Acessibilidade / Reportar erro

Cintilografia com sestamibi na paratireoidectomia renal: um exame pré‐operatório que vale a pena? Como citar este artigo: Neves MC, Abrahão AR, Abrahão M, Rosano M, Rocha LA, Machado HK, Santos RO. Sestamibi scan in renal parathyroidectomy: a worthwhile preoperative exam? Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:740-4.

Resumo

Introdução

O tratamento cirúrgico do hiperparatireoidismo relacionado à doença renal crônica é um verdadeiro desafio para a saúde pública brasileira. Medicamentos de alto custo e longas filas de espera para exames pré‐operatórios, principalmente a cintilografia com tecnécio Tc‐99m Sestamibi, MIBI, são alguns dos motivos. Apesar da contribuição de exames de localização ser questionável nesse cenário, os médicos ficam muito apreensivos por fazer uma cirurgia sem ele.

Objetivo

Avaliar a eficácia da cirurgia para hiperparatireoidismo renal sem o MIBI pré‐operatório.

Método

Foram tratados cirurgicamente 114 pacientes. A paratireoidectomia total com autotransplante e a paratireoidectomia subtotal foram feitas sem MIBI pré‐operatório.

Resultados e conclusão

Entre os 114 pacientes submetidos à cirurgia, 37 apresentavam hiperparatireoidismo secundário em reposição dialítica e 77 doença persistente pós‐transplante renal. Tivemos sucesso em 107 casos, com apenas 7 falhas (93,8% de taxa de sucesso). Entre essas falhas, uma glândula paratireoide não foi encontrada em 4 casos, 2 glândulas paratireoides não foram encontradas em 2 casos e em um paciente as 4 glândulas foram encontradas, mas ele permaneceu hipercalcêmico com diagnóstico pós‐operatório de glândula paratireoide supranumerária. A cirurgia para tratamento do hiperparatireoidismo renal mostrou‐se um procedimento eficaz (93,8%) e reprodutível mesmo sem MIBI.

Palavras‐chave
Doença renal crônica; Distúrbio mineral e ósseo; Paratireoidectomia; Hiperparatireoidismo secundário; Tecnécio Tc‐99m sestamibi

Abstract

Introduction

Surgical treatment of hyperparathyroidism related to chronic kidney disease is a real challenge for Brazilian public health care. High cost medications and long waiting lines to perform preoperative exams, especially technetium Tc 99m Sestamibi (MIBI) are some of the reasons. Despite the reality that the aid of localization exams are questionable in this scenario, doctors are too apprehensive in performing surgery without it.

Objective

The study aimed at evaluating the efficacy of surgery for renal hyperparathyroidism without preoperative MIBI.

Methods

A total of 114 patients were surgically treated. Total parathyroidectomy with autotransplantation and subtotal parathyroidectomy were carried out without preoperative MIBI.

Results and conclusion

Among the 114 patients undergoing surgery, 37 had secondary hyperparathyroidism in dialysis replacement, and 77 patients had post-renal transplant persistent disease. We were successful in 107 cases with only 7 failures (93.8% of success rate). Among these failures, only one parathyroid gland was not found in 4 cases, 2 parathyroid glands were not found in 2 cases and in 1 patient the 4 glands were found but this patient remained hypercalcemic and a postoperative diagnosis of supernumerary parathyroid gland was made. Surgery for treatment of renal hyperparathyroidism proved to be an effective (93.8%) and reproductible procedure, even without MIBI.

Keywords
Chronic kidney disease-mineral and bone disorder; Parathyroidectomy; Hyperparathyroidism secondary; Technetium Tc 99m sestamibi

Introdução

O hiperparatireoidismo (HPT) relacionado à doença renal crônica (DRC) resulta da hipersecreção do hormônio da paratireoide (PTH) associada à perda progressiva da função renal. Retenção de fósforo, hipocalcemia e redução da síntese de vitamina D estimulam a hiperplasia das células da glândula paratireoide, que com o tempo pode se tornar autônoma.11 Group KDIGO (KDIGO) C-MW KDIGO clinical practice guideline for the diagnosis, evaluation, prevention, and treatment of Chronic Kidney Disease-Mineral and Bone Disorder (CKD-MBD) Kidney Int Suppl. 2009;113:S1-S130.,22 Foundation NK. KDOQI clinical practice guideline for hemodialysis adequacy: 2015 update. Am J Kidney Dis. 2015;66:884-930.

