Acessibilidade / Reportar erro

Ressecção endoscópica total de adenocarcinoma papilífero de baixo grau de nasofaringe: relato de caso Como citar este artigo: Compagnoni IM, Lamounier LA, Fontanini L, Silveira GT, Faria FM, Reis MB, et al. Complete endoscopic resection of low-grade nasopharyngeal papillary adenocarcinoma: a case report. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:237–40.

Introdução

O carcinoma de nasofaringe (CaNF) é um tumor frequente, principalmente em países asiáticos. No Brasil, estima-se uma incidência de 0,5 a um caso por 100.000 pessoas do sexo masculino e de menos de 0,3 caso por 100.000 em mulheres. Alguns fatores de risco potencialmente relacionados ao CaNF incluem a infecção pelo Epstein-Barr Vírus (EBV) e história familiar de ocorrência dessa neoplasia; outros fatores com risco de associação moderado a fraco ao CaNF incluem hábitos alimentares, doenças respiratórias crônicas, tabaco e riscos ocupacionais.11 Salehiniya H, Mohammadian M, Mohammadian-Hafshejani A, Mahdavifar N. Nasopharyngeal cancer in the world: epidemiology, incidence, mortality and risk factors. WCRJ. 2018;5:1046. O tipo histológico mais comum é o carcinoma escamoso, o adenocarcinoma é um subtipo infrequente. Entre os subtipos de adenocarcinoma, o papilífero primário de nasofaringe é um tumor extremamente raro, com poucos casos descritos na literatura, não foi encontrado relato no Brasil. O adenocarcinoma papilífero não têm predileção por sexo ou idade, acomete pacientes de 9 a 74 anos e normalmente está restrito à nasofaringe.22 Wenig BM. Atlas of head and neck pathology. Saunders Elsevier. 2nd ed. 2008. p.342-3.

Apresentamos um caso de uma criança de 12 anos com obstrução nasal havia cerca de 2 anos por lesão diagnosticada como adenocarcinoma papilífero de nasofaringe após biópsia e que foi submetida a ressecção endoscópica total da lesão.

Relato de caso

Criança de 12 anos, do sexo masculino, branca, encaminhada aos serviços de Oncologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto com quadro de roncos e apneia noturna, obstrução nasal bilateral, hiposmia e hipogeusia havia mais de 2 anos. À nasofibroscopia apresentava lesão de aspecto verrucoso que ocupava toda a nasofaringe. Devido ao aspecto verrucoso da lesão, foi feita biópsia, cujo resultado foi compatível com adenocarcinoma papilífero de baixo grau (fig. 1A).

Figura 1
A, Imagem de nasofibroscopia em cavidade nasal direita, identifica lesão verrugosa em nasofaringe. B, Corte sagital de tomografia mostra lesão em nasofaringe (seta branca).

A tomografia computadorizada (TC) com contraste evidenciava lesão tumoral com limites bem definidos e bordas lobuladas em nasofaringe sem sinais de invasão óssea ou de estruturas adjacentes (fig. 1B). A ressonância magnética mostrou lesão irregular de aspecto exofítico que ocupava a nasofaringe com hipossinal em T1 e intermediário em T2 com discreto realce ao contraste que media 1,8×1,6×1,7 cm, sem acometimento de linfonodos ou metástases locais. Ultrassonografia e tomografia com contraste da região cervical e de tórax mostraram tireoide e glândulas salivares de aspecto habitual, sem evidência de linfonodos acometidos ou metástases, estadiamento final T1M0N0. Reação de polimerase em cadeia (PCR) e sorologia para vírus Epstein- Barr (EBV) anti-IGG e anti-IGM foram negativas.

Optou-se pela exérese total via cirurgia endoscópica nasal. No intraoperatório evidenciamos lesão pediculada de aspecto verrucoso, com inserção em teto de nasofaringe e parede posterior do septo nasal conforme nasofibroscopia prévia (fig. 1A). O limite superior foi o teto da nasofaringe, o limite medial foram os tórus tubários e anteriormente foi removida a mucosa septal e parte posterior do vômer (fig. 2). A lesão foi removida totalmente, com pedículo e bordas com mucosa de aspecto macroscópico saudável (fig. 3).

Figura 2
Imagem de ressecção com margens do septo posterior mostra mucosa dessa região saudável.
Figura 3
Imagem mostra lesão pediculada removida de forma íntegra com margens saudáveis macroscopicamente.

Ao anatomopatológico, foi evidenciada presença de neoplasia não capsulada, composta por padrões de crescimento papilar e glandular. As células eram de aspecto colunar e cuboidal, com núcleos redondos a ovais e cromatina uniforme, sem atipias ou figuras de mitoses, e citoplasma eosinofílico. As estruturas papilares eram complexas, com arborização e eixos fibrovasculares hialinizados e edematosos. As estruturas glandulares eram justapostas, por vezes lembrava aspecto cribriforme. Não foram observados corpos psemomatosos, necrose, infiltração perineural ou embolização angiolinfática e as margens foram livres de doença. Estudo imuno-histoquímico mostrou positividade difusa para EMA, CK7 (fig. 4A) fig. 4 e TTF1 (fig. 4B). Negatividade para tireoglobulina (fig. 4C), p63 e CK5/6. O índice de proliferação celular foi de 5%.

