Acessibilidade / Reportar erro

Análise do conflito do uso e cobertura do solo do município de Areia – PB em relação à legislação florestal

Analysis of the conflict of use and coverage of the land of the municipality of Areia – PB in relation to forest legislation

RESUMO

A superexploração dos recursos naturais afetará drasticamente a qualidade de vida nas próximas décadas. No Brasil, evidências revelam que muitas ações antrópicas, além de explorarem os recursos naturais de forma desordenada, estão em desacordo com a legislação no que se refere às Áreas de Preservação Permanente (APPs). Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi delimitar as APPs e mapear as classes de uso e cobertura da terra presentes no município de Areia, estado da Paraíba, averiguando a existência de conflitos de uso nessas áreas de preservação. O mapeamento de uso e cobertura da terra foi realizado pela interpretação de uma imagem do satélite PlanetScope, com resolução espacial de 3,125 m. A acurácia foi aferida através da identificação de um conjunto de locais amostrais e da aplicação dos índices Kappa e Tau. Delimitaram-se as áreas de APP ao redor de nascentes e da rede de drenagem. Os resultados obtidos com a utilização dos índices Kappa e Tau foram de 0,79 e 0,82, respectivamente. A principal classe de uso e cobertura da terra diagnosticada no município foi a pastagem, com 59,5%. Pela observação de campo, essa extensa área de pasto está, em boa parte, degradada, subutilizada ou em estado de abandono. A proporção de classes de uso e cobertura da Terra em Areia é espelho do que ocorre em muitos outros locais no Brasil. Sugere-se, portanto, que essas áreas subutilizadas sejam incorporadas à demanda de expansão das fronteiras de produção agrícola e agropecuária, sem necessitar modificar áreas preservadas. Também se observou que cerca de 70% das áreas de APPs delimitadas têm uso ou cobertura inadequado, tendo em consideração as restrições de uso a que estão sujeitas pela legislação ambiental. Por fim, recomenda-se aos gestores públicos a adequação ambiental das APPs através da criação de políticas públicas que promovam a manutenção dos recursos hídricos e a adequação ambiental dos imóveis rurais no município através de pagamento por serviços ambientais ou outros instrumentos de incentivo e sensibilização.

Palavras-chave
Uso e cobertura da terra; APP; Planejamento ambiental; Índices Kappa e Tau

ABSTRACT

The overexploitation of natural resources will drastically affect the quality of life in the coming decades. In Brazil, evidence reveals that many anthropic actions, besides exploiting natural resources in a disorderly manner, are at odds with the legislation with regard to Permanent Preservation Areas (PPAs). Thus, the objective of this work was to delimit the PPAs and to produce a land use and land cover map of Areia municipality, Paraíba state, in order to investigate the existence of use conflicts in these preservation areas. The mapping of land use and land cover was carried out by interpreting an image from the PlanetScope satellite, with a spatial resolution of 3.125 m. Its accuracy was measured by identifying a set of sample locations and applying the Kappa and Tau indices. The PPAs areas around springs and the drainage network were delimited. The results obtained using the Kappa and Tau indices were 0.79 and 0.82, respectively. The main class of land use and land cover diagnosed in the municipality was pasture, with 59.5%. From field observation, this extensive pasture area is largely degraded, underutilized or in a state of neglect. The proportion of land use and land cover classes in Areia mirrors what occurs in many other places in Brazil. It is suggested, therefore, to incorporate these underutilized areas into the demand for expansion of agricultural production frontiers, without the need to modify preserved areas. It was also observed that around 70% of the delimited PPA have inadequate use or coverage, taking into account the restrictions of use to which they are subject by environmental legislation. Finally, it is recommended that public managers search for the environmental adequacy of PPAs through the creation of public policies that promote the maintenance of water resources and the environmental adequacy of rural properties of the municipality through payment for environmental services or other incentive and awareness instruments.

Keywords
Land use and land cover; PPA; Environmental planning; Kappa and Tau indices

1 INTRODUÇÃO

A exploração desordenada dos recursos naturais tem causado problemas ambientais cada vez maiores, frequentes e irreversíveis. A perda da capacidade produtiva dos solos, a contaminação dos recursos hídricos, o assoreamento dos mananciais, as queimadas e o desmatamento têm comprometido a saúde do homem e dos animais, assim como a perda tanto da qualidade da água como a sua indisponibilidade e a diminuição da produção agropecuária, dessa forma, comprometendo a economia global e a qualidade de vida da população (TORRES et al., 2007TORRES, J. L. R.; BARRETO, A. C.; PAULA, J. C. Capacidade de uso das terras como subsídio para o planejamento da microbacia do córrego lanhoso, em Uberaba (MG). Revista Caminhos de Geografia, Uberlândia, v. 8, n. 24, p. 22-32, dez. 2007).

O estudo para compreender a dinâmica dos padrões que atuam sobre as formas de cobertura e do uso da terra é muito importante para entender como está sendo a organização do espaço geográfico (ROSA; SANO, 2014ROSA, R.; SANO, E. E. Uso da terra e cobertura vegetal na bacia do rio Paranaíba. Revista de Geografia Agrária, Uberlândia, v. 9, n. 19, p. 32-56, out. 2014.) que, de acordo com Von Ahn et al. (2016)VON AHN, M.; SANTOS, F. C. A.; SIMON, A. L. H. Uso da terra, conflitos ambientais e a importância das relações entre geodiversidade e biodiversidade para a conservação da natureza. Geografia, Rio Claro, v. 41, n.1, p. 131-146, jan./abr. 2016., tem por finalidade verificar e conferir se o uso e ocupação do solo, assim como a apropriação dos recursos naturais, estão ocorrendo conforme ou diferentemente ao que determina a legislação, auxiliando, assim, as ações de planejamento.

O Código Florestal Brasileiro (Lei Federal nº 12.651/12) é a legislação que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, da biodiversidade, do uso do solo, regulamentando os seus usos, assim como institui sobre a utilização dos recursos florestais, pois garante e promove a manutenção da vegetação de determinadas áreas, que devem estar cobertas pela vegetação original (BRASIL, 2012BRASIL. Lei Nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis no 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis no 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.html. Acesso: 23 out. 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
).

