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Resultados de sobrevivência de 3.786 pacientes com carcinoma epidermoide de laringe em estádio I ou II: um estudo baseado em escore de propensão Como citar este artigo: Carvalho GB, Kohler HF, Lira RB, Vartanian JG, Kowalski LP. Survival results of 3786 patients with stage I or II laryngeal squamous cell carcinoma: a study based on a propensity score. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:337-44.

Resumo

Introdução

O carcinoma epidermoide de laringe é o segundo mais prevalente entre os tumores de cabeça e pescoço e o tratamento dos pacientes com doença em estádio I ou II pode ser feito com cirurgia ou radioterapia. Estudos populacionais nacionais que descrevem os resultados terapêuticos e compararam essas modalidades são poucos frequentes, mas podem ser muito importantes para orientar diretrizes de tratamento.

Objetivo

Avaliar os resultados de sobrevida dos pacientes com carcinoma epidermoide de laringe em estádios clínicos I ou II de acordo com as principais modalidades terapêuticas usadas.

Método

Estudo transversal de base populacional com a base de dados da Fundação Oncocentro de São Paulo de janeiro de 2000 a março de 2019. Os critérios de inclusão foram pacientes com carcinoma epidermoide de laringe em estádios clínicos cT1-2N0. Para compensar pela alocação não randômica dos pacientes e pelo desequilíbrio entre variáveis confundidoras entre os grupos, usamos a metodologia do escore de propensão.

Resultados

Preencheram os critérios de inclusão 3.786 pacientes. Em relação ao estádio cT, houve 2.171 pacientes (57,3%) com tumores cT1. Os pacientes do sistema único de saúde (SUS) apresentaram um maior tempo entre o diagnóstico e o tratamento (p < 0,001). A análise por escore de propensão mostrou que os pacientes submetidos a cirurgia apresentaram uma tendência de melhor sobrevida doença específica (p = 0,012). Comparando-se radioterapia isolada versus combinação com radioquimioterapia, o tratamento isolado demonstrou tendência a melhor taxa de sobrevida (p< 0,001).

Conclusão

A análise por escore de propensão identificou melhores resultados de sobrevida doença específica em pacientes com carcinoma epidermoide de laringe estádios clínicos I e II tratados por cirurgia quando comparados a radioterapia.

Palavras-chave
Câncer de laringe; Cirurgia; Radioterapia; Fatores prognósticos

Abstract

Introduction

Laryngeal squamous cell carcinoma is the second most prevalent malignancy among head and neck tumors, and the treatment of patients with stage I or II disease can be performed with surgery or radiation therapy. National population studies describing therapeutic results comparing these modalities are unusual, but they can be very important to direct treatment guidelines.

Objective

To evaluate the survival results of patients with laryngeal squamous cell carcinoma at clinical stages I or II, according to the main therapeutic modalities used.

Methods

Cross-sectional, population-based study using the database of Fundação Oncocentro de São Paulo from January 2000 to March 2019. Inclusion criteria were patients with laryngeal squamous cell carcinoma in clinical stages cT1-2N0. To compensate for the non-random allocation of patients and the imbalance between confounding variables between groups, we used the propensity score methodology.

Results

A total of 3786 patients met the inclusion criteria. Regarding the cT stage, there were 2171 patients (57.3%) with cT1 tumors. Patients in the public health system had a longer time between diagnosis and treatment (p< 0.001). The analysis by propensity score showed that patients treated with surgery had a tendency towards better disease-specific survival (p = 0.012). Comparing radiotherapy alone versus its combination with radiochemotherapy, radiotherapy alone showed a tendency towards a better survival rate (p< 0.001).

Conclusion

Analysis by propensity score identified better results for disease-specific survival in patients with laryngeal squamous cell carcinoma at clinical stages I and II treated by surgery when compared to radiotherapy.

