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Estudo teórico de transição quântica de fases em gases bosônicos aprisionados por redes ópticas periódica e quase periódica

Theoretical Study of Quantum Phase Transition in Bosonic Gases trapped by Both Periodic and Quasi-periodic Optical Lattices

Resumo

Estudamos qualitativamente as propriedades microscópicas de um condensado bosônico em uma rede óptica periódica através do modelo homogêneo de Bose-Hubbard, e em uma rede quase periódica, através do modelo não homogêneo de Bose-Hubbard. Ambos os modelos são resolvidos analiticamente através da Aproximação de Campo Médio. Enfatizamos o aspecto didático do estudo com riqueza descritiva de detalhes no aspecto matemático.

Palavras-chave:
Hamiltoniano de Bose-Hubbard; Redes ópticas; Transições Quânticas de Fases

Abstract

We qualitatively study the microscopic properties of a bosonic condensate in a periodic optical lattice through the homogeneous Bose-Hubbard model, and in a quasi-periodic lattice through the inhomogeneous Bose-Hubbard model. Both models are solved analytically through the Mean Field Approach. We emphasize the didactic aspect of the study with descriptive richness in the mathematical aspect.

Keywords:
Bose-Hubbard Hamiltonian; Optical Lattices; Quantum Phase Transitions

1. Introdução

O modelo de Bose-Hubbard foi proposto em 1989 por Fisher et al.[1][1] M.P.A. Fisher, P.B. Weichman, G. Grinstein e D.S. Fisher, Physical Review B 40, 546 (1989). e previa a existência de um diagrama de fases quânticos que, inicialmente, descrevia a transição entre duas fases: superfluida e isolante de Mott. Posteriormente, Jakchs et al.[2][2] D. Jaksch, C. Bruder, J.I. Cirac, C.W. Gardiner e E.P. Zoller, Physical Review Letters 81, 3108 (1998). propôs que o modelo fosse aplicado ao estudo de gases quânticos ultrafrios. Finalmente, em 2002, Greiner et al.[3][3] M. Greiner, O. Mandel, T. Esslinger, T.W. Hänsch e I. Bloch, Nature 415, 39 (2002). demonstrou experimentalmente a transição de fase prevista pelo modelo supracitado. Do ponto de vista experimental, isto não é tudo, o modelo de Bose-Hubbard foi responsável por desencadear esforços que culminaram na observação de uma nova fase quântica em 2007 [4][4] L. Fallani, J. E. Lye, V. Guarrera, C. Fort e M. Inguscio, Physical review letters 98, 130404 (2007).. Recentemente, o interesse neste modelo foi renovado graças as possibilidades teóricas [5[5] G.G. Batrouni, R.T. Scalettar, G.T. Zimanyi e A.P. Kampf, Physical Review letters 74, 2527 (1995)., 6[6] J. Léonard, A. Morales, P. Zupancic, T. Esslinger e T. Donner, Nature 543, 87 (2017).] e experimentais de observar uma fase supersólida [7][7] K.R. Hazzard, Nature 543, 47 (2017).. Um supersólido, ou uma fase supersólida, é o resultado de um fenômeno paradoxal em que uma substância resistente ao cisalhamento – um sólido – também apresenta comportamento característico de um superfluido [8][8] K. Hazzard, Quantum Phase Transitions in Cold Atoms and Low Temperature Solids. Tese de Doutorado, Cornell University, New York, 2010.. Em outras palavras, o sistema se organiza em duas ordens: superfluida e sólida. Léonard et al.[6][6] J. Léonard, A. Morales, P. Zupancic, T. Esslinger e T. Donner, Nature 543, 87 (2017). e Li et al.[9][9] J. Li, J. Lee, W. Huang, S. Burchesky, B. Shteynas, F. Ç. Top, A. O. Jamison e W. Ketterle, Nature 543, 91 (2017). relatam a observação de um comportamento característico de um supersólido. Os autores supracitados prepararam um sistema inicialmente no estado superfluido através de técnicas de resfriamento já consolidadas e em seguida utilizaram um par de lasers para agitar os átomos de forma regular, fazendo com que eles se alinhassem em um padrão de repetição espacial – comportamento este que corresponde à ordem sólida. Para uma compreensão mais clara do fenômeno, recomendamos que o leitor veja o vídeo presente na referência [10][10] Voss, D., Supersolid Discoverer's New Experiments Show No Supersolid. Physics Online Journal,. 5, 111 (2012)..

