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Associação entre disfagia e força da língua em pacientes com esclerose lateral amiotrófica Como citar este artigo: Borges AL, Velasco LC, Ramos HV, Imamura R, Roldão PM, Petrillo MV, et al. Association between dysphagia and tongue strength in patients with amyotrophic lateral sclerosis. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:752-7.

Resumo

Introdução

A esclerose lateral amiotrófica é a doença do neurônio motor mais comum nos adultos, a despeito da baixa incidência e da raridade. É uma doença neurodegenerativa na qual a disfagia é um sintoma comum e debilitante. A disfagia pode ser avaliada por exames complementares como a videoendoscopia da deglutição e testes de força de língua, uma vez que se trata de um dos principais músculos envolvidos na deglutição.

Objetivo

Comparar os resultados da força e resistência da língua aferidos pelo Iowa Oral Performance Instrument com os achados do exame à videoendoscopia da deglutição, em pacientes acometidos por esclerose lateral amiotrófica.

Método

Estudo transversal, feito em um hospital terciário especializado em tratamento e reabilitação. Vinte e cinco pacientes com diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica foram submetidos a questionários de disfagia, exame de videoendoscopia da deglutição e teste de força e resistência de língua com o Iowa Oral Performance Instrument para avaliar a presença de disfagia.

Resultado

Quarenta e oito por cento da amostra apresentavam disfagia à videoendoscopia da deglutição e 76% apresentavam teste de força de língua alterado. Noventa por cento dos pacientes com disfagia apresentaram pressão de língua média inferior a 34,2 KPa. O teste de força de língua apresentou sensibilidade de 91,67% e especificidade de 38,46% e acurácia de 64%. Houve relação estatisticamente significante entre força da língua e disfagia e entre resistência da língua e disfagia.

Conclusão

Testes de força de língua, como o Iowa Oral Performance Instrument, mostrou‐se eficaz para avaliar disfagia, mostrou sua associação com a força e resistência da língua. Esse resultado deve fomentar a feitura de novas pesquisas para facilitar o diagnóstico precoce da disfagia.

Palavras‐chave
Transtornos da deglutição; Esclerose lateral amiotrófica; Língua

Abstract

Introduction

Amyotrophic lateral sclerosis is the most common motor neuron disease in adults despite it being rare. It is a neurodegenerative disease in which dysphagia is a common and debilitating symptom. Dysphagia can be assessed by complementary exams, such as fiberoptic endoscopic evaluation of swallowing and the tongue strength test, as this is one of the main muscles involved in swallowing.

Objective

To compare the results of tongue strength and endurance measured by the Iowa oral performance instrument with the findings of the fiberoptic endoscopic evaluation of swallowing examination in patients affected by amyotrophic lateral sclerosis.

Methods

Cross-sectional study, carried out in a tertiary hospital specialized in treatment and rehabilitation. Twenty-five patients diagnosed with amyotrophic lateral sclerosis underwent dysphagia questionnaires, fiberoptic endoscopic evaluation of swallowing examination and tongue strength and resistance test with the Iowa oral performance instrument to assess the presence of dysphagia.

Results

Forty-eight percent of the sample had dysphagia at the fiberoptic endoscopic evaluation of swallowing and 76% had an altered tongue strength test. Ninety percent of patients with dysphagia had an average tongue pressure lower than 34.2 KPa. The tongue strength test showed sensitivity of 91.67% and specificity of 38.46% and accuracy of 64%. There was a statistically significant relationship between tongue strength and dysphagia and between tongue resistance and dysphagia.

Conclusion

Tongue strength tests, such as the Iowa oral performance instrument, proved to be effective in assessing dysphagia. This result should encourage further research to facilitate the early diagnosis of dysphagia.

Keywords
Deglutition disorders; Amyotrophic lateral sclerosis; Tongue

Introdução

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é a doença degenerativa do neurônio motor superior e/ou inferior, sem acometimento sensorial ou cognitivo, mais comum nos adultos.11 Kiernan MC, Vucic S, Cheah BC, Turner MR, Eisen A, Hardiman O, et al. Amyotrophic lateral sclerosis. Lancet. 2011;377:942-955.