Keywords
Laryngeal cancer; Surgery; Radiotherapy; Prognostic factors

Introdução

Entre os carcinomas de vias aéreas superiores, o de laringe é o segundo mais frequente no mundo.11 Ferlay J, Colombet M, Soerjomataram I, Mathers C, Parkin DM, Piñeros M, et al. Estimating the global cancer incidence and mortality in 2018: GLOBOCAN sources and methods. Int J Cancer. 2019;144:1941-53. No Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), registra-se uma das maiores taxas de incidência do mundo, com 5,7 casos a cada 100.000 homens, e a estimativa de casos novos em 2020 foi de 6.470, desses 1.980 no Estado de São Paulo.22 Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2020: incidência de cân-cer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2020. Avaliable from: http://www.inca.gov.br/estimativa/2020/.
http://www.inca.gov.br/estimativa/2020/....

O estudo de Carvalho et al. (2005) demonstrou queda importante nas taxas de sobrevida global para os pacientes com tumores de laringe diagnosticados em estádios iniciais, passaram de 82,3% em 1985 para 74,3% em 1997, segundo análise da base de dados americana do Surveillance, Epidemiology, and End Results (SEER).33 Carvalho AL, Nishimoto IN, Califano JA, Kowalski LP. Trends in incidence and prognosis for head and neck cancer in the United States: a site-specific analysis of the SEER database. Int J Cancer. 2005;114:806-16. Os últimos dados SEER de 2009 a 2015 registram sobrevida em 5 anos de 77% para doença localizada e sobrevida média de 60,3%; em 2011, para todos os estádios (SEER).44 Surveillance, epidemiology, and end result (SEER). https://seer.cancer.gov/statfacts/html/laryn.html. Avaliable from: https://seer.cancer.gov.
https://seer.cancer.gov/statfacts/html/l...

Nos pacientes com doença nos estádios I ou II o tratamento é, em geral, unimodal, usa-se radioterapia (RT) ou cirurgia com resultados de sobrevida global semelhantes.55 Jones DA, Mendenhall CM, Kirwan J, Morris CG, Donnan A, Holwerda S, et al. Radiation therapy for management of T1-T2 glottic cancer at a private practice. Am J Clin Oncol. 2010;33:587-90.

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10 Dey P, Arnold D, Wight R, MacKenzie K, Kelly C, Wilson J. Radiotherapy versus open surgery versus endolaryngeal surgery (with or without laser) for early laryngeal squamous cell cancer. Cochrane Database Syst Rev. 2002;2.
-1111 Guimarães AV, Dedivitis RA, Matos LL, Aires FT, Cernea CR. Comparison between transoral laser surgery and radiotherapy in the treatment of early glottic cancer: a systematic review and meta-analysis. Sci Rep. 2018;8:11900. O estudo prospectivo e randomizado que comparou a cirurgia e a radioterapia no tratamento de 234 pacientes com câncer inicial de laringe não observou diferenças significantes nas taxas de sobrevida global ou câncer específica entre as duas modalidades terapêuticas. Nos pacientes com tumores em estádio cT1N0 submetidos à radioterapia, a sobrevida global (SG) em 5 anos foi de 91,7% e de 100% nos pacientes submetidos a cirurgia. Nos pacientes com tumores em estádio cT2N0, registraram-se taxas de sobrevida em 5 anos de 88,8% em pacientes submetidos a radioterapia e de 97,4% nos submetidos ao tratamento cirúrgico. Além disso, os pacientes submetidos a radioterapia apresentaram maiores taxas de recorrência local.88 Warner L, Chudasama J, Kelly CG, Loughran S, McKenzie K, Wight R, et al. Radiotherapy versus open surgery versus endolaryngeal surgery (with or without laser) for early laryngeal squamous cell cancer. Cochrane Database Syst Rev. 2014;12. Apesar de ter sido prospectivo e randomizado, esse estudo apresentava falhas metodológicas importantes, os grupos não estavam balanceados, os critérios de estadiamento foram inadequados, o tratamento feito não foi o mesmo nas diferentes instituições e o tempo de seguimento foi curto.99 Yoo J, Lacchetti C, Hammond JA, Gilbert RW, Head and Neck Cancer Disease Site Group. Role of endolaryngeal surgery (with or without laser) versus radiotherapy in the management of early (T1) glottic cancer: a systematic review. Head Neck. 2014;36:1807-19.,1010 Dey P, Arnold D, Wight R, MacKenzie K, Kelly C, Wilson J. Radiotherapy versus open surgery versus endolaryngeal surgery (with or without laser) for early laryngeal squamous cell cancer. Cochrane Database Syst Rev. 2002;2.