Como essa condição de autonomia aumenta a morbidade, especialmente devido a eventos cardiovasculares, o HPT relacionado à DRC deve ser tratado assim que identificado.11 Group KDIGO (KDIGO) C-MW KDIGO clinical practice guideline for the diagnosis, evaluation, prevention, and treatment of Chronic Kidney Disease-Mineral and Bone Disorder (CKD-MBD) Kidney Int Suppl. 2009;113:S1-S130.,22 Foundation NK. KDOQI clinical practice guideline for hemodialysis adequacy: 2015 update. Am J Kidney Dis. 2015;66:884-930.

A paratireoidectomia (PTX) é a opção cirúrgica para o tratamento desses pacientes, mas é reservada para os casos de falha clínica ou para os casos de hipercalcemia persistente após o transplante renal bem‐sucedido.

Porém, a realidade do tratamento desses pacientes no Brasil está longe da ideal. Medicamentos como calcimiméticos e análogos modernos da vitamina D (paricalcitol) não estavam disponíveis para uso na saúde pública até 2018.33 Araujo D, Amaral L, Guersoni AC, Carvalho A, Kahrol C, Montenegro F, et al. Custos do tratamento do hiperparatireoidismo secundário à doença renal crônica, com cinacalcete ou paratireoidectomia, para pacientes não controlados com a terapia clínica convencional sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde. J Bras Econ da Saúde. 2017;9:54-61.

Além disso, 10% dos aproximadamente 130.000 pacientes em hemodiálise em todo o país apresentam valores de PTH acima de 1.000 pg/mL. Essa população com HPT mais grave já demonstrou pior resposta ao tratamento clínico, o que torna a PTX sua melhor opção.44 Sesso RC, Lopes AA, Thomé FS, Lugon JR, Martins CT. Brazilian chronic dialysis survey 2016. J Bras Nefrol. 2017;39:261-266.,55 Oliveira RB, Silva EN, Charpinel DM, Gueiros JE, Neves CL, Sampaio EA, et al. Secondary hyperparathyroidism status in Brazil: Brazilian census of parathyroidectomy. J Bras Nefrol. 2011;33:457-462.

Infelizmente, apenas uma fração desses pacientes é submetida à cirurgia. Isso acontece por motivos diversos. O mais importante deles é o acesso restrito a exames de localização pré‐operatórios, especialmente a cintilografia com tecnécio Tc‐99m sestamibi (MIBI).55 Oliveira RB, Silva EN, Charpinel DM, Gueiros JE, Neves CL, Sampaio EA, et al. Secondary hyperparathyroidism status in Brazil: Brazilian census of parathyroidectomy. J Bras Nefrol. 2011;33:457-462.

A suposição de que os exames de localização podem facilitar a cirurgia e evitar falhas e possíveis reoperações devido à sua capacidade de identificar glândulas ectópicas ou supranumerárias é defendida por alguns autores.66 Karipineni F, Sahli Z, Somervell H, Mathur A, Prescott JD, Tufano RP, et al. Are preoperative sestamibi scans useful for identifying ectopic parathyroid glands in patients with expected multigland parathyroid disease? Surgery. 2018;163:35-41.

A literatura relata a eficiência dos exames de localização em pacientes com HPT relacionada à DRC.66 Karipineni F, Sahli Z, Somervell H, Mathur A, Prescott JD, Tufano RP, et al. Are preoperative sestamibi scans useful for identifying ectopic parathyroid glands in patients with expected multigland parathyroid disease? Surgery. 2018;163:35-41.

7 Loftus KA, Anderson S, Mulloy AL, Terris DJ. Value of sestamibi scans in tertiary hyperparathyroidism. Laryngoscope. 2007;117:2135-2138.

8 Gasparri G, Camandona M, Bertoldo U, Sargiotto A, Papotti M, Raggio E, et al. The usefulness of preoperative dual-phase 99mTc MIBI-scintigraphy and io-pth assay in the treatment of secondary and tertiary hyperparathyroidism. Ann Surg. 2009;250:868-871.

