremos que a Lagrangiana do nosso sistema será

(16) L = 1 2 m 1 x ˙ 1 2 + 1 2 m 2 x ˙ 2 2 + m 1 g x 1 + m 2 g x 2 .

Então, substituindo as equações (15) e (16) na equação (4), e resolvendo-a para x1 e x2, obtemos

(17) m 1 g m i x ¨ 1 + λ = 0 ,

e

(18) m 2 g m 2 x ¨ 2 + λ = 0 .

Pela equação (15) vemos que x1=x2, de modo que as equações (17) e (18) fornecem

(19) λ = 2 m 1 m 2 m 1 + m 2 g e x ¨ 2 = ( m 1 m 2 ) ( m 1 + m 2 ) g .

E substituindo o valor de λ obtido e a equação (15) na equação (5) encontramos

(20) Q x 1 = Q x 2 = 2 m 1 m 2 m 1 + m 2 g ,

que de fato é a tensão do fio encontrada pelo método de Newton.

Método de Lemos: O método desenvolvido por Lemos [1]1 N.A. Lemos, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 283 (2004)., resume-se em resolver a equação (7) para cada bloco. Para o bloco 1, vemos pela Figura 1 que

(21) r ¨ 1 = x ¨ 1 x ^ .

Por outro lado o valor de x¨1 pode ser obtido resolvendo a equação (8) com a Lagrangiana escrita já considerando os vínculos. Para obtê-la isolamos arbitrariamente x2 da equação (15) e substituímos o resultado junto com sua derivada na equação (16), concluindo que

(22) L = m 1 + m 2 2 x ˙ 1 2 + ( m 1 m 2 ) g x 1 + m 2 g l .

Substituindo então a equação (22) na (8), e resolvendo-a para x1 encontramos x¨1, que ao ser substituído na equação (21) resulta

(23) r ¨ 1 = m 1 m 2 m 1 + m 2 g x ^ .

Por outro lado, considerando a força aplicada como conservativa, e vendo que a energia potencial do bloco 1 é U=m1gx1, obtemos pela equação (9) que

(24) F 1 ( a ) = m 1 g x ^ .

Desse modo, substituindo as equações (24) e (23) na equação (7), obtemos a resultante das forças de vínculo que atuam no bloco 1,

(25) f 1 = 2 m 1 m 2 m 1 + m 2 g x ^ ,

que é exatamente a tensão do fio obtida pelo método de Newton, equação (14).

Para obter f2 fazemos um processo totalmente análogo. Vemos que o vetor aceleração é dado por r¨2=x¨2x^, e no processo para encontrar x¨2 notamos que agora isolamos x2 ao invés de x1 na equação (15). No entanto ao fazer isso, encontramos os mesmos resultados com os índices trocados de 1 para 2, de modo que no fim obtemos f2=f1. Como era de se esperar pois a tensão em ambos os lados do fio é a mesma.

Problema II: Imaginemos uma barra (de massa desprezível) que possui liberdade para rotacionar (com velocidade angular constante, MCU) em torno de um ponto central de um plano de referência disposto paralelamente e próximo à superfície da Terra, como ilustra a Figura 2. Seja então disposta uma conta (de massa m) a se mover (sem atrito) ao longo da barra, que restringe seu movimento.

Figura 2
Conta que desliza sobre um fio em MCU.

Método de Newton: Nesse caso, é interessante definir vetores diretores móveis nas direções de crescimento de ambas as coordenadas generalizadas (r,θ), dados por er=cosωtx^+sinωty^, e eθ=sinωtx^+cosωty^ onde a variação do ângulo com o tempo, dθ/dt=ω é a equação de restrição do sistema que, em sua forma integrada, é um vínculo holônomo dependente do tempo. Sabendo que r=rer, chegamos à expressão para a aceleração radial

(26) r ¨ = ( r ¨ ω 2 r ) e r + 2 ω r ˙ e θ .

