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A Gestão Estratégica e a Ilegalidade: um estudo de caso do combate à pirataria no Brasil

La Gestión Estratégica y la Ilegalidad: un estudio de caso del combate a la piratería en Brasil

RESUMO

As empresas multinacionais que sofrem com o impacto da pirataria precisam reconhecer as importantes diferenças sociais e políticas existentes entre o mercado local e o mercado internacional para formular estratégias de mercado e não mercado integradas, que sejam eficazes no combate dos produtos piratas. Pouco se sabe sobre a extensão em que a pirataria afeta os processos de gestão estratégica das empresas multinacionais que atuam em países emergentes, onde as falhas institucionais restringem o mercado, e nem tampouco se conhece a estrutura organizacional que suporta estas atividades e os tipos de atividades de não mercado escolhidas para atingir os seus objetivos de ação política. Para estudar este fenômeno foram pesquisadas três empresas multinacionais do setor farmacêutico fabricantes de medicamentos de disfunção erétil que sofrem com a ilegalidade. As evidências da pesquisa mostram que a integração estratégica - mercado e não mercado - só ocorre globalmente (BARON, 1995aBARON, D. P. Integrated strategy: market and nonmarket components. California Management Review, Berkeley, v. 37, n. 2, p. 47-65, Winter 1995a.). As empresas que sofrem maior impacto com a pirataria se organizam com uma estrutura geocêntrica (PELMUTTER, 1969PERLMUTTER, H. The tortuous evolution of the multinational corporation. Columbia Journal of World Business, Oxford, v. 5, n. 1, p. 9-18, 1969.) com a formulação de estratégias de não mercado global feitas por especialistas para maximizar recursos. Localmente, as subsidiárias implementam as estratégias globais e optam pelas ações coletivas independente dos recursos disponíveis (HILMANN; HITT, 1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.) por meio do fortalecimento das instituições de classe.

Palavras-chave:
Estratégia de não mercado; Estratégia integrada; Pirataria; Estrutura geocêntrica; Ações coletivas

RESUMEN

Las empresas multinacionales que sufren el impacto de la piratería deben reconocer las importantes diferencias sociales y políticas entre el mercado local y el mercado internacional para desarrollar estrategias integradas de mercado y no mercado eficaces en la lucha contra los productos piratas. Poco se sabe sobre el grado en que la piratería afecta a los procesos de gestión estratégica de las empresas multinacionales que operan en los países emergentes, donde los fallos institucionales limitan el mercado, ni tampoco la estructura organizacional que apoya estas actividades y los tipos de actividades elegidas para lograr sus objetivos de acción política. Para estudiar este fenómeno, han sido investigados tres fabricantes multinacionales de medicamentos de disfunción eréctil afectados por la ilegalidad. La evidencia de la investigación muestra que la integración estratégica - de mercado y de no mercado - sólo se produce a nivel mundial (BARON, 1995aBARON, D. P. Integrated strategy: market and nonmarket components. California Management Review, Berkeley, v. 37, n. 2, p. 47-65, Winter 1995a.). Las empresas que sufren el mayor impacto de la piratería se organizan mediante una estructura geocéntrica (PELMUTTER, 1969PERLMUTTER, H. The tortuous evolution of the multinational corporation. Columbia Journal of World Business, Oxford, v. 5, n. 1, p. 9-18, 1969.) con estrategias globales centralizadas realizadas por expertos para aprovechar al máximo los recursos. Las filiales locales ponen en práctica estrategias globales y optan por las acciones colectivas independientes de los recursos disponibles (HILLMAN; HITT, 1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.) mediante el fortalecimiento de las instituciones de la clase.

Palabras clave:
Estrategia de no mercado; Estrategia integrada; Piratería; Estructura geocêntrica; Acciones colectivas

ABSTRACT

Multinational companies that suffer from the impact of piracy must recognize the important social and political differences between the local market and the international market to formulate their integrated market and nonmarket strategies. Little is known about the extent to which piracy affects the processes of strategic management of multinational companies operating in emerging countries, where institutional failures restrict the market, or about the type of nonmarket activities used by these companies to achieve their goals of political action. To study this phenomenon, three multinational pharmaceutical companies suffering from illegality were investigated. The evidences of the survey showed that there is a global strategic integration - market and nonmarket (BARON, 1995aBARON, D. P. Integrated strategy: market and nonmarket components. California Management Review, Berkeley, v. 37, n. 2, p. 47-65, Winter 1995a.). The companies that suffer from piracy tend to use a geocentric structure (PELMUTTER, 1969PERLMUTTER, H. The tortuous evolution of the multinational corporation. Columbia Journal of World Business, Oxford, v. 5, n. 1, p. 9-18, 1969.) formulating nonmarket centralized strategies with the support of specialists to maximize resources. Locally, the subsidiaries implement the global nonmarket strategies, choosing to perform collective activities - independently of the amount of resources available (HILMANN; HITT, 1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.).

Keywords:
Nonmarket strategy; Integrated strategy; Piracy; Geocentric structure; Collective action

1 INTRODUÇÃO

As empresas que sofrem com a pirataria são desafiadas a desenvolver estratégias de não mercado para minimizar os efeitos nocivos da diminuição do seu mercado ou se defender de possíveis problemas com a sua imagem institucional, devido à utilização de produtos falsificados. Com isso, as empresas multinacionais têm um desafio adicional, pois precisam reconhecer as importantes diferenças sociais e políticas existentes entre o mercado local e o mercado internacional para desenhar as suas estratégias de não mercado. Assim, necessitam fazer com que as estratégias de mercado e não mercado estejam integradas para se obter vantagens competitivas sustentáveis. Pouco se sabe sobre a extensão em que esses desvios no mercado afetam os processos de gestão estratégica das empresas multinacionais que atuam em países emergentes, onde as falhas institucionais restringem o mercado, e nem sobre o tipo de atividades de não mercado utilizadas para atingir os seus objetivos de ação política (HILLMAN; HITT, 1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.).

Segundo BARON (1995aBARON, D. P. Integrated strategy: market and nonmarket components. California Management Review, Berkeley, v. 37, n. 2, p. 47-65, Winter 1995a.), as empresas deveriam, ao definir as suas estratégias, ter tanto a área de mercado, quanto a de não mercado trabalhando integradas para defender os interesses globais da empresa no que se refere à pirataria. Os artigos pesquisados que tratam do tema de estratégias de não mercado e de como as empresas enfrentam os desafios nos mercados emergentes analisam as variações existentes nas estratégias ou por setor ou por país, de forma a identificar os padrões que são desenvolvidos como proposta (RUFIN; PARADA; SERRA, 2008RUFIN, C.; PARADA, P.; SERRA, E. O paradoxo das estratégias multidomésticas num mundo global: testemunho das estratégias de “não mercado” nos países em desenvolvimento. RBGN - Revista Brasileira de Gestão de Negócio, São Paulo, v. 10, n. 26, p. 63-85, 2008.).