Na metanálise publicada por Guimarães et al. (2018), que comparou a cirurgia endoscópica com radioterapia no tratamento do câncer glótico em estádio cTis/T1aN0, observaram-se melhores taxas de sobrevida global e câncer específica para os pacientes submetidos a cirurgia transoral com laser (TOLS).1111 Guimarães AV, Dedivitis RA, Matos LL, Aires FT, Cernea CR. Comparison between transoral laser surgery and radiotherapy in the treatment of early glottic cancer: a systematic review and meta-analysis. Sci Rep. 2018;8:11900. O estudo de Jones et al. (2004), com 488 pacientes portadores de tumores de laringe estádio clínico I ou II, não observou diferenças significativas nas taxas de sobrevida global, câncer específica ou livre de recorrência local entre os pacientes submetidos a cirurgia em relação à radioterapia, mas os pacientes submetidos a cirurgia apresentaram taxas mais elevadas de recidiva regionais.55 Jones DA, Mendenhall CM, Kirwan J, Morris CG, Donnan A, Holwerda S, et al. Radiation therapy for management of T1-T2 glottic cancer at a private practice. Am J Clin Oncol. 2010;33:587-90. A heterogeneidade nos detalhes do tratamento, os diferentes períodos de tratamento, os desenhos dos estudos e avaliação das duas modalidades terapêuticas são importantes limitações desses estudos. O pequeno número de falhas no tratamento e as variações locais nas preferências de tratamento por parte dos médicos e pacientes têm frustrado esforços para fazer novos ensaios randomizados que comparemo essas modalidades terapêuticas.1212 Pattanayak CW, Rubin DB, Zell ER. Propensity score methods for creating covariate balance in observational studies. Rev Esp Cardiol. 2011;64:897-903.

Embora os resultados de sobrevida dos pacientes com carcinomas epidermoide (CEC) de laringe em estádios clínicos cT1N0 ou cT2N0 tenham sido amplamente estudados, estudos populacionais que descrevam os resultados terapêuticos e compararam essas modalidades ainda são poucos frequentes, mas podem ser muito importantes para orientar nas escolhas de políticas públicas. Esse estudo visa avaliar os resultados de sobrevida dos pacientes com neoplasia de laringe estádio I ou II tratados no Estado de São Paulo, segundo os dados da Fundação Oncocentro de São Paulo (Fosp), de acordo com as opções terapêuticas usadas. A hipótese a ser avaliada é que os pacientes submetidos ao tratamento inicial com radioterapia apresentam pior sobrevida câncer específica.

Método

Este é um estudo transversal de base populacional com a base de dados da Fosp. Esse banco de dados é formado a partir de dados enviados pelo registro hospitalar de câncer. A coleta de dados foi iniciada em 1° de janeiro de 2000. Apenas casos sem tratamento prévio são contabilizados e seus dados de seguimento são atualizados de forma trimestral. O banco de dados usados foi descarregado do site da Fosp (www.fosp.saude.sp.gov.br) em 01/05/2019 e refere-se ao período de janeiro de 2000 a março de 2019.1313 Banco de dados da Fundação Oncocentro de São Paulo, Available in: https://www.fosp.saude.sp.gov.br
https://www.fosp.saude.sp.gov.br...

Os critérios de inclusão foram pacientes com tumores primários de topografia C32 (laringe) em estádio clínico cT1-2 cN0 e diagnóstico morfológico de carcinoma de células escamosas.