Figura 4
A, Imuno-histoquímica positiva para citoqueratina CK7. B, Imuno-histoquímica positiva para fator de transcrição da tireoide TTF1. C, Imuno-histoquímica negativa para tireoglobulina. Aumento de 400×.

Apresentou boa evolução no pós-operatório, assintomático, com melhoria dos roncos e respiração oral. Após três meses de pós-operatório visualizada massa vegetante em nasofaringe. Feita ressecção, cuja biópsia veio sem sinais de malignidade. Feito estadiamento oncológico com tomografia por emissão de pósitrons (PET-CT), o qual não evidenciou lesões hipermetabólicas com característica de neoplasia. Paciente segue em acompanhamento com exames de imagem.

Discussão

O carcinoma de nasofaringe é um tumor frequentemente diagnosticado em países do Sudeste da Ásia, Oriente Médio e Norte da África, o carcinoma escamoso é o tipo histológico mais comum. Outros tipos histológicos incluem o carcinoma linfoide, carcinoma mesenquimal, adenocarcinomas e tumores neurogênicos.33 Chang E, Adami H. The enigmatic Epidemiology of nasopharyngeal carcinoma. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2006;15:1765-77.

O adenocarcinoma papilífero primário de nasofaringe (NPAC) é um tumor raro, descrito pela primeira vez em 1988 por Wenig et.al.44 Wenig B, Hyams V, Heffner D. Nasopharyngeal papillary adenocarcinoma: a clinico-pathologic study of a lowgrade carcinoma. Am J Surg Pathol. 1988;12:946-53. Essa neoplasia é responsável por 0,48% dos carcinomas de nasofaringe.33 Chang E, Adami H. The enigmatic Epidemiology of nasopharyngeal carcinoma. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2006;15:1765-77. Não apresenta predileção por sexo e idade e suas localizações mais comum são a região lateral/posterior e teto da nasofaringe. O sintoma mais comum é a obstrução nasal, mas os pacientes podem apresentar ainda epistaxes, otite média secretora, perda auditiva, apneia e secreção pós-nasal.22 Wenig BM. Atlas of head and neck pathology. Saunders Elsevier. 2nd ed. 2008. p.342-3. Não encontramos outros relatos de adenocarcinoma papilífero em nasofaringe no Brasil apesar da busca através da ferramenta PubMed (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/ – acesso em agosto de 2020) com os mesh terms: “papillary adenocarcinoma” AND “nasopharynx” OR “nasopharyngeal”.

Macroscopicamente, esses tumores são amolecidos ou arenosos e exofíticos com aparência papilar, nodular ou polipoide, são não encapsulados e não infiltrativos. As estruturas papilares são complexas em arborização e hialinizadas, com núcleos fibrovasculares. Áreas de transição de epitélio normal da superfície nasofaríngea e proliferação neoplásica são sugestivos de derivação do epitélio superficial.55 Petersson F, Pang B, Loke D, Hao L, Yan B. Biphasic low-grade nasopharyngeal papillary adenocarcinoma with a prominent spindle cell component: report of a case localized to the posterior nasal septum. Head Neck Pathol. 2011;5:306-13. As células tumorais têm aparência pseudoestratificada. Os núcleos são redondos a ovais e o citoplasma é eosinofílico. Há pleomorfismo nuclear leve a moderado e perda da polaridade basal. Mitoses, necroses, invasão vascular, linfática e perineural geralmente não são observadas.66 Chu Y, Chung-Tai Y. Nasopharyngeal papillary adenocarcinoma: A case report and clinicopathologic review. Tzu Chi Med J. 2012;24:19-21.

Os principais diagnósticos diferenciais incluem o adenocarcinoma papilífero da tireoide, adenocarcinoma papilífero de baixo grau de origem da glândula salivar e uma variante papilar de adenocarcinoma do tipo intestinal. A diferenciação entre os subtipos histológicos é feita principalmente pela histologia e imuno-histoquímica. Enquanto o adenocarcinoma papilífero primário de nasofaringe apresenta positividade para citoqueratina CK-7 e fator de transcrição da tireoide TTF-1 e negatividade para tireoglobulina, CK20, CDX-2, vilina e S-100, o adenocarcinoma papilífero de tireoide apresenta positividade para tireoglobulina, o do tipo intestinal, positividade para CK20, CDX-2 e vilina, e o de origem da glândula salivar é positivo para proteína s-100.66 Chu Y, Chung-Tai Y. Nasopharyngeal papillary adenocarcinoma: A case report and clinicopathologic review. Tzu Chi Med J. 2012;24:19-21.,77 Kennedy T, Jordan C, Berean K, Perez-Ordoñez B. Expression pattern of CK7, CK20, CDX-2, and villin in intestinal-type sinonasal adenocarcinoma. J Clin Pathol. 2004;57:932-7.