9 Spence R.AJ, Patterson TJ, Currie P, Convie L, Tong L, Brown T, et al. Renal failure parathyroidectomy - is pre-operative imaging worthwhile? Surgeon. 2019;17:201-206.
-1010 Lai E.CH, Ching A.SC, Leong HT. Secondary and tertiary hyperparathyroidism: role of preoperative localization. ANZ J Surg. 2007;77:880-882. Nossa experiência sobre esse tema também já foi publicada.1111 de Andrade J.SC, Mangussi-Gomes JP, da Rocha LA, Ohe MN, Rosano M, das Neves MC, et al. Localization of ectopic and supernumerary parathyroid glands in patients with secondary and tertiary hyperparathyroidism: surgical description and correlation with preoperative ultrasonography and Tc99m-Sestamibi scintigraphy. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:29-34.,1212 das Neves MC, da Rocha LA, Cervantes O, Santos RO. Initial surgical results of 500 parathyroidectomies for hyperparathyroidism related to chronic kidney disease - mineral and bone disorder. J Bras Nefrol. 2018;40:319-325.

A análise desses estudos indica que os exames de localização não são essenciais para o sucesso da PTX nesse grupo de pacientes99 Spence R.AJ, Patterson TJ, Currie P, Convie L, Tong L, Brown T, et al. Renal failure parathyroidectomy - is pre-operative imaging worthwhile? Surgeon. 2019;17:201-206. e podem até ser considerados secundários.1212 das Neves MC, da Rocha LA, Cervantes O, Santos RO. Initial surgical results of 500 parathyroidectomies for hyperparathyroidism related to chronic kidney disease - mineral and bone disorder. J Bras Nefrol. 2018;40:319-325. Entretanto, os cirurgiões em todo o país parecem muito apreensivos ao fazer cirurgias sem esses exames.

O objetivo deste estudo é verificar a eficácia da PTX em pacientes com HPT relacionada à DRC que não foram submetidos ao MIBI como exame pré‐operatório.

Método

O estudo analisou retrospectivamente os pacientes submetidos à PTX entre 2010 e 2016. Foram incluídos todos os pacientes submetidos a PTX para HPT relacionada à DRC que não fizeram o MIBI como exame de localização e que tiveram pelo menos 6 meses de seguimento após a cirurgia. Foram incluídos na coorte 114 pacientes.

Todas as cirurgias foram indicadas com base nas recomendações da Sociedade Brasileira de Nefrologia.1313 Sampaio EA, Moysés RM, de Nefrologia SB. Parathyroidectomy in CKD. J Bras Nefrol. 2011;33:221-224. Os exames de localização incluíram apenas ultrassonografia cervical feita por vários radiologistas.

Os procedimentos feitos foram PTX total com autotransplante ou PTX subtotal, de acordo com os padrões institucionais.1212 das Neves MC, da Rocha LA, Cervantes O, Santos RO. Initial surgical results of 500 parathyroidectomies for hyperparathyroidism related to chronic kidney disease - mineral and bone disorder. J Bras Nefrol. 2018;40:319-325. O hormônio da paratireoide intraoperatório (PTHio) foi coletado, mas, devido à rotina do laboratório de nossa instituição, seu resultado foi avaliado apenas retrospectivamente, não influenciou a decisão cirúrgica.

O sucesso cirúrgico foi considerado quando todos os critérios foram atendidos; pelo menos 4 glândulas paratireoides intraoperatórias foram identificadas durante a cirurgia; houve declínio do PTHio acima de 70%1414 Ohe MN, Santos RO, Kunii IS, Carvalho AB, Abrahao M, Neves MC, et al. Intraoperative PTH cutoff definition to predict successful parathyroidectomy in secondary and tertiary hyperparathyroidism. Braz J Otorhinolaryngol. 2013;79:494-499. e os pacientes deveriam estar normocalcêmicos durante o seguimento.

Os procedimentos foram feitos em 2 hospitais terciários. Todas as cirurgias foram feitas pelo mesmo cirurgião.