As Áreas de Preservação Permanente (APPs) são espaços territoriais protegidos pelo Código Florestal, Resoluções CONAMA e por leis estaduais que exigem que os imóveis rurais e urbanos respeitem a natureza. Essas ferramentas se constituem como um instrumento balizador que permite o equilíbrio entre o desenvolvimento industrial e agropecuário e o respeito ao meio ambiente (FERRARI et al., 2015FERRARI, J. L. et al. Análise de Conflito de Uso e Cobertura da Terra em Áreas de Preservação Permanente do Ifes – Campus de Alegre, Município de Alegre, Espírito Santo. Revista Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 22, n.3. p. 307-32, mar. 2015.). Tendo como função primordial garantir a preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade, do fluxo gênico de fauna e flora, e a proteção do solo, essas áreas asseguram o bem-estar das populações humanas (BRASIL, 2012BRASIL. Lei Nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis no 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis no 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.html. Acesso: 23 out. 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). Segundo Luppi et al. (2015)LUPPI, A. S. L. et al. Utilização de geotecnologia para o mapeamento de áreas de preservação permanente no município de João Neiva, ES. Revista Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 13-22, mar. 2015., as APPs estão submetidas à intensificação das pressões antrópicas que provocam degradação desses ambientes em grandes extensões, pois modificam a paisagem natural para outros tipos de usos e ocupação da terra, substituindo áreas anteriormente ocupadas por florestas em pequenos fragmentos florestais e, em muitos casos, provocando a indisponibilidade de recursos naturais importantes para a manutenção da vida.

Apesar de possuirmos uma legislação ambiental bastante rígida e avançada, a falta de fiscalização, a grande extensão territorial do nosso país, recursos materiais insuficientes, além da falta de informações, muitas vezes, são fatores que comprometem a realização das fiscalizações e a punição dos infratores (GASPARINI et al., 2013GASPARINI, K. A. C. et al. Técnicas de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto Aplicadas na Identificação de Conflitos do Uso da Terra em Seropédica-RJ. Revista Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 296-306, set. 2013.). Uma das formas de contornar esses problemas é a utilização de geotecnologias, pois essas permitem que o processamento dos dados seja mais rápido e eficiente na caracterização e no monitoramento das informações terrestres, principalmente quando se utilizam imagens de satélite de alta resolução espacial (LUPPI et al., 2015LUPPI, A. S. L. et al. Utilização de geotecnologia para o mapeamento de áreas de preservação permanente no município de João Neiva, ES. Revista Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 13-22, mar. 2015.; FERRARI et al., 2015FERRARI, J. L. et al. Análise de Conflito de Uso e Cobertura da Terra em Áreas de Preservação Permanente do Ifes – Campus de Alegre, Município de Alegre, Espírito Santo. Revista Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 22, n.3. p. 307-32, mar. 2015.).

O município de Areia situa-se na mesorregião do Agreste, na região do Brejo Paraibano. A maioria dos rios que compõem as bacias hidrográficas dessa região, entre as quais a Bacia do Rio Mamanguape, teve seus cursos originais e tributários modificados pela ação antrópica. Entre as alterações, podem-se citar pastagem, cultivo de cana-de-açúcar, cultivo de banana, presença de áreas urbanas.

Diante disso, este trabalho teve como objetivo diagnosticar, através do mapeamento do uso atual da terra, os tipos de uso e ocupação no município de Areia-PB e os conflitos existentes nas APPs em relação ao Código Florestal Brasileiro, Lei Federal 12.651/2012 (BRASIL, 2012BRASIL. Lei Nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis no 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis no 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.html. Acesso: 23 out. 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
).

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Aspectos físicos da área de estudo

O município de Areia se localiza na mesorregião do Agreste Paraibano, região do Brejo da Paraíba, entre as latitudes 6°51'50,93'' e 7°02'03,37'', a sul do Equador, e as longitudes 35°48'29,05'' e 35°34'16,22'', a oeste de Greenwich (Figura 1). Situa-se a 122,5 km da capital João Pessoa, e está implantado sobre o relevo escarpado da Serra da Borborema, a cerca de 600 metros de altitude, limita-se geograficamente com os municípios de Alagoa Grande, Alagoa Nova, Alagoinha, Pilões, Remígio, Serraria e Arara, e ocupa uma área de aproximadamente 270 km² (IBGE, 2015IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Malha Municipal Digital 2015. IBGE, 2015. Disponível em: http://www.ibge.gov.br. Acesso em: 10 jan. 2018.
http://www.ibge.gov.br...
). Encontra-se inserido na bacia hidrográfica do rio Mamanguape, sendo abastecido pelos rios Araçagi e Mamanguape (SUDENE, 1974SUDENE - Superintendência de desenvolvimento do Nordeste. Folha Santa Rita SB. 25-Y-C-III-1-SO. Carta Topográfica. Escala 1: 25.000. Recife, 1974.).

Figura 1
Localização do município de Areia – PB

De acordo com a classificação de Köppen-Geiger, atualizado por Alvares et al. (2013)ALVARES, C. A. et al. Köppen's climate classification map for Brazil. Meteorologische Zeitschrift, v. 22, n. 6, p. 711-728, dez. 2013., o município de Areia possui clima do tipo As (tropical com chuvas de inverno), com precipitação média anual de aproximadamente 1100 mm e temperatura variável entre 15°C e 30°C.

2.2 Metodologia

2.2.1 Aquisição e pré-processamento das imagens de satélite

O mapeamento do uso e da cobertura da terra foi realizado através da interpretação de imagens do satélite PlanetScope ortorretificadas (produto 3A), com resolução espacial de 3,125 m nas bandas espectrais do vermelho, verde, azul (visível) e infravermelho próximo (IVP), e resolução radiométrica de 12 bits, datadas de 13 de maio de 2017.

As imagens foram adquiridas da empresa Santiago e Cintra Consultoria, que forneceu 13 imagens com licença de uso em formato geotiff, no sistema de coordenadas UTM WGS-84, cobrindo a totalidade da área do município de Areia.

Para cada imagem, o número digital (ND) foi convertido para valores de reflectância ToA (ρtoa – reflectância no topo da atmosfera), com intuito de aumentar a capacidade de distinção entre alvos distintos pelo classificador. Uma vez que as imagens eram de horários de aquisição distintos, elas apresentavam coeficientes de reflectância diferentes e, portanto, a reflectância foi calculada independentemente para cada banda de cada imagem, de acordo com a Equação (1):

ρ toa = ND a (1)

Onde: ND = número digital; a o coeficiente de reflectância, distinto para cada banda, obtido do ficheiro de metadados fornecido pela Santiago e Cintra Consultoria.