Devido à possibilidade de encontrar novas fases, alguns trabalhos teóricos e numéricos enfatizam a importância da rede óptica [11[11] P. Buonsante, V. Penna e A. Vezzani, Physical Review A 70, 061603 (2004). [12] P. Buonsante, V. Penna e A. Vezzani, ArXiv: cond-mat/0409385 (2004). [13] P. Buonsante e A. Vezzani, Physical Review A 70, 033608 (2004). [14] P. Buonsante e A. Vezzani, Physical Review A 72, 013614 (2005). [15] B. Chen, S. Kou, Y. Zhang e S. Chen, Physical Review A 81, 053608 (2010). [16] M.A. Porter, P.G. Kevrekidis, R. Carretero-Gonzále e D.J. Frantzeskakis, Physics Letters A 352, 210 (2006). [17] M. Rigol, A. Muramatsu e M. Olshanii, Physical Review A 74, 053616 (2006). [18] A. Wagner, Spinor condensates in optical superlattices. Tese de Doutorado, University of Basel, Basel (2012).-19[19] A. Wagner, A. Nunnenkamp e C. Bruder, Physical Review A 86, 023624 (2012).]. Em especial podemos destacar: um estudo teórico que investiga o diagrama de fases em uma rede óptica quase periódica [15][15] B. Chen, S. Kou, Y. Zhang e S. Chen, Physical Review A 81, 053608 (2010). ; um estudo numérico que leva em conta as interações dipolares [20][20] J.M. Kurdestany, R.V. Pai e R. Pandit, Annalen der Physik 524, 234 (2012). e um estudo que utiliza Aproximação Variacional para solucionar o hamiltoniano de Bose-Hubbard [21][21] Y. De-Shui e C. Jing-Biao, Chinese Physics Letters 25, 1792 (2008).. Além disso, devemos enfatizar ainda as oportunidades que o modelo fornece em: computação quântica [22][22] E. Jané, G. Vidal, W. Dür, P. Zoller e J.I. Cirac, Quantum Information & Computation 3, 15 (2003). e emaranhamento quântico [23[23] O. Mandel, M. Greiner, A. Widera, T. Rom, T.W. Hänsch e I. Bloch, Nature 425, 937 (2003). [24] W.K. Hensinger, H. Häffner, A. Browaeys, N.R. Heckenberg, K. Helmerson, C. McKenzie, G.J. Milburn, W.D. Phillips, S.L. Rolston, H. Rubinsztein-Dunlop et al., Nature 412, 52 (2001).-25[25] C.M. Alves e D. Jaksch, Physical review letters 93, 110501 (2004).]. Em essência, o movimento de átomos na rede óptica é análogo ao de elétrons em uma rede cristalina. Consequentemente, muitos modelos teóricos foram motivamos por sólidos reais, como o modelo de Hubbard que descreve a transição de fase condutora para isolante em metais. Entretanto, o estudo de gases quânticos fornece vantagens que em sólidos reais são inviáveis. Em primeiro lugar, a escala de energia em gases quânticos é muito menor, o que significa, na prática, que a dinâmica do sistema varia muito pouco em função do tempo e isto permite o monitoramento em tempo real do sistema. Recentemente, novas técnicas experimentais, como high spatial resolution[26][26] W.S. Bakr, J. I. Gillen, A. Peng, S. Fölling e M. Greiner, Nature 462, 74 (2009)., permitem observar a evolução temporal de um único átomo. Em segundo lugar, os gases quânticos por serem mais acessíveis experimentalmente permitem um controle maior. Em suma, os gases quânticos nada mais são que simuladores quânticos, como proposto por Feynman [27][27] R.P. Feynman, Foundations of physics 16,507 (1986)..