Aplicando este resultado na equação (6) e sabendo que fi(a)=0 pela equação (9), temos

(27) f = m ( r ¨ ω 2 r ) e r + 2 m ω r ˙ e θ .

Contudo o sistema é desprovido de atrito, portanto não há forças de restrição tangenciais à barra, deste fato obtemos a expressão de movimento para a partícula

(28) r ¨ = ω 2 r ,

e a força de vínculo, na direção perpendicular à trajetória da conta, dada matematicamente por

(29) f = 2 m ω r ˙ e θ .

Perceba que a equação (29) pode ser entendida como uma reação à força de Coriolis que surge na análise do movimento a partir do referencial da conta.

Método de Lagrange: Para aplicar a equação (4) é preciso conhecer a lagrangiana do sistema e uma função do tipo da equação (3) para os vínculos. Note que o vínculo pode ser representado pela relação do ângulo delimitado pelo eixo do fio com o semi-eixo positivo na direção x^, portanto

(30) f ( θ , t ) θ ω t = 0 .

Nesse caso, podemos considerar que não há energia potencial relacionada ao sistema, de modo que a lagrangian é igual à energia cinética,

(31) L = 1 2 m r ˙ 2 + r 2 θ ˙ 2 .

Desse modo, utilizando as equações (30) e (31) na equação (4), e resolvendo-a para qj=r, obtemos

(32) r ¨ = ω 2 r ,

que é a equação de movimento. Por fim, resolvendo a equação (4) para qj=θ, encontramos

(33) λ = 2 m ω r r ˙ .

A expressão acima, por si só, não possui uma interpretação física imediata, é preciso agora calcular as forças generalizadas de restrição pela equação (5), obtendo

(34) Q θ = 2 m ω r r ˙ .

Deste modo, a força generalizada é um torque devido a uma força na direção perpendicular ao movimento da conta, dada por

(35) f = 2 m ω r ˙ e θ .

Método de Lemos: Para simplificar o problema, podemos trabalhar com coordenadas cartesianas parametrizando o vetor posição r=(x,y)=(rcosωt,rsinωt). Como na situação anterior é possível obter a lagrangiana do sistema, que aplicada na equação (8) resulta em

(36) r ¨ = ω 2 r ,

que é a equação de movimento da partícula.

Após isto podemos derivar duas vezes as posições cartesianas e, com a expressão acima, eliminar a aceleração generalizada na direção radial, obtendo então

(37) x ¨ = 2 ω r ˙ sin ω t y ¨ = 2 ω r ˙ cos ω t

Por fim, aplicamos as equações (37) na fórmula de Lemos, equação (7), para obter

(38) f = 2 m ω r ˙ e θ .

Logo, a força de vínculo é perpendicular à trajetória da partícula impedindo-a de abandonar a trajetória restrita pela barra girante.

Problema III: Considere um cilindro móvel de massa m e raio a rolando sem deslizar sobre um cilindro fixo de raio b. Sejam x e y coordenadas cartesianas com origem no centro do cilindro fixo, ϕ o ângulo de rotação do cilindro móvel em torno do seu eixo de simetria, e (r,θ) coordenadas polares do centro do cilindro móvel, com θ contado a partir do eixo y, Figura 3.

Figura 3
Cilindro rolando sem deslizar sobre um cilindro fixo.

Perceba que nesse problema há dois vínculos, um devido ao contato, r=a+b, que pode ser escrito como

(39) f 1 r a b = 0 ,

e outro referente ao fato do cilindro móvel rolar sem deslizar, aϕ˙=rθ˙, que exprime a exigência de que o centro de massa do cilindro móvel, mova-se com velocidade vθ=rθ˙ igual àquela ocasionada por sua rotação com velocidade angular ϕ˙ em torno do eixo instantâneo de rotação, que passa pelo ponto de contato entre os cilindros [1]1 N.A. Lemos, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 283 (2004).. Note, que tal restrição é um vínculo integrável porque r é constante pela equação (39), e pode ser escrito como

(40) f 2 a ϕ r θ = 0 .