As variáveis estudadas foram idade, gênero, estádio clínico e tipo de tratamento e os desfechos sobrevida global e câncer específico. A análise estatística foi feita com o pacote Stata 15 (Stata Corp, College Station − Tx, USA) e R (www.cran.r-project.org). As variáveis categóricas estão descritas por suas frequências, enquanto as contínuas, por média e desvio-padrão (DP). A análise de sobrevivência foi feita inicialmente pelo cálculo do estimador de Kaplan-Meier, seguido pelo modelo de Cox para comparação univariada entre os tratamentos. Para compensar pela alocação não randômica dos pacientes e pelo desequilíbrio entre variáveis confundidoras entre os grupos, usamos a metodologia do escore de propensão. O pareamento foi feito na proporção de um para um com uma variação de 0,05 e multiplicado pelo DP do logit do modelo. Após o uso de escore de propensão, repetiu-se a análise apenas com a variável do tipo de tratamento.

Resultados

Preencheram os critérios de inclusão 3.786 pacientes. Havia 3.339 homens (88,2%) e 447 mulheres (11,8%). A idade ao diagnóstico variou de 20 a 103 anos (média, 63,0 anos e DP, + 10,5 anos). Quanto ao sítio de origem do tumor primário, 1.769 (46,7%) eram glóticos, 445 (11,8%), supraglóticos, 25 (0,7%) infraglóticos e 1.547 (40,9%) de localização não especificada (CID C32.8 e C32.9). Quanto ao estádio cT, houve 1.371 tumores (36,2%) cT1, 536 (14,1%) cT1a, 264 (6,9%) cT1b e 1.615 (42,6%) cT2 (tabela 1).

Tabela 1
Distribuição do estágio cT em função da topografia do tumor primário

O tempo médio de espera entre o diagnóstico e tratamento foi de 8,2 semanas, variou entre 3,2 semanas para pacientes particulares a 9,5 semanas para pacientes assistidos pelo sistema suplementar e 14,0 semanas para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) (p< 0,001). O tempo de seguimento médio foi de 55,7 meses e variou de um dia a 229,5 meses. Na última informação, havia 441 pacientes vivos com câncer (11,6%), 1.819 (48,1%) vivos sem evidência de doença, 794 (21,0%) falecidos por câncer e 732 (19,3%) falecidos por outras causas. As curvas de sobrevivência global e doença-específica estão apresentadas nas figuras 1 e 2, respectivamente.

Figura 1
Sobrevida global.

Figura 2
Sobrevida câncer específica.

A análise univariada de sobrevivência demonstrou idade ao diagnóstico, gênero, estádio clínico e modalidade de tratamento como significativas para sobrevivência doença-específica (tabela 2). Com as mesmas variáveis, foi feita uma análise multivariada de sobrevivência (tabela 3). Em relação à modalidade de tratamento, fizemos comparações entre os seguintes subgrupos: cirurgia versus radioterapia, ambas de forma exclusive, e radioterapia versus associação de radioterapia e quimioterapia. Entretanto, os pacientes submetidos a cada opção terapêutica tinham diferentes características demográficas (tabela 4).

Tabela 2
Análise univariada de sobrevivência doença-específica no banco de dados da Fundação Oncocentro de São Paulo
Tabela 3
Análise multivariada de sobrevivência doença-específica no banco de dados da Fundação Oncocentro de São Paulo
Tabela 4
Características demográficas dos pacientes com carcinoma de células escamosas em função da modalidade de tratamento

Para compensar por vieses na indicação de tratamento e pela distribuição das variáveis independentes entre os diversos grupos, repetimos a análise de sobrevivência com o uso de escores de propensão. A distribuição destes escores para pacientes submetidos a radioterapia ou cirurgia de forma isolada pode ser vista na figura 3a. Nessa situação, foi possível o pareamento de 2.056 pacientes. Após pareamento, foi observada uma tendência de menor taxa de sobrevivência doença específica nos pacientes submetidos a radioterapia (HR = 1,237; 95% IC 0.996−1,541; p = 0,012) (fig. 3b). No caso da comparação entre radioterapia isolada e associação radioquimioterapia, observamos uma importante diferença no histograma dos escores de propensão (fig. 3b) e foi possível parear 642 pacientes no total. Na análise de sobrevivência doença específica, há uma vantagem significativa para a radioterapia isolada, quando comparada à radioquimioterapia (HR = 1,476; 95% CI: 1,249−2,291; p< 0,001) (fig. 4).