Neste trabalho, recorremos ao Método de Aproximação de Campo Médio para solucionar os hamiltonianos e investigarmos o modelo homogêneo de Bose-Hubbard em uma rede óptica periódica e o modelo não-homogêneo em uma rede quase periódica. Assim, apresentamos o diagrama de fases para os respectivos sistemas do modo mais didático e detalhado possível. No capítulo 2, abordaremos matematicamente e conceitualmente o modelo homogêneo de Bose-Hubbard. No capítulo 3, investigaremos o comportamento de bósons aprisionados em uma rede óptica quase periódica, o qual é descrito através do modelo não homogêneo de Bose-Hubbard. No capítulo 4, apresentaremos os nossos resultados e discutiremos seus respectivos significados físicos.

2. Hamiltoniano de Bose-Hubbard Homogêneo

O potencial através do qual as partículas são aprisionadas é gerado através da interferência de lasers contra-propagantes. A rede óptica permite a controlabilidade da dinâmica do condensado, ou seja, o condensado pode ser manipulado alterando a intensidade, frequência ou diferença de fase dos lasers. Em um condensado típico, apenas interações fracas são relevantes e o sistema pode ser perfeitamente descrito atavés da equação de Gross-Pitaevskii ou de uma equação hidrodinâmica de campo médio. Ao assumirmos que os átomos são aprisionados dentro da banda de Bloch de menor energia [2][2] D. Jaksch, C. Bruder, J.I. Cirac, C.W. Gardiner e E.P. Zoller, Physical Review Letters 81, 3108 (1998)., e considerarmos uma rede óptica profunda, de modo que a função de Wannier [28][28] G.H. Wannier, Physical Review 52, 191 (1937). que representa os átomos nos sítios da rede não ultrapasse a extensão do parâmetro de rede, ou seja, apenas a interação entre átomos do mesmo sitio são consideradas, o comportamento de átomos em uma rede ótica pode ser escrito utilizando o Hamiltoniano de Bose-Hubbard. O hamiltoniano para o modelo de Bose-Hubbard em uma dimensão pode ser expresso como [15[15] B. Chen, S. Kou, Y. Zhang e S. Chen, Physical Review A 81, 053608 (2010)., 21[21] Y. De-Shui e C. Jing-Biao, Chinese Physics Letters 25, 1792 (2008).]:

(1) H ^ = J < i , j > a ^ i + a ^ j + ɛ i μ n ^ i + 1 2 U n ^ i ( n ^ i 1 )

onde ɛi corresponde à energia do menor estado de Wannier, para o caso homogêneo, ɛi=0. Os termos a^i+ e a^isão os operadores de criação e aniquilação de campos de bósons no sítio i, n^i=a^i+ai^ é o operador de números de bósons no sítio i, trata-se do potencial químico, U é a interação entre as partículas e J é o tunelamento. A competição entre o tunelamento e a interação entre as partículas caracteriza a transição de fase quântica. Quando a intensidade de tunelamento for maior que a interação entre as partículas, o sistema se encontra em uma fase superfluida e os átomos estarão deslocalizados, por outro lado, quando a interação entre as partículas for maior que o tunelamento, o sistema estará em uma fase isolante de Mott. No caso repulsivo (U > 0) o termo de interação impõe que cada sítio seja ocupado e os bósons sejam incapazes de se mover sem fornecer energia U.

Iniciamos a solução para o caso homogêneo através da Aproximação de Campo Médio [29][29] K. Sheshadri, H.R. Krishnamurthy, R. Pandit e T.V. Ramakrishnan, EPL (Europhysics Letters) 22, 257 (1993).. Basicamente, os operadores de aniquilação e criação de bósons são reescritos como:

(2) a ^ i = a ^ i + δ a ^ i = φ i + δ a ^ i
(3) a ^ i + = a ^ i + + δ a ^ i + = φ i * + δ a ^ i +

Onde a é o parâmetro de ordem e δa^i representa as flutuações quânticas e térmicas. Considerando as relações dadas pela Eq. (2) e (3,) a Eq. (1) pode ser escrita como segue,