Os artigos publicados que versam sobre pirataria e o seus impactos abordam as questões legais versus a legislação vigente nos EUA (MILLER; BOVE, 2009MILLER, S. R.; BOVE, C. R. Fighting intellectual property theft in the internet age: why we need a statute like the combating online infringement and counterfeits. Intellectual Property & Technology Law Journal, [s. l.], v. 23, n. 4, p. 3-11, Apr. 2009.), discutem a pirataria sob a ótica comportamental (IYENGAR et al., 2008IYENGAR, D. et al. Parameters for software piracy research. The Information Society, Philadelphia, v. 24, n. 4, p. 199-218, 2008.; SINHA; MACHADO; SELLMAN, 2010SINHA, R. K.; MACHADO, F. S.; SELLMAN, C. Don’t think twice, it’s all right: music piracy and pricing in a DRM-free environment. Journal of Marketing, Chicago, v. 74, n. 2, p. 40-54, Mar. 2010.; WOOLLEY, 2010WOOLLEY, D. J. The cynical pirate: how cynicism effects music piracy. Academy of Information and Management Sciences Journal, v. 13, n. 1, p. 31-[44], Jan. 2010.) ou estudam modelos com sugestões de ações estratégicas para minimizar os efeitos da pirataria em software, música e filmes (GOPAL; LERTWACHARA; MARSDEN, 2006GOPAL, S. B. R. D.; LERTWACHARA, K.; MARSDEN, J. R. Consumer search and retailer strategies in the presence of online music sharing. Journal of Management Information Systems, Armonk, v. 23, n. 1, p. 129-159, Summer 2006.; KARIITHI, 2011KARIITHI, N. K. Is the devil in the data? A literature review of piracy around the world. The Journal of World Intellectual Property, Geneva, Oxford, v. 14, n. 2, p. 133-154, Mar. 2011.; SMITH; TELANG, 2009SMITH, M. D.; TELANG, R. Competing with free: the impact of movie broadcasts on DVD Sales and internet piracy. MIS Quarterly, Minneapolis, v. 33, n. 2, p. 321-338, June 2009.; YANG et al., 2009YANG, D. et al. Global software piracy: searching for further explanations. Journal of Business Ethics, Dordrecht, v. 87, n. 2, p. 269-283, June 2009.). Outra abordagem também encontrada nos artigos pesquisados foi a dos estudos específicos de setores industriais como Lagreca e Hexsel (2007LAGRECA, R. H.; HEXSEL, A. Concorrência desleal: concepções do processo de mobilização estratégica a partir de um estudo de caso. RAC - Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 11, ed. especial, p. 11-31, 2007.), setor de tabaco, e a de Giglio e Ryngelblum (2009GIGLIO, E. M.; RYNGELBLUM, A. L. Uma investigação sobre o ator consumidor na rede de pirataria e uma proposta de alternativa de estratégia de combate. RAM - Revista de Administração Mackenzie, São Paulo, v. 10, n. 4, p. 131-155, jul./ago. 2009.) com a visão de estratégias de combate por meio de redes sociais.

Neste estudo, foi analisado como ocorre o processo de gestão estratégica das empresas multinacionais do setor farmacêutico - fabricantes dos remédios de disfunção erétil - que atuam no mercado brasileiro e que sofrem o impacto da pirataria, avaliando se estas empresas integram as suas estratégias de mercado e de não mercado para o combate à pirataria e quais são as principais atividades de não mercado utilizadas por estas empresas no mercado nacional.

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, 2010AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (BRASIL) - ANVISA. Reunião da Comissão de Assuntos Sociais. Conjunta com a 1ª Reunião da Subcomissão Permanente de Promoção, Acompanhamento e Defesa da Saúde, da 4ª Sessão Legislativa Ordinária, da 53ª Legislatura, Brasília, Congresso Nacional, Audiência pública realizada em 25 de fevereiro de 2010. Disponível em <Disponível em http://www.senado.leg.br/Relatorios_SGM/RelPresi/2010/011.03-SF-REL2010-CAS.pdf >. Acesso em: 27 maio 2013.
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), a pirataria na área de medicamentos é um conjunto de atividades ilegais que engloba a falsificação, adulteração, contrabando (descaminho), roubo de carga e comércio de produtos sem registro ou em más condições para o uso e, nos últimos três anos, cerca de 80% das apreensões de medicamentos falsos no Brasil eram compostos por remédios para disfunção erétil. De acordo com o levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2006WORLD HEALTH ORGANIZATION - WHO. Combating Counterfeit Drugs: Building Effective International Collaboration. 2006. Disponível em: <Disponível em: http://www.who.int/medicines/events/FINALBACKPAPER.pdf >. Acesso em: 27 maio 2013.
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), o prejuízo fiscal global decorrente da pirataria de medicamentos é da ordem de US$ 35 bilhões.

A premência de estratégias eficazes é crucial no caso específico da pirataria, por ser este um fenômeno relativamente novo e crescente no mundo globalizado com um impacto destrutivo para a imagem institucional e financeira das empresas em função dos malefícios que as drogas ou placebos usados nos medicamentos falsificados causam à saúde de seus usuários.

Seguem os principais resultados obtidos juntamente com uma discussão mais aprofundada sobre as implicações destes resultados nas subsidiárias brasileiras que foram embasados no referencial teórico apresentado na próxima seção.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

O embasamento teórico que referenciou a pesquisa está centrado na integração das estratégias de mercado e não mercado (BARON, 1995aBARON, D. P. Integrated strategy: market and nonmarket components. California Management Review, Berkeley, v. 37, n. 2, p. 47-65, Winter 1995a.), no modelo de abordagem, participação e decisão estratégica para não mercado (HILLMAN; HITT, 1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.) e a estrutura com relação matriz/subsidiária usada por Perlmutter (1969PERLMUTTER, H. The tortuous evolution of the multinational corporation. Columbia Journal of World Business, Oxford, v. 5, n. 1, p. 9-18, 1969.) e Bartlett e Ghoshal (1989BARTLETT, C. A.; GHOSHAL, S. Managing across borders: the transnational solution. Boston, Mass: Harvard Business School Press, 1989.).

