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Validação do teste de olfato de Connecticut (CCCRC) adaptado para o Brasil Como citar este artigo: Fenólio GH, Anselmo-Lima WT, Tomazini GC, Compagnoni IM, Amaral MS, Fantucci MZ, et al. Validation of the Connecticut olfactory test (CCCRC) adapted to Brazil. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:725-32.

Resumo

Introdução

Alterações olfativas são bastante comuns na população, causam significativo impacto na qualidade de vida. A documentação da função olfatória é fundamental para o diagnóstico, tratamento e seguimento de pacientes que cursam com doenças inflamatórias das vias aéreas superiores, neurodegenerativas ou infecções virais. Entre os diferentes testes de olfato existentes, o teste do Connecticut Chemosensory Clinical Research Center (CCCRC) é barato, de fácil aplicação, mas que ainda não foi avaliado em grande escala para a população brasileira.

Objetivo

Validar o teste de olfato CCCRC com adaptação para a população brasileira, avaliar o desempenho de voluntários saudáveis e a estabilidade do teste em retestes.

Método

Neste estudo fizemos adaptação cultural do teste CCCRC para o Brasil. Para validação e determinação dos escores de normalidade, aplicamos o teste em 334 voluntários saudáveis, com mais de 18 anos. O reteste foi ainda feito em até quatro semanas em 34 voluntários adicionais para avaliar concordância dos resultados.

Resultados

Avaliando o desempenho dos participantes, valores de normosmia e hiposmia leve foram obtidos em mais de 95% deles. Mulheres (58,4%) apresentaram melhor acurácia em relação aos homens (41,6%), p< 0,02; e indivíduos acima dos 60 anos apresentaram pior desempenho (mediana: 6; percentil 75: 6,5; percentil 25: 5). O teste e reteste dos 34 voluntários demonstrou que houve concordância (coeficiente de correlação intraclasse, CCI) considerada boa em narina esquerda (CCI = 0,65) e excelente em narina direita (CCI = 0,77) no escore combinado.

Conclusão

O teste CCCRC adaptado para o Brasil apresentou valores de normalidade semelhantes ao teste originalmente descrito e a validações em outros países, com alta taxa de reprodutibilidade. Considerando a relação custo-benefício altamente favorável, o CCCRC adaptado é uma ferramenta muito útil para mensuração da função olfatória na população brasileira.

Palavras-chave
Odorantes; Transtornos do olfato; Córtex olfatório; Exame neurológico; Doenças do nervo olfatório

Abstract

Introduction

Olfactory changes are quite common in the population, causing a significant impact on the quality of life. Documentation of the olfactory function is essential for the diagnosis, treatment and follow-up of patients with inflammatory diseases of the upper airways, neurodegenerative diseases or viral infections. Among the different existing smell tests, the CCCRC is an inexpensive test, easy to apply, but it has not yet been evaluated on a large scale in the Brazilian population.

Objective

To validate the CCCRC smell test, after adaptation for the Brazilian population, evaluating the performance of healthy volunteers and the stability of the test in retests.

Methods

In this study, we carried out a cultural adaptation of the CCCRC test to Brazil. To validate and determine the normality scores, we applied the test to 334 healthy volunteers, aged >18 years of age. The retest was also carried out in up to four weeks on 34 additional volunteers to assess validity of the results.

Results

When evaluating the participants’ performance, normosmia and mild hyposmia values were obtained in more than 95% of them. Women (58.4%) showed better accuracy than men (41.6%): p < 0.02, and individuals over 60 years of age showed worse performance (median: 6; 75th percentile: 6.5; 25th percentile). The test and retest of the 34 volunteers demonstrated that there was agreement (ICC, intraclass correlation coefficient) considered good in the left nostril (ICC = 0.65) and excellent in the right nostril (ICC = 0.77) in the combined score.

Conclusion

The CCCRC test adapted to Brazil showed normal values, similar to the originally-described test and validations in other countries, with a high reproducibility rate. Considering the highly favorable cost-benefit ratio, the adapted CCCRC is a very useful tool for measuring olfactory function in the Brazilian population.