2 Tallbott EO, Malek AM, Lacomis D. The epidemiology of amyotrophic lateral sclerosis. Handb Clin Neurol. 2016;138:225-238.
-33 Mitchell JD, Borasio GD. Amyotrophic lateral sclerosis. Lancet. 2007;369:2031-2041. A doença apresenta caráter progressivo, com degeneração do sistema motor em vários níveis - bulbar, cervical, torácico, lombar e apendicular.11 Kiernan MC, Vucic S, Cheah BC, Turner MR, Eisen A, Hardiman O, et al. Amyotrophic lateral sclerosis. Lancet. 2011;377:942-955.

Muitos pacientes acometidos por ELA apresentam dificuldade na deglutição como sintoma inicial da doença. A alteração na deglutição pode acometer qualquer fase da deglutição e essa alteração pode evoluir para quadros debilitantes.44 Salassa JR. A functional outcome swallowing scale for staging oropharyngeal dysphagia. Dig Dis. 1999;17:230-234. O diagnóstico precoce da disfagia é importante para a prevenção da desnutrição, da desidratação e dos quadros de pneumonia aspirativa, além de permitir o tratamento adequado.55 Leder SB, Novella S, Patwa H. Use of fiberoptic endoscopic evaluation of swallowing (FEES) in patients with amyotrophic lateral sclerosis. Dysphagia. 2004;19:177-181.

6 Leder SB, Murray JT. Fiberoptic endoscopic evoluation of swallowing. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19:787-801.

7 D′Otaviano FG, Filho T.AL, Andrade H.MT, Alves P.CL, Rocha M.SG. Fiberoptic endoscopy evaluation of swallowing in patients with amyotrophic lateral sclerosis. Braz J Otorhinolaryngol. 2013;79:349-353.
-88 Almeida N. Disfunções da deglutição. In: Seminários FORL. [Accessed 15 November 2016]. Aviable in: http://forl.org.br/Content/pdf/seminarios/seminario_9.pdf.
http://forl.org.br/Content/pdf/seminario...

A avaliação objetiva da deglutição pode ser feita por exames complementares, os principais são a videofluoroscopia da deglutição (VFD) e a videoendoscopia da deglutição (VED), exame de alta acurácia e atualmente considerado padrão‐ouro por muitos autores.55 Leder SB, Novella S, Patwa H. Use of fiberoptic endoscopic evaluation of swallowing (FEES) in patients with amyotrophic lateral sclerosis. Dysphagia. 2004;19:177-181.,66 Leder SB, Murray JT. Fiberoptic endoscopic evoluation of swallowing. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19:787-801.,99 Clavé P, Arreola V, Romea M, Medina L, Palomera E, Serra-Prat M. Accuracy of the volume-viscosity swallow test for clinical screening of oropharyngeal dysphagia and aspiration. Clin Nutr. 2008;27:806-815.

10 Paris G, Martinaud O, Hannequin D, Petit A, Cuvelier A, Guedon E, et al. Clinical screening of oropharyngeal dysphagia in patients with ALS. Ann Phys Rehabil Med. 2012;55:601-608.

11 Santoro PP, Furia C.LB, Forte AP, Lemos EM, Garcia RI, Tavares RA, et al. Avaliação otorrinolaringológica e fonoaudiológica na abordagem da disfagia orofaríngea: proposta de protocolo conjunto. Braz J Otorhinolaryngol. 2011:77.
-1212 Rofes L, Arreoa V, Clavé P. The volume-viscosity swallow test for clinical screening of dysphagia and aspiration. Nestle Nutr Inst Workshop Ser. 2012;72:33-42. Esses métodos, no entanto, não são feitos na maior parte dos hospitais no Brasil, pois necessitam de profissional capacitado e equipamento de alto custo.55 Leder SB, Novella S, Patwa H. Use of fiberoptic endoscopic evaluation of swallowing (FEES) in patients with amyotrophic lateral sclerosis. Dysphagia. 2004;19:177-181.