Após o cálculo das reflectâncias, realizou-se o mosaico de todas as imagens-reflectância e o seu recorte de acordo com os limites municipais (IBGE, 2015IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PAM – Produção Agrícola Municipal. IBGE, 2016. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/economicas/agricultura-e-pecuaria/9117-producao-agricola-municipal-culturas-temporarias-e-permanentes.html. Acesso em: 10 jul. 2018.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas-nov...
).

2.2.2 Classificação supervisionada e validação do mapeamento

Após a conclusão do pré-processamento, procedeu-se a coleta de assinatura para a realização da classificação supervisionada, usando o método paramétrico da máxima verossimilhança (MAXVER), que se deu com a definição de um conjunto de amostras de treinamento para cada classe de cobertura presente na imagem. Foram consideradas na classificação todas as bandas do visível e do IVP.

Procedeu-se à definição de um conjunto de amostras de treinamento para cada classe de cobertura presente na imagem. Após observação de campo, foram definidas 11 classes:

  1. Vegetação de Porte Florestal: floresta ombrófila aberta, uma formação típica da faixa litorânea, mas também encontrada nos brejos de altitude, em cotas da ordem de 600 m. Nestes, as condições climáticas bastante atípicas de umidade e temperatura favoreceram a interiorização e a expansão dessa fitofisionomia pelo interior, onde formaram-se ilhas de floresta úmida encravadas na região semiárida e envoltas pela vegetação da Caatinga, são os chamados Brejos de Altitude. A semelhança florística-estrutural com a floresta úmida litorânea justifica a sua classificação como disjunção de Floresta Ombrófila Aberta (OLIVEIRA et al., 2006OLIVEIRA, F. X.; ANDRADE, L. A.; FELIX, L. P. Comparações florísticas e estruturais entre comunidades de Floresta Ombrófila Aberta com diferentes idades, no Município de Areia, PB, Brasil. Acta Botanica Brasilica, São Paulo, v. 20, n. 4, p. 861-873, out./dez. 2006. ).

  2. Vegetação de Porte Arbustivo: vegetação de baixa densidade, com indivíduos de até 6 m, aproximadamente. Corresponde, principalmente, à vegetação de capoeira, uma vegetação secundária em diferentes estágios de regeneração, composta por gramíneas e arbustos esparsos.

  3. Reflorestamento: plantios ou formações de maciços monoespecíficos, sejam eles compostos por espécies florestais nativas ou exóticas. No caso do município de Areia, observaram-se principalmente áreas de plantio de sabiá (Mimosa caesalpiniaefolia Benth.).

  4. Pastagem: áreas com espécies de herbáceas e arbustos, quase sempre gramíneas com valor forrageiro.

  5. Solo Exposto: corresponde a áreas sem vegetação, sem culturas agrícolas, ou com culturas em estágios iniciais de desenvolvimento, além de terras preparadas para plantio, subsolo exposto, aterros e áreas degradadas – excetuando-se os afloramentos de rocha.

  6. Corpo Hídrico: cursos de água e canais (rios, riachos, canais e outros corpos de água lineares), corpos d’água naturalmente fechados, sem movimento (lagos naturais regulados) e reservatórios artificiais (represamentos artificiais).

  7. Área Construída: zona urbana e outras áreas de uso intensivo, estruturadas por edificações e sistema viário, onde predominam as superfícies não agrícolas.

  8. Culturas Agrícolas: observaram-se, em campo, cultivo de Musa sp. (bananeiras), Saccharum officinarum L. (cana-de-açúcar), Citrus sp. (laranjeiras, tangerineiras) e Psidium guajava L. (goiabeiras).

A cultura do feijão é, de acordo com o IBGE (2016), uma das mais expressivas do município, com uma média de 995 ha de área plantada ou destinada à colheita. No entanto, trata-se de uma lavoura temporária de difícil mapeamento, pois é plantada no município como cultura de subsistência, ocupando pequenas áreas, dispersas nas propriedades. Por esse motivo, o cultivo dessa cultura não foi observado no levantamento de campo, por isso e considerando também a escala, não foi mapeado.

Posteriormente, foi realizada a transformação da classificação do formato raster para o formato vetorial, a fim de se calcular a área que cada classe ocupa dentro do corte de mapeamento.

As classes de culturas, bem como do solo exposto foram conferidas e vetorizadas manualmente, com intuito de melhorar a precisão do mapeamento das classes em questão, que na classificação supervisionada sofreram algum grau de confusão entre si.

Os dados de campo foram obtidos pelo registro de 523 pontos com aparelho GPS e análise do tipo de uso e cobertura vegetal presente no local, tendo em consideração a sua principal fitofisionomia. A plotagem dos pontos demonstrou que a amostragem foi ampla e representativa. Os índices Kappa e Tau foram utilizados com o objetivo de verificar a acurácia e a qualidade do mapeamento.

O índice Kappa é uma medida estatística que ajusta o efeito do acaso na proporção de concordância observada. Esse índice é largamente utilizado para avaliar a qualidade dos mapeamentos (et al., 2010SÁ, I. I. S. et al. Cobertura vegetal e uso da terra na região Araripe Pernambucana. Revista Mercator, Fortaleza, v. 9, n.19, p.143-163, mai./ago. 2010.; NUNES; ROIG, 2015NUNES, J. F; ROIG, H. L. Análise e mapeamento do uso e ocupação do solo da Bacia do Alto do Descoberto, DF/GO, por meio de classificação automática baseada em regras e lógica nebulosa. Revista Árvore, Viçosa, v. 39, n.1, p.25-36, nov. 2015.; QUEIROZ et al., 2017QUEIROZ, T. B. et al. Avaliação do desempenho da classificação do uso e cobertura da terra a partir de imagens Landsat 8 e Rapideye na região central do Rio Grande do Sul. Revista Geociências, Rio Claro, v. 36, n. 3, p. 569-578, out. 2017.; CHELOTTI, 2017CHERLOTTI, G. B. Mapeamento de uso do solo da bacia hidrográfica do Alto Descoberto, no Distrito Federal, por meio de classificação orientada a objetos com base em imagem do satélite Landsat 8 e softwares livres. Revista Brasileira de Geomática, Curitiba, v. 5, n. 2, p.172-185, abril. 2017.), por se tratar de uma metodologia mais robusta que o simples cálculo de percentagem de concordância. Os índices Kappa e Tau foram obtidos pelas Equações (2) e (3):

K = [ P O P C ] [ 1 P C ] (2)

Em que: K= Índice de concordância Kappa; Po = proporção de unidades que concordam plenamente; Pc = proporção de unidades que concordam por casualidade.