Keywords
Odorants; Olfaction disorders; Olfactory cortex; Neurological examination; Olfactory nerve diseases

Introdução

O olfato é um dos cinco sentidos que permitem aos seres vivos interagir com o meio ambiente através de moléculas odoríferas. A partir desse sentido, identificamos situações de perigo quando detectamos moléculas nocivas à saúde, como presença de gases tóxicos e identificamos alimentos inapropriados para consumo.11 Seiden AM, Duncan HJ. The diagnosis of a conductive olfactory loss. Laryngoscope. 2001;111:9-14. Além disso, graças à interação do olfato com o sistema límbico e com áreas corticais superiores, a estimulação de receptores odoríferos específicos promove respostas emocionais diversificadas, agradáveis ou não, cria memória olfatória de longa latência.22 Santos DV, Reiter ER, Dinardo LJ, Costanzo RM. hazardous events associated with impaired olfactory function. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2004;130:317-319.

Disfunções olfatórias podem impactar negativamente sobre a saúde física e psicológica do indivíduo, levar a uma pioria na qualidade de vida, anedonia, transtornos de humor e diminuição do apetite, além de riscos diretos, pela maior propensão a intoxicação a alimentos e a inalantes tóxicos.33 Glezer I, Malnic B. Olfactory receptor function. Handb Clin Neurol. 2019;164:67-78.

A principal causa identificável de perda do olfato são as infecções virais agudas de vias respiratórias superiores (IVAS),44 Pinto JM, Olfaction Proc Am Thorac Soc. 2011;8:46-52. correspondem a cerca de um terço das perdas súbitas de olfato e com distribuição sazonal correspondente à das IVAS.33 Glezer I, Malnic B. Olfactory receptor function. Handb Clin Neurol. 2019;164:67-78.,55 Ingelstedt S. Studies on the conditioning of air in the respiratory tract. Acta Otolaryngol Suppl. 1956;131:1-80.

6 Zhao K, Scherer PW, Hajiloo SA, Dalton P. Effect of anatomy on human nasal air flow and odorant transport patterns: Implications for olfaction. Chem Senses. 2004;29:365-379.
-77 Devanand DP, Pradhaban G, Liu X, Khandji A, De Santi S, Segal S, et al. Hippocampal and entorhinal atrophy in mild cognitive impairment: prediction of Alzheimer disease. Neurology. 2007;68:828-836. Outras causas comuns são traumatismo cranioencefálico, doenças nasossinusais crônicas, neurológicas e neurodegenerativas.11 Seiden AM, Duncan HJ. The diagnosis of a conductive olfactory loss. Laryngoscope. 2001;111:9-14.,44 Pinto JM, Olfaction Proc Am Thorac Soc. 2011;8:46-52.,77 Devanand DP, Pradhaban G, Liu X, Khandji A, De Santi S, Segal S, et al. Hippocampal and entorhinal atrophy in mild cognitive impairment: prediction of Alzheimer disease. Neurology. 2007;68:828-836.,88 Ross WG, Petrovitch H, Abbott RD, Tanner CM, Popper J, White LR, et al. Association of olfactory dysfunction with risk for future Parkinson's disease. Ann Clin Transl Neurol. 2008;63:167-173.

Por ser um sintoma com alta subjetividade entre os pacientes, a documentação quantitativa e qualitativa da função olfatória é de fundamental importância para os pacientes que se apresentam com alterações do olfato. Da mesma maneira, é de fundamental importância a documentação da função olfatória em pacientes que irão ser submetidos a cirurgias nasais, como nas cirurgias de base de crânio e cirurgias endoscópicas nasossinusais. Além disso, considerando o impacto do olfato em algumas doenças nasossinusais, como rinite alérgica e rinossinusites crônicas,77 Devanand DP, Pradhaban G, Liu X, Khandji A, De Santi S, Segal S, et al. Hippocampal and entorhinal atrophy in mild cognitive impairment: prediction of Alzheimer disease. Neurology. 2007;68:828-836.