Além disso, por estarmos lidando com um corpo rígido, sua energia cinética é composta da energia cinética do seu CM em relação ao CM do cilindro fixo e da energia de rotação em torno do seu CM, dada por

(41) T = 1 2 m r ˙ 2 + r 2 θ ˙ 2 + 1 4 m a 2 ϕ ˙ 2 ,

onde ICM=ma2/2 é o momento de inércia do cilindro em relação ao seu eixo de simetria. E a energia potencial é U=mgh=mgrcosθ.

Método de Newton: Pelo método de Newton, consideramos que a força peso e a normal atuam no CM do cilindro móvel. E além delas há uma força de atrito que garante que o cilindro role sem deslizar, como representado na Figura 3.

Note que para um corpo rígido em movimento no plano, a equação (2) fornece as equações de movimento do CM no plano e o torque da força de atrito em relação à O,

(42) N sin θ F a cos θ = m x ¨ ,
(43) N cos θ + F a sin θ m g = m y ¨
(44) a F a = 1 2 m a 2 ϕ ¨ F a = 1 2 m a ϕ ¨ .

Além disso, temos pelas equações de restrição que ϕ¨=(a+b)θ¨/a e r=a+b. De modo que a equação (44) resulta

(45) F a = 1 2 m ( a + b ) θ ¨ .

Por outro lado, x=rsinθ e y=rcosθ, de modo que para r=a+b temos

(46) x ¨ = ( a + b ) θ ¨ cos θ ( a + b ) θ ˙ 2 sin θ

e

(47) y ¨ = ( a + b ) θ ¨ sin θ ( a + b ) θ ˙ 2 cos θ .

Substituindo a equação (46) na equação (42) e a equação (47) na equação (43) e usando θ¨ dado por (45) encontramos

(48) N = 3 F a cos θ sin θ m ( a + b ) θ ˙ 2

e

(49) N = 3 F a sin θ cos θ m ( a + b ) θ ˙ 2 + m g cos θ .

De modo que ao serem combinadas fornecem

(50) F a = m g sin θ 3 ,

que é o módulo da força de atrito que garante com que o cilindro role sem deslizar.

Substituindo então a equação (50) na equação (48), obtemos a normal responsável pela restrição de contato,

(51) N = m g cos θ m ( a + b ) θ ˙ 2 .

A partir do referencial do cilindro móvel, interpretamos o primeiro termo da equação (51) como a componente radial da força peso e o segundo como uma força centrífuga devido ao próprio movimento acelerado do CM do cilindro móvel.

Além disso, pela Figura 3 vemos que

(52) N = N sin θ x ^ + N cos θ y ^

e

(53) F a = F a cos θ x ^ + F a sin θ y ^ .

Segue-se que a resultante das forças de vínculo é f=N+Fa, ou seja,

(54) f = 2 3 m g sin θ cos θ m ( a + b ) θ ˙ 2 sin θ x ^ + 2 3 m g sin 2 θ m ( a + b ) θ ˙ 2 cos θ + m g y ^ .

Método de Lagrange: Resolvendo por multiplicadores indeterminados [1]1 N.A. Lemos, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 283 (2004)., primeiro escrevemos a lagrangiana como se não houvesse vínculos,

(55) L = 1 2 m r ˙ 2 + r 2 θ ˙ 2 + 1 4 m a 2 ϕ ˙ 2 m g r cos θ .

Desse modo, ao escrever a equação (4) para as coordenadas generalizadas r, θ e ϕ, obtemos

(56) m r θ ˙ 2 m g cos θ m r ¨ + λ 1 = 0 m g r sin θ 2 m r r ˙ θ ˙ m r 2 θ ¨ λ 2 r = 0 1 2 m a 2 ϕ ¨ + λ 2 a = 0

que pelas condições de vínculo, r˙=0 e ϕ˙=rθ˙/a, possui a seguinte solução

(57) λ 1 = m g cos θ m r θ ˙ 2 + m g sin θ 3 θ

e

(58) λ 2 = m g sin θ 3 .