O coeficiente Tau (T) pode ser calculado como segue:

T = [ P 0 1 M ] [ 1 1 M ] (3)

Em que: T= Índice de Tau; Po = proporção de unidades que concordam plenamente; M = número de categorias na classificação.

2.2.3 Delimitação das áreas de APP

Os dados de hidrografia do município (rede de drenagem e nascentes) foram disponibilizados pela diretoria de serviço geográfico do exército em: www.geoportal.eb.mil.br/mediador/, na escala de 1:100.000 e pelo Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) em www.car.gov.br. Para aumentar o detalhamento da rede de drenagem, realizou-se uma extração automática de drenagem, utilizando o Modelo Digital de Elevação (MDE da Missão de Topografia Radar Shuttle (acrônimo em inglês SRTM) de 1 Segundo de Arco (resolução espacial de 30 m), produtos 07S36W e 08S36, disponibilizados em https://earthexplorer.usgs.gov/. A partir destes, foram geradas as APPs relacionadas aos cursos d’água.

A delimitação das APPs seguiu a recomendação da Lei 12.651 de maio de 2012 (BRASIL, 2012BRASIL. Lei Nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis no 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis no 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.html. Acesso: 23 out. 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) e a metodologia de Peluzio et al. (2010)PELUZIO, T. M. O.; SANTOS, A. R.; FIELDLER, N.C. Mapeamento de áreas de preservação permanente no ARCGIS 9.3. Alegre: CAUFES; 2010. 58 p., utilizando a ferramenta Buffer e o aplicativo QGIS 2.18, conforme a Tabela 1.

Tabela 1
APPs do município de Areia, PB

As informações sobre o conflito de uso da terra em relação à legislação ambiental vigente no Brasil foram obtidas através da intersecção entre o vetor de uso da terra e o vetor das APPs.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Mapeamento do uso e cobertura da terra no município de Areia – um instrumento essencial para planejamento ambiental e socioeconômico

A classificação supervisionada da imagem do satélite PlanetScope e os levantamentos de campo permitiram identificar e mapear onze classes de uso e cobertura da terra (Figura 2).

Figura 2
Mapa de uso e cobertura da terra, município de Areia, PB

Os resultados obtidos com a utilização dos índices Kappa e Tau foram de 0,79 e 0,82, respectivamente. Ambos os resultados foram satisfatórios, uma vez que, de acordo com os valores de referência recomendados por Landis e Koch (1977)LANDIS, J; KOCH, G. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometria, v. 33, n. 1, p.154-174. 1977., a qualidade deste mapeamento é classificada como de "muito boa" a “excelente”. Ferrari e Júnior (2019)FERRARI, D. B.; JUNIOR, J. C. T. V. Validação do mapeamento do uso do solo, obtido por classificação de imagens orbitais gratuitas, utilizando softwares livres. Revista Fatecnológica, Jaú, v. 1, n. 12, p. 106-133, jun. 2019., mapeando o uso do solo da bacia hidrográfica do Córrego Viuval, município de Bariri (SP), através de imagens orbitais gratuitas, obtiveram um índice K=0,91. Sá et al. (2010) obtiveram em seu mapeamento da cobertura vegetal e uso da terra na região do Araripe pernambucano, K = 0,78. O mapeamento de Nunes e Roig (2017)NUNES, J. F; ROIG, H. L. Análise e mapeamento do uso e ocupação do solo da Bacia do Alto do Descoberto, DF/GO, por meio de classificação automática baseada em regras e lógica nebulosa. Revista Árvore, Viçosa, v. 39, n.1, p.25-36, nov. 2015. do uso e cobertura do solo da Bacia do Alto Descoberto (DF) resultou em K = 0,64. Cerqueira et al. (2021)CERQUEIRA, M. C.; MATRICARDI, E. A. T.; SCARIOT, A. O.; OLIVEIRA, C. H. Fragmentação da paisagem no entorno e na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes das Geraizeiras, Minas Gerais. Ciência Florestal, v. 31, n. 2, p. 607-633. 2021., em sua avaliação da dinâmica do uso e cobertura da terra na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes das Geraizeiras -MG, obtiveram um coeficiente Kappa de 46%.

A Tabela 2 resume a área de ocupação de cada classe, bem como a porcentagem que representam em relação à área total do município.

Tabela 2
Classes de uso e cobertura da terra mapeadas no município de Areia-PB

A Tabela 2 e a Figura 2 tornam claro que as classes de uso da terra menos representativas do município foram reflorestamento, cultivo de goiaba e cultivo de citros, com 0,05, 0,08 e 0,4 km², respectivamente. As áreas cultivadas com banana e cana-de-açúcar são as culturas agrícolas de maior significância econômica para o município, totalizando 19,2 km², respondendo, juntas, por 7,1% da área total do município de Areia-PB. Com essas informações, podemos concluir que as atividades econômicas desenvolvidas no meio rural do município de Areia são pouco diversificadas, tornando-as vulneráveis a imprevistos climáticos e outros que comprometem a autossuficiência da produção econômica do município.

Solo exposto, corpos hídricos e área construída ocuparam uma área de 1,05 km², 1,1 km² e 1,6 km², correspondendo a 0,39%, 0,41% e 0,6%, respectivamente. O solo exposto pode estar diretamente relacionado às classes de uso da terra relacionadas ao uso agrícola, em que é adotado um período de repouso entre um ciclo e outro das culturas agrícolas, ou com a formação e/ou renovação das áreas de pastagem.

A área ocupada por vegetação de porte arbustivo e florestal corresponde a 42,7 km² (15,8%) e 43,5 km² (16,0%), respectivamente. A área de cobertura florestal em boa parte se deve ao fato de se encontrar, uma parte no Parque Estadual da Mata do Pau Ferro, e outra parte nas propriedades do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Paraíba (CCA-UFPB), protegendo as matas do município dos avanços de, por exemplo, condomínios que aumentaram consideravelmente nas últimas décadas.