O número de aprovação do conselho de ética da instituição é 638.873 e o número de aprovação da plataforma Brasil é CAAE 30650514.4.0000.5505.

Faixa de referência para exames laboratoriais: cálcio iônico (Cai) 1,00-1,35 mmoL/dL; PTH 15-68,3 pg/dL.

Resultados

Entre os 114 pacientes incluídos na análise, 37 estavam em hemodiálise no momento da cirurgia e serão chamados de grupo HPT secundário (HPTS) e 77 tinham sido submetidos a transplante renal e são denominados de grupo HPT pós‐transplante renal (HPTpTx). Os demais dados demográficos em ambos os grupos são apresentados na tabela 1.

Tabela 1
Dados demográficos dos dois grupos da coorte

O número de glândulas paratireoides identificadas corretamente por ultrassom foi de 0, 1, 2, 3 e 4 glândulas, respectivamente, em 34 (23,6%), 47 (32,6%), 37 (25,7%), 14 (9,7%) e 12 (8,3%) pacientes.

De acordo com os critérios estabelecidos, o sucesso cirúrgico foi obtido em 107 pacientes e houve 7 falhas, que resultaram em uma taxa de sucesso cirúrgico inicial de 93,8%.

Entre os 107 pacientes que obtiveram sucesso cirúrgico, 82 (76,6%) foram submetidos à PTX total com autotransplante e 25 (23,3%) à PTX subtotal. Os valores médios de PTHio e os níveis de Cai e PTH aos 6 meses de pós‐operatório desse grupo de sucesso são mostrados na tabela 2. O declínio médio de PTHio foi de 82,6%.

Tabela 2
Dados laboratoriais do grupo de sucesso cirúrgico

Os 7 (6,2%) casos de falha ocorreram devido aos seguintes fatos: em 4 pacientes, apenas 3 glândulas paratireoides foram identificadas; em 2 pacientes, apenas 2 glândulas paratireoides foram identificadas; e em um caso, 4 glândulas foram identificadas e removidas, mas o paciente permaneceu hipercalcêmico devido a uma glândula supranumerária.

Os valores médios de PTHio e os níveis de Cai e PTH aos 6 meses de pós‐operatório desse grupo são apresentados na tabela 3.

Tabela 3
Dados laboratoriais do grupo de falha cirúrgica

Discussão

Este estudo demonstrou que a PTX feita como tratamento de pacientes portadores de HPT relacionada à DRC apresenta alta taxa de sucesso cirúrgico de 93,8%, mesmo quando feita sem MIBI pré‐operatória.

É indiscutível a importância dos exames de localização no HPT primário, com vistas a uma dissecção cirúrgica focal. Porém, diante de HPTS ou HPTpTx, a cirurgia focal não é mais uma opção e a importância dos exames de localização torna‐se questionável.

Uma revisão sistemática de Magnabosco et al., com 23 estudos e 947 pacientes nos quais o MIBI foi feito, apresentou um sucesso cirúrgico de 67,4% em pacientes com HPT renal.1515 Magnabosco FF, Tavares MR, Montenegro FL.DM. Tratamento cirúrgico do hiperparatireoidismo secundário: revisão sistematizada da literatura. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2014;58:562-571. Como todos os estudos incluídos apresentaram critérios de sucesso cirúrgico diferentes, uma comparação direta entre essas taxas não é possível, embora demonstre que, mesmo sem o MIBI, a PTX é um procedimento eficiente.

Nosso grupo publicou estudos anteriores que mostraram quão pequena é a ajuda de exames de localização na cirurgia de HPT renal.1111 de Andrade J.SC, Mangussi-Gomes JP, da Rocha LA, Ohe MN, Rosano M, das Neves MC, et al. Localization of ectopic and supernumerary parathyroid glands in patients with secondary and tertiary hyperparathyroidism: surgical description and correlation with preoperative ultrasonography and Tc99m-Sestamibi scintigraphy. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:29-34.,1212 das Neves MC, da Rocha LA, Cervantes O, Santos RO. Initial surgical results of 500 parathyroidectomies for hyperparathyroidism related to chronic kidney disease - mineral and bone disorder. J Bras Nefrol. 2018;40:319-325.,1616 Souza PD, Neves MC. Paratireoidectomia total: contribuição da abordagem da tireoide e do esvaziamento cervical do nível VI com timectomia. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2013;42:210-214. Em um deles, em 518 cirurgias consecutivas, houve uma taxa de 97% de localização cirúrgica das glândulas paratireoides, apesar do fato de que a maioria dos exames de localização identificou 2 ou menos glândulas.1212 das Neves MC, da Rocha LA, Cervantes O, Santos RO. Initial surgical results of 500 parathyroidectomies for hyperparathyroidism related to chronic kidney disease - mineral and bone disorder. J Bras Nefrol. 2018;40:319-325.

