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NASF-AB no campo e nas águas: o cuidado em torno do trabalho, ambiente e saúde de famílias agricultoras e pescadoras

NASF-AB in the field and in the waters: the care around work, environment and health of farming and fishing families

NASF-AB en el campo y en las aguas: el cuidado acerca del trabajo, el medio ambiente y la salud de las familias campesinas y pesqueras

Resumo

O Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica foi criado no Brasil para apoiar e ampliar a atenção e a gestão na Saúde da Família. Analisa-se a sua atuação quanto à saúde do trabalhador e saúde e ambiente em territórios do campo e das águas com as famílias que vivem da pesca artesanal e da agricultura camponesa. Pesquisa qualitativa que se ancorou em referenciais da Sociologia das Ausências e da Saúde Coletiva, na abordagem particular que esta faz das relações entre saúde, ambiente e trabalho. A pesquisa valeu-se do emprego de grupos focais na produção de narrativas de profissionais do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica em municípios do semiárido e do litoral do Nordeste. Evidenciaram-se singularidades socioeconômicas e culturais das populações do campo e das águas; invisibilidades e potencialidades sobre seus modos de vida e trabalho; cargas e doenças relacionadas ao trabalho; e aspectos da atuação do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica mediante interações com o trabalho e o ambiente nesses territórios. Os cuidados oferecidos a estas populações consideram parcialmente suas especificidades socioculturais, produtivas, ambientais e de saúde, sendo preciso ampliar o reconhecimento de seus modos de vida e trabalho visando intervenções mais exitosas sobre os problemas e necessidades de saúde - o que aponta desafios à formação em saúde para o Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave:
atenção primária à saúde; estratégia saúde da família; saúde da população rural; saúde do trabalhador; saúde e ambiente

Abstract

The Extended Family Health and Primary Care Center (Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica - NASF-AB) was created in Brazil to support and expand Family Health care and management. Its performance regarding workers’ health and health and environment in rural and water territories is analyzed with families that live from artisanal fishing and peasant agriculture. This is a qualitative research that was anchored in references from the Sociology of Absences and Collective Health, in the latter’s particular approach to the relations between health, environment, and work. The research used focus groups to produce narratives of professionals from the Extended Center for Family Health and Primary Care in municipalities in the semiarid and coastal regions of the Northeast. The socioeconomic and cultural singularities of the rural and water populations were evidenced; invisibilities and potentialities about their ways of life and work; work-related burdens and diseases; and aspects of the performance of the Extended Family Health Center and Primary Care through interactions with work and the environment in these territories. The care offered to these populations partially considers their sociocultural, productive, environmental, and health specificities, and it is necessary to expand the recognition of their ways of life and work, aiming at more successful interventions on health problems and needs; which poses challenges to health education for the Unified Health System.

Keywords:
primary health care; family health strategy; rural population health; worker health; health and environment

Resumen

El Núcleo Ampliado de Salud de la Familia y Atención Básica fue creado en Brasil para apoyar y ampliar la atención y gestión en Salud de la Familia. Se analiza su desempeño en materia de salud de los trabajadores y salud y medio ambiente en territorios del campo y de las aguas con las familias que viven de la pesca artesanal y de la agricultura campesina. Investigación cualitativa que se basó en referentes de la Sociología de las Ausencias y de la Salud Colectiva, en el particular abordaje que esta hace de la relación entre salud, medio ambiente y trabajo. La investigación se basó en la utilización de grupos focales en la producción de narrativas por parte de profesionales del Núcleo Ampliado de Salud de la Familia y Atención Básica en municipios de la región semiárida y del litoral del Nordeste. Se evidenciaron singularidades socioeconómicas y culturales de las poblaciones del campo y de las aguas; invisibilidades y potencialidades sobre sus formas de vida y trabajo; cargas y enfermedades relacionadas con el trabajo; y aspectos de la actuación del Núcleo Ampliado de Salud de la Familia y Atención Primaria a través de interacciones con el trabajo y el medio ambiente en estos territorios. La atención ofrecida a estas poblaciones considera parcialmente sus especificidades socioculturales, productivas, ambientales y de salud, siendo necesario ampliar el reconocimiento de sus modos de vida y de trabajo, visando intervenciones más exitosas sobre los problemas y necesidades de salud; lo que apunta desafíos a la formación en salud para el Sistema Único de Salud.