8 Ross WG, Petrovitch H, Abbott RD, Tanner CM, Popper J, White LR, et al. Association of olfactory dysfunction with risk for future Parkinson's disease. Ann Clin Transl Neurol. 2008;63:167-173.
-99 Silveira-Moriyama L, De Jesus Carvalho M, Katzenschlager R, Petrie A, Ranvaud R, Barbosa ER, et al. The use of smell identification tests in the diagnosis of Parkinson's disease in Brazil. Mov Disord Clin Pract. 2008;23:2328-2334. esse teste seria essencial para monitorar a resposta ao tratamento, seja clínico ou cirúrgico.

Um dos testes de olfato mais usados mundialmente é o de Connecticut Chemosensory Clinical Research Center (CCCRC).1010 Cain WS, Goodspeed RB, Gent JF, Leonard G. Evaluation of olfactory dysfunction in the connecticut chemosensory clinical research center. Laryngoscope. 1988;98:83-88. O CCCRC testa tanto o limiar olfativo como a identificação de diferentes odores, permite a avaliação tanto quantitativa como qualitativa do olfato.1010 Cain WS, Goodspeed RB, Gent JF, Leonard G. Evaluation of olfactory dysfunction in the connecticut chemosensory clinical research center. Laryngoscope. 1988;98:83-88. Além disso, investiga de modo independente cada uma das cavidades nasais, pode discriminar a lateralidade da alteração olfatória. É um teste de baixo custo e que pode ser considerado para aplicação clínica em larga escala. Apesar disso, por questões de odores culturalmente mais conhecidos ou não, necessita de adequações mediante o público no qual será aplicado.

Nesse contexto, em virtude de o teste do CCCRC não ter sido amplamente empregado para indivíduos brasileiros, tivemos como objetivos neste estudo avaliar os escores de voluntários brasileiros saudáveis ao teste CCCRC, após adaptação cultural para o Brasil, assim como validar seu uso para a população brasileira.

Método

Este estudo foi aprovado no comitê de ética em pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto sob número CAAE: 97227018.5.0000.5440. Todos os voluntários assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Neste estudo, aplicamos um questionário não validado sobre antecedentes pessoais do paciente (tabela 1), seguido do teste do olfato de Connecticut adaptado para o Brasil (CCCRC adaptado) em indivíduos saudáveis, em dois centros distintos de coleta (Poupatempo de Ribeirão Preto e Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Minas Gerais). Como critérios de elegibilidade, selecionamos indivíduos maiores de 18 anos, que declararam olfato presente no momento da avaliação e ausência de queixas nasossinusais compatíveis com rinossinusite. Foram excluídos os indivíduos que declarassem função olfatória ausente, apresentassem infecção do trato superior recente, histórico de traumatismo cranioencefálico grave, doenças psiquiátricas ou neurológicas.

Tabela 1
Questionário clínico aplicado antes da feitura do teste de olfato

Teste de olfato CCCRC adaptado

Para o teste de limiar olfatório, usamos o butanol (álcool n butílico) diluído em sete concentrações (4%, 1%, 0,4%, 0,1%, 0,05%, 0,01% e 0,005%), conforme descrição por Cain.1010 Cain WS, Goodspeed RB, Gent JF, Leonard G. Evaluation of olfactory dysfunction in the connecticut chemosensory clinical research center. Laryngoscope. 1988;98:83-88. As diferentes concentrações de butanol foram envasadas em frascos âmbar, com 60 mL de solução total. Os frascos foram numerados de 1 a 7, da maior para a menor concentração. Um frasco com água destilada (frasco 8), inodoro, foi usado como controle.