(4) H ^ = J < i , j > φ i * a ^ j φ i * φ j + a ^ i + φ j μ n ^ i + 1 2 U n ^ i ( n ^ i 1 )

O índice j pode ser absorvido introduzindo o número de bósons vizinhos z:

(5) H ^ = J z i φ a ^ i φ 2 + a ^ i + φ μ n ^ i + 1 2 U n ^ i ( n ^ i 1 )

Reorganizando os termos, a equação fica:

(6) H ^ = J z φ i a ^ i + a ^ i + + i [ J z φ 2 μ n ^ i + 1 2 U n ^ i ( n ^ i 1 ) ]

Iniciamos agora a segunda fase da resolução do hamiltoniano. Em decorrência da Teoria da Pertubação de Raylegh-Schrödinger [30][30] J.R. Sousa e D. Coimbra, Revista Brasileira de Ensino de F\i sica 26, 129 (2004)., podemos decompor o hamiltoniano em dois operadores menores:

(7) β i = J z φ 2 μ n ^ i + 1 2 U n ^ i ( n ^ i 1 )
(8) α i = J z ( a ^ i + a ^ i + )

O hamiltoniano de Bose-Hubbard para um único sítio da rede óptica, então, adquire o seguinte formato:

(9) H ^ i = φ α ^ i + β ^ i

Ainda em decorrência da Teoria da Pertubação, o operador αi será considerado como uma pertubação sobre o operador βi Expandindo a equação de Schrödinger até a segunda ordem, temos:

(10) E n n = H ^ i n = ( φ α ^ i + β ^ i ) | n
(11) E n = β i + φ n | α i ^ | n + φ 2 m n m | α i ^ | n 2 β n β m + O φ 3

Adotando a álgebra dos operadores escadas, chegaremos ao seguinte resultado:

(12) E n = μ n + 1 2 U n n 1 + J z φ 2 + φ 2 J z 2 × n U n 1 μ + n + 1 μ U n + O φ 3

Por fim, expandimos a energia do sistema em função de uma série de potência da função de onda microscópica que descreve o condensado [31][31] S. Sachdev, in Quantum phase transitions editado por H. Kronmüller e S. Parkin (Wiley Online Library, Hoboken, 2007).. Esta série é conhecida como expansão de Landau.

(13) E n = a 0 n , U , μ + a 2 n , U , μ φ 2 + O φ 4

Comparando as equações (12) e (13), fica evidente que:

(14) a 2 n , U , μ φ 2 = ( J z ) φ 2 + φ 2 J z 2 × n U n 1 μ + n + 1 μ U n

A transição quântica de fase ocorrerá efetivamente quando a2n,U,μ=0, ou seja:

(15) 1 + J z n U n 1 μ + n + 1 μ U n = 0

Onde n é o número médio de bósons por sítio da rede óptica.

3. Modelo não homogêneo de Bose-Hubbard em uma rede óptica quase periódica

Para um gás de bósons interagindo fortemente em uma rede óptica quase periódica, o hamiltoniano do sistema é:

(16) H ^ = J < i , j > σ a ^ i σ + a ^ j σ + 1 2 U i σ n ^ i σ n ^ i σ 1 + V i n ^ i n ^ i i σ ( μ σ Δ i ) n ^ i σ

Onde < i,j > denota os sítios vizinhos mais próximo, J é a intensidade de tunelamento, a interação entre os bósons em um mesmo sítio é dada por U, a interação entre bósons vizinhos é representada por V, μσ é o potencial químico, n^iσ=a^iσ+a^iσ é o operador de número de bósons, σ=, representa os dois estados internos do condensado e Δi é a barreira de potencial entre dois sítios dentro de uma supercélula. A Figura 1 ilustra a definição de uma supercélula em uma rede óptica quase periódica, os sítios da supercélula são separados por uma diferença de potencial Δ.

Figura 1
Definição de uma supercélula em uma rede óptica quase periódica.