6 Leder SB, Murray JT. Fiberoptic endoscopic evoluation of swallowing. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19:787-801.
-77 D′Otaviano FG, Filho T.AL, Andrade H.MT, Alves P.CL, Rocha M.SG. Fiberoptic endoscopy evaluation of swallowing in patients with amyotrophic lateral sclerosis. Braz J Otorhinolaryngol. 2013;79:349-353.,1010 Paris G, Martinaud O, Hannequin D, Petit A, Cuvelier A, Guedon E, et al. Clinical screening of oropharyngeal dysphagia in patients with ALS. Ann Phys Rehabil Med. 2012;55:601-608.

Frente à pouca disponibilidade de feitura de exames padrão‐ouro no diagnóstico de disfagia, exames opcionais mais acessíveis tornam‐se uma necessidade. Uma opção de teste ainda em estudo é a medida da força da língua com instrumentos de transdução de pressão portáteis como o Iowa Oral Performance Instrument (IOPI), um aparelho confiável, de fácil transporte e aplicabilidade.1313 Stierwalt JA, Youmans SR. Tongue measures in individuals with normal and impaired swallowing. Am J Speech Lang Pathol. 2007;16:148-156.

14 Hiraoka A, Yoshikawa M, Nakamori M, Hosomi N, Nagasaki T, Mori T, et al. Maximum tongue pressure is associated with swallowing dysfunction in ALS patients. Dysphagia. 2017;32:542-547.

15 Konaka K, Kondo J, Hirota N, Tamine K, Hori K, Ono T, et al. Relationship between tongue pressure and dysphagia in stroke patients. Eur Neurol. 2010;64:101-107.
-1616 Robinovitch SN, Hershler C, Romilly DP. A tongue force measurement system for the assessment of oral-phase swallowing disorders. Arch Phys Med Rehabil. 1991;72:38-42. A força da língua tem se mostrado um indicador confiável do envolvimento bulbar em várias doenças, inclusive a ELA. Por ser um dos principais músculos envolvidos no processo da deglutição, a fraqueza da língua muitas vezes leva a uma disfagia oral e/ou faríngea.1717 Youmans SR, Stierwalt J.AG. Measures of tongue function related to normal swallowing. Dysphagia. 2006;21:102-111.,1818 Weikamp JG, Schelhaas HJ, Hendricks JC, de Swart BJ, Geurts AC. Prognostic value of decreased tongue strenght on survival time in patients with amyotrophic lateral sclerosis. J Neurol. 2012;259:2360-2365. No entanto, poucos estudos até o momento usaram testes quantitativos objetivos e não invasivos para medir a força e a resistência da língua em pacientes disfágicos.1313 Stierwalt JA, Youmans SR. Tongue measures in individuals with normal and impaired swallowing. Am J Speech Lang Pathol. 2007;16:148-156.,1919 Fei T, Polacco RC, Hori SE, Molfenter SM, Peladeau-Pigeon M, Tsang C, et al. Age-related differences in tongue-palate pressures for strength and swallowing tasks. Dysphagia. 2013;28:575-581.

O presente estudo tem como objetivo primário analisar a associação entre a força e da resistência da língua aferida pelo IOPI e a presença de disfagia (o exame padrão‐ouro é a VED) em pacientes acometidos por ELA. O objetivo secundário é determinar a sensibilidade e especificidade do IOPI na detecção de disfagia.

Método

Estudo observacional e prospectivo, feito em um hospital terciário especializado no tratamento e reabilitação de pacientes com deficiência física, intelectual, visual e auditiva. O estudo foi aprovado por comitê de ética e pesquisa médica (protocolo do comitê de ética: 2.023.500).

Foram estudados pacientes com diagnóstico confirmado de ELA segundo os critérios El Escorial, independentemente de queixa de disfagia, atendidos ambulatorialmente na instituição. Foram incluídos pacientes maiores de 18 anos, que consentiram em participar do estudo. Foram excluídos os pacientes que apresentavam outras doenças associadas ou distintas de ELA que comprometessem a deglutição. Também foram excluídos aqueles que não apresentavam condições clínicas de fazer os testes propostos no estudo.