O teste de limiar foi feito com a apresentação ao indivíduo de dois frascos idênticos de 60 mL alternadamente, um com água destilada e o outro com uma solução de butanol. Com os olhos fechados, os indivíduos foram instruídos a ocluir uma das narinas enquanto era posicionado o frasco na narina pérvia, solicitou-se ao indivíduo que inspirasse suavemente para identificar a presença do odor. Caso o indivíduo não identificasse o odor, frascos com a solução de butanol mais concentrados foram apresentados de maneira consecutiva, manteve-se a alternância com o frasco de água destilada. A testagem foi iniciada pela exposição da menor concentração de butanol (0,005%) até a detecção do frasco com a subsequente maior concentração, com retestagem quando necessário. Dois acertos do frasco com o odorante determinaram a concentração mínima definida como limiar olfatório do indivíduo para a cavidade nasal testada. Os mesmos passos foram repetidos para a cavidade nasal contralateral. O escore variou de 0 a 7 pontos, 0 para o indivíduo que não conseguiu identificar qual era o frasco que continha o odorante em qualquer concentração e 7 para o indivíduo que identificou o odorante no frasco com a menor concentração.

Para o teste de identificação de substâncias, foram usadas 8 substâncias: café em pó, canela em pó, talco de bebê (Johnson & Johnson®), paçoca (Paçoquita®), chocolate em pó (Nescau®), sabonete neutro (Palmolive®) e naftalina. Para adaptar o teste à realidade brasileira, substituímos a pasta de amendoim contida no teste original pela paçoca, por se tratar de um produto mais reconhecido nacionalmente. As substâncias foram colocadas em potes vedados, com tampa e com rótulo preto, com proporções equivalentes (10 gramas por frasco).

Para a identificação de odores, os indivíduos receberam uma lista que continha o nome das oito substâncias presentes no teste, além do nome de oito substâncias distratoras (tabela 2). Os indivíduos, com os olhos fechados, foram instruídos a ocluir uma narina enquanto o frasco era posicionado na outra narina pérvia. Antes da abertura de cada frasco, foi feita uma suave agitação do frasco para homogeneização das substâncias odoríferas em seu interior. Para cada frasco apresentado, o indivíduo deveria citar uma das substâncias da lista. Caso houvesse dúvida pelo paciente, cada frasco poderia ser novamente apresentado, assim como a própria lista. Após testagem das 8 substâncias em uma narina, foram repetidos os mesmos passos na narina contralateral, apresentaram-se os frascos de forma aleatória para evitar memorização da ordem. A função do nervo trigêmeo foi testada no fim do teste com a apresentação de mentol (Vick®), mas a identificação dessa substância não foi incluída no escore final. O escore do teste de identificação foi obtido através da pontuação de 0 a 7 para cada cavidade nasal, de acordo com a quantidade de odores acertados.

Tabela 2
Teste CCCRC adaptado para o Brasil (substâncias + distratores)

O escore final do teste foi calculado pela média aritmética dos acertos da identificação das substâncias (nota de 0 a 7) com a nota obtida da identificação do limiar do butanol para cada cavidade nasal. A média foi definida para cada lado, o limiar olfatório foi classificado em normosmia (escore 6 a 7), hiposmia leve (5-5,75), hiposmia moderada (4-4,75), hiposmia grave (2-3,75) e anosmia (0-1,75) (tabela 3).

Tabela 3
Graduação de desempenho olfatório - Teste CCCRC1010 Cain WS, Goodspeed RB, Gent JF, Leonard G. Evaluation of olfactory dysfunction in the connecticut chemosensory clinical research center. Laryngoscope. 1988;98:83-88.

Após a etapa de aplicação do teste para determinar os escores em indivíduos sem queixas, foi acrescentada uma nova amostra de 34 participantes para verificar o grau de concordância individual em teste-reteste. Esse grupo, correspondente a 10,1% da amostra total, foi composto por indivíduos com os mesmos critérios de elegibilidade e que não haviam sido testados anteriormente. Nessa amostra, aplicamos o teste duas vezes, com intervalo de uma a quatro semanas entre elas, para avaliação de reprodutibilidade dos escores. Entre as aplicações, não foram revelados os limiares atingidos e nem as substâncias contidas em cada frasco. Seguimos o mesmo protocolo para avaliação de limiar e identificação de substâncias citados anteriormente.