Assim como no caso homogêneo, iniciamos nossa solução reescrevendo os operadores de criação (aniquilação) de campos de bósons usando o argumento da Aproximação de Campo Médio:

(17) a ^ i σ + a ^ j σ = a ^ i σ + a ^ j σ + a ^ i σ + a ^ j σ a ^ i σ + a ^ j σ

Deste modo, o hamiltoniano adquire a seguinte forma:

(18) H ^ = J z i σ φ i σ a ^ i σ + a ^ i σ + + J z i σ φ i σ 2 + 1 2 U i σ n ^ i σ n ^ i σ 1 + V i n ^ i n ^ i i σ ( μ σ Δ i ) n ^ i σ

Note que novamente o número de bósons vizinhos próximos z foi usado para eliminar o somatório relativo ao índice j. Decompondo o hamiltoniano em dois operadores [30][30] J.R. Sousa e D. Coimbra, Revista Brasileira de Ensino de F\i sica 26, 129 (2004)., teremos:

(19) H ^ = i σ φ i σ α i σ + β i σ

Onde, definimos:

(20) α ^ i σ = J z a ^ i σ + a ^ i σ +
(21) β ^ i σ = J z φ i σ 2 + 1 2 U n ^ i σ n ^ i σ 1 + V n ^ i n ^ i ( μ σ Δ i ) n ^ i σ

Ainda em decorrência da Teoria das Pertubações, o operador α^iσ será considerado como uma pertubação sobre β^iσ:

(22) E n = β i σ + i φ i σ n | α ^ i σ | n + i m n φ i σ 2 m | α ^ i σ | n 2 β n σ β m σ + O φ 3

Novamente, recorrendo à álgebra dos operadores escadas iremos obter:

(23) E n = i J z φ i σ 2 + 1 2 U g i σ g i σ 1 + V g i g i μ σ Δ i g i σ + i J z 2 φ i σ 2 × g i σ + 1 V 1 g i g i U g i σ + μ σ Δ i + g i σ U ( g i σ 1 ) + V g i + g i 1 μ σ Δ i

A expansão de Landau para esse sistema é ligeramente diferente:

(24) E n = a 0 n , U , μ + a 2 n , U , μ φ i σ 2 + O φ i σ 4

A comparação entre as equações (23) e (24) resulta na igualdade:

(25) a 2 n , U , μ φ i σ 2 = i { J z φ i σ 2 + ( J z ) 2 φ i σ 2 × { g i σ + 1 V 1 g i g i U g i σ + μ σ Δ i + g i σ U ( g i σ 1 ) + V ( g i + g i 1 ) μ σ Δ i } }

As transições quânticas de fase ocorrem quando o coeficiente a2n,U,μ é nulo, ou seja:

(26) 1 + ( J z ) i { g i σ + 1 V 1 g i g i U g i σ + μ σ Δ i + g i σ U ( g i σ 1 ) + V ( g i + g i 1 ) μ σ Δ i } = 0

Ao contrário do caso homogêneo, o caso não homogêneo apresenta partículas em estados quânticos diferentes, deste modo, teremos pelo menos 4 possibilidades de preenchimento: (g1g1,g2,g2) O g1 representa o número médio de bósons com orientação do spin no primeiro sítio da supercélula. Por sua vez, definimos g1 como o número médio de bósons no primeiro sítio da supercélula com orientação do spin . Do mesmo modo, g2 representa o número médio de bósons com orientação do spin no segundo sítio da supercélula. Finalmente, definimos g2 como o número médio de bósons no segundo sítio da supercélula com orientação do spin Onde adotamos Δ=V=1, e a barreira de potencial ficou definida como:

(27) Δ i = 0 , s e i f o r í m p a r . Δ , s e i f o r p a r .

4. Resultados e Discussões

O resultado obtido na equação (15) nos fornece os diagramas de fase para o sistema. Na Figura 2 podemos observar os chamados lóbulos de Mott. Cada lóbulo de Mott corresponde a um número médio de átomos n por sítio da rede óptica periódica. O eixo horizontal corresponde ao tunelamento Jz, enquanto que o eixo vertical corresponde ao potencial químico. Note que tanto o tunelamento quanto o potencial químico são normalizados em função da interação entre bósons, isto é Jz/U e μ/U. Isso significa que, considerando que a interação entre bósons seja constante, o potencial químico para um número médio de n átomos por sítio varia em função do tunelamento. Por outro lado, a Figura 3 exibe o mesmo diagrama, com a diferença que a Figura 2 está normalizada em função da interação enquanto que a Figura 3 está normalizada em função do tunelamento Jz.