Resolvendo então a equação (5) para cada uma das coordenadas generalizadas (r,θ,ϕ) com o uso dos multiplicadores indeterminados dados nas equações (57) e (58) e das equações de restrição (39) e (40), obtemos finalmente as forças generalizadas de vínculo

(59) Q r = m g cos θ m r θ ˙ 2 ,
(60) Q θ = m g r sin θ 3

e

(61) Q ϕ = m g a sin θ 3 .

Como era de se esperar, para a coordenada de posição r, equação (59), obtivemos o módulo de uma força que é exatamente a normal N encontrada pelo método anterior, equação (51). E para as duas coordenadas angulares, obtemos dois torques correspondentes à força de atrito, equação (50), que garantem o vínculo de rolar sem deslizar. Vale mencionar que eles possuem sinais opostos devido à escolha da direção de variação de θ e ϕ.

Método de Lemos: Pelo método de Lemos, como estamos lidando com o movimento de um corpo rígido, podemos obter as forças de vínculo pela equação (7) aplicada ao seu CM,

(62) f = m r ¨ F ( a ) .

Da forma em que definimos as coordenadas cartesianas, o vetor aceleração do CM pode ser dado por

(63) r ¨ = x ¨ x ^ + y ¨ y ^ .

Por outro lado, podemos eliminar as acelerações generalizadas θ¨ das equações (46) e (47) por meio da solução da equação (8) para a lagrangiana já considerando as equações de restrição,

(64) L = 3 4 m ( a + b ) 2 θ ˙ 2 m g ( a + b ) cos θ

a qual nos fornece a equação de movimento para θ,

(65) θ ¨ = 2 g sin θ 3 ( a + b ) .

Assim, aplicando esse resultado nas equações (46) e (47), segundo a equação (63) temos

(66) r ¨ = 2 3 g sin θ cos θ ( a + b ) θ ˙ 2 sin θ x ^ + 2 3 g sin 2 θ ( a + b ) θ ˙ 2 cos θ y ^ .

Como o potencial em coordenadas cartesianas é U=mgy, obtemos pela equação (9) que F(a)=mgy^. Desse modo, a resultante das forças de vínculo é

(67) f = 2 3 m g sin θ cos θ m ( a + b ) θ ˙ 2 sin θ x ^ + 2 3 m g sin 2 θ m ( a + b ) θ ˙ 2 cos θ + m g y ^

que é exatamente a resultante encontrada pelo método de Newton, equação (54).

Em particular, a força de reação normal do cilindro fixo sobre o cilindro móvel é a componente radial de f, isto é na direção de um vetor r^=sinθx^+cosθy^ ou seja,

(68) f · r ^ = N = m g cos θ m ( a + b ) θ ˙ 2 .

Por outro lado, a força tangencial é a componente de f na direção de um vetor unitário perpendicular a r^, o qual pode ser tomado na direção tangencial à variação de θ, θ^=cosθx^sinθy^, ou na direção tangencial à variação de ϕ, ϕ^=cosθx^+sinθy^, resultando em

(69) f · θ ^ = m g sin θ 3
(70) f · ϕ ^ = m g sin θ 3 .

Perceba que as equações (69) e (70) fornecem em módulo a força responsável pelos torques dados nas equações (60) e (61) encontrados pelo método dos multiplicadores de Lagrange, que é exatamente a força de atrito encontrado pelo método de Newton, equação (50).

4. Análise crítica e considerações finais

Como era esperado, obtivemos o mesmo resultado para as forças de vínculo nas três abordagens. Note, no entanto, que as ferramentas matemáticas, e até mesmo o entendimento físico diferiu substancialmente em cada método. Qual dos métodos foi o mais simples (ou prático) para resolver cada problema?