Palabras clave:
atención primaria de salud; estrategia salud de la familia; salud de la población rural; salud del trabajador; salud y ambiente

Introdução

A Estratégia Saúde da Família (ESF), prioritária para a expansão e consolidação da Atenção Básica à Saúde (ABS) no Brasil (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2017.), tem provocado um importante movimento de reordenação do modelo de atenção no Sistema Único de Saúde (SUS) (Brasil, 2010BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio a Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.) em substituição ao paradigma biomédico com trabalho fragmentado, centrado na doença e no cuidado em saúde especializado e tecnificado. Em 2008, foi criado o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), com o objetivo de apoiar, ampliar e aperfeiçoar a atenção e a gestão na ESF, reforçando os processos de territorialização e regionalização em saúde (Brasil, 2010BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio a Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.).

Embasado na concepção de apoio matricial, o NASF inova na organização das práticas de cuidado e de gestão, por meio de ferramentas tecnológicas, tais como: clínica ampliada, projeto terapêutico singular (PTS) e projeto de saúde no território (Sampaio et al., 2012SAMPAIO, Juliana et al. O Nasf como dispositivo da gestão: limites e possibilidades. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, Paraíba, v. 16, n. 3, p. 317-324, 2012. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/rbcs/article/view/12572. Acesso em: 10 out. 2021.
https://periodicos.ufpb.br/index.php/rbc...
). Deve contribuir com mudanças nos processos de trabalho na direção da intersetorialidade, interdisciplinaridade, promoção, prevenção, reabilitação e cura; além de humanização, educação permanente, integralidade e organização territorial dos serviços de saúde (Brasil, 2010BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio a Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.).

O NASF atua juntamente com as equipes de ESF que a ele se vinculam (Brasil, 2010BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio a Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.; 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2017.) em territórios e precisa responder às necessidades de saúde que, para serem satisfeitas, requerem práticas que relacionem os modos e contextos de vida das famílias com seus processos saúde-doença. É atribuição de todos os profissionais das equipes de ESF, com o apoio do NASF, participar do processo de territorialização em saúde (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2017.).

Para tanto, é preciso incorporar na práxis da ABS a concepção de território como produto de uma dinâmica social onde se tensionam sujeitos sociais que se caracterizam por uma população específica, vivendo em tempo e espaços singulares, com problemas e necessidades de saúde determinados. Desta forma, a compreensão do território deve levar em consideração a permanente construção tanto no perfil demográfico, epidemiológico, administrativo e tecnológico, como nas suas dimensões econômica, política, social, histórica e cultural (Gondim et al., 2008GONDIM, Gracia M. M. et al. O território da saúde: a organização do sistema de saúde e a territorialização. In: MIRANDA, Ary C. et al. (org.). Território, ambiente e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008, p. 237-255. ).

Importante também desenvolver processos participativos de territorialização em saúde envolvendo os sujeitos, adotando metodologias que possibilitem o reconhecimento das interfaces entre saúde, ambiente e trabalho (Pessoa et al., 2013aPESSOA, Vanira M. et al. Sentidos e métodos da territorialização na atenção primária à saúde: desvelando as relações produção, ambiente e saúde. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 18, n. 8, p. 2.253-2.262, 2013a. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000800009. Disponível em: http://old.scielo.br/pdf/csc/v18n8/09.pdf. Acesso em: 17 ago. 2021.
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; 2013bPESSOA, Vanira M. et al. Pesquisa-ação: proposição metodológica para o planejamento das ações nos serviços de atenção primária no contexto da saúde ambiental e da saúde do trabalhador. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 17, n. 45, p. 301-314, 2013b. https://doi.org/10.1590/S1414-32832013005000004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/3Vh85KpjffvRgCyzKHfCv3z/abstract/?lang=pt. Acesso em: 10 out. 2021.
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). A análise destas relações é crucial para fortalecer a Saúde do Trabalhador (ST) e a Saúde e Ambiente (SA) na ESF, pois permite identificar os processos produtivos, as transformações ambientais deles decorrentes e os problemas e as necessidades de saúde que emergem desse contexto (Rigotto et al., 2018RIGOTTO, Raquel M. et al. Desvelando as tramas entre saúde, trabalho e ambiente nos conflitos ambientais: aportes epistemológicos, teóricos e metodológicos. In: RIGOTTO, Raquel M.; AGUIAR, Ada C. P.; RIBEIRO, Lívia A. D. (org.). Tramas para a justiça ambiental: diálogo de saberes e práxis emancipatórias . Fortaleza: Edições UFC , 2018. p. 163-214.).