Esse fraco desempenho também se aplica à ultrassonografia. Nessa coorte de estudo, menos de 20% dos exames identificaram corretamente 3 ou mais glândulas, o que está de acordo com nossa experiência anterior.1212 das Neves MC, da Rocha LA, Cervantes O, Santos RO. Initial surgical results of 500 parathyroidectomies for hyperparathyroidism related to chronic kidney disease - mineral and bone disorder. J Bras Nefrol. 2018;40:319-325. Apesar disso, reconhecemos a importância da ultrassonografia para analisar a glândula tireoide em busca de nódulos e doenças concomitantes

Outros autores também apontam a pequena ajuda que os exames de localização conferem à PTX em pacientes renais. Lai et al. em 2007 mostraram que o MIBI localizava corretamente apenas 36,6% das glândulas paratireoides1010 Lai E.CH, Ching A.SC, Leong HT. Secondary and tertiary hyperparathyroidism: role of preoperative localization. ANZ J Surg. 2007;77:880-882. e Spence et al. em 2019 mostraram que 51% do MIBI eram completamente falhos; 40% tiveram sucesso apenas parcial; menos de 9% tiveram uma alta taxa de identificação.99 Spence R.AJ, Patterson TJ, Currie P, Convie L, Tong L, Brown T, et al. Renal failure parathyroidectomy - is pre-operative imaging worthwhile? Surgeon. 2019;17:201-206.

Gasparri et al.,88 Gasparri G, Camandona M, Bertoldo U, Sargiotto A, Papotti M, Raggio E, et al. The usefulness of preoperative dual-phase 99mTc MIBI-scintigraphy and io-pth assay in the treatment of secondary and tertiary hyperparathyroidism. Ann Surg. 2009;250:868-871. em estudo semelhante ao nosso, mostraram apenas 6,2% de persistência em 187 pacientes operados sem MIBI e PTHio, um resultado semelhante a este estudo. Os mesmos autores observaram 4,9% de persistência em 209 pacientes quando apenas o PTHio foi feito e 0,1% de persistência quando ambos foram feitos.88 Gasparri G, Camandona M, Bertoldo U, Sargiotto A, Papotti M, Raggio E, et al. The usefulness of preoperative dual-phase 99mTc MIBI-scintigraphy and io-pth assay in the treatment of secondary and tertiary hyperparathyroidism. Ann Surg. 2009;250:868-871. Entretanto, a análise estatística mostrou que apenas o PTHio apresentou alguma diferença e que o MIBI sozinho não foi capaz de alterar as taxas de persistência ou recidiva dos pacientes.

No entanto, reconhecemos que a correta identificação de todas as glândulas é fundamental para o tratamento cirúrgico e que a paratireoide ectópica representa um grande desafio cirúrgico. Também é compreensível que serviços com alto volume e cirurgiões experientes possam alcançar taxas mais altas de sucesso cirúrgico.

Nesse sentido, autores como Karipineni et al.66 Karipineni F, Sahli Z, Somervell H, Mathur A, Prescott JD, Tufano RP, et al. Are preoperative sestamibi scans useful for identifying ectopic parathyroid glands in patients with expected multigland parathyroid disease? Surgery. 2018;163:35-41. e Loftus et al.77 Loftus KA, Anderson S, Mulloy AL, Terris DJ. Value of sestamibi scans in tertiary hyperparathyroidism. Laryngoscope. 2007;117:2135-2138. entendem o MIBI como uma ferramenta importante na identificação dessas ectopias e consideram o exame de localização primordial, mesmo para a primeira cirurgia.