2.1 Estratégias integradas de mercado e não mercado

As empresas que sofrem o impacto da pirataria estão expostas às falhas institucionais que restringem o seu mercado e que precisam desenvolver estratégias para influenciar o ambiente institucional composto pelas instituições governamentais nos poderes executivo, legislativo e judiciário. As incertezas influenciam a decisão dos indivíduos e as estratégias das empresas (NORTH, 1990NORTH, D. C. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge: The Press Syndicate of the University of Cambridge, 1990.). Com o processo de globalização (MAHONEY; CHI, 2001MAHONEY, J. T.; CHI, T. Business Strategies in Transition Economies. Academy of Management Review, Thousand Oaks, v. 26, n. 2, p. 311-313, Apr. 2001. (antes 2008)), as empresas internacionais estão enfrentando um cenário diverso do que estavam acostumadas. O ambiente de negócio existente na matriz não é igual ao ambiente nos países emergentes. As incertezas variam de país para país (KHANNA; PALEPU, 2000KHANNA, T.; PALEPU, K. The future of business groups in emerging markets: long-run evidence from Chile. Academy of Management Journal, New York, v. 43, n. 3, p. 268-285, June 2000. (antes 1999)) e nos países emergentes existe uma grande variedade de falhas de mercados - como o baixo nível de fiscalização e o grau de punidade da legislação atual - que leva à criação de oportunidades para favorecimentos. Lagreca e Hexsel (2007LAGRECA, R. H.; HEXSEL, A. Concorrência desleal: concepções do processo de mobilização estratégica a partir de um estudo de caso. RAC - Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 11, ed. especial, p. 11-31, 2007.) confirmam (KHANNA; PALEPU, 2000KHANNA, T.; PALEPU, K. The future of business groups in emerging markets: long-run evidence from Chile. Academy of Management Journal, New York, v. 43, n. 3, p. 268-285, June 2000. (antes 1999)) com o estudo sobre os impactos da concorrência desleal no Brasil no setor de cigarros, a partir do entendimento da dinâmica das relações entre a empresa e as instituições. Embora os autores não explorem a natureza intrínseca das estratégias elaboradas pelas empresas do setor, analisam os fatores externos que afetam a competitividade do setor por falhas institucionais.

Ryngelblum (2007RYNGELBLUM, A. L. Influências ‘heterorracionais’ sobre as organizações e seu tratamento pelas teorias de estratégia: o caso da pirataria. RAC - Eletrônica, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 66-80, maio/ago. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://anpad.org.br/periodicos/content/resumos.php?revista_id=3&artigo_id=636 >. Acesso em: 27 maio 2013.
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) em seu estudo sobre a pirataria no Brasil sugere que é necessário trabalhar com as instituições governamentais em quatro frentes principais: (I) fiscalização e repressão por meio do fechamento de fábricas, lojas e galerias de venda, bem como a apreensão de produtos; (II) lobby junto aos legisladores e governantes visando reduzir tributos; (III) campanha publicitária, ora alertando os consumidores para produtos piratas ora ameaçando com punições; (IV) desenvolvimento de instrumentos mais poderosos que os atuais de legitimação de esforços antipirataria, associados à criação de oportunidades alternativas para a ocupação da população que hoje depende economicamente desse trabalho.

A expressão da estratégia de não mercado foi popularizada por Baron em uma série de artigos publicados nos anos de 1995 e 1999. O ambiente não mercado é formado por arranjos sociais, políticos e legais que estruturam as interações entre as empresas e os indivíduos, grupos de interesses, entidades governamentais e o público que não é intermediado pelo mercado, mas sim pelas instituições públicas e privadas e é caracterizado por questões, instituições, interesses e informações (BODDEWYN, 2003BODDEWYN, J. J. Understanding and advancing the concept of “nonmarket”. Business & Society, Thousand Oaks, v. 42, n. 3, p. 297-327, Sept. 2003.).

Boddewyn e Brewer (1994BODDEWYN, J. J.; BREWER T. L. International business political behavior: new theoretical direction. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 19, n.1, p. 119-143, Jan. 1994.) exploram as dificuldades encontradas pelas empresas internacionais ao desenvolverem as suas estratégias de não mercado em países com características singulares e diferentes do país de origem. O comportamento político das empresas internacionais sofre simultaneamente do tipo de empresa (internacionais, multinacionais, transacionais, doméstica, importadores, exportadores), do setor, e do contexto de não mercado. Isto significa que as empresas que investem em outros países não devem simplesmente desenvolver estratégias complementares ou alternativas para aliar às suas estratégias econômicas, mas estudar as várias idiossincrasias existentes que interferem e impactam a alocação dos recursos escassos.

Para ser eficaz, uma empresa precisa integrar as estratégias de mercado e não mercado, adequando-as a seu ambiente e a suas competências (BARON, 1995aBARON, D. P. Integrated strategy: market and nonmarket components. California Management Review, Berkeley, v. 37, n. 2, p. 47-65, Winter 1995a.). Existe uma substancial interdependência entre a competitividade da empresa e as políticas de governo (BARON, 1995aBARON, D. P. Integrated strategy: market and nonmarket components. California Management Review, Berkeley, v. 37, n. 2, p. 47-65, Winter 1995a.), o que torna crítico para as empresas desenvolverem estratégias políticas como parte de sua estratégia geral (BARON, 1995aBARON, D. P. Integrated strategy: market and nonmarket components. California Management Review, Berkeley, v. 37, n. 2, p. 47-65, Winter 1995a.). Se o governo é importante para a competitividade futura da empresa, a ação política precisa ser uma prioridade de negócio (YOFFIE, 1987YOFFIE, D. B. Corporate strategies for political action: a rational model. MARCUS, A. A.; KAUFNIAN, A. M.; BEAM, D. R. (Eds.). Business Strategy and public policy: perspectives from industry and academia. New York: Quorum Books, 1987. p. 43-60.). No caso da pirataria, as empresas precisariam desenvolver as suas estratégias políticas, visando minimizar as falhas institucionais que estão centradas, principalmente, na fiscalização e uma legislação mais punitiva, além de auxiliar no processo de conscientização da população sobre os malefícios da pirataria que está ligada ao crime internacional.

2.2 Modelo de abordagem, participação e decisão estratégica para não mercado

Por meio do comportamento político, as empresas podem potencialmente aumentar o tamanho do mercado e ganhar vantagem competitiva. Com isso, reduzem as ameaças da entrada de substitutos e aumentam o poder de barganha em relação aos fornecedores e consumidores (HILLMAN; HITT, 1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.). As empresas precisam ser proativas para conseguir atingir os objetivos e os benefícios potenciais do comportamento político (KEIM, 1981KEIM, G. Foundations of a political strategy for business. California Management Review, Berkeley, v. 23, n. 3, p. 41-48, Spring 1981.). Para tanto, elas formulam as suas estratégias dentro de três dimensões da estratégia política (HILLMAN; HITT, 1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.): 1) abordagens para estratégias políticas; 2) níveis de participação; 3) tipos de estratégias.

Além das dimensões mencionadas, Hillman e Hitt (1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.) denominam o relacionamento institucional destas estratégias como transacional e relacional. O relacionamento transacional acontece quando uma estratégia é formulada em resposta a uma questão política específica e tem um período de duração relativamente curto. O relacionamento relacional é de longo prazo, com o objetivo de gerar um relacionamento mais duradouro com as instituições e abrangem várias questões simultaneamente, de tal forma que os contatos e recursos desenvolvidos possam ser usados assim que novas questões aparecerem.

As principais variáveis que afetam as decisões das empresas por optarem pelo relacionamento transacional ou relacional são: 1) o grau em que a empresa é afetada pela política pública; 2) o nível de diversificação do produto; 3) o grau de corporativismo /pluralismo dentro do país no qual as empresas operam (HILLMAN; HITT, 1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.).