A pastagem foi a classe de uso da terra mais representativa do município, com 161,2 km², correspondendo a 59,5% de sua área total. Pela observação de campo, essa extensa área de pasto está, em boa parte, degradada, subutilizada ou em estado de abandono. A proporção de classes de uso e cobertura da Terra em Areia é espelho do que ocorre em muitos outros locais no Brasil, tais como na bacia do rio Piauitinga, Sergipe (SANTOS et al., 2017SANTOS, W. A. et al. Conflito de uso da terra em áreas de preservação permanente da bacia do rio Piauitinga, Sergipe, Brasil. Revista de Ciências Agraria – Amazonian Journal of Agricultural and Environmental Sciences, Belém, v. 60, n. 1, p. 19-24,jan./mar. 2017.) e do município de Iati, Pernambuco (NETO et al., 2019NETO, J. et al. Mapeamento e análise da cobertura e uso da terra do Município de Iati, Pernambuco do ano de 2018. Cadernos de Ciências & Tecnologia da UECE, Fortaleza, v. 1, n. 3, p. 26-35. jul./dez.2019.).

Dados do MapBiomas revelam que, por todo o Brasil, a pastagem avança sobre a floresta e que as áreas de capoeiras, áreas de campo sujo, vegetação rasteira e florestas secundárias, com espécies de pouca exigência e com baixa biodiversidade cobrem 44 milhões de hectares, retrato de uma natureza degradada (AZEVEDO, 2019AZEVEDO, A. L. Na contramão do resto do país, abertura de pastagens cresce na Amazônia, diz MapBiomas. 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/na-contramao-do-resto-do-pais-abertura-de-pastagens-cresce-na-amazonia-diz-mapbiomas-23912414. Acesso: 23 out. 2019.
https://oglobo.globo.com/sociedade/na-co...
). Areia pode ser vista como um modelo em grande escala, uma representação reduzida do que ocorre a nível nacional. A conversão de vegetação nativa em pastagens é relatada numerosamente pelo território brasileiro em diversas publicações da última década (ARAÚJO et al., 2011ARAÚJO, E. A.; KER, J. C.; MENDONÇA, E. S.; SILVA, I. R.; OLIVEIRA, E. K. Impacto da conversão floresta – pastagem nos estoques e na dinâmica do carbono e substâncias húmicas do solo no bioma Amazônico. Acta Amazônica, v. 41, n. 1, p.103-114, 2011.; SOUZA et al., 2014SOUZA, C. G. et al. Análise da fragmentação florestal da área de proteção ambiental Coqueiral, Coqueiral-MG. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 24, n. 3, p. 631-644, 2014.; CERQUEIRA et al., 2021CERQUEIRA, M. C.; MATRICARDI, E. A. T.; SCARIOT, A. O.; OLIVEIRA, C. H. Fragmentação da paisagem no entorno e na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes das Geraizeiras, Minas Gerais. Ciência Florestal, v. 31, n. 2, p. 607-633. 2021.).

Dessa forma, podemos adentrar dentro das discussões de planejamento e definição de estratégias para expansão do agronegócio a nível nacional. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estimam que a produção mundial de produtos agrícolas cresça 20% na próxima década e espera-se que o Brasil seja um grande contribuinte para tal resultado (OCDE-FAO, 2018OECD/FAO (2018). Agricultural Outlook 2018-2027, OECD Publishing, Paris/Food and Agriculture Organization of the United Nations, Rome. Disponível em: https://doi.org/10.1787/agr_outlook-2018-en. Acesso em: 18 outubro 2019.
https://doi.org/10.1787/agr_outlook-2018...
). Mas o conflito de ideias começa quando se coloca a questão: é necessário desmatar, adentrar nas áreas de conservação, afrouxar as medidas de restrição de uso em APPs para aumentar a produção? O presente estudo e muitos outros publicados na última década, bem como relatórios de diversas organizações ligadas ao ambiente e à agropecuária revelam que o Brasil tem vastas áreas degradadas, antropizadas que podem ser incorporadas à demanda de expansão das fronteiras de produção agrícola e agropecuária, sem necessitar tocar nas florestas e outras áreas preservadas.

Manter e recuperar as florestas são prioridade para as Nações Unidas, que apelidaram a atual década 2021-2030, como a década da Restauração dos Ecossistemas. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a FAO urgem pela revitalização dos ecossistemas danificados e a manutenção das florestas devido aos múltiplos benefícios ambientais que elas sustentam, como a proteção do solo, das nascentes, da biodiversidade e a regulação climática através da regulação do regime de chuvas e do sequestro de carbono da atmosfera freando o aquecimento global. No entanto, diante do apresentado pela Global Forest Watch (2021aGLOBAL FOREST WATCH (2021a) Commodities. Acesso em: 16 nov. 2021.,b)GLOBAL FOREST WATCH (2021b) Global Deforestation. Acesso em: 16 nov. 2021., apenas no ano de 2020 ocorreu uma perda de quase 26 milhões de hectares de cobertura arbórea, uma área maior do que o Reino Unido. Nesse aspecto, Curtis et al. (2018)CURTIS, P. G.; SLAY, C. M.; HARRIS, N. L.; TYUKAVINA, A.; HANSEN, M. C. Classifying drivers of global forest loss. Science, v. 361, n. 6407, p.1108-1111. 2018. assinalam o papel da expansão agropecuária apontando o Brasil como uma das áreas mais afetadas pela substituição de florestas por pastos para a criação de gado. O Brasil é um dos países com maior produção agropecuária do mundo, sendo esse sector extremamente importante para a economia brasileira. De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA, 2021CNA - CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL. PIB do agronegócio. Boletim de Março de 2021.), em 2020, o agronegócio brasileiro representou mais de 26% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e precisa crescer para atender as demandas crescentes de alimentos esperadas para as próximas décadas. Dessa forma, é necessário priorizar atividades que conciliam o aumento da produtividade agrícola e a proteção das florestas através de ações, como a recuperação das pastagens degradadas, a integração lavoura-pecuária-floresta, sistemas agroflorestais, entre outros apontados pelos diversos estudos nacionais e internacionais que apontam tais instrumentos como soluções (ARAÚJO et al., 2021ARAÚJO, H. F. P; MACHADO, C. C. C.; PAREYN, F. G. C. NASCIMENTO, N. F. F.; ARAÚJO, L. D. A.; BORGES, L. A. de A. P.; SANTOS, B. A.; BEIRIGO, R. M.; VASCONCELLOS, A.; DIAS, B. de O.; ALVARADO, F.; SILVA, J. M. C. A sustainable agricultural landscape for tropical drylands. Land Use Policy, v. 100, 104913. 2021.; DEGANI et al., 2019DEGANI, E.; LEIGH, S.G.; BARBER, H. M.; JONES, H. E.; LUKAC, M.; SUTTON, P.; POTTS, S. G. Crop rotations in a climate change scenario: short-term effects of crop diversity on resilience and ecosystem service provision under drought. Agriculture, Ecosystems & Environment. v. 285, 106625, 2019.; ALTIERI et al., 2017ALTIERI, M.; NICHOLLS, C.; MONTALBA, R. Technological approaches to sustainable agriculture at a crossroads: an agroecological perspective. Sustainability, v. 9, 349. 2017.) e por organizações como a FAO, através de propostas como o NEXUS, em que a segurança hídrica, energética e alimentar estão intimamente ligadas entre si.

