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Abscesso de septo nasal: localização incomum de amebíase extraintestinal Como citar este artigo: Yavuz H, Vural O. Nasal septal abscess: Uncommon localization of extraintestinal amoebiasis. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:241–3.

Introdução

O abscesso de septo nasal (ASN) é uma condição otorrinolaringológica rara, caracterizada por uma coleção de pus no espaço entre o septo nasal cartilaginoso ou ósseo e seu mucopericôndrio ou mucoperiósteo sobrejacente.11 Ambrus PS, Eavey RD, Baker AS, Wilson WR, Kelly JH. Management of nasal septal abscess. Laryngoscope. 1981;91:575-82. A maioria dos ASN se desenvolve de maneira secundária a um hematoma septal infectado, que ocorre mais comumente após trauma nasal.22 Alshaikh N, Lo S. Nasal septal abscess in children: from diagnosis to management and prevention. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011;75:737-44. Além do hematoma septal, a disseminação do microrganismo da mucosa nasossinusal infectada também pode resultar em um ASN. Bactérias aeróbicas são os organismos mais comumente isolados de ASNs.22 Alshaikh N, Lo S. Nasal septal abscess in children: from diagnosis to management and prevention. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011;75:737-44. Menos comumente, bactérias anaeróbicas e fungos são isolados de ASNs.33 Walker R, Gardner L, Sindwani R. Fungal nasal septal abscess in the immunocompromised patient. Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;136:506-7.,44 Hyo Y, Fukushima H, Harada T, Hara H. Nasal septal abscess caused by anaerobic bacteria of oral flora. Auris Nasus Larynx. 2019;46:147-50. Até o momento, não houve relatos que mostrem que protozoários foram isolados de ASNs. Este artigo apresenta um estudo de caso de um adolescente do sexo masculino com diagnóstico de ASN com Entamoeba histolytica isolada do abscesso.

Relato de caso

Um homem de 18 anos, previamente saudável, foi admitido no departamento de emergências

de um hospital local com queixas de dor abdominal, diarreia com sangue e febre alta com calafrios, com duração de três dias. Ele não tinha queixas de disúria, tosse ou expectoração. Além desses sintomas, queixava-se de obstrução nasal havia três dias e não referiu história de trauma nasal. Tinha histórico de uso de água contaminada para higiene pessoal e consumo. Com base no histórico do paciente e achados clínicos, foi diagnosticado com disenteria amebiana e foi iniciado o tratamento com ornidazol oral (500 mg) duas vezes ao dia. O paciente fazia uso de descongestionante tópico (oximetazolina) para obstrução nasal.

O paciente foi internado em nosso hospital devido à persistência das queixas no sétimo dia de apresentação da doença. Um exame de fezes foi feito por um gastroenterologista para confirmar o diagnóstico, momento em que cistos de ameba foram observados. A consulta otorrinolaringológica foi solicitada devido à obstrução nasal. A história do paciente indicava que ele havia sido tratado por uma semana devido à disenteria amebiana e não conseguia respirar pelo nariz havia uma semana. Embora usasse descongestionante tópico, seus sintomas persistiam. A rinoscopia anterior revelou que as vias nasais bilaterais estavam totalmente obstruídas e havia edema flutuante no septo. A tomografia computadorizada (TC) dos seios paranasais revelou uma coleção purulenta bilateral de 1,8 x 1,8 cm na cavidade nasal anterior, indicativa de formação de abscesso do septo nasal (fig. 1).

Figura 1
Imagem de tomografia computadorizada (TC) axial sem contraste mostra edema do septo nasal com coleção líquida hipodensa (seta vermelha).

A drenagem do abscesso foi feita sob anestesia local e um dreno de Penrose foi colocado na cavidade do abscesso. Após a drenagem, a cavidade nasal foi tamponada com Merocel (Medtronic Inc., Minneapolis, MN, EUA). Cistos de ameba, bacilos Gram-negativos e leucócitos abundantes foram observados em amostras de pus drenadas do septo nasal (fig. 2). O dreno de Penrose e o tampão nasal foram retirados após dois dias e o paciente foi tratado com metronidazol 500 mg e ciprofloxacina 500 mg, por via oral, duas vezes ao dia por duas semanas consecutivas. O seguimento de uma semana mostrou mucosa septal edematosa e não havia flutuação do acúmulo de pus. Um mês depois, o septo nasal estava íntegro e não havia deformidade nasal.