No território encontram-se diversos grupos populacionais e, entre estes, as populações do campo e das águas (PCA). A Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (PNSIPCFA) (Brasil, 2013BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Integral das Populações de Campo e da Floresta. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.) prioriza a valorização do direito à vida, considerando as especificidades ambientais, culturais, históricas e produtivas que, por vezes, caracterizam as PCAs como comunidades tradicionais. Esta compreensão é necessária aos profissionais de saúde, gestores e usuários do SUS (Pessoa, 2015PESSOA, Vanira M. Ecologia de saberes na tessitura de um pensamento em saúde no sertão: do conhecimento regulação às práticas emancipatórias na estratégia saúde da família. 2015. 309 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015.; Carneiro e Pessoa, 2020CARNEIRO, Fernando F.; PESSOA, Vanira M. Iniciativas de organização comunitária e Covid-19: esboços para uma vigilância popular da saúde e do ambiente. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, e00298130, 2020. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00298. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/QL8wS8krxQ8p8qgjxqrP87D/?lang=pt. Acesso em: 19 out. 2021.
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).

Entretanto, a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), revisada em 2017, desconsidera as especificidades de comunidades tradicionais, como as de agricultura camponesa e de pesca artesanal (Pessoa, Almeida e Carneiro, 2018PESSOA, Vanira M.; ALMEIDA, Magda M.; CARNEIRO, Fernando F. Como garantir o direito à saúde para as populações do campo, da floresta e das águas no Brasil? Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 42, p. 302-314, 2018. Número especial. https://doi.org/10.1590/0103-11042018S120. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/KvG6XQP4YRDbNQm7fSK54DN/?lang=pt. Acesso em: 20 ago. 2021.
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) e pressupõe a retirada do apoio matricial como base teórica do trabalho do NASF, ao mudar a denominação para Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) (Silva, Silva e Oliveira, 2020SILVA, Jonatan W. S. B.; SILVA, Jaslene C.; OLIVEIRA, Sydia R. A. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: reflexão do seu desenvolvimento através da avaliação realista. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 44, n. 124, 2020. https://doi.org/10.1590/0103-1104202012402. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/J3PWxnbKPNPQYBX3k6WQwrq/abstract/?lang=pt. Acesso em: 17 out. 2021.
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). Esta mudança amplia o desafio do NASF em superar a lógica de atuação ambulatorial focada em ações assistenciais e pouca incorporação de instrumentos de trabalho orientados pela vigilância à saúde (Nascimento e Cordeiro, 2019NASCIMENTO, Arthur G.; CORDEIRO, Joselma C. Núcleo Smpliado de Saúde da Família e atenção básica: análise do processo de trabalho. Trabalho, Educação e Saúde , Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, e0019424, 2019. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00194. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/tWS99FwJwhn55N9jGLSNDhR/abstract/?lang=pt. Acesso em: 1 nov. 2021.
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).

Uma dimensão importante para avançar nas práticas de saúde, fortalecendo os processos de trabalho, a promoção e a vigilância à saúde na ESF, é incorporar a abordagem teórica das relações entre saúde, ambiente e trabalho, por meio do diálogo entre Saúde do Trabalhador e Saúde e Ambiente, ambas desenvolvidas no âmbito da Saúde Coletiva brasileira. Apesar da importância dessa abordagem, as categorias trabalho e ambiente continuam pouco abordadas nas práticas da ESF no campo e nas águas (Pessoa et al., 2013aPESSOA, Vanira M. et al. Sentidos e métodos da territorialização na atenção primária à saúde: desvelando as relações produção, ambiente e saúde. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 18, n. 8, p. 2.253-2.262, 2013a. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000800009. Disponível em: http://old.scielo.br/pdf/csc/v18n8/09.pdf. Acesso em: 17 ago. 2021.
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; Brasil, 2013BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Integral das Populações de Campo e da Floresta. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.).

Compreende-se a Saúde do Trabalhador como um campo de conhecimentos e práticas, interdisciplinar e intersetorial, que, fundamentado na Teoria da Determinação Social do Processo Saúde-Doença, busca conhecer e intervir nas relações trabalho e saúde-doença, empregando as categorias teóricas ‘processo de trabalho’ e ‘cargas de trabalho’, e incorporando o saber dos trabalhadores (Rigotto et al., 2018RIGOTTO, Raquel M. et al. Desvelando as tramas entre saúde, trabalho e ambiente nos conflitos ambientais: aportes epistemológicos, teóricos e metodológicos. In: RIGOTTO, Raquel M.; AGUIAR, Ada C. P.; RIBEIRO, Lívia A. D. (org.). Tramas para a justiça ambiental: diálogo de saberes e práxis emancipatórias . Fortaleza: Edições UFC , 2018. p. 163-214.).