Figura 3
(a) Histogramas dos escores de propensão em cada uma das comparações de tratamento feitas. (b) Sobrevivência após pareamento dos pacientes submetidos a RT ou cirurgia de forma isolada.

Figura 4
Sobrevivência após pareamento dos pacientes submetidos a RT ou Radioquimioterapia.

Discussão

A proposta do estudo foi identificar os fatores que afetam o prognóstico do pacientes com carcinoma epidermoide de laringe estádios iniciais, foi observada uma tendência de melhor sobrevida doença específica para os pacientes do sexo feminino, portadores de tumores em estádio clínico I e nos submetidos a cirurgia quando comparados a radioterapia isolada. A maioria dos pacientes que teve a fonte pagadora informada eram provenientes do SUS (49,07%), onde o tempo médio entre o diagnóstico e o tratamento foi maior. Esse atraso no tratamento pode afetar negativamente o prognóstico e tanto pode ocorrer por falta de infraestrutura para a feitura da cirurgia na instituição onde o diagnóstico foi feito quanto por dificuldade de acesso ao tratamento com radioterapia. O estudo de Kompelli e Neskey demonstrou que a necessidade de mudança de instituição para o adequado tratamento do paciente promove um atraso significativo no início do tratamento, o que piora o prognóstico e aumenta os custos.1414 Kompelli AR, Li H, Neskey DM. Impact of delay in treatment initiation on overall survival in laryngeal cancers. Otolaryngol Head Neck Surg. 2019;160:651-7.

Foi observado que os pacientes submetidos a radioterapia apresentavam uma mediana de idade maior e proporcionalmente uma maior prevalência de tumores com estádio cT1b quando comparados aos submetidos a cirurgia. Por isso foi feito o escore de propensão para tentar reduzir o impacto desses vieses de seleção nos desfechos avaliados. Esse método tem se demonstrado uma boa opção em relação aos estudos prospectivos randomizados.1515 Anglemyer A, Horvath HT, Bero L. Healthcare outcomes assessed with observational study designs compared with those assessed in randomized trials. Cochrane Database Syst Rev. 2014;4.

16 Buka SL, Rosenthal SR, Lacy ME. Epidemiological study designs: traditional and novel approaches to advance life course health development research. 2017;21. In: Halfon N, Forrest CB, Lerner RM, Faustman EM, editors. Handbook of life course health development. Cham (CH): Springer; 2018.
-1717 Ali MS, Prieto-Alhambra D, Lopes LC, Ramos D, Bispo N, Ichihara MY, et al. Propensity score methods in health technology assessment: principles, extended applications, and recent advances. Front Pharmacol. 2019;10:973. Mesmo após o pareamento, com a correção dos vieses de seleção, os pacientes submetidos ao tratamento com radioterapia apresentaram o risco de morte pela doença cerca de 28% maior quando comparados aos submetidos a cirurgia. Embora o estudo prospectivo publicado por Ogol’tsova et al. (1990), citado por Warner et al. (2014, p.6), não tenha observado diferença estatisticamente significativa em relação às taxas de sobrevida global e câncer específica para os pacientes com doença em estádios cT1N0 ou cT2N0, na comparação da cirurgia com a radioterapia, foi observada uma maior taxa de recorrência local nos pacientes submetidos a radioterapia.88 Warner L, Chudasama J, Kelly CG, Loughran S, McKenzie K, Wight R, et al. Radiotherapy versus open surgery versus endolaryngeal surgery (with or without laser) for early laryngeal squamous cell cancer. Cochrane Database Syst Rev. 2014;12. Apesar de ter sido o único estudo prospectivo randomizado encontrado, foram observadas falhas metodológicas importantes. Portanto, os resultados desse estudo podem ter sido comprometidos.99 Yoo J, Lacchetti C, Hammond JA, Gilbert RW, Head and Neck Cancer Disease Site Group. Role of endolaryngeal surgery (with or without laser) versus radiotherapy in the management of early (T1) glottic cancer: a systematic review. Head Neck. 2014;36:1807-19.,1010 Dey P, Arnold D, Wight R, MacKenzie K, Kelly C, Wilson J. Radiotherapy versus open surgery versus endolaryngeal surgery (with or without laser) for early laryngeal squamous cell cancer. Cochrane Database Syst Rev. 2002;2.