Figura 2
Diagrama de fases do modelo homogêneo no plano (μ, U). A área correspondente à fase de isolante de Mott varia de acordo com o número médio de bósons por sítio da rede.
Figura 3
Diagrama de fases do modelo homogêneo. A área correspondente à fase de isolante de Mott varia de acordo com o número médio de bósons por sítio da rede.

A Figura 2 mostra ainda que, quando o termo μ/U aumenta ao mesmo tempo que Jz/U diminui em uma rede óptica, o sistema sofre uma transição quântica de fase e, quanto maior for o número médio de bósons, maior deverá ser o termo μ/U e menor deverá ser o termo Jz/U para que a transição ocorra.

Em contraste com o resultado obtido na Figura 2, a Figura 3 exibe o eixo horizontal correspondendo à interação entre os bósons na rede óptica periódica normalizado em função do tunelamento U/Jz, enquanto que o eixo vertical corresponde ao potencial químico μ/Jz. Onde n é o número médio de bósons por sítio da rede óptica.

A Figura 3 mostra que, quando o termo μ/Jz aumenta ao mesmo tempo que U/Jz em uma rede óptica, o sistema sofre uma transição quântica de fase e, quanto maior for o número médio de bósons, maior deverá ser o termo μ/Jz e maior deverá ser o termo U/Jz para que a transição ocorra.

O resultado obtido na equação obtido nas Figuras 2 e 3 através da equação (15) estão em acordo com outros trabalhos teóricos [3[3] M. Greiner, O. Mandel, T. Esslinger, T.W. Hänsch e I. Bloch, Nature 415, 39 (2002)., 20[20] J.M. Kurdestany, R.V. Pai e R. Pandit, Annalen der Physik 524, 234 (2012)., 21[21] Y. De-Shui e C. Jing-Biao, Chinese Physics Letters 25, 1792 (2008).].

A equação (26) é responsável por gerar o resultado que podemos observar nas Figuras 4 e 5. Onde adotamos na equação (27) Δ =1 e na equação (26)V =1. Ou seja, a interação entre bósons vizinho (V) é da mesma ordem que a barreira de potencial (Δ) que separa os sítios da supercélula da rede óptica.

Figura 4
Diagrama de fases no caso não homogêneo e em uma supercélula. O número inteiro de bósons por supercélula corresponde à fase de Mott. O lóbulo correspondente à (2,0,0,1) caracteriza uma fase Density Waves e uma fase supersólida em sua extermidade.
Figura 5
Diagrama de fases do modelo não homogêneo de Bose-Hubbard.

Ao contrário do caso homogêneo, o caso não-homogêneo de Bose-Hubbard descreve um condensado cujo a menor unidade da rede óptica quase periódica corresponde à supercélula definida na Figura 1 e possui quatro possibilidades de preenchimento: g1 representa o número médio de bósons com orientação do spin no primeiro sítio da supercélula. Por sua vez, definimos g1 como o número médio de bósons no primeiro sítio da supercélula com orientação do spin . Do mesmo modo, g2 representa o número médio de bósons com orientação do spin no segundo sítio da supercélula. Finalmente, definimos g2 como o número médio de bósons no segundo sítio da supercélula com orientação do spin .

Sendo assim, a configuração (0,1,1,0), como mostra a Figura 4, corresponde ao número médio de um bóson no primeiro sítio da supercélula com orientação do spin e um número médio de um bóson no segundo sítio da supercélula com orientação do spin . O numéro médio total de bósons por sítion no primeiro lóbulo (0,1,1,0) é igual a 1, isto é (0+1+1+0)/2. O primeiro lóbulo corresponde, portanto, à fase isolante de Mott.