Já a Saúde e Ambiente é

o núcleo de saberes e práticas em torno das relações entre a sociedade e a natureza, mediadas pelo modo de produção e o trabalho humano, que ajudam a compreender a determinação do processo saúde-doença das diferentes classes e grupos sociais (Augusto et al., 2014AUGUSTO, Lia G. S. et al. Desafios para a construção da “Saúde e Ambiente” na perspectiva do seu Grupo Temático da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 10, p. 4.081-4.089, 2014. https://doi.org/10.1590/1413-812320141910.09422014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/FwPTT9Fnty9vpnqhWNXsCwc/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 19 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/FwPTT9Fnty...
, p. 4.081).

O conceito de promoção da saúde, associado ao de justiça ambiental, implica incorporar a defesa de direitos humanos fundamentais, a redução das desigualdades e o fortalecimento da democracia na defesa da vida e da saúde. Neste caso, a concepção de saúde e ambiente transcende as variáveis do saneamento básico, da contaminação ambiental por poluentes e das doenças e mortes decorrentes desses fatores (Fenner et al., 2018FENNER, André L. D. et al. Saúde dos povos e populações do campo, da floresta e das águas: a Fiocruz e sua atuação estratégica na temática de saúde e ambiente relacionada aos povos e populações do campo, da floresta e das águas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2018.).

No âmbito das práticas, a ST e a SA inserem-se no SUS em diversos instrumentos normativos, destacando-se a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT) (Brasil, 2012BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.823, de 23 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Brasília: Ministério da Saúde , 2012.) e a Vigilância em Saúde Ambiental, definida como

conjunto de ações que propiciam o conhecimento e a detecção de mudanças nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de identificar as medidas de prevenção e controle dos fatores de risco ambientais relacionados às doenças ou a outros agravos (Franco Netto et al., 2017FRANCO NETTO, Guilherme et al. Vigilância em Saúde brasileira: reflexões e contribuição ao debate da 1a Conferência Nacional de Vigilância em Saúde. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 22, n. 10, p. 3.137-3.148, 2017. https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.18092017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/gkJPYXnymhVD4TG5MSdN9MG/abstract/?lang=pt. Acesso em: 20 out. 2021.
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, p.3139).

Compõe também o arcabouço teórico do estudo a Sociologia das Ausências, aqui usada para entender a construção social da invisibilidade das PCAs sob a hipótese de que ela estaria relacionada à hegemonia da compreensão ocidental do mundo, que tende a desacreditar e tornar invisíveis inciativas, experiências e movimentos alternativos que têm outra compreensão do mundo. O objetivo da Sociologia das Ausências é transformar as ausências em presença. É necessário visibilizar e tornar credíveis essas populações, considerando sua diversidade social, cultural e produtiva; as formas de se relacionarem com a natureza; a valorização de seus saberes e tradições; os conflitos ambientais que vivenciam e as estratégias de resistência que constroem; enfim, suas maneiras de experienciar e compreender o mundo que se relacionam com seus processos saúde-doença (Santos, 2010SANTOS, Boaventura S. Uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. In: SANTOS, Boaventura S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 93-136.). É importante, inclusive para os profissionais do NASF-AB, revelar e creditar a diversidade das práticas sociais das PCAs, em contraposição à credibilidade exclusiva das práticas hegemônicas.

Este manuscrito ancora-se teoricamente nesses referenciais e objetiva analisar a atuação do NASF-AB quanto à ST e SA em territórios do campo e das águas com as famílias que vivem da pesca artesanal e da agricultura camponesa.

Metodologia

Estudo com enfoque qualitativo (Minayo, 2010MINAYO, Maria C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010.), cujo material empírico foram narrativas de profissionais do NASF-AB, atuantes em territórios com processos produtivos da Agricultura Camponesa (AC) e Pesca Artesanal (PA), em dois municípios do Nordeste brasileiro, um no Ceará e um no Rio Grande do Norte.