O município de Areia pode desenvolver a sua atividade agropecuária aproveitando as áreas mapeadas como pastagem, muitas das quais degradadas ou de baixa produtividade, ao adotar inovações técnicas e tecnológicas que aumentam a produção de alimento por hectare, principalmente selecionando culturas adequadas para o relevo e clima particulares dos brejos de altitude da Paraíba. A agricultura e agropecuária no município de Areia pode e deve ser incentivada, sendo este mapeamento uma pedra angular para o planejamento estratégico municipal. Além disso, pesquisas orientadas para aumentar a produtividade devem ser estimuladas, aliando a conservação da biodiversidade e a produção agropecuária, em uníssono com o caminho que estudos e organizações nacionais e internacionais procuram percorrer na próxima década em direção a um planeta com seus ecossistemas protegidos e seguro em termos hídricos, energéticos e alimentares.

3.2 Conflitos de uso nas APPs

A delimitação automática das APPs, tendo como referência o Código Florestal (lei 12.651/12), possibilitou quantificar e identificar as categorias de APPs situadas ao redor das nascentes e ao longo das margens dos cursos d’água, conforme a Figura 3.

A menor e a maior participação entre as categorias de APPs correspondeu a APP – 1 e APP – 2, como pode ser observado na Tabela 3, correspondendo com 20,27 ha (1,87%) e 1059,8 ha (98,12%), respectivamente. Isso pode ser decorrente da falta de dados e de informações disponíveis mais precisas para que pudéssemos ter informações mais confiáveis. Recomendamos aos gestores públicos a realização de um levantamento de toda a hidrografia municipal, além da realização de estudos de hidrometria e do estado de conservação das nascentes e de suas zonas de recarga, a fim de se ter uma dimensão real desses recursos.

Figura 3
Categorias de APPs mapeadas no Município de Areia, Paraíba, Brasil
Tabela 3
Quantificação das APPs mapeadas no Município de Areia, Paraíba, Brasil

A partir do cruzamento das informações das Figuras 2 e 3, referentes à distribuição das classes de uso e cobertura da terra e das APPs no município de Areia, respectivamente, foi possível obter-se o mapa temático apresentado na Figura 4, a seguir.

Figura 4
Mapa dos conflitos de uso e cobertura da terra nas APPs do município de Areia, PB

Constatou-se que apenas 30% das APPs estão sendo de fato preservadas como cobertura vegetal nativa. O que significa que cerca de 70% das áreas das APPs do município de Areia delimitadas neste trabalho têm uso ou cobertura inadequada, tendo em consideração as restrições de uso a que estão sujeitos pela legislação ambiental. O maior conflito ocorre na classe de pastagem (571,68 ha), correspondendo a 52,67% das APPs. Resultados semelhantes foram obtidos por Eugenio at al. (2010)EUGENIO, F. C. et al. Confronto do uso e cobertura da terra em áreas de preservação permanente da bacia hidrográfica do rio alegre no município de Alegre, Espírito Santo. Revista Engenharia Ambiental, Espírito Santo do Pinhal, v. 7, n. 2, p. 110-126, jun. 2010. que estudando o conflito do uso e cobertura da terra em APPs da bacia hidrográfica do Rio Alegre, no município de Alegre - ES, observaram que aproximadamente 68% das APPs estavam ocupadas pela classe de pastagem. Barros et al. (2015)BARROS, A. C.; SILVA, T. J.; MOURA, D.; GARCIA, Y. M. Conflitos em áreas de preservação permanente na microbacia do Córrego da Água Amarela, Itaberá/SP. Revista Meio Ambiente e Sustentabilidade, v. 9, n. 4, p. 155-168. 2015. observaram que próximo a 40% do uso e cobertura das APPs da microbacia do Córrego da Água Amarela, Itaberá – SP estão em desacordo com a legislação ambiental.

Segundo Carvalho et al. (2012)CARVALHO, A. P. V; BRUMATTI, D.V; DIAS, H. C. T. Importância do manejo da bacia hidrográfica e da determinação de processos hidrológicos. Revista Brasileira de Agropecuária Sustentável, Viçosa, v. 2, p. 2, p. 148-156, dez. 2012., a recarga do lençol freático é o verdadeiro responsável pela formação de nascentes, e consequentemente dos rios, sendo que a sobrevivência destes só é possível quando o equilíbrio do ciclo hidrológico é mantido, bem como quando o solo é preservado para que favoreça a reposição da água do lençol freático. A remoção das matas ciliares presentes nas APPs pode causar problemas de desabastecimento de água para o consumo humano e animal, pois a vegetação tem função sobre os cursos d’água e o desequilíbrio ambiental em decorrência da retirada dessa vegetação pode comprometer o suprimento e provocar mudanças no volume de água fornecida pelos mesmos (SANTOS et al., 2017SANTOS, W. A. et al. Conflito de uso da terra em áreas de preservação permanente da bacia do rio Piauitinga, Sergipe, Brasil. Revista de Ciências Agraria – Amazonian Journal of Agricultural and Environmental Sciences, Belém, v. 60, n. 1, p. 19-24,jan./mar. 2017.).