Na solução da máquina de Atwood, o Método de Newton apresenta-se como o mais simples, pois exige um conhecimento físico elementar e um desenvolvimento matemático rápido e fluído, já que o seu caráter vetorial é simplificado por ser aplicado a um movimento unidimensional. Já pelo Método de Lagrange é preciso escrever as equações de movimento, resolvê-las para os multiplicadores e ainda identificar o sentido das forças generalizadas, sendo uma análise mais sofisticada para entender o problema. E pelo Método de Lemos, devido ao fato de termos dois blocos, encontramos o inconveniente de resolver a equação (7) duas vezes, o que é demorado e ineficiente.

Já para a conta a se mover sob um fio em MCU, notamos que o Método de Newton é ligeiramente mais complicado, pois o formalismo vetorial não pode ser simplificado como foi para o problema 1. O Método de Lagrange, no entanto, só envolve grandezas escalares, facilitando os procedimentos. Já o Método de Lemos, não se mostrou tão relevante por possuirmos apenas um multiplicador indeterminado, não se revelando vantajoso voltar ao formalismo vetorial. O Método de Lagrange é, em essência, mais simples e torna a resolução, neste caso, mais imediata.

Em contrapartida, para o cilindro rolando sem deslizar, podemos afirmar que o Método de Lemos apresenta maior simplicidade. Pois devido ao fato de termos dois vínculos, pelo Método de Lagrange foi preciso encontrar dois multiplicadores indeterminados, o que aumentou o tempo de resolução, tornando tal método inconveniente. Já o Método de Newton é repleto de uma abordagem vetorial que dificulta de certo modo a solução, além de exigir que saibamos desde o princípio as forças de vínculo envolvidas no problema, não sendo tão simples e tornando esse método pouco prático. Já o Método de Lemos, necessita de menos manipulações matemáticas, além de conseguir mesclar os dois outros métodos em um conjunto de passos que otimiza a solução.

Em suma, como ilustra a Tabela 1, a eficiência de cada método depende das características do problema a ser analisado, tendo em vista que para o Método de Newton, apesar de ser mais intuitivo, é preciso empregar um formalismo vetorial, o que para situações de n dimensões (n>1) torna a análise um pouco mais complexa. O Método de Lagrange, por sua vez, com sua formulação em termos de grandezas escalares, já exime o uso da linguagem vetorial, mas carrega consigo os chamados multiplicadores indeterminados, que quando há mais de uma equação de restrição exige a resolução de um maior número de equações. Finalmente, o Método de Lemos faz uma combinação de particularidades dos dois métodos anteriores, retomando parcialmente o formalismo vetorial mas sem usar os multiplicadores de Lagrange, o que se mostrou bastante relevante para mais de uma equação de restrição.

Tabela 1
Resumo das situações físicas em que cada método se mostrou mais eficiente, onde n representa a dimensão do problema e N o número de equações de vínculo.

O estudo de sistemas com restrição levou a busca por métodos alternativos para a determinação das forças de vínculo. A discussão aqui realizada proporcionou o estabelecimento de um critério para a escolha de qual método é mais eficiente para a solução do problema em questão, constituindo, portanto, um instrumento auxiliar para as disciplinas de mecânica analítica nos curso de graduação e pós-graduação em física.

Referências

  • 1
    N.A. Lemos, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 283 (2004).
  • 2
    J.I. Newton, Principia: Princípios Matemáticos de Filosofia Natural (Nova Stella, São Paulo, 1990).
  • 3
    N.A. Lemos, Mecânica Analítica (Livraria da Física, São Paulo, 2007).
  • 4
    H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica: Mecânica (Edgard Blücher, São Paulo, 2013).
  • 5
    S.T. Thornton e J.B. Marion, Classical Dynamics of Particles and Systems (Cengage Learning, Boston, 2008).
  • 6
    H. Goldstein, C. Poole e J. Safko, Classical Mechanics (Pearson Education Limited, New York, 2014).
  • 7
    K.R. Symon, Mechanics (Addison-Wesley Publishing Company, Massachusetts, 1960).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2019

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2018
  • Revisado
    02 Jun 2018
  • Aceito
    12 Jun 2018
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