Hillman e Hitt (1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.) propõem:

  1. firmas com maior dependência das políticas governamentais têm maior probabilidade de usar a abordagem relacional;

  2. firmas com maiores recursos financeiros e/ou recursos intangíveis, como, por exemplo, conhecimento de influência política, têm maior probabilidade de usar a participação individual independente da abordagem escolhida;

  3. firmas com menores recursos financeiros e/ou recursos intangíveis, como conhecimento de influência política, têm maior probabilidade de usar a participação coletiva independente da abordagem escolhida;

  4. firmas ou associações têm maior probabilidade de usar a estratégia de prestar informação ou incentivo financeiro se tiverem escolhido uma abordagem transacional e a questão estiver no estágio de formulação;

  5. firmas ou associações com grande credibilidade têm maior probabilidade de usar a estratégia de prover informação ou formação de base de eleitores, desde que tiver escolhido uma abordagem relacional.

Quanto aos níveis de participação, as empresas optam por: 1) ações coletivas ou 2) ações individuais, sendo que o fator determinante para esta escolha é o valor de recursos disponível para as suas ações políticas (HILLMAN; HITT, 1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.). As ações coletivas desenhadas para atuar no ambiente de não mercado são geralmente permitidas pela legislação e, por esta razão, as empresas decidem atuar de forma conjunta por meio de coalizões ou associações de classes. Assim, as empresas podem economizar e conjuntamente criar ações políticas para se defenderem de políticas públicas.

As empresas podem também configurar as suas competências desenvolvendo-as internamente ou contratando-as externamente como, por exemplo, para as áreas jurídicas, de relações públicas, de relações governamentais e dos conselhos políticos (HILLMAN; HITT, 1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.). Em vez de cada firma monitorar e influenciar os processos políticos individualmente, via associação de classe, ela pode criar economia de escala, aumentar o conhecimento sobre a questão e gerar sinergias ou outros recursos intangíveis pela integração do conhecimento coletivo.

2.3 Estrutura e organização em empresas multinacionais (EMNs)

Mariotto (2007MARIOTTO, F. L. Estratégia internacional da empresa. São Paulo: Thomson, 2007.) apresenta as EMNs - empresas multinacionais - em termos de estrutura com relação matriz/subsidiária, segundo Perlmutter (1969PERLMUTTER, H. The tortuous evolution of the multinational corporation. Columbia Journal of World Business, Oxford, v. 5, n. 1, p. 9-18, 1969.), em: etnocêntrica, policêntrica e geocêntrica. Na etnocêntrica, os valores e padrões são os mesmos da matriz e é imposto às subsidiárias, enquanto os da policêntrica, as culturas dos países hospedeiros são respeitadas e a subsidiária deve ter a sua identidade local. No terceiro tipo de orientação, a geocêntrica, a subsidiária contribui para a empresa-mãe com novas habilidades e conhecimento de tecnologia avançada.

Como geocêntrica, a EMN internaliza a exploração das vantagens comparativas de cada país em que opera e mantém uma estrutura hierárquica, na qual a matriz coordena as atividades de todas as operações internacionais. A criação de estratégias seria unilateral, da matriz para as subsidiárias para explorar vantagens competitivas originadas na própria matriz.

Bartlett e Ghoshal (1989BARTLETT, C. A.; GHOSHAL, S. Managing across borders: the transnational solution. Boston, Mass: Harvard Business School Press, 1989.) definem que, para se internacionalizarem, as empresas devem adotar estratégias de mercado como: transnacionais, globais e multidomésticas. Estratégias transnacionais são centradas em transferir o conhecimento das áreas corporativas para os mercados estrangeiros. Estratégias globais são aquelas em que os produtos e estratégias são desenvolvidos para explorar e integrar de um modo uniforme o mercado mundial. Harzing (2000HARZING, A. W. An empirical analysis and extension of the Bartlett and Goshal typology of multinational companies. Journal of International Business Studies, Newark, Basingstoke, v. 31, n. 1, p. 101-120, Mar. 2000.) define a empresa global com operações integradas e com estrutura semelhante a um hub and spoke, diferente da empresa transnacional que não tem a matriz em um papel dominante. As subsidiárias podem ser centros estratégicos especializados para um determinado processo.

As estratégias transnacionais e globais de não mercado parecem não ter o mesmo sucesso das estratégias de mercado, conforme Bartlett e Goshal (1989BARTLETT, C. A.; GHOSHAL, S. Managing across borders: the transnational solution. Boston, Mass: Harvard Business School Press, 1989.), pois precisam levar em conta as instituições, as questões políticas e as configurações existentes nos países onde as empresas estão localizadas. Muitas questões de não mercado têm uma forte orientação doméstica e têm maior probabilidade do que as questões de mercado de terem estratégias multidomésticas. O sucesso da implementação das estratégias multidomésticas de não mercado envolve planos de ações específicos que são desenvolvidos conforme as instituições e os interesses individuais de cada país.

2.4 Proposições da pesquisa

Surgem três proposições decorrentes da teoria estudada e que foram o foco da pesquisa realizada:

  1. PROPOSIÇÃO 1 :Para ser bem sucedida no combate à pirataria, a empresa precisa formular estratégias integradas de mercado e não mercado (BARON, 1995aBARON, D. P. Integrated strategy: market and nonmarket components. California Management Review, Berkeley, v. 37, n. 2, p. 47-65, Winter 1995a.).

  2. PROPOSIÇÃO 2: A estrutura matriz/subsidiária policêntrica (PERLMUTTER,1969PERLMUTTER, H. The tortuous evolution of the multinational corporation. Columbia Journal of World Business, Oxford, v. 5, n. 1, p. 9-18, 1969.) seria a estrutura escolhida pelas EMNs , pois as culturas dos países hospedeiros são respeitadas e a subsidiária define as suas próprias estratégias em função das idiossincrasias locais.

  3. PROPOSIÇÃO 3: As EMNs localmente estruturam as suas ações políticas escolhendo abordagens relacionais, coletivas, centradas na prestação de informação e que, segundo Ryngelblum (2007RYNGELBLUM, A. L. Influências ‘heterorracionais’ sobre as organizações e seu tratamento pelas teorias de estratégia: o caso da pirataria. RAC - Eletrônica, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 66-80, maio/ago. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://anpad.org.br/periodicos/content/resumos.php?revista_id=3&artigo_id=636 >. Acesso em: 27 maio 2013.
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    ), estão centradas nas seguintes áreas: (I) fiscalização e repressão; (II) lobby junto aos legisladores e governantes; (III) campanha publicitária, ora alertando os consumidores para produtos piratas ora ameaçando com punições; (IV) desenvolvimento de instrumentos associados à criação de oportunidades alternativas para a ocupação da população, que hoje depende economicamente desse trabalho.

3 MÉTODO

A metodologia escolhida foi o estudo de caso analítico descritivo pelo fato do tema pirataria ser complexo, com baixa disponibilidade de estudos empíricos que possam servir de base de estudo e com dados disponíveis insuficientes para uma comparação estatística. As informações disponíveis ficam restritas ao que é publicado pela mídia jornalística, ou vêm a público por meio de órgãos governamentais que relatam, porém, somente o que é apreendido pelas autoridades policiais.