A população deste estudo consistiu em 26 pacientes com diagnóstico de ELA em acompanhamento ambulatorial. Um dos pacientes participantes foi excluído em função da incapacidade técnica de feitura do exame, restaram 25 participantes de ambos os sexos, entre 35 a 79 anos e tempo de diagnóstico entre 10 meses a 19,7 anos. Foram coletados dados demográficos e clínicos dos pacientes, como tempo de doença, tipo de acometimento da doença (bulbar ou apendicular), via de alimentação e IMC.

Em seguida, foi feito o teste de força de língua em todos os pacientes, com o IOPI. Um bulbo preenchido com ar acoplado ao transdutor portátil de pressão foi posicionado no palato duro do paciente, logo atrás dos dentes incisivos anteriores, e o paciente foi solicitado a pressionar o bulbo com a sua língua contra o palato, o mais fortemente possível, por aproximadamente 2 segundos. O pico de pressão foi expresso em kilopascal (KPa). Foram feitas três aferições da força de língua, executadas a intervalos de 30 segundos. A maior pressão isométrica de pico entre as três medidas foi determinada pressão isométrica máxima (PIM). A medida da resistência da língua (IOPI R) também foi feita através da quantificação do tempo (duração) que o paciente consegue manter 50% da sua pressão máxima. Esse teste foi feito apenas uma vez em cada paciente e sempre pelo mesmo examinador.

Os participantes foram, posteriormente, submetidos à VED com um fibroscópio flexível, com 3,2 mm de diâmetro, marca Machida, acoplado a fonte de luz não portátil de xenon, marca Ecleris, e a câmera, modelo opitice Pro HD 2, marca GoPro. As imagens foram armazenadas em um computador com digitalizador de imagens, modelo Infoco 2 lite, marca Infoco, e em gravador de DVD/CD.

O fibroscópio foi introduzido pela narina sem administração de vasoconstritor ou anestésico na mucosa nasal, de modo a não interferir na sensibilidade faringolaríngea. A rotina de feitura do exame de VED seguiu o protocolo descrito por Langmore.2020 Langmore SE, Schatz K, Olsen N. Fiberoptic endoscopic examination of swallowing safety: a new procedure. Dysphagia. 1988;2:216-219. Para avaliação da deglutição foram usadas amostras coradas com azul de anilina nas consistências de líquido (3, 5 e 10 mL), líquido espessado (3, 5 e 10 mL), pastoso (3, 5 e 10 mL) e sólido (¼ de biscoito de “água e sal”). O endoscópio foi posicionado logo acima da epiglote. Após a deglutição, a ponta do endoscópio foi aproximada das pregas vocais para avaliar a presença de resíduos, penetração e aspiração. O grau de disfagia foi dividido em leve, moderado e grave, segundo a classificação de Macedo et al.2121 Macedo Filho ED. In: Disfagia-Avaliação e Tratamento. 1 ed. Jacobi JS, Levy DS, Silva L.MC, editors. Revinter; Rio de Janeiro: 2003. Avaliação endoscópica da deglutição (VED) na abordagem da disfagia orofaríngea; pp. 332-342. O resultado foi categorizado em normal (ausência de disfagia) e alterado (presença de disfagia leve, moderada ou grave). Todos os exames foram feitos com o paciente em ambiente ambulatorial na posição sentada.

A avaliação da força e resistência da língua e a VED foram feitas de forma sequencial e no mesmo dia. A VED foi acompanhada por uma outra fonoaudióloga especializada em disfagia e um médico otorrinolaringologista e ambos os examinadores não tiveram participação ou conhecimento dos resultados da avaliação da língua.