Figura 2
Imagem microscópica de amostras de pus (coloração com azul de metileno, aumento de 10x) drenadas do abscesso do septo nasal. Cistos de Entamoeba histolytica não corados (setas pretas) e leucócitos corados (setas vermelhas) são vistos claramente.

Discussão

O ASN é uma condição otorrinolaringológica rara e sua verdadeira incidência permanece desconhecida devido aos dados limitados. A colonização bacteriana do hematoma septal, que geralmente se desenvolve após trauma nasal, é a causa mais comum de ASNs. Embora brigas, quedas e acidentes sejam as causas mais comuns de trauma nasal, procedimentos médicos, como colocação de sonda nasogástrica e intubação nasal, também podem causar trauma nasal que resulta em hematoma septal. Infecções dentárias, infecções dos seios paranasais, cirurgias nasais, vestibulite nasal e furunculose também podem levar à formação de ASNs. Bactérias aeróbicas, como Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae e Streptococcus spp., são os agentes causadores mais comuns de ASN.55 Cheng LH, Wu PC, Shih CP, Wang HW, Chen HC, Lin YY, et al. Nasal septal abscess: a 10-year retrospective study. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2019;276:417-20. Mais raramente, Klebsiella pneumoniae, Enterobacteriaceae, S. milleri e bactérias anaeróbicas são isoladas de ASNs. O ASN causado por fungos é raramente encontrado e só foi relatado em alguns casos de pacientes imunocomprometidos.33 Walker R, Gardner L, Sindwani R. Fungal nasal septal abscess in the immunocompromised patient. Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;136:506-7. Até o momento, não houve relato de espécies de protozoários isoladas de ASNs. Somos os primeiros a relatar um ASN causado pelo protozoário E. histolytica.

A amebíase, também conhecida como disenteria amebiana, é uma infecção causada por E. histolytica. Essa infecção ocorre quando cistos maduros são ingeridos através de alimentos ou água contaminados com fezes que contenham cistos amebianos.66 Wuerz T, Kane JB, Boggild AK, Krajden S, Keystone JS, Fuksa M, et al. A review of amoebic liver abscess for clinicians in a nonendemic setting. Can J Gastroenterol. 2012;26:729-33. Embora a maioria dos casos de amebíase seja assintomática, os pacientes podem apresentar cólicas abdominais, diarreia aquosa ou com sangue e perda de peso. A doença deve ser diferenciada de outras causas de dor abdominal, diarreia e perda de peso, como outras causas infecciosas de gastroenterite, inclusive patógenos bacterianos, virais, fúngicos e parasitários, além de causas não infecciosas, como diverticulite, doença inflamatória intestinal e doença celíaca. A amebíase é primariamente um patógeno intestinal, mas, ocasionalmente, pode se difundir para locais extraintestinais, como fígado, cérebro, pulmões, pericárdio, pleura e pele.77 Thorsen S, Rønne-Rasmussen J, Petersen E, Isager H, Seefeldt T, Mathiesen L. Extra-intestinal amebiasis: clinical presentation in a non-endemic setting. Scand J Infect Dis. 1993;25:747-50. A forma mais comum de amebíase extraintestinal é o abscesso hepático amebiano.88 Haque R, Huston CD, Hughes M, Houpt E, Petri WA Jr. Amebiasis. N Engl J Med. 2003;348:1565-73. Essa forma de doença é causada pelo trofozoíto da E. histolytica, que invade a mucosa intestinal e entra no sistema venoso portal. A primeira escolha de tratamento para abscesso hepático amebiano não complicado inclui a terapia farmacológica. Ao contrário do abscesso hepático piogênico, a drenagem é raramente necessária. A cirurgia pode ser necessária em caso de colite fulminante ou perfuração peritoneal.

A presença da E. histolytica ainda não foi relatada na mucosa nasossinusal ou septo nasal. As manifestações extraintestinais da disenteria amebiana podem ocorrer ao longo de três vias: extensão do trato gastrointestinal afetado, disseminação hematogênica do sítio primário ou contato direto com alimentos ou água contaminados. Em nosso relato, a queixa de obstrução nasal do paciente era concomitante aos sintomas gastrointestinais. Essa associação sugere que a água contaminada que causou a doença gastrointestinal também contaminou a mucosa nasal através de folículos pilosos ou dano previamente existente da mucosa; no entanto, a disseminação hematogênica não pode ser totalmente descartada.