3.1 Fontes e coleta de dados

Para verificar as transformações e adequações nas estratégias globalizadas das empresas multinacionais fabricantes de medicamentos para disfunção erétil foram escolhidos os três maiores laboratórios multinacionais no Brasil, fabricantes dos medicamentos em questão. Dois deles, doravante denominados de Empresa A e Empresa C, são de capital americano e um de capital europeu, doravante denominado Empresa B. Juntos, respondem por aproximadamente 90% do mercado brasileiro de medicamentos de disfunção erétil.

Foram conduzidas entrevistas semiestruturadas com as três empresas multinacionais e com o objetivo principal de entender o modelo de integração utilizado para formular as estratégias de mercado e de não mercado e a operacionalização das estratégias relativas à pirataria. As entrevistas resultaram em aproximadamente quatro horas de gravação e para informações mais específicas foram feitas trocas de e-mails que permitiram aprofundar algumas das questões levantadas na pesquisa.

No Quadro 1, estão discriminados o perfil dos entrevistados e o tipo de contato realizado com as empresas. Além das entrevistas diretas com as três empresas, foram feitas visitas também em duas outras empresas farmacêuticas para triangular as informações sobre as estratégias globais, a estrutura que dá suporte para as estratégias globais e as escolhas das ações políticas: a Covidien (Diretor Relações Governamentais), empresa farmacêutica fabricante de equipamentos médicos, e a Merck Sharp e Dome (Diretor de Relações Governamentais).

QUADRO 1:
Relação das empresas que participaram da pesquisa

Após a primeira fase da pesquisa, as informações colhidas - especificadas no Quadro 1 - foram verificadas nos diversos órgãos fiscalizadores do setor de medicamentos - especificadas no Quadro 2 - com as seguintes entidades ou agências: Associação Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP), Ministério da Justiça, Fórum Nacional de Combate à Pirataria e Ilegalidade (FNCP), Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) (Coalizão Brasil Intelectual), Danneman & Simensen - escritório de advocacia especializado em propriedade intelectual com sede no Rio de Janeiro e escritório em São Paulo, US Chamber of Commerce - Brazil US Business Council em Washington, DC, EUA.

QUADRO 2:
Relação de associações e instituições governamentais envolvidas na pesquisa

A triangulação das informações foi feita em três etapas: 1) verificação da existência e a participação dos laboratórios nas atividades mencionadas, por meio de visitas ao governo ou às entidades de classe. Nas visitas realizadas nas entidades, foram verificados os registros de participação em reuniões e os temas e discussões realizadas; 2) verificação dos dados sobre apreensões de medicamentos junto à ANVISA. Somente as informações que foram confirmadas por mais de uma fonte é que foram consideradas na pesquisa. O clipping de notícias da ABPI sobre o tema da propriedade intelectual foi usado para obter informações sobre apreensões de medicamentos, sobre a reputação e gastos em segurança e as atividades de não mercado utilizadas pelas empresas. Foram priorizados os jornais de maior circulação, porém alguns artigos da revista Veja foram selecionados pela discussão mais aprofundada que a revista fez sobre o tema da pirataria de remédios. Durante o período de trabalho foram pesquisadas e selecionadas as reportagens publicadas sobre a pirataria de medicamentos no período do dia 27 de janeiro de 2009, até o dia 30 de março de 2011 - aproximadamente 490 informativos eletrônicos pesquisados; 3) A estrutura corporativa e a contratação de terceiros foi a última parte da triangulação. A visita a US Chamber of Commerce nos Estados Unidos - Washington - ajudou a entender como uma das empresas da pesquisa estava estruturada e como as entidades de classe internacionais participavam do processo. O Quadro 2 apresenta a relação das instituições pesquisadas e o tipo de informações obtidas junto a cada uma delas.

4 RESULTADOS

Os resultados da pesquisa foram comparados com os modelos teóricos segundo as três abordagens: 1) integração das estratégias de não mercado com as estratégias de mercado; 2) estrutura corporativa para estratégias de não mercado; e 3) atividades de não mercado

4.1 Integração das estratégias de não mercado com as estratégias de mercado

A análise dos dados sobre a integração das estratégias foi feita usando o critério:

1. Para ser eficaz, a empresa precisa considerar as componentes de mercado e não mercado (BARON, 1995aBARON, D. P. Integrated strategy: market and nonmarket components. California Management Review, Berkeley, v. 37, n. 2, p. 47-65, Winter 1995a.), formulando estratégias integradas de mercado e não mercado. A evidência da integração foi relacionada com:

  1. Existência de reuniões frequentes com comitê ou grupo de trabalho, envolvendo as áreas de mercado e não mercado;

  2. Estratégias de não mercado discutidas em reunião de diretoria local com a presença das áreas de mercado e não mercado.

QUADRO 3:
Análise dos dados obtidos para a integração estratégica

Nas três empresas pesquisadas não houve evidências da integração das estratégias de mercado com as de não mercado no Brasil. As questões referentes à pirataria são temas sigilosos e que não são discutidos em reunião de diretoria e, tampouco, foi verificada a existência de reuniões frequentes dos grupos de trabalho ou comitês para integrar as atividades. Na Empresa A, até o final de 2010, existia um pequeno comitê no Brasil que fazia a integração das áreas de mercado e não mercado e que tinha a capacidade de propor e definir as estratégias localmente, porém esta situação mudou completamente, tendo em vista que a empresa, internacionalmente, definiu que a prioridade seria maximizar a utilização dos recursos e preservar a segurança pessoal de seus colaboradores. Na empresa C, a área de segurança corporativa local tem pouca interação com as áreas de mercado, pois sua função principal é a investigação. As áreas de mercado são usadas para colher informações que são enviadas ao time internacional centralizado na matriz. Na Empresa B, existe o grupo Trabalho Antifalsificação Global (GTAF), local, que é responsável pelas estratégias e ações de combate à pirataria e que integra as áreas de mercado e não mercado. Contudo, como no Brasil ocorrem poucos incidentes, a atuação do GTAF é pequena e as reuniões do grupo são esporádicas.

A área Jurídica Internacional coordena a questão da pirataria internacionalmente, porque envolve a questão de legalidade, da segurança e da propriedade intelectual que são da alçada do setor jurídico da empresa.

O jurídico dá o amparo legal para a segurança. Quem dá este suporte é a área jurídica. A área estratégica de produto é que dá as diretrizes para todos os departamentos. Um produto sendo falsificado no Paraguai não tem reflexo de perda, mas a política da Empresa B é clara que ao tem que combater. A casa matriz é clara e determina que o Jurídico é o responsável. (Entrevista com o responsável pelo Departamento de Segurança da Empresa B, 2010).1 1 . Destacamos que os trechos das entrevistas a serem apresentados no decorrer deste artigo não terão a indicação dos entrevistados por questões éticas e de preservação da identidade de cada um em relação a suas falas, devido ao compromisso assumido quando da realização da pesquisa.