Os dados foram analisados com o software BM SPSS Statistics v. 20. As variáveis categóricas foram expressas em frequência absoluta (n) e relativa (%). Para as variáveis numéricas, foram calculados a mediana e percentis e valores mínimo e máximo. Para a comparação dos resultados do teste de olfato, foi aplicado o teste não paramétrico de Mann-Whitney para amostras independentes. A escolha do teste foi feita baseada nos testes de normalidade de Shapiro-Wilk e Kolmogorov-Smirnov que descartou distribuição normal nos grupos avaliados. Consideramos como estatisticamente significante quando p-valor foi menor do que 5%. Para avaliação do teste-reteste, determinou-se o grau de concordância dos escores combinados, com análise estatística do Coeficiente de Correlação Intraclasse.

Resultado

O teste olfatório de Connecticut (CCCRC) adaptado para o Brasil foi aplicado em 334 voluntários. A idade dos participantes variou de 18 a 76 anos, com média de 39,9 (± 14,5).

O resultado das medianas dos escores combinados, em cada narina, apresentou-se dentro do limiar de normosmia (resultados acima de 6), conforme tabela 4.

Tabela 4
Resultados do teste CCRC adaptado para o Brasil

Não se observou diferença entre os resultados de cada narina. A avaliação de integridade de receptores do nervo trigêmeo apresentou positividade em 98,5% na cavidade nasal direita e 97,3% no lado esquerdo.

A classificação final dos voluntários apresentou como resultado a normosmia em 82,6% das narinas direitas e 83,55% das narinas esquerdas (tabela 5). Se acrescentar a esse valor os testados que foram classificados como hiposmia leve, chega-se ao patamar de 95,8% e 96,7% na narina direita e esquerda, respectivamente.

Tabela 5
Classificação do olfato de voluntários brasileiros baseado nos resultados do CCCRC adaptado para o Brasil

Em relação às variáveis clínicas obtidas no questionário (tabela 6), não se encontraram relações quanto ao desempenho olfatório em pacientes que apresentavam tabagismo, rinite alérgica, cirurgia nasal prévia, traumatismo cranioencefálico, asma, alergia medicamentosa e epistaxe. O único resultado significante foi em relação ao desempenho dos pacientes que alegaram comorbidades metabólicas. Ressalta-se que as respostas positivas no questionário foram, em sua maioria, de menos de 20 participantes.

Tabela 6
Avaliação da relação de diferentes variáveis clínicas com o desempenho do teste

A distribuição etária verificada em nosso estudo foi compatível com a distribuição etária nacional, assim também como na distribuição entre homens e mulheres (relação 0,71/1). A renda familiar média na nossa amostra também apresentou correspondência quando comparada com a renda da população brasileira em estatísticas do IBGE (tabela 7).

Tabela 7
Variáveis sociodemográficas de voluntários brasileiros submetidos ao teste CCCRC adaptado para o Brasil

A performance olfatória foi menor nos indivíduos acima de 60 anos (mediana: 6; percentil 75: 6,5; percentil 25: 5) em relação às demais faixas etárias (mediana das faixas 20-30, 30-40, 40-50, 50-60 anos: 6,5; mediana 18-20 anos: 7), com queda nos escores (fig. 1).

Figura 1
Distribuição de escore teste CCCRC Brasil segundo a faixa etária.

Quando comparamos o desempenho olfatório em relação ao sexo, observamos melhor performance dos voluntários do sexo feminino (mediana: 6,5) em relação ao masculino (mediana: 6,5), com p-valor < 0,02 (fig. 2).

Figura 2
Distribuição relativa dos resultados do escore combinado de acordo com o sexo. (A) lado direito. (B) lado esquerdo.

A correlação intraclasse do teste e reteste no escore combinado foi de 0,77 (95% IC 0,54-0,88) à direita e 0,65 (95% IC 0,29-0,82) à esquerda, considerados como excelente e boa, respectivamente. A média de dias de aplicação do reteste após o teste foi de 9,9 dias (tabela 8).