Os resultados foram analisados pelo programa Statistical Package for Social Science (SPSS) do Windows (versão 21.0). A associação de aspiração com força e resistência da língua foi avaliada pelo teste Mann‐Whitney e pelo teste do Fisher, respectivamente. A associação de aspiração com idade foi avaliada pelo teste t de Student e a associação de aspiração com sexo pelo teste do qui‐quadrado de Pearson. Para verificar a normalidade das variáveis quantitativas, aplicou‐se o teste Kolmogorov‐Smirnov, variáveis com valores de p > 0,05 foram consideradas com distribuição normal. O coeficiente de correlação de Spearman foi aplicado para verificar a correlação entre duas variáveis quantitativas, foi considerado r = 0 correlação nula; 0 > r < 0,3 correlação fraca; 0,3 ≥ r < 0,6 correlação moderada; 0,6 ≥ r < 0,9 correlação forte; 0,9 ≥ r < 1,0 correlação muito forte e r = 1 correlação perfeita. Foram calculados sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP), valor preditivo negativo (VPN) e acurácia da PIM detectar disfagia, a VED como teste padrão‐ouro. Para todos os testes foi considerado nível de 95% de confiança, ou seja, p < 0,05 foi considerado significativo.

Resultados

Dos 39 pacientes com ELA em acompanhamento ambulatorial, apenas 26 aceitaram participar do estudo e foram incluídos. Um paciente foi excluído devido à dificuldade de avaliação ao exame de VED. Foram analisados, portanto, 25 pacientes portadores de ELA cujos dados epidemiológicos estão sumarizados na tabelas 1 e 2. Todos os pacientes apresentavam como principal via de alimentação a oral.

Tabela 1
Análise descritiva dos casos de esclerose lateral amiotrófica de acordo com a presença de disfagia
Tabela 2
Análise descritiva dos casos de esclerose lateral amiotrófica de acordo com o tipo de acometimento da esclerose lateral amiotrófica

Vinte (80%) dos pacientes apresentavam diagnóstico de ELA appendicular. Desses, 11 (55%) tinham VED alterado e 14 (70%) com força de língua alterada (tabela 2). Cinco (20%) dos pacientes apresentavam o tipo bulbar da ELA, 2 (40%) tinham VED alterado e 100% força de língua reduzida (tabela 2). Perda ponderal foi observada em 14 (56%) pacientes, apenas 9 (36%) apresentavam IMC ≥ 25.

A idade, o sexo e o tempo de diagnóstico não apresentaram relação estatística significante com presença de disfagia ao VED (p = 0,26, p = 0,68 e p = 0,85 respectivamente) (tabela 1). Não houve, também, relação estatisticamente significante entre essas variáveis e o tipo de acometimento da doença, apendicular e bulbar (p = 0,92, p = 0,12 e p = 0,070 respectivamente) (tabela 2).

Dos pacientes analisados, 12 (48%) apresentavam disfagia ao VED, 4 (33,3%) leve, 5 (41,6%) moderada e 3 (25%) grave.

Dos 22 pacientes com alimentação via oral exclusiva, 5 (23%) apresentaram penetração durante deglutição de alguma consistência alimentar e 2 (9%) tiveram aspiração durante o exame.

O teste de força de língua mostrou‐se alterado em 19 (76%) dos pacientes e a medida da resistência em 7 (24%). Noventa por cento dos pacientes com disfagia apresentaram uma PIM menor do que 34,2 kPa. Houve associação estatisticamente significante entre PIM e disfagia (p = 0,001). Também foi observada associação estatisticamente significante entre o IOPI R e a disfagia (p = 0,030) (tabela 3).

Tabela 3
Associação entre força de língua e resistência de língua com os exames de videoendoscopia da deglutição

Na avaliação da correlação do grau de disfagia com a maior pressão aferida e a resistência da língua, verificou‐se forte correlação negativa entre o grau de disfagia e a maior pressão aferida (p = 0,001; r = ‐0,611), ou seja, quanto maior o grau de disfagia, menor o valor da pressão aferida. Não foi observada correlação entre grau de disfagia e resistência da língua (tabela 4).

Tabela 4
Correlação entre o grau de disfagia com a maior pressão aferida e a resistência da língua

Calculamos a performance da força da língua em detectar disfagia com o VED como teste de referência (tabela 5). A PIM apresentou sensibilidade de 91,67% e especificidade de 38,46%. A acurácia do teste foi de 64%, o valor preditivo positivo foi de 57,89% e valor preditivo negativo de 88,33%. A prevalência estimada de disfagia pelo teste foi de 76% (95% IC 56,57-88,50) e pelo VED de 48% (95% IC 30,03-66,50).