No Quadro 4, temos o sumário dos processos estratégicos das empresas pesquisadas. Foi verificada a existência de um grupo internacional responsável pela formulação estratégica da área de combate à pirataria e este grupo se reporta à área fiscal/jurídica da corporação.

QUADRO 4:
Integração das estratégias de mercado e de não mercado

A integridade do medicamento é uma questão fundamental no segmento farmacêutico. Produtos falsificados colocam em risco a reputação e a marca do laboratório, além de constituir crime contra a saúde pública. Para que seja mantida esta integridade e preservada sua reputação, a empresa gasta grandes volumes de recursos na segurança dos produtos para garantir que eles cheguem sem nenhum dano ao seu destino final, que pode ser tanto um distribuidor quanto o próprio governo.

Na Empresa A, houve uma mudança estratégica na formulação das estratégias de não mercado referentes à pirataria no final de 2010, devido à necessidade da empresa em maximizar recursos e acumular o conhecimento sobre as operações das quadrilhas internacionais que operam em todo o mundo. Ainda por uma questão de segurança pessoal dos colaboradores, a empresa mudou a estratégia que vinha adotando e passou a centralizar corporativamente todas as questões referentes à pirataria na corporação.

Para otimizar os recursos que nós dispomos, criou-se um grupo de trabalho específico na casa matriz que faz as ações todas dos nossos produtos ao redor do mundo. Apenas utiliza as afiliadas no sentido de implementar algumas ações e coletar algumas informações para permitir um planejamento muito mais melhorado. (Entrevista com o gerente jurídico da Empresa A, 2011)2 2 . Idem nota anterior

Dos três casos estudados verificou-se que:

  1. A integração das estratégias de mercado e de não mercado ocorre no âmbito internacional e existem especialistas sobre pirataria que ajudam a formular as estratégias de antifalsificação e as reportam para a área Jurídica Global;

  2. Localmente, as empresas implementam as estratégias globais, que envolvem o relacionamento com as autoridades de repressão local.

  3. As áreas de mercado são utilizadas como fonte de informação e só são envolvidas nas estratégias de não mercado relacionadas com a pirataria se houver uma ocorrência. Algumas empresas usam parceiros especializados para ajudá-los na área de investigação.

Segundo BARON (1995aBARON, D. P. Integrated strategy: market and nonmarket components. California Management Review, Berkeley, v. 37, n. 2, p. 47-65, Winter 1995a.), a interação entre as áreas de mercado e de não mercado requer que os gestores responsáveis pelo ambiente de mercado também sejam responsáveis pela performance da empresa no ambiente de não mercado. Conforme Bartlett e Goshal (1989BARTLETT, C. A.; GHOSHAL, S. Managing across borders: the transnational solution. Boston, Mass: Harvard Business School Press, 1989.), as estratégias de não mercado precisam levar em conta as instituições, as questões políticas e as configurações existentes nos países onde as empresas estão localizadas. Não houve evidência nas empresas pesquisadas de que no Brasil, as companhias farmacêuticas produtoras de medicamentos para disfunção erétil formulem estratégias integradas para combater a pirataria e que levem em consideração as idiossincrasias das instituições locais. As empresas são executoras das estratégias internacionais que são formuladas por um time de especialistas internacionais que desenvolvem competências centralizadas para maximizar os recursos para combater o crime da pirataria que é uma ação internacional.

4.2 Estrutura corporativa para estratégias de não mercado

Para a análise da estrutura, foi utilizada a tipologia definida por Perlmutter (1969PERLMUTTER, H. The tortuous evolution of the multinational corporation. Columbia Journal of World Business, Oxford, v. 5, n. 1, p. 9-18, 1969.) e Bartlett e Goshal (1989BARTLETT, C. A.; GHOSHAL, S. Managing across borders: the transnational solution. Boston, Mass: Harvard Business School Press, 1989.) para as empresas multinacionais e agrupadas segundo os itens:

  1. Internaliza a exploração das vantagens comparativas de cada país em que ela opera e mantém uma estrutura hierárquica, na qual a matriz coordena as atividades de todas as operações internacionais (geocêntrica);

  2. A criação de estratégias seria unilateral, da matriz para as subsidiárias para explorar vantagens competitivas originadas na própria matriz (geocêntrica);

  3. A subsidiária contribui para a empresa-mãe com novas habilidades e conhecimento de tecnologia avançada (geocêntrica);

  4. A empresa mantém operações integradas e com estrutura semelhante a um hub and spoke (global).

QUADRO 5:
Análise dos dados segundo a estrutura corporativa para o combate à pirataria

A estrutura desenvolvida por duas das empresas pesquisadas mostram evidências de terem o formato da empresa geocêntrica definida por Perlmutter (1969PERLMUTTER, H. The tortuous evolution of the multinational corporation. Columbia Journal of World Business, Oxford, v. 5, n. 1, p. 9-18, 1969.) para o combate da pirataria. Com a criação de estratégias unilateralmente, da matriz para as subsidiárias para explorar vantagens competitivas originadas na própria matriz, e o time de especialistas está localizado.

A Empresa B mostra evidências de uma empresa global, conforme Bartlett e Goshal (1989BARTLETT, C. A.; GHOSHAL, S. Managing across borders: the transnational solution. Boston, Mass: Harvard Business School Press, 1989.), com operações integradas e estratégias definidas na matriz para todas as subsidiárias. Localmente, a Empresa B desenvolve competências para investigação.

As evidências indicam que para a questão da pirataria, a estrutura geocêntrica foi a escolhida pelas duas empresas que sofrem o maior impacto com a pirataria - com a criação de estratégias unilaterais, da matriz para as subsidiárias - pelo fato do crime da pirataria ser recente e as quadrilhas que promovem este delito serem internacionais, obrigando as empresas a utilizarem a centralização para criar competências e maximizar recursos. Por esta razão, a estrutura existente é centralizada e segue uma hierarquia para maximizar esforços, investimentos e ganhar conhecimento rápido como resposta para as rápidas mudanças efetivadas pelo crime organizado como mostra a Figura 1.

FIGURA 1:
Estrutura global para combate à pirataria

Internacionalmente, a estrutura corporativa que lida com a questão da pirataria está inserida dentro da área jurídica global ou da área de relações governamentais global. Para discutir e formular as estratégias integradas, as empresas pesquisadas criaram grupos de trabalho que integram a área de mercado com a área de não mercado. Nesta estrutura, estão inseridos os especialistas que acompanham as operações das quadrilhas do crime organizado que operam globalmente. Esses especialistas lideram as investigações, fazem contatos com as polícias internacionais e mantém um trabalho integrado com a equipe de segurança corporativa global que tem as suas próprias estratégias para garantir a segurança e integralidade do medicamento mundialmente.