Apesar da sugestão de relação com o vírus Epstein-Barr, a literatura não é definitiva sobre a presença dele e o desenvolvimento e a carcinogênese dessa neoplasia.88 Kuo T, Tsang N. Salivary gland type nasopharyngeal carcinoma: a histologic, immunohistochemical, and Epstein-Barr virus study of 15 cases including a psammomatous mucoepidermoid carcinoma. Am J Surg Pathol. 2001;25:80-6. Quanto às características clínicas, o NPAC é uma neoplasia indolente que raramente apresenta metástases. O tratamento de escolha é exérese cirúrgica completa, esse é um fator preditivo independente de sobrevida em análises multivariadas. Estudos não mostram benefício comprovado no uso de radioterapia ou quimioterapia adjuvantes à ressecção completa desses tumores, apresentam altas taxas de recorrência.99 Wang X, Yan H, Luo Y, Fan T. Low-grade nasopharyngeal papillary adenocarcinoma: a case report and review of the literature. Onco Targets ther. 2016;9:2955-9. Uma nova opção de tratamento, descrita por Wang et al.1010 Wang C, Chang Y, Chen C, Yang T, Lou P. Photodynamic therapy with topical 5-aminolevulinic acid as a post-operative adjuvant therapy for an incompletely resected primary nasopharyngeal papillary adenocarcinoma: a case report. Lasers Surg Med. 2006;38:435-8. em um estudo feito em Taiwan, com aparente boa resposta e baixa morbidade, é a terapia fotodinâmica adjuvante associada ao ácido 5-aminolevulínico tópico em tumor, quando não há possibilidade de ressecção. Entretanto, essa ainda deve ser considerada uma abordagem terapêutica experimental para essa doença no momento. Dada a raridade desse tipo de tumor associado à enorme escassez de dados em literatura, torna-se particularmente difícil uma avaliação comparativa da eficácia dos tratamentos cirúrgicos e não cirúrgicos.

Conclusão

O adenocarcinoma papilífero de baixo grau primário de nasofaringe é uma neoplasia rara e com poucos casos descritos na literatura, carece de estudos randomizados capazes de guiar a melhor conduta terapêutica. A ressecção completa da lesão, associada a um seguimento otorrinolaringológico e oncológico de forma coordenada para detecção precoce de recidivas, parece ser a estratégia mais aceita no momento. Nos casos nos quais a ressecção completa da lesão não é possível, novas abordagens de tratamento adjuvante estão em investigação com resultados preliminares favoráveis.

  • Como citar este artigo: Compagnoni IM, Lamounier LA, Fontanini L, Silveira GT, Faria FM, Reis MB, et al. Complete endoscopic resection of low-grade nasopharyngeal papillary adenocarcinoma: a case report. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:237–40.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.

Referências

  • 1
    Salehiniya H, Mohammadian M, Mohammadian-Hafshejani A, Mahdavifar N. Nasopharyngeal cancer in the world: epidemiology, incidence, mortality and risk factors. WCRJ. 2018;5:1046.
  • 2
    Wenig BM. Atlas of head and neck pathology. Saunders Elsevier. 2nd ed. 2008. p.342-3.
  • 3
    Chang E, Adami H. The enigmatic Epidemiology of nasopharyngeal carcinoma. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2006;15:1765-77.
  • 4
    Wenig B, Hyams V, Heffner D. Nasopharyngeal papillary adenocarcinoma: a clinico-pathologic study of a lowgrade carcinoma. Am J Surg Pathol. 1988;12:946-53.
  • 5
    Petersson F, Pang B, Loke D, Hao L, Yan B. Biphasic low-grade nasopharyngeal papillary adenocarcinoma with a prominent spindle cell component: report of a case localized to the posterior nasal septum. Head Neck Pathol. 2011;5:306-13.
  • 6
    Chu Y, Chung-Tai Y. Nasopharyngeal papillary adenocarcinoma: A case report and clinicopathologic review. Tzu Chi Med J. 2012;24:19-21.
  • 7
    Kennedy T, Jordan C, Berean K, Perez-Ordoñez B. Expression pattern of CK7, CK20, CDX-2, and villin in intestinal-type sinonasal adenocarcinoma. J Clin Pathol. 2004;57:932-7.
  • 8
    Kuo T, Tsang N. Salivary gland type nasopharyngeal carcinoma: a histologic, immunohistochemical, and Epstein-Barr virus study of 15 cases including a psammomatous mucoepidermoid carcinoma. Am J Surg Pathol. 2001;25:80-6.
  • 9
    Wang X, Yan H, Luo Y, Fan T. Low-grade nasopharyngeal papillary adenocarcinoma: a case report and review of the literature. Onco Targets ther. 2016;9:2955-9.
  • 10
    Wang C, Chang Y, Chen C, Yang T, Lou P. Photodynamic therapy with topical 5-aminolevulinic acid as a post-operative adjuvant therapy for an incompletely resected primary nasopharyngeal papillary adenocarcinoma: a case report. Lasers Surg Med. 2006;38:435-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2020
  • Aceito
    6 Out 2020
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@aborlccf.org.br