Tabela 5
Sensibilidade, especificidade, acurácia, valores preditivos positivo e negativo do teste de pressão de língua em relação ao exame de videoendoscopia da deglutição

Discussão

Neste estudo buscamos avaliar os achados da VED e compará‐los com a força e a resistência da língua em pacientes com ELA, doença de comportamento muito variável e evolução rápida para quadros de disfagia grave. Observou‐se maior incidência em homens e maior prevalência do tipo apendicular (80% da amostra), além de alta incidência de disfagia, corroboraram‐se os achados de outros estudos que avaliam ELA.11 Kiernan MC, Vucic S, Cheah BC, Turner MR, Eisen A, Hardiman O, et al. Amyotrophic lateral sclerosis. Lancet. 2011;377:942-955.

2 Tallbott EO, Malek AM, Lacomis D. The epidemiology of amyotrophic lateral sclerosis. Handb Clin Neurol. 2016;138:225-238.
-33 Mitchell JD, Borasio GD. Amyotrophic lateral sclerosis. Lancet. 2007;369:2031-2041.

Estudos prévios que avaliaram outras doenças neurológicas que cursam com alterações da deglutição observaram associação positiva entre força de língua e disfagia.1414 Hiraoka A, Yoshikawa M, Nakamori M, Hosomi N, Nagasaki T, Mori T, et al. Maximum tongue pressure is associated with swallowing dysfunction in ALS patients. Dysphagia. 2017;32:542-547.,1515 Konaka K, Kondo J, Hirota N, Tamine K, Hori K, Ono T, et al. Relationship between tongue pressure and dysphagia in stroke patients. Eur Neurol. 2010;64:101-107. Em nosso estudo, os pacientes disfágicos apresentaram força e resistências de língua significantemente reduzidas quando comparados aos pacientes com deglutição preservada. Hiraoka et al.,2222 Hirota N, Konaka K, Ono T, Tamine K, Kondo J, Hori K, et al. Reduced tongue pressure against the hard palate on the paralyzed side during swallowing predicts Dysphagia in patients with acute stroke. Stroke. 2010;41:2982-2984. em estudo semelhante ao nosso, observaram que a pressão máxima da língua foi significantemente menor em pacientes com alguma alteração da deglutição.

O teste de força de língua apresentou sensibilidade alta (91,67%), o que mostra que esse teste é capaz de detectar a maioria dos pacientes com disfagia, configura uma opção plausível para avaliação precoce e acessível dessa alteração. No entanto, a especificidade (38,46%) mostrou‐se como uma limitação do teste, já que pacientes sem disfagia podem apresentar IOPI alterado. Essa reduzida especificidade provavelmente se relaciona a dificuldade técnica na feitura do exame em virtude da falta de coordenação que muitos dos pacientes com doenças neuromusculares apresentam, além de dificuldade de compreensão, observada em alguns estágios de doenças neurodegenerativas. Esse aumento do número de falso‐positivo levaria a um aumento de exames complementares desnecessários e assim a maior custo com serviço de saúde. Apesar dessa reduzida especificidade, o teste de força de língua parece apropriado na triagem dos estágios iniciais de doenças neuromusculares como a ELA. Sabe‐se que o diagnóstico precoce de alterações da deglutição pode evitar algumas complicações relacionadas à progressão da doença, são essenciais testes cada vez mais acessíveis.