Tabela 4
Quantificação da ocorrência de conflito de uso da terra nas APPs mapeadas no Município de Areia, Paraíba, Brasil

4 CONCLUSÕES

Foram identificadas onze classes de uso e cobertura da terra no município de Areia-PB, com destaque para a classe pastagem, com a maior representatividade. Essa atividade representou mais da metade da área do município, enquanto que as áreas com formações vegetais naturais apresentaram-se reduzidas e fragmentadas, evidenciando a necessidade de adequação ambiental para que se recuperem, evitando prejuízos, como a perda de biodiversidade.

A maior parte das APPs encontradas no município apresentou conflito de uso da terra, demonstrando que mesmo com uma legislação florestal rígida, esta não tem sido aplicada. Então, de modo geral, as APPs do município não estão preservadas, especialmente os cursos d’água, sendo as pastagens responsáveis pela metade da ocupação irregular das APPs do município.

A utilização de geotecnologias demonstrou-se eficaz na escala de estudo, auxiliando na gestão ambiental dos recursos naturais do município no que diz respeito ao cumprimento da legislação ambiental e como subsídio para tomada de decisão sobre as políticas públicas que devem ser desenvolvidas no que diz respeito à otimização do uso e ocupação do solo municipal.

Recomendamos aos gestores públicos o levantamento de dados mais consistentes sobre hidrografia municipal, além da realização de estudos de hidrometria e do estado de conservação das nascentes e de suas zonas de recarga, a fim de se ter uma dimensão real desses recursos. Uma forma do município de Areia realizar a adequação ambiental das APP é a criação de uma política pública que tenha como objetivo manter a qualidade dos mananciais e promover a adequação ambiental dos imóveis rurais a exemplo do projeto conservador de águas do Município de Extrema, Minas Gerais. Nele, foi criado um instrumento econômico na linha do pagamento por serviços ambientais, que tem se mostrado eficaz e efetivo. O projeto também tem estabelecido outras metas, como adoção de práticas de conservação do solo, saneamento ambiental rural, implantação e conservação de APPs e de Reserva Legal, além do estímulo aos produtores rurais do município na criação de Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN. Por fim, recentemente, o governo brasileiro na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2021 (CP26) lançou a plataforma de pagamento digital do programa Floresta + que objetiva organizar incentivos financeiros para empresários e produtores rurais que trabalham na preservação do meio ambiente. Dessa forma, a plataforma será uma forma de conectar a floresta às pessoas, reconhecer e pagar pelo serviço que essas pessoas prestam a todos nós.

Como citar este artigo

  • Pereira, F. R. M.; Machado, C. C. C.; Andrade, L. A. Análise do conflito do uso e cobertura do solo do município de Areia – PB em relação à legislação florestal. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 33, n. 1, e36950, p. 1-22, 2023. DOI 10.5902/1980509836950. Disponível em: https://doi.org/10.5902/1980509836950.