O tratamento dos pacientes com CEC de laringe estádios clínicos I ou II é tradicionalmente único: cirurgia ou radioterapia.55 Jones DA, Mendenhall CM, Kirwan J, Morris CG, Donnan A, Holwerda S, et al. Radiation therapy for management of T1-T2 glottic cancer at a private practice. Am J Clin Oncol. 2010;33:587-90.

6 Thomas L, Drinnan M, Natesh B, Mehanna H, Jones T, Paleri V. Open conservation partial laryngectomy for laryngeal cancer: a systematic review of English language literature. Cancer Treat Rev. 2012;38:203-11.

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8 Warner L, Chudasama J, Kelly CG, Loughran S, McKenzie K, Wight R, et al. Radiotherapy versus open surgery versus endolaryngeal surgery (with or without laser) for early laryngeal squamous cell cancer. Cochrane Database Syst Rev. 2014;12.

9 Yoo J, Lacchetti C, Hammond JA, Gilbert RW, Head and Neck Cancer Disease Site Group. Role of endolaryngeal surgery (with or without laser) versus radiotherapy in the management of early (T1) glottic cancer: a systematic review. Head Neck. 2014;36:1807-19.

10 Dey P, Arnold D, Wight R, MacKenzie K, Kelly C, Wilson J. Radiotherapy versus open surgery versus endolaryngeal surgery (with or without laser) for early laryngeal squamous cell cancer. Cochrane Database Syst Rev. 2002;2.
-1111 Guimarães AV, Dedivitis RA, Matos LL, Aires FT, Cernea CR. Comparison between transoral laser surgery and radiotherapy in the treatment of early glottic cancer: a systematic review and meta-analysis. Sci Rep. 2018;8:11900. A associação de radioquimioterapia tem sido mais bem descrita para os pacientes com CEC de laringe estádios III ou IV. O estudo publicado por Wolf et al., 1991 incluiu 31 pacientes (9,3%) com estádios cT1 ou cT2 e o trial RTOG 91-11 publicado por Forastiere et al. em 2003, que incluiu 33 (6,4%) pacientes com cT2. Nos dois estudos esses eram pacientes portadores de metástases cervicais e candidatos a laringectomia total.1818 Department of Veterans Affairs Laryngeal Cancer Study Group, Wolf GT, Hong WK, Fisher SG, Urba S, Endiccot JW, Close AT, et al. Induction chemotherapy plus radiation compared with surgery plus radiation in patients with advanced laryngeal cancer. N Engl J Med. 1991;324:1685-90.,1919 Forastiere AA, Goepfert H, Maor M, Pajak TF, Weber R, Morrison W, et al. Concurrent chemotherapy and radiotherapy for organ preservation in advanced laryngeal cancer. N Engl J Med. 2003;349:2091-8. Por se tratar de estudo de base populacional, não é possível entender os motivos pelos quais alguns pacientes foram tratados com associações terapêuticas, mas observamos que os pacientes submetidos a radioterapia exclusiva apresentaram melhor sobrevivência doença-específica do que os pacientes submetidos a radioquimioterapia. A maior dificuldade de acesso para o tratamento com radioterapia, pela carência de serviços no Brasil,2020 Gomes Junior SCS, Almeida RT. Modelo de simulação para estimar a infraestrutura necessária à assistência oncológica no sistema público de saúde. Rev Panam Salud Publica. 2009;25:113-9. pode levar a um pior prognóstico pelo risco de progressão da doença. Além disso, outro provável problema relacionado ao pior prognóstico dos pacientes submetidos ao tratamento com radioterapia são erros do estadiamento. Os pacientes submetidos a cirurgia têm um estadiamento mais acurado pelos achados intraoperatórios, conforme demonstrado no estudo de Locatello et al., 2019, que comparou o estadiamento clínico com o patológico de pacientes portadores carcinoma epidermoide de laringe, cerca de 32% dos pacientes apresentam discordância do estadiamento clínico em relação ao patológico. A disparidade foi mais comum nos pacientes portadores de tumores glóticos quando comparados aos com tumores de localização supraglótica (13,5% e 7,4%, respectivamente, p = 0,519). Outro achado interessante do estudo foi a observação que os pacientes com recidiva local após tratamento inicial com radioterapia apresentaram pior sobrevida global, câncer específica e um risco maior de desenvolver segundas recorrências locorregionais em comparação com pacientes com os mesmos estádios rTNM que tinham inicialmente sido tratados por cirurgia.2121 Locatello LG, Cannavicci A, Gallo O. Prognostic impact of initial treatment in surgically salvaged recurrences of early glottic cancer. Laryngoscope. 2019;129:2328-33.