Do mesmo modo, o segundo lóbulo da Figura 4, definido como (2,0,0,1) corresponde a um número médio de 2 bósons no primeiro sítio da supercélula com a orientação do spin e com o número médio de 1 bóson no segundo sítio com orientação do spin . No segundo lóbulo, o número médio de bósons por sítio é (2+0+0+1)/2=3/2, o que corresponde à fase Density Waves (Spin Density Waves ou Charge Density Waves). Este lóbulo também corresponde à fase supersólida na extremidade do lóbulo, isto é, para valores relativamente altos do tunelamento para o segundo lóbulo, mas que ainda permanecem dentro da curva do lóbulo.

O terceiro lóbulo, definido como (1,1,0,0) corresponde a um número médio de 1 bóson no primeiro sítio da supercélula com a orientação do spin e a um número médio de 1 bósons no primeiro sítio da supercélula com orientação do spin , o número médio de bósons na supercélula para o terceiro lóbulo corresponde a (1+1+0+1)/2=1 - que corresponde à fase isolante de Mott.

O quarto lóbulo (1,1,1,1) corresponde a um número médio de 1 bóson no primeiro sito da supercélula com orientação do spin e 1 bóson com orientação , no segundo sítio da supercélula temos um número médio de 1 bóson com orientação do spin e 1 bóson com orientação . Este lóbulo corresponde à fase isolante de Mott já que (1+1+1+1)/2=2. Um número médio inteiro de bósons por sítio da supercélula corresponde à fase isoladora de Mott.

O quinto lóbulo (3,1,1,1) corresponde a um número médio de 3 bósons no primeiro sítio da supercélula com orientação do spin e 1 bóson com orientação , no segundo sítio da supercélula temos um número médio de 1 bóson com orientação do spin e 1 bóson com orientação . Este lóbulo corresponde à fase isolante de Mott já que (3+1+1+1)/2=3. Um número médio inteiro de bósons por sítio da supercélula corresponde à fase isolante de Mott.

A Figura 5 exibe um diagrama de fases para o modelo não-homogêneo de Bose-Hubbard para gases quânticos aprisionados na rede óptica quase periódica interagindo fortemente. Note que a diferença entre a Figura 4 e a Figura 5 reside unicamente no fato de que a Figura 5 exibe os lóbulos para o caso em que o tunelamento é mantido constante, em outras palavras, o diagrama fornecido pela Figura 5 é regido pela competição entre o potencial químico e a interação entre os bósons em um mesmo sítio. Na Figura 4 apresentamos o valor do potencial químico em função do termo de tunelamento normalizados em função da interação. A Figura 5 por sua vez apresenta o potencial químico em função da interação – normalizados em função do tunelamento.

Os resultados exibidos no modelo não homogêneo de Bose-Hubbard através das Figuras 4 e 5 estão em acordo com outros trabalhos [15[15] B. Chen, S. Kou, Y. Zhang e S. Chen, Physical Review A 81, 053608 (2010)., 20[20] J.M. Kurdestany, R.V. Pai e R. Pandit, Annalen der Physik 524, 234 (2012).]