Muito embora alguns pacientes possam se beneficiar da localização das glândulas paratireoides ectópicas, em geral o exame MIBI apresenta pequeno custo‐benefício.

A escolha de não fazer rotineiramente o MIBI nesses pacientes envolve ganhos secundários. O primeiro e mais óbvio é a redução do custo geral do tratamento através da redução potencial de mais de 90% dos exames, pois seriam feitos apenas em casos específicos ou em casos de persistência ou recorrência.

Outro aspecto relevante é a economia no tempo no tratamento. A rede pública de saúde no Brasil tem uma grande restrição no tratamento desses pacientes. O último censo feito no país apontou mais de 13.000 pacientes que aguardam cirurgia44 Sesso RC, Lopes AA, Thomé FS, Lugon JR, Martins CT. Brazilian chronic dialysis survey 2016. J Bras Nefrol. 2017;39:261-266. e que o MIBI representa a principal causa restritiva de acesso à PTX.55 Oliveira RB, Silva EN, Charpinel DM, Gueiros JE, Neves CL, Sampaio EA, et al. Secondary hyperparathyroidism status in Brazil: Brazilian census of parathyroidectomy. J Bras Nefrol. 2011;33:457-462.

O potencial ganho de tempo e o acesso facilitado à cirurgia pela não obrigatoriedade da feitura do MIBI pré‐operatório podem trazer vantagens incalculáveis. Araújo et al. em 2017 mostraram que o custo do tratamento clínico anual desses pacientes é de R$27.712,95 contra um custo cirúrgico anual de apenas R$16.841,85.33 Araujo D, Amaral L, Guersoni AC, Carvalho A, Kahrol C, Montenegro F, et al. Custos do tratamento do hiperparatireoidismo secundário à doença renal crônica, com cinacalcete ou paratireoidectomia, para pacientes não controlados com a terapia clínica convencional sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde. J Bras Econ da Saúde. 2017;9:54-61. Obviamente, essa clara vantagem do custo cirúrgico ocorre apenas em casos graves de HPT, aqueles que realmente se beneficiam do tratamento cirúrgico.

Além de todas essas vantagens, um tratamento mais eficiente pode reduzir o número de internações e melhorar o quadro clínico, principalmente ao prevenir complicações secundárias ao HPT relacionadas a distúrbios ósseos e minerais, como melhoria do controle da pressão arterial, redução da anemia, melhoria do estado nutricional e da qualidade de vida.1717 Goldenstein PT, Elias RM, Pires de Freitas do Carmo L, Coelho FO, Magalhães LP, Antunes GL, et al. Parathyroidectomy improves survival in patients with severe hyperparathyroidism: a comparative study. PLoS One. 2013;8:e68870.

O alto volume desse tipo de cirurgia em nosso hospital terciário pode ajudar a mitigar a ansiedade de fazer a PTX sem MIBI. Apesar disso, o objetivo deste estudo é mostrar a plausibilidade e segurança da cirurgia apesar do MIBI, mesmo em centros de baixo volume. Nossos pacientes com insucesso serão mantidos sob estreita vigilância clínica e, diante de uma nova indicação cirúrgica, exames de localização, inclusive um MIBI, deverão ser feitos.

Conclusão

A PTX total ou subtotal é um procedimento eficaz e reproduzível mesmo sem o MIBI pré‐operatório. Os exames de localização desempenham um papel mais importante nos casos de persistência e recorrência, são bastante essenciais nas reoperações. No sistema público de saúde brasileiro, a não obrigatoriedade da feitura do MIBI no pré‐operatório pode facilitar o acesso dos pacientes ao tratamento cirúrgico e reduzir consideravelmente a longa fila de espera.