A condição clínica do paciente, a possibilidade de seguimento adequado e a experiência da equipe multidisciplinar em fazer laringectomias parciais de resgate contribuem para um melhor resultado terapêutico, inclusive a possibilidade de preservação laríngea em longo prazo no subgrupo de pacientes que evoluíram com recidiva local.2222 Pontes P, Brasil O de O, Amorim Filho Fde S, Moraes BT, Pontes A, Caporrino Neto J. Radiotherapy for early glottic cancer and salvage surgery after recurrence. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;77:299-302.

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-2424 Harada A, Sasaki R, Miyawaki D, Yoshida K, Nishimura H, Ejima Y, et al. Treatment outcomes of the patients with early glottic cancer treated with initial radiotherapy and salvaged by conservative surgery. Jpn J Clin Oncol. 2015;45:248-55. Pois a maioria dos pacientes com recidiva local após radioterapia é submetida a laringectomia total.2525 Mimica X, Hanson M, Patel SG, McGill M, McBride S, Lee N, et al. Salvage surgery for recurrent larynx cancer. Head Neck. 2019;41:3906-15. Portanto, a escolha terapêutica inicial deve também levar em consideração esses fatores e os resultados dos tratamentos de resgate. Mesmo nos casos elegíveis para laringectomias parciais, quando feitas para tratamento de resgate, após falha do tratamento inicial com radioterapia. Nesse cenário, esses procedimentos apresentam maior tempo até a decanulação e retirada da sonda nasoenteral2525 Mimica X, Hanson M, Patel SG, McGill M, McBride S, Lee N, et al. Salvage surgery for recurrent larynx cancer. Head Neck. 2019;41:3906-15.,2626 Bertolin A, Lionello M, Ghizzo M, Cena I, Leone F, Valerini S, et al. Salvage open partial horizontal laryngectomy after failed radiotherapy: a multicentric study. Laryngoscope. 2020;130:431-6. e maior taxa de segundas novas recidivas.2121 Locatello LG, Cannavicci A, Gallo O. Prognostic impact of initial treatment in surgically salvaged recurrences of early glottic cancer. Laryngoscope. 2019;129:2328-33.

Tendo em vista as dificuldades de acesso ao sistema público brasileiro, particularmente para o início da radioterapia, as dificuldades para o seguimento adequado e que a maioria dos pacientes com recidiva local pós-radioterapia é submetida a laringectomia total de resgate, a cirurgia deve ser considerada o tratamento inicial de escolha, principalmente quando a radioterapia não está igualmente acessível.

Conclusão

Os pacientes com carcinoma epidermoide de laringe estádios clínicos I e II tratados por cirurgia apresentam melhores resultados de sobrevida câncer específica quando comparados a radioterapia após a análise por escore de propensão.

References

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  • Peer Review under the responsibility of Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.
  • Como citar este artigo: Carvalho GB, Kohler HF, Lira RB, Vartanian JG, Kowalski LP. Survival results of 3786 patients with stage I or II laryngeal squamous cell carcinoma: a study based on a propensity score. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:337-44.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2020
  • Aceito
    20 Jun 2020
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