Esses municípios apresentam Índice de Desenvolvimento Humano abaixo do nível nacional e do Estado ao qual pertencem, e atenderam aos seguintes critérios de inclusão: demandas de movimentos populares para realização de estudos de saúde da PCA; ser de pequeno porte; população rural acima de 35 % da população total; uso do SUS maior que 95%; e presença de colônia de pescadores(as) e sindicatos de trabalhadores(as) rurais. Em cada um havia um NASF-AB, por isso, para garantir o anonimato dos participantes, optou-se por não incluir o nome dos municípios.

Foram realizados dois grupos focais (GF) (Minayo, 2010MINAYO, Maria C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010.), um em cada local, no período de outubro a dezembro de 2019. Os participantes foram mobilizados mediante articulação com as secretarias municipais de Saúde e totalizaram 13 profissionais do NASF-AB, seis do Rio Grande do Norte e sete do Ceará: um farmacêutico, um educador físico, um fonoaudiólogo, um psicólogo, três nutricionistas, três assistentes sociais e três fisioterapeutas. Os discursos foram gravados, transcritos e, para garantir o sigilo e ética, estão explicitados de forma abreviada pela sigla GF, seguida da numeração 1 e 2. Os GFs foram conduzidos por dois pesquisadores que atuaram como moderador e observador, e adotaram um roteiro que versava sobre: principais ocupações produtivas dos moradores dos territórios do campo e das águas, cargas de trabalho, doenças relacionadas ao trabalho, riscos ambientais e práticas do NASF-AB diante da ST e SA na PA e AC.

As narrativas foram categorizadas por temas à luz do referencial teórico, o qual ancorou todas as etapas da pesquisa, desde seu desenho até a produção dos resultados e discussões. O movimento interpretativo apontou duas categorias analíticas, apresentadas na seção de resultados e discussão: Particularidades, invisibilidades e potências da PCA e ST; e SA nos territórios da AC e da PA.

Resultados e discussão

Particularidades, invisibilidades e potências das populações do campo e das águas

Um primeiro aspecto que merece atenção é a amplitude das necessidades socioeconômicas dessas populações e de acesso a serviços e bens públicos, incluindo-se os serviços de saúde. A percepção dos profissionais do NASF-AB é de que os territórios do campo e das águas possuem situações de maior vulnerabilidade social quando comparados aos da cidade, em razão do pequeno poder aquisitivo das famílias e de acessos precários à água tratada, moradia adequada, estradas, saneamento, transporte público, serviços de saúde, entre outros. Esses resultados inserem-se no contexto em que para as PCAs do Brasil prevalecem situações de iniquidades, vulnerabilidades e desigualdades históricas e estruturais, como a falta de acesso a serviços de saúde e de saneamento (Carneiro, Pessoa e Teixeira, 2017CARNEIRO, Fernando F.; PESSOA, Vanira M.; TEIXEIRA, Ana C. A. Campo, Floresta e Águas: práticas e saberes em saúde. Brasília: Editora UNB, 2017.).

Tem uma grande carência desse pessoal da zona rural, porque não tem acesso a todos os serviços (GF1).

Não tem água tratada (GF1).

Um ou outro tem carro, a maioria é moto, e muitos têm uma bicicleta, um cavalo [...] (GF1).

A questão financeira bem baixa (GF1).

A falta de saneamento básico é muito mais complicada (GF2).

O reconhecimento dessa particularidade pelos profissionais do NASF-AB está em sintonia com a importante premissa da ABS (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2017.) de reconhecer especificidades dos territórios e de suas populações, sem as quais os processos saúde-doença e os cuidados demandados por esses processos deixam de ser compreendidos e respondidos de acordo com suas complexidades e singularidades.

Outra questão relevante para o trabalho do NASF-AB no contexto das PCAs refere-se às suas especificidades socioculturais, as quais, relacionadas àquelas socioeconômicas, conferem uma singularidade a essas populações, imprimindo desafios variados à resolução de problemas de saúde que enfrentam, nas esferas do cuidado individual e coletivo, e que são levados até os profissionais de saúde. “Têm vários territórios, diversas pessoas com culturas diferentes. A gente tem que se adaptar. Os casos são mais complexos por ser uma cultura mais enraizada” (GF2).

A PNSIPCFA define essas populações como povos e comunidades que têm seus modos de vida, produção e reprodução social relacionados predominantemente com o campo, as florestas, os ambientes aquáticos, a agropecuária e o extrativismo (Brasil, 2013BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Integral das Populações de Campo e da Floresta. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.).