Robinovitch et al.1616 Robinovitch SN, Hershler C, Romilly DP. A tongue force measurement system for the assessment of oral-phase swallowing disorders. Arch Phys Med Rehabil. 1991;72:38-42. analisaram 6 pacientes sem alterações da deglutição e dois com disfagia através de sistema de medida de força de língua assistido por computador e observaram que pacientes disfágicos têm a força da língua reduzida. Stierwalt et al. avaliaram a força da língua, com o IOPI, de 35 pacientes com disfagia, comparando‐os com grupo controle com as mesmas características epidemiológicas. Demonstraram que os pacientes disfágicos apresentaram força de língua significantemente reduzida e que o IOPI pôde quantificar essa diferença.2323 Stierwalt J.AG, Clark HM. Measures of tongue function and oral phase dysphagia. Poster session presented at the annual meeting of the American Speech-Language-Hearing Association, Atlanta, GA. 2002

Easterling et al.,2424 Nicosia MA, Hind JA, Roecker EB, Carnes M, Doyle J, Dengel GA, et al. Age effects on the temporal evolution of isometric and swallowing pressure. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2000;11:M634-M640. em estudo com pacientes portadores de ELA com diagnóstico havia 24 meses, determinaram a força isométrica da língua com o IOPI, foi observada uma pressão média de 35,89 kPa no grupo com sintomas bulbares e de 41,51 kPa no grupo com sintomas apendiculares. Neste estudo, o grupo com ELA bulbar teve a média da força de língua de 12,64 kPa e no grupo apendicular de 23,08 kPa. Essa diferença provavelmente se deve ao tempo de doença, que variou de 10 meses a 19,6 anos, foi em média 13,98 meses para ELA bulbar e 38,45 meses para ELA apendicular.

Onesti et al.2525 Mendes AE, Nascimento L, Mansur LL, Callegaro D, Filho WJ. Tongue forces and handgrip strength in normal individuals: association with swallowing. Clinics (Sao Paulo) 2015;70:41-45. avaliaram 145 pacientes portadores de ELA, 39% com forma bulbar e 61% apendicular, encontraram uma prevalência de disfagia de 58,6% em pacientes com tempo médio de diagnóstico da doença de 15,8 ±12,7 meses. A prevalência das formas de apresentação é consistente com as encontradas em nosso estudo, no qual 40% da amostra apresentavam‐se com ELA bulbar e 60% apendicular. A prevalência de disfagia, no entanto, foi menor em nosso estudo (48%), provavelmente devido à diferença no tamanho da amostra e em função da classificação usada. N estudo citado foi usada a escala de penetração/aspiração para definir comprometimento da deglutição, uma escala não gradual. Já o estudo brasileiro de D́Ottaviano et al.77 D′Otaviano FG, Filho T.AL, Andrade H.MT, Alves P.CL, Rocha M.SG. Fiberoptic endoscopy evaluation of swallowing in patients with amyotrophic lateral sclerosis. Braz J Otorhinolaryngol. 2013;79:349-353. evidenciou uma prevalência de 100% de disfagia em pacientes com ELA.

A disfagia é sem dúvida um dos problemas mais debilitantes da ELA. Sua prevalência é alta nos portadores dessa doença e necessita ser diagnosticada precocemente para uma melhor qualidade de vida aos pacientes. Testes de fácil execução e baixo custo são cada vez mais necessários, garantem maior acessibilidade aos portadores de desordens que cursam com disfagia, como a ELA e muitas outras doenças neurodegenerativas. Apesar da necessidade de mais estudos, principalmente em pacientes com fase oral prejudicada, o teste de força de língua pode ser uma opção de triagem que se torna cada vez mais viável para ser usada na investigação desse sintoma.

Conclusão

As medidas de força e resistência da língua apresentam associação significante com disfagia em pacientes com ELA. O IOPI, teste de força e resistência de língua, tem boa sensibilidade, porém baixa especificidade para detecção de disfagia. Os achados deste estudo nos dão uma opção de testes de triagem para disfagia. Esse resultado deve fomentar a feitura de novas pesquisas com uma amostragem maior para consolidar esses achados, pois o baixo custo e a facilidade de aplicação do IOPI poderão auxiliar no diagnóstico rápido e precoce da disfagia nesses pacientes.

  • Como citar este artigo: Borges AL, Velasco LC, Ramos HV, Imamura R, Roldão PM, Petrillo MV, et al. Association between dysphagia and tongue strength in patients with amyotrophic lateral sclerosis. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:752-7.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2020
  • Aceito
    28 Out 2020
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