  • Como citar este artigo: Neves MC, Abrahão AR, Abrahão M, Rosano M, Rocha LA, Machado HK, Santos RO. Sestamibi scan in renal parathyroidectomy: a worthwhile preoperative exam? Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:740-4.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

References

  • 1
    Group KDIGO (KDIGO) C-MW KDIGO clinical practice guideline for the diagnosis, evaluation, prevention, and treatment of Chronic Kidney Disease-Mineral and Bone Disorder (CKD-MBD) Kidney Int Suppl. 2009;113:S1-S130.
  • 2
    Foundation NK. KDOQI clinical practice guideline for hemodialysis adequacy: 2015 update. Am J Kidney Dis. 2015;66:884-930.
  • 3
    Araujo D, Amaral L, Guersoni AC, Carvalho A, Kahrol C, Montenegro F, et al. Custos do tratamento do hiperparatireoidismo secundário à doença renal crônica, com cinacalcete ou paratireoidectomia, para pacientes não controlados com a terapia clínica convencional sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde. J Bras Econ da Saúde. 2017;9:54-61.
  • 4
    Sesso RC, Lopes AA, Thomé FS, Lugon JR, Martins CT. Brazilian chronic dialysis survey 2016. J Bras Nefrol. 2017;39:261-266.
  • 5
    Oliveira RB, Silva EN, Charpinel DM, Gueiros JE, Neves CL, Sampaio EA, et al. Secondary hyperparathyroidism status in Brazil: Brazilian census of parathyroidectomy. J Bras Nefrol. 2011;33:457-462.
  • 6
    Karipineni F, Sahli Z, Somervell H, Mathur A, Prescott JD, Tufano RP, et al. Are preoperative sestamibi scans useful for identifying ectopic parathyroid glands in patients with expected multigland parathyroid disease? Surgery. 2018;163:35-41.
  • 7
    Loftus KA, Anderson S, Mulloy AL, Terris DJ. Value of sestamibi scans in tertiary hyperparathyroidism. Laryngoscope. 2007;117:2135-2138.
  • 8
    Gasparri G, Camandona M, Bertoldo U, Sargiotto A, Papotti M, Raggio E, et al. The usefulness of preoperative dual-phase 99mTc MIBI-scintigraphy and io-pth assay in the treatment of secondary and tertiary hyperparathyroidism. Ann Surg. 2009;250:868-871.
  • 9
    Spence R.AJ, Patterson TJ, Currie P, Convie L, Tong L, Brown T, et al. Renal failure parathyroidectomy - is pre-operative imaging worthwhile? Surgeon. 2019;17:201-206.
  • 10
    Lai E.CH, Ching A.SC, Leong HT. Secondary and tertiary hyperparathyroidism: role of preoperative localization. ANZ J Surg. 2007;77:880-882.
  • 11
    de Andrade J.SC, Mangussi-Gomes JP, da Rocha LA, Ohe MN, Rosano M, das Neves MC, et al. Localization of ectopic and supernumerary parathyroid glands in patients with secondary and tertiary hyperparathyroidism: surgical description and correlation with preoperative ultrasonography and Tc99m-Sestamibi scintigraphy. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:29-34.
  • 12
    das Neves MC, da Rocha LA, Cervantes O, Santos RO. Initial surgical results of 500 parathyroidectomies for hyperparathyroidism related to chronic kidney disease - mineral and bone disorder. J Bras Nefrol. 2018;40:319-325.
  • 13
    Sampaio EA, Moysés RM, de Nefrologia SB. Parathyroidectomy in CKD. J Bras Nefrol. 2011;33:221-224.
  • 14
    Ohe MN, Santos RO, Kunii IS, Carvalho AB, Abrahao M, Neves MC, et al. Intraoperative PTH cutoff definition to predict successful parathyroidectomy in secondary and tertiary hyperparathyroidism. Braz J Otorhinolaryngol. 2013;79:494-499.
  • 15
    Magnabosco FF, Tavares MR, Montenegro FL.DM. Tratamento cirúrgico do hiperparatireoidismo secundário: revisão sistematizada da literatura. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2014;58:562-571.
  • 16
    Souza PD, Neves MC. Paratireoidectomia total: contribuição da abordagem da tireoide e do esvaziamento cervical do nível VI com timectomia. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2013;42:210-214.
  • 17
    Goldenstein PT, Elias RM, Pires de Freitas do Carmo L, Coelho FO, Magalhães LP, Antunes GL, et al. Parathyroidectomy improves survival in patients with severe hyperparathyroidism: a comparative study. PLoS One. 2013;8:e68870.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2020
  • Aceito
    19 Out 2020
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@aborlccf.org.br