REFERÊNCIAS

  • ALTIERI, M.; NICHOLLS, C.; MONTALBA, R. Technological approaches to sustainable agriculture at a crossroads: an agroecological perspective. Sustainability, v. 9, 349. 2017.
  • ALVARES, C. A. et al Köppen's climate classification map for Brazil. Meteorologische Zeitschrift, v. 22, n. 6, p. 711-728, dez. 2013.
  • ARAÚJO, E. A.; KER, J. C.; MENDONÇA, E. S.; SILVA, I. R.; OLIVEIRA, E. K. Impacto da conversão floresta – pastagem nos estoques e na dinâmica do carbono e substâncias húmicas do solo no bioma Amazônico. Acta Amazônica, v. 41, n. 1, p.103-114, 2011.
  • ARAÚJO, H. F. P; MACHADO, C. C. C.; PAREYN, F. G. C. NASCIMENTO, N. F. F.; ARAÚJO, L. D. A.; BORGES, L. A. de A. P.; SANTOS, B. A.; BEIRIGO, R. M.; VASCONCELLOS, A.; DIAS, B. de O.; ALVARADO, F.; SILVA, J. M. C. A sustainable agricultural landscape for tropical drylands. Land Use Policy, v. 100, 104913. 2021.
  • AZEVEDO, A. L. Na contramão do resto do país, abertura de pastagens cresce na Amazônia, diz MapBiomas. 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/na-contramao-do-resto-do-pais-abertura-de-pastagens-cresce-na-amazonia-diz-mapbiomas-23912414 Acesso: 23 out. 2019.
    » https://oglobo.globo.com/sociedade/na-contramao-do-resto-do-pais-abertura-de-pastagens-cresce-na-amazonia-diz-mapbiomas-23912414
  • BARROS, A. C.; SILVA, T. J.; MOURA, D.; GARCIA, Y. M. Conflitos em áreas de preservação permanente na microbacia do Córrego da Água Amarela, Itaberá/SP. Revista Meio Ambiente e Sustentabilidade, v. 9, n. 4, p. 155-168. 2015.
  • BRASIL. Lei Nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis no 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis no 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.html Acesso: 23 out. 2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.html
  • CARVALHO, A. P. V; BRUMATTI, D.V; DIAS, H. C. T. Importância do manejo da bacia hidrográfica e da determinação de processos hidrológicos. Revista Brasileira de Agropecuária Sustentável, Viçosa, v. 2, p. 2, p. 148-156, dez. 2012.
  • CERQUEIRA, M. C.; MATRICARDI, E. A. T.; SCARIOT, A. O.; OLIVEIRA, C. H. Fragmentação da paisagem no entorno e na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes das Geraizeiras, Minas Gerais. Ciência Florestal, v. 31, n. 2, p. 607-633. 2021.
  • CNA - CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL. PIB do agronegócio. Boletim de Março de 2021.
  • CHERLOTTI, G. B. Mapeamento de uso do solo da bacia hidrográfica do Alto Descoberto, no Distrito Federal, por meio de classificação orientada a objetos com base em imagem do satélite Landsat 8 e softwares livres. Revista Brasileira de Geomática, Curitiba, v. 5, n. 2, p.172-185, abril. 2017.
  • CURTIS, P. G.; SLAY, C. M.; HARRIS, N. L.; TYUKAVINA, A.; HANSEN, M. C. Classifying drivers of global forest loss. Science, v. 361, n. 6407, p.1108-1111. 2018.
  • DEGANI, E.; LEIGH, S.G.; BARBER, H. M.; JONES, H. E.; LUKAC, M.; SUTTON, P.; POTTS, S. G. Crop rotations in a climate change scenario: short-term effects of crop diversity on resilience and ecosystem service provision under drought. Agriculture, Ecosystems & Environment v. 285, 106625, 2019.
  • EUGENIO, F. C. et al Confronto do uso e cobertura da terra em áreas de preservação permanente da bacia hidrográfica do rio alegre no município de Alegre, Espírito Santo. Revista Engenharia Ambiental, Espírito Santo do Pinhal, v. 7, n. 2, p. 110-126, jun. 2010.
  • FERRARI, J. L. et al Análise de Conflito de Uso e Cobertura da Terra em Áreas de Preservação Permanente do Ifes – Campus de Alegre, Município de Alegre, Espírito Santo. Revista Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 22, n.3. p. 307-32, mar. 2015.
  • FERRARI, D. B.; JUNIOR, J. C. T. V. Validação do mapeamento do uso do solo, obtido por classificação de imagens orbitais gratuitas, utilizando softwares livres. Revista Fatecnológica, Jaú, v. 1, n. 12, p. 106-133, jun. 2019.
  • GASPARINI, K. A. C. et al Técnicas de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto Aplicadas na Identificação de Conflitos do Uso da Terra em Seropédica-RJ. Revista Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 296-306, set. 2013.
  • GLOBAL FOREST WATCH (2021a) Commodities. Acesso em: 16 nov. 2021.
  • GLOBAL FOREST WATCH (2021b) Global Deforestation. Acesso em: 16 nov. 2021.
  • IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Malha Municipal Digital 2015. IBGE, 2015. Disponível em: http://www.ibge.gov.br Acesso em: 10 jan. 2018.
    » http://www.ibge.gov.br
  • IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PAM – Produção Agrícola Municipal. IBGE, 2016. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/economicas/agricultura-e-pecuaria/9117-producao-agricola-municipal-culturas-temporarias-e-permanentes.html Acesso em: 10 jul. 2018.
    » https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/economicas/agricultura-e-pecuaria/9117-producao-agricola-municipal-culturas-temporarias-e-permanentes.html
  • LANDIS, J; KOCH, G. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometria, v. 33, n. 1, p.154-174. 1977.
  • LUPPI, A. S. L. et al Utilização de geotecnologia para o mapeamento de áreas de preservação permanente no município de João Neiva, ES. Revista Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 13-22, mar. 2015.
  • NETO, J. et al Mapeamento e análise da cobertura e uso da terra do Município de Iati, Pernambuco do ano de 2018. Cadernos de Ciências & Tecnologia da UECE, Fortaleza, v. 1, n. 3, p. 26-35. jul./dez.2019.
  • NUNES, J. F; ROIG, H. L. Análise e mapeamento do uso e ocupação do solo da Bacia do Alto do Descoberto, DF/GO, por meio de classificação automática baseada em regras e lógica nebulosa. Revista Árvore, Viçosa, v. 39, n.1, p.25-36, nov. 2015.
  • OECD/FAO (2018). Agricultural Outlook 2018-2027, OECD Publishing, Paris/Food and Agriculture Organization of the United Nations, Rome. Disponível em: https://doi.org/10.1787/agr_outlook-2018-en. Acesso em: 18 outubro 2019.
    » https://doi.org/10.1787/agr_outlook-2018-en
  • OLIVEIRA, F. X.; ANDRADE, L. A.; FELIX, L. P. Comparações florísticas e estruturais entre comunidades de Floresta Ombrófila Aberta com diferentes idades, no Município de Areia, PB, Brasil. Acta Botanica Brasilica, São Paulo, v. 20, n. 4, p. 861-873, out./dez. 2006.
  • PELUZIO, T. M. O.; SANTOS, A. R.; FIELDLER, N.C. Mapeamento de áreas de preservação permanente no ARCGIS 9.3 Alegre: CAUFES; 2010. 58 p.
  • QUEIROZ, T. B. et al Avaliação do desempenho da classificação do uso e cobertura da terra a partir de imagens Landsat 8 e Rapideye na região central do Rio Grande do Sul. Revista Geociências, Rio Claro, v. 36, n. 3, p. 569-578, out. 2017.
  • ROSA, R.; SANO, E. E. Uso da terra e cobertura vegetal na bacia do rio Paranaíba. Revista de Geografia Agrária, Uberlândia, v. 9, n. 19, p. 32-56, out. 2014.
  • SÁ, I. I. S. et al Cobertura vegetal e uso da terra na região Araripe Pernambucana. Revista Mercator, Fortaleza, v. 9, n.19, p.143-163, mai./ago. 2010.
  • SANTOS, W. A. et al Conflito de uso da terra em áreas de preservação permanente da bacia do rio Piauitinga, Sergipe, Brasil. Revista de Ciências Agraria – Amazonian Journal of Agricultural and Environmental Sciences, Belém, v. 60, n. 1, p. 19-24,jan./mar. 2017.
  • SOUZA, C. G. et al. Análise da fragmentação florestal da área de proteção ambiental Coqueiral, Coqueiral-MG. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 24, n. 3, p. 631-644, 2014.
  • SUDENE - Superintendência de desenvolvimento do Nordeste. Folha Santa Rita SB. 25-Y-C-III-1-SO. Carta Topográfica. Escala 1: 25.000. Recife, 1974.
  • TORRES, J. L. R.; BARRETO, A. C.; PAULA, J. C. Capacidade de uso das terras como subsídio para o planejamento da microbacia do córrego lanhoso, em Uberaba (MG). Revista Caminhos de Geografia, Uberlândia, v. 8, n. 24, p. 22-32, dez. 2007
  • VON AHN, M.; SANTOS, F. C. A.; SIMON, A. L. H. Uso da terra, conflitos ambientais e a importância das relações entre geodiversidade e biodiversidade para a conservação da natureza. Geografia, Rio Claro, v. 41, n.1, p. 131-146, jan./abr. 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2019
  • Aceito
    11 Nov 2022
  • Publicado
    13 Abr 2023
Universidade Federal de Santa Maria Av. Roraima, 1.000, 97105-900 Santa Maria RS Brasil, Tel. : (55 55)3220-8444 r.37, Fax: (55 55)3220-8444 r.22 - Santa Maria - RS - Brazil
E-mail: cienciaflorestal@ufsm.br