Tabela 8
Análise de concordância teste-reteste do CCCRC entre os participantes estudo (n = 34)

Discussão

O nariz, como estrutura anatômica de entrada do trato respiratório superior, apresenta na quimiorrecepção olfativa e na sinalização e transdução de sinal um dos seus mais intrincados mecanismos. A anatomia que envolve parede lateral, com a divisão em conchas nasais, inferior, média, superior e eventualmente suprema, septo nasal e pirâmide externa cartilaginosa, apresenta características que fazem o funcionamento nasal ser perfeito ao equilibrar a função filtrativa, umidificadora e aquecedora do ar. O epitélio olfatório é composto por neurônios receptores olfatórios (NRO), células basais, células de suporte e células microvilares. Assim, alterações anatômicas, mecânicas ou neurossensoriais podem estar relacionadas à alteração olfativa.

Atualmente no Brasil existem testes de olfato já validados. Um deles, o teste de identificação do olfato anteriormente denominado de UPSIT,1111 Deems AD, Doty RL, Settle RG, Moore-Gillon V, Shaman P, Snow JB, et al. Smell and taste disorders, a study of 750 patients from the university of pennsylvania smell and taste center. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1991;117:519-528.,1212 Fornazieri MA, Dos Santos CA, Bezerra T.FP, De Rezende Pinna F, Voegels RL, Doty RL. Development of normative data for the Brazilian adaptation of the University of Pennsylvania Smell Identification Test. Chem Senses. 2015;40:141-149. é de fácil uso, autoaplicável e consistente na identificação de 40 substâncias dispostas em cartelas que, após raspagem de uma fita, eliminam partículas odoríferas microencapsuladas, necessita de uma resposta forçada entre quatro opções. Como desvantagens, o teste consta apenas com a identificação dos odores, e não o limiar, e tem custo elevado, o que dificulta a feitura em larga escala e em serviços públicos. Outro teste é o Sniffin’ Sticks,1313 Hummel T, Sekinger B, Wolf SR, Pauli E, Kobal G. “Sniffin” sticks’. Olfactory performance assessed by the combined testing of odor identification, odor discrimination and olfactory threshold. Chem Senses. 1997;22:39-52. que avalia tanto o limiar como a identificação dos odores, e tem validação inclusive para a população pediátrica;1414 Bastos L.OD, Guerreiro MM, Lees AJ, Warner TT, Silveira-Moriyama L. Effects of age and cognition on a cross- cultural paediatric adaptation of the sniffin’ sticks identification test. PLoS One. 2015;10:e0131641. no entanto, esse teste também é oneroso, o que inviabiliza o seu uso rotineiro no serviço público brasileiro.

Na busca por um teste mais viável, de baixo custo e fácil aplicação, optamos por validar o CCCRC para o Brasil. O CCCRC apresenta algumas vantagens por identificar tanto o limiar olfatório como quantificar a identificação de sete odores específicos. Ainda, permite identificar cada uma dessas características isoladamente em cada narina. Outra vantagem do CCCRC é o seu baixo custo, pode até ser reusado em outras pessoas dentro de um prazo de até 90 dias. No entanto, uma das desvantagens em relação ao UPSIT é que o CCCRC não pode ser autoaplicado, necessita de um profissional treinado para o procedimento, e leva um tempo um pouco maior para aplicação, em torno de 15 minutos.

Através da seleção aleatória de indivíduos nos locais de pesquisa, obteve-se uma representatividade adequada de classe econômica e distribuição etária.1515 Perissé C, Marli M, Mello S. 2020. Idosos indicam caminho para uma melhor idade [Agência IBGE Notícias, Revista Retratos] March 19, 2019. Available at: agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/24036-idosos-indicam-caminhos-para-uma-melhor-idade [accessed June 13] Mesmo com uma representação percentual de idosos considerável, poucos foram os resultados de alteração olfatória pior do que hiposmia leve.

Consideramos previamente que diferenças sociais poderiam trazer diferenças no desempenho do teste, pois camadas economicamente privilegiadas poderiam ter maiores oportunidades de contato com maior diversidade de odores em comparação aos estratos sociais menos favorecidos. A relevância da amostragem social está relacionada com o fato de que um teste olfatório nacionalmente adequado deve prezar pela sua acurácia em relação às substâncias escolhidas. Portanto, a diversidade da amostra estudada e a representatividade em relação a sociedade brasileira, aliada ao desempenho dos voluntários, demonstram que em pessoas sem queixas olfatórias existe um alto percentual de acerto das substâncias apresentadas e da detecção do butanol, equivalente aos dados internacionais.