A área de segurança corporativa participa do grupo internacional, mas tem suas responsabilidades específicas de segurança de produto que são fundamentais para a área de medicamentos, pois atentar contra a saúde humana é um crime hediondo em qualquer lugar do mundo. Além disso, medidas voltadas para a segurança de produto preservam a reputação da empresa.

Em casos específicos, em função de contatos com autoridades ou de melhor conhecimento dos países por onde o produto falsificado está transitando, a investigação é feita pela equipe de segurança global que interage com o grupo internacional de combate à pirataria ou com a área de segurança local. As empresas que sofrem maior impacto da pirataria reforçam o pequeno time local, contratando parceiros especializados em investigação e apreensão que interagem com o grupo local ou com o grupo internacional. No caso da Empresa A, não existe mais nenhuma estrutura local, por considerar que a segurança pessoal de seus funcionários é primordial, a empresa decidiu terceirizar todo o trabalho. A terceirização total não é guiada por fatores exclusivamente econômicos, confirmando Hillman e Hitt (1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.).

Na verdade, na afiliada você não tem hoje uma estrutura dedicada, se tem pessoas em algumas áreas específicas que são pontos de contato para informação e para tomar algumas providências locais. [...] Para otimizar os recursos das suas afiliadas, o pessoal da matriz faz tudo isto e nós só ajudamos. (Entrevista com o gerente jurídico da Empresa A, 2011)3 3 . Idem nota 1 .

A casa matriz decidiu trabalhar com um escritório terceirizado também aqui no Brasil que é especializado neste tipo de ações. E aí, algumas áreas internas da companhia como o jurídico e o pessoal de controle de qualidade, fornecem algum tipo de apoio só no contato com pessoas, mas existe um escritório externo especializado que irá fazer as ações determinadas por este grupo da casa matriz. (Entrevista com o gerente jurídico da Empresa A, 2011).4 4 . Idem nota 1

No caso da pirataria, duas das empresas multinacionais apresentaram evidências de terem a estrutura geocêntrica da relação matriz/subsidiária definida por Perlmutter (1969PERLMUTTER, H. The tortuous evolution of the multinational corporation. Columbia Journal of World Business, Oxford, v. 5, n. 1, p. 9-18, 1969.). Os principais objetivos dessa escolha é para acumular conhecimento e maximizar recursos. Somente uma das empresas mantém a estrutura global (BARTLETT; GOSHALL, 1989BARTLETT, C. A.; GHOSHAL, S. Managing across borders: the transnational solution. Boston, Mass: Harvard Business School Press, 1989.). Essa diferença pode ser explicada pelo impacto que a pirataria causa nas empresas. Quando é grande, as empresas centralizam - estrutura geocêntrica - para poder agir rapidamente com os recursos disponíveis e desenvolver novas competências já que o crime organizado é ágil e está constantemente mudando a sua forma de atuação. Quando o impacto da pirataria é pequeno, a estratégia global define os procedimentos para combatê-la, usando a equipe de segurança ou parceiros terceirizados.

4.3 Atividades de não mercado

As atividades políticas confirmadas por mais de uma fonte foram agrupadas conforme o modelo de abordagem, participação e decisão estratégica (HILLMAN; HITT, 1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.).

QUADRO 6:
Atividades de não mercado para combate à pirataria, segundo Hillman e Hitt (1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.)

No caso da pirataria, existem dois tipos de ações: individual e coletiva. As individuais são feitas junto a órgãos com atuação na área de saúde humana como a ANVISA e os Conselhos Regionais de Farmácia, nos quais a empresa individualmente faz a abordagem e apresenta as informações. No caso das coletivas, como a repressão, as ações são feitas em conjunto por meio da Interfarma, pela necessidade de coordenação do governo para mobilizar o grupo de agentes em cada localidade. Nesses casos, a Receita Federal prefere se encontrar e dialogar com as instituições de classe.

A Figura 2 apresenta as atividades estratégicas de não mercado identificadas na pesquisa e que estão esquematizadas de acordo com Hillman e Hitt (1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.).

FIGURA 2:
Atividades estratégicas de não mercado

Boddewyn e Brewer (1994BODDEWYN, J. J.; BREWER T. L. International business political behavior: new theoretical direction. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 19, n.1, p. 119-143, Jan. 1994.) definem que o comportamento político de firmas internacionais é afetado pelas diferenças dos ambientes institucionais onde investem. Rufin, Parada e Serra (2008RUFIN, C.; PARADA, P.; SERRA, E. O paradoxo das estratégias multidomésticas num mundo global: testemunho das estratégias de “não mercado” nos países em desenvolvimento. RBGN - Revista Brasileira de Gestão de Negócio, São Paulo, v. 10, n. 26, p. 63-85, 2008.) confirmam no estudo em países emergentes que um dos antecedentes das estratégias de não mercado de empresas que investem em países emergentes é o meio institucional do país de origem e do país anfitrião. Hillman e Hitt (1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.) analisam as estratégias de não mercado em países com regimes corporativistas ou pluralistas e propõem que nos países onde o poder é centralizado, as empresas preferem usar as estratégias coletivas. Chaudhry et al. (2009CHAUDHRY, P. et al. Evidence of managerial response to the level of consumer complicity, pirate activity, and host country enforcement in counterfeit goods: an exploratory study. Multinational Business Review, St. Louis, Bradford, v. 17, n. 4, p. 21-44, 2009.) verifica que as empresas multinacionais que investem em países onde seus gerentes percebem um alto nível de pirataria adotam ações tailor-made diferenciadas por país. As principais variáveis que afetam as decisões das empresas de optarem pelo relacionamento transacional ou relacional são: 1) o grau em que a empresa é afetada pela política pública; 2) o nível de diversificação do produto; 3) o grau de corporativismo /pluralismo dentro do país no qual as empresas operam (HILLMAN; HITT, 1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.).

No Brasil, as ações políticas individuais são transacionais e reativas. As coletivas são relacionais e proativas. Não houve evidências de ações tailor-made apesar do nível da pirataria no Brasil ser crescente. A escolha pelas ações coletivas está ligada à preservação da imagem empresarial das empresas e a força política que o grupo tem perante às instituições. Não houve evidência de que a escolha das ações coletivas tenha sido feitas em função dos menores recursos financeiros e/ou recursos intangíveis, contrariando Hillman e Hitt (1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.). Houve evidência de um fortalecimento das entidades de classes, executoras das atividades coletivas, por meio da contratação de ex-políticos influentes para presidir as referidas instituições.

5 DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

O principal objetivo deste estudo foi analisar como ocorre o processo de gestão estratégica das empresas multinacionais do setor farmacêutico - mais especificamente das fabricantes de remédios de disfunção erétil - que atuam no mercado brasileiro e que sofrem o impacto da pirataria, analisando se as empresas adotam estratégia de mercado e de não mercado de forma integrada, verificando qual a estrutura organizacional que dá suporte à integração e quais as atividades de combate à pirataria adotadas pelas empresas localmente. Verificando as três proposições de pesquisa (item 2.4), não existem evidências de que haja a integração estratégica no Brasil. Assim, a proposição 1 não foi confirmada.