5. Conclusão

Neste trabalho apresentamos o fenômeno de transição quântica de fases em duas situações distintas com riquezas de detalhes no que diz respeito ao formalismo matemático. No primeiro caso, o modelo homogêneo de Bose-Hubbard, abordado no capítulo 2, demonstramos todas as etapas para a obtenção de seu diagrama de fases. Neste caso, o diagrama de fases é essencialmente caracterizado por um preenchimento que corresponde a um número inteiro de átomos e por uma transição entre a fase isolante de Mott – onde não há movimento de átomos através da rede óptica –, e a fase superfluida. No capítulo 4, por outro lado, além da riqueza de detalhes matemáticos para a obtenção do diagrama de fases para o caso não homogêneo, demonstramos a complexidade inerente em se observar nossas fases. Em primeiro lugar, devemos destacar que as possibilidades de preenchimento são muito maiores e isto desempenha um papel fundamental nos fenômenos que ocorrem na rede óptica. Além disto, devemos enfatizar ainda que a física do modelo não homogêneo não é determinada por um único sítio e sim por uma parcela da rede óptica quase periódica conhecia por supercélula, o qual é constituída de dois sítios separados por uma barreira de potencial, como definido na Figura 1. Em virtude de a física do sistema ser regido pela supercélula, podemos obter um preenchimento que resulta da média do número de bósons por sítio da supercélula. Em outras palavras, se tivermos um bóson no primeiro sítio e dois bósons no segundo sítio, o número médio de bósons por sítio é de 1/2 bósons por sítio, ou seja, um número semi-inteiro. E isto caracteriza precisamente o pré-requisito para obtenção da fase Density Waves (Spin Density Waves ou Charge Density Waves). Além disto, uma vez que ocorra um preenchimento semi-inteiro de átomos, podemos ter acesso à fase supersólida. Do ponto de vista puramente conceitual, a supercondutividade nada mais é que um subproduto da superfluidez, embora seja àquela e não esta que atraia maior interesse. Os gases quânticos degenerados estão em um regime de superfluidez e, graças ao modelo de Bose-Hubbard, podemos observar e prever novas fases quânticas presentes no condensado. O mesmo condensado que está em uma fase superfluida pode sofrer uma transição de fase e entrar em um regime como o isolante de Mott - como descrito e previsto pelo modelo de Bose-Hubbard em uma rede óptica periódica. Do mesmo modo, graças a outros tipos de rede como a rede óptica quase periódica que utilizamos, o sistema pode sofrer outras transições de fase, como a supersólida. A fase supersólida é de longe o fenômeno mais fascinante já previsto em matéria condensada – trata-se de um sólido que exibe comportamento de um superfluido. Nosso estudo limitou-se ao estudo de uma rede duplamente periódica, mas provavelmente, outros tipos de rede podem prever e descrever outros tipos de fases. Do ponto de vista teórico, podemos prever novas fases utilizando novos valores para a barreira de potencial, interação entre bósons no mesmo sítio e em sítios vizinhos, configuração do preenchimento (inteiro, semi-inteiro, racional, irracional, etc). No contexto específico da Ciência dos Materiais podemos enfatizar ainda que existem estudos que exploram as propriedades de gases quânticos degenerados para a litografia atômica [32][32] M.V. Alves, Manipulação transversal de feixes atômicos para possível uso em litografia atômica. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Carlos (1997).. Isto é, os átomos aprisionados na rede óptica se acumulam nos nodos do potencial formando uma “grade de difração” de átomos que podem ser depositados na superfície de um substrato [33][33] M.K. Oberthaler e T. Pfau, Journal of Physics: Condensed Matter 15, R233 (2003).. A possibilidade de cultivar nanoestruturas através da litografia atômica com átomos incoerentes (caso não degenerado) também já foi demonstrada [34[34] J.J. McClelland, R.E. Scholten, E.C. Palm e R.J. Celotta, Laser-focused atomic deposition. Science 262, 877 (1993)., 35[35] U. Drodofsky, J. Stuhler, T. Schulze, M. Drewsen, B. Brezger, T. Pfau e J. Mlynek, Applied Physics B: Lasers and Optics 65, 755 (1997).]. A dopagem estrutural também já foi demonstrada pelo uso simultâneo de um feixe atômico e a matriz de um material homogêneo [36][36] T. Schulze, T. Müther, D. Jürgens, B. Brezger, M. K. Oberthaler, T. Pfau e J. Mlynek, Applied Physics Letters 78, 1781 (2001).. A passagem da litografia atômica constituída de átomos em estados quânticos incoerentes (não degenerado) para átomos em estados quânticos coerentes (degenerados) aumenta consideravelmente as possibilidades da litografia atômica. Portanto, a aplicação de redes óptica quase periódicas no aprisionamento de átomos ultrafrios podem ampliar as possibilidades em litografia atômica.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer à CAPES pelo apoio financeiro e às sugestões dos Revisores da Revista Brasileira de Ensino de Física.

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Apêndice

Referências

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Disponibilidade de dados

Citações de dados

P. Buonsante, V. Penna e A. Vezzani, ArXiv: cond-mat/0409385 (2004).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2019

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2018
  • Revisado
    18 Abr 2018
  • Aceito
    12 Jun 2018
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