Pacientes com ASN geralmente apresentam queixas de obstrução nasal. Os sintomas menos comuns incluem dor, secreção nasal e febre. A queixa principal de nosso paciente era obstrução nasal, a qual persistia apesar do tratamento descongestionante. Edema septal bilateral, flutuante e doloroso foi detectado pela rinoscopia anterior.

A confirmação radiológica do ASN não é obrigatória. No entanto, em certas situações em que a etiologia subjacente permanece incerta (por exemplo, casos espontâneos de pacientes imunocomprometidos) as imagens de TC podem ser necessárias. As imagens de TC revelam a principal causa de ASN na ausência de trauma (por exemplo, seios paranasais, infecções dentárias) e complicações potenciais do ASN, como complicações orbitais. Como nosso paciente não tinha história de trauma nasal ou cirurgia, uma tomografia computadorizada foi feita, revelou espessamento discreto da mucosa nos seios paranasais e coleção bilateral de pus na cavidade nasal anterior.

O tratamento do ASN geralmente consiste na drenagem do abscesso para prevenir complicações e remoção da pressão no septo para evitar danos à cartilagem septal nasal. Concluída a drenagem, uma amostra da secreção purulenta deve ser enviada para avaliação microbiológica, a qual deve incluir cultura nasal de rotina e pesquisa ativa de fungos e outros patógenos atípicos. O tratamento empírico com antibióticos deve ser iniciado imediatamente até que o patógeno causador seja identificado. Cistos de ameba, bacilos Gram-negativos e leucócitos abundantes foram observados em amostras do material drenado do ASN de nosso paciente. O paciente foi tratado por duas semanas com metronidazol oral para E. histolytica e ciprofloxacina para os bacilos Gram-negativos. Nenhuma recorrência ou deformidades do septo nasal foram observadas no seguimento.

Conclusão

O ASN é uma condição rara que pode ser tratada sem complicações graves através de drenagem e tratamento clínico, se detectada precocemente. É importante notar que o agente etiológico é identificado por avaliação microbiológica detalhada e tratado de acordo com o microrganismo isolado. Especialmente em pacientes sem história de trauma nasal, os agentes etiológicos atípicos devem ser avaliados com cautela extra. Embora a E. histolytica não tenha sido relatada anteriormente entre os agentes causadores de ASN, ela deve ser lembrada em pacientes com queixas gastrointestinais ou com suspeita de ingestão ou contato com alimentos e água.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

  • Como citar este artigo: Yavuz H, Vural O. Nasal septal abscess: Uncommon localization of extraintestinal amoebiasis. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:241–3.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.

Referências

  • 1
    Ambrus PS, Eavey RD, Baker AS, Wilson WR, Kelly JH. Management of nasal septal abscess. Laryngoscope. 1981;91:575-82.
  • 2
    Alshaikh N, Lo S. Nasal septal abscess in children: from diagnosis to management and prevention. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011;75:737-44.
  • 3
    Walker R, Gardner L, Sindwani R. Fungal nasal septal abscess in the immunocompromised patient. Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;136:506-7.
  • 4
    Hyo Y, Fukushima H, Harada T, Hara H. Nasal septal abscess caused by anaerobic bacteria of oral flora. Auris Nasus Larynx. 2019;46:147-50.
  • 5
    Cheng LH, Wu PC, Shih CP, Wang HW, Chen HC, Lin YY, et al. Nasal septal abscess: a 10-year retrospective study. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2019;276:417-20.
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    Wuerz T, Kane JB, Boggild AK, Krajden S, Keystone JS, Fuksa M, et al. A review of amoebic liver abscess for clinicians in a nonendemic setting. Can J Gastroenterol. 2012;26:729-33.
  • 7
    Thorsen S, Rønne-Rasmussen J, Petersen E, Isager H, Seefeldt T, Mathiesen L. Extra-intestinal amebiasis: clinical presentation in a non-endemic setting. Scand J Infect Dis. 1993;25:747-50.
  • 8
    Haque R, Huston CD, Hughes M, Houpt E, Petri WA Jr. Amebiasis. N Engl J Med. 2003;348:1565-73.

Fechas de Publicación

  • Publicación en esta colección
    24 Mayo 2021
  • Fecha del número
    Mar-Apr 2021

Histórico

  • Recibido
    17 Ago 2020
  • Acepto
    5 Oct 2020
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