Internacionalmente, as empresas multinacionais fabricantes de medicamentos fazem a integração das suas estratégias de mercado e não mercado por meio de grupos de trabalho existentes na estrutura da corporação, sustentando o modelo de Baron (1995aBARON, D. P. Integrated strategy: market and nonmarket components. California Management Review, Berkeley, v. 37, n. 2, p. 47-65, Winter 1995a.). As evidências indicam que as empresas que sofrem maior impacto com a pirataria utilizam a estrutura geocêntrica com estratégias de não mercado centralizadas, formuladas na matriz para maximizar os recursos e gerar novas competências. Assim, a proposição 2 não foi confirmada.

Quando o impacto da pirataria ainda é pequeno, são utilizadas as estratégias globais que são executadas por empresas especializadas terceirizadas. A terceirização parcial ou total da área de investigação é a opção utilizada quando a segurança pessoal dos colaboradores está em jogo.

O setor farmacêutico no Brasil é muito regulado e, por isso, tem uma grande dependência das políticas governamentais. As empresas que atuam no setor usam a abordagem relacional para desenhar as suas ações políticas. Para dialogar com as instituições governamentais de repressão, há necessidade de ações coletivas coordenadas e a participação individual como forma de atuação política não foi evidenciada pelos resultados encontrados. Essas ações não têm maior probabilidade de escolha pelas empresas com recursos financeiros e/ou recursos intangíveis como definido por Hillman e Hitt (1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.). As ações coletivas são mais utilizadas pelas empresas e em grande parte devido a sua influência política - algumas delas são presididas por ex-políticos com notado relacionamento político. Com isso, a proposição 3 foi confirmada

As empresas fabricante de medicamentos de disfunção erétil utilizam as ações coletivas para atuar junto ao governo brasileiro com o objetivo de diminuir o impacto dos arranjos institucionais que facilitam a pirataria. Por meio das entidades de classe - Interfarma, a mais citada, e o ETCO - as empresas associadas promovem atividades tanto para prestar informação quanto para incentivar financeiramente os representantes e agentes governamentais. O objetivo dessas iniciativas é aumentar o conhecimento dos agentes governamentais, assim como mobilizar a sociedade, ressaltando os malefícios da pirataria sobre a economia e sobre a saúde das pessoas. A responsabilidade por este tipo de atividade está centrada nas associações de classe que têm mais força política e que atuam nas esferas mais elevadas do governo.

Localmente, as estratégias de não mercado ainda têm pouca interação com as estratégias baseadas no mercado. Em seus países de origem, as empresas fazem a integração destes dois tipos de estratégias por meio de grupos de trabalho ou por estruturas corporativas formais que se reportam ao nível de vice-presidência. O foco aqui no Brasil é a investigação. As empresas recebem as estratégias globais que são formuladas na matriz e as executam diretamente ou via terceiros.

Contrariamente às teorias estudadas anteriormente, como Chaudhry et al. (2009CHAUDHRY, P. et al. Evidence of managerial response to the level of consumer complicity, pirate activity, and host country enforcement in counterfeit goods: an exploratory study. Multinational Business Review, St. Louis, Bradford, v. 17, n. 4, p. 21-44, 2009.) que verifica que EMNs que investem em países onde seus gerentes percebem um alto nível de pirataria, adotam ações tailor-made diferenciadas por país; ou seja, a gestão do combate à pirataria nas empresas farmacêuticas é centralizada, com pouca autonomia local e com pouca integração com as atividades de mercado. Algumas explicações para esse fato que precisariam ser investigadas são: 1) a maximização de recursos - maior investimento em ações preventivas como a segurança do produto e menor investimento em ações investigativas, ligadas à pirataria; 2) a segurança pessoal dos colaboradores das empresas farmacêuticas locais, envolvidas nas ações de combate que sofrem ameaças do crime organizado; 3) A definição da pirataria como uma questão global com impacto local e que, portanto, precisa ter estratégias globais com ações locais.

Duas recomendações gerenciais para as empresas pesquisadas baseadas em Pearce (2001PEARCE, J. L. How we can learn how governments matter to management and organization. Journal of Management Inquiry, Thousand Oaks, v. 10, n. 2, p. 103-112, June 2001.): 1) aumentar o fluxo de informações entre as empresas e as instituições, para criar agilidade na repressão e aumentar o grau de influência. 2) estruturar as atividades de não mercado em conjunto com outros setores para aumentar o impacto político para outras esferas do governo como o legislativo e o judiciário.

As entidades especializadas podem desenvolver estratégias multissetoriais que complementem, reforcem ou tornem possíveis as estratégias de mercado das empresas. As entidades podem ser protagonistas no desenvolvimento de relacionamento pessoais mais duradouros com as instituições e desenvolver competências e capacidades que possam dar suporte para as áreas internacionais das empresas associadas que formulam as estratégias globais.

Com relação à estrutura organizacional, é importante notar que a complexidade e as contínuas mudanças que ocorrem no governo brasileiro, a cada quatro anos em função das eleições presidenciais, e dentro das próprias instituições, ocasionam transformações importantes nas instituições. Seria recomendável que as empresas mantivessem uma estrutura mínima dedicada ao combate da pirataria, para que fossem desenvolvidas localmente competências específicas relacionadas ao tema. Uma área de futuros desdobramentos é aprofundar o conhecimento da escolha da estrutura para atuar na questão da pirataria - geocêntrica ou global, em termos da maximização efetiva dos recursos e da geração de novas competências.

Com relação ao modelo teórico apresentado por Hillman e Hitt (1999HILLMAN, A.; HITT, M. A. Corporate political strategy formulation: a model of approach, participation and strategy decisions. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825-842, Oct. 1999.) seria importante verificar como o fortalecimento das instituições de classe por meio de seus presidentes interfere na escolha das ações coletivas adotadas pelas empresas.

Esse estudo foi feito em um segmento de mercado limitado, representado por empresas multinacionais fabricantes de medicamentos de disfunção erétil, que têm peculiaridades distintas. Porém, a pirataria é um mal que atinge muitos setores indistintamente e, dentro deste aspecto, as observações e recomendações aqui apresentadas podem ser estendidas para outros segmentos, principalmente para as estratégias de não mercado, já que as instituições governamentais são praticamente as mesmas.

Ressalta-se que o sucesso de estratégias de não mercado adotadas por alguns setores podem ser estendidos para outros setores. Sem contar que as ações coletivas multisetoriais podem causar um impacto maior junto ao governo e à sociedade.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    . Destacamos que os trechos das entrevistas a serem apresentados no decorrer deste artigo não terão a indicação dos entrevistados por questões éticas e de preservação da identidade de cada um em relação a suas falas, devido ao compromisso assumido quando da realização da pesquisa.
  • 2
    . Idem nota anterior
  • 3
    . Idem nota 1
  • 4
    . Idem nota 1
  • 6
    Processo de Avaliação: Double Blind Review

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2012
  • Aceito
    02 Abr 2013
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