O valor de escore do teste CCCRC Brasil obtido na amostra é compatível com os resultados de validações do CCCRC em outras populações1616 Toledano Muñoz A, Gonzalez E, Rodriguez G, Galindo NA. Desarrollo de un test de screening olfatorio a partir del test de Connecticut (CCCRC) Acta Otorrinolaringol Esp. 2005;56:116-121.,1717 Veyseller B, Ozucer B, Karaaltin AB, Yildirim Y, Degirmenci N, Aksoy F, et al. Connecticut (CCCRC) Olfactory Test: normative values in 426 healthy volunteers. Indian J Otolaryngol Head Neck Surg. 2014;66:31-34. e similar aos demonstrados no trabalho original do teste CCCRC.1010 Cain WS, Goodspeed RB, Gent JF, Leonard G. Evaluation of olfactory dysfunction in the connecticut chemosensory clinical research center. Laryngoscope. 1988;98:83-88. Dessa maneira, conseguimos demonstrar que a troca da pasta de amendoim pela paçoca teve uma ótima performance para a adaptação brasileira do teste, uma vez que pasta de amendoim não é muito conhecida entre os brasileiros, principalmente os de classe social menos privilegiada. Apesar de excluir do trabalho indivíduos que apresentassem queixas olfativas, a análise de desempenho quando relacionada à idade demonstrou queda no escore daqueles com mais de 60 anos, corroborou a literature, a qual diz que pessoas idosas podem apresentar pior discriminação olfativa apesar de não terem queixa.1717 Veyseller B, Ozucer B, Karaaltin AB, Yildirim Y, Degirmenci N, Aksoy F, et al. Connecticut (CCCRC) Olfactory Test: normative values in 426 healthy volunteers. Indian J Otolaryngol Head Neck Surg. 2014;66:31-34. Tal fato pode-se relacionar à baixa percepção da limitação, ou talvez a pouca estimulação que a população idosa tenha na sua rotina.

No desempenho do teste relacionado ao sexo, observamos que mulheres apresentam melhor desempenho olfatório do que homens, de modo semelhante a outros estudos prévios que levantam a possibilidade da relação com a proteção hormonal e menor exposição a fatores ambientais.1818 Sorokowski P, Karwowski M, Misiak M, Marczak MK, Dziekan M, Hummel T, et al. Sex differences in human olfaction: a meta-analysis. Front Psychol. 2019;10:1-9.

Não houve significância na correlação do desempenho no teste com o questionário aplicado, exceto no quesito comorbidades. Voluntários com comorbidades metabólicas apresentaram escore mais baixo (p < 0,05). Porém, o objetivo do trabalho não foi avaliar essa população em especial, o que levou a um número de respostas positivas pequeno e pode ter influenciado nesse resultado em específico.

Com relação ao coeficiente de correlação intraclasse, as variáveis de limiar olfatório, identificação de odores e escore combinado, todas do lado direito, apresentaram correlação excelente e as do lado esquerdo foram consideradas boas, o que torna o teste confiável e reprodutível quando aplicado em torno de 10 dias após.

Conclusão

O teste CCCRC adaptado para o Brasil mostrou estabilidade em relação à retestagem. A troca de pasta de amendoim por paçoca não interferiu no resultado final esperado, em comparação com outras validações e ao trabalho original. Considerando a realidade brasileira, o teste de olfato CCCRC adaptado para o Brasil torna-se uma útil ferramenta para testagem do olfato na nossa população.

  • Como citar este artigo: Fenólio GH, Anselmo-Lima WT, Tomazini GC, Compagnoni IM, Amaral MS, Fantucci MZ, et al. Validation of the Connecticut olfactory test (CCCRC) adapted to Brazil. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:725-32.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2020
  • Aceito
    28 Set 2020
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