Isso significa compreender que os sujeitos possuem uma relação com seu território cercada de sentimentos, valores e preferências, transmitidos por meio de gerações que construíram sua própria cultura, seu modo de vida, e não atribuem apenas valor material, mas também um valor simbólico à terra, à mata, à água, entre outros bens comuns, formadores de identidades. O território, nesse sentido, inclui a dimensão subjetiva e simbólica, identitária, afetiva e cultural, fundada pela prática social (Pereira e Penido, 2010PEREIRA, Doralice B.; PENIDO, Marina O. Conflitos em empreendimentos hidrelétricos: possibilidades e impossibilidades do (des)envolvimento social. In: ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens (org.). Desenvolvimento e conflitos ambientais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p. 250-275. ).

Entretanto, os aspectos culturais das comunidades atendidas pelo NASF-AB foram pouco reconhecidos pelos participantes da pesquisa, sinalizando que os profissionais de saúde estão inseridos em processos formativos voltados para os contextos urbanos, cuja visão hegemônica de rural, segundo Silva (2014SILVA, Maria L. V. Gritos, silêncios e sementes: as repercussões do processo de des-reterritorialização empreendido pela modernização agrícola sobre o ambiente, o trabalho e a saúde de mulheres camponesas na Chapada do Apodi/CE. 2014. 364 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2014.), construída social e historicamente, remete a lugar de atraso, pobreza e analfabetismo.

Há uma invisibilidade das populações do campo e das águas no Brasil que se reflete na práxis do SUS e na formação em saúde (Carneiro, Pessoa e Teixeira, 2017CARNEIRO, Fernando F.; PESSOA, Vanira M.; TEIXEIRA, Ana C. A. Campo, Floresta e Águas: práticas e saberes em saúde. Brasília: Editora UNB, 2017.), e, por vezes, quando são visibilizados, há um descrédito sobre suas experiências de vida. A Sociologia das Ausências ajuda a compreender essa invisibilidade como provocada pela compreensão hegemônica do mundo ocidental, marcada por suas concepções de tempo e temporalidade, pela razão científica moderna e pelo modo de produção capitalista, que vão produzindo as cinco principais formas sociais de não-existência: o ignorante, o atrasado, o inferior, o local e o improdutivo (Santos, 2010SANTOS, Boaventura S. Uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. In: SANTOS, Boaventura S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 93-136.); que se traduzem em valores frequentemente atribuídos às PCAs.

Esse referencial ajuda a compreender por que os aspectos culturais reconhecidos pelos profissionais foram mencionados, não como potencialidades das PCAs, mas como barreiras à resolução dos problemas de saúde, o que pode estar associado a uma menor legitimidade, no campo social e da saúde, de modos de vida diferentes daqueles hegemônicos na sociedade moderna ocidental. Isso reforça a importância de uma reorientação da formação em saúde que dote os profissionais de competências que lhes permitam lidar com as necessidades de saúde conformadas em meio à diversidade socioeconômica e sociocultural que caracteriza o país.

A saúde das PCAs coloca ainda o desafio de dialogar com realidades singulares, plurais, interculturais, que passam pela dimensão de movimentos sociais, do ambiente, do trabalho, do modo de vida e do cuidado em saúde. Isso requer uma nova forma de explicar a realidade, de conhecer, de analisar, de perceber o mundo em que se vive (Carneiro, Pessoa e Teixeira, 2017CARNEIRO, Fernando F.; PESSOA, Vanira M.; TEIXEIRA, Ana C. A. Campo, Floresta e Águas: práticas e saberes em saúde. Brasília: Editora UNB, 2017.).

A complexidade nos modos de vida e nas questões de saúde presentes nesses territórios traduz-se no desafio de ter que manejar problemas e necessidades de saúde diante dos quais os arsenais teórico e instrumental do paradigma biomédico, que de maneira hegemônica alicerçam as práticas de saúde, mostram-se insuficientes.

Os casos que são de zona rural são bem mais desafiadores. Percebo situações de saúde e doença dos usuários mais complexas, no sentido de que a gente precisa de toda a rede de apoio. Estou falando de uma série de fatores, de modo de vida, do local. Talvez, o que dificulta é a relação das próprias pessoas com o seu processo de saúde-doença. É complexo no sentido que ele me traz, do que o paciente traz, da doença, da condição do paciente. Os casos tornam-se mais complexos por uma série de fatores, e são econômicos também. E são graves nesse aspecto. Casos mais complexos, até assim, de dialogar, de lidar (GF2).

Nos relatos, os casos mostram-se mais desafiadores porque a resolução dos problemas de saúde nesses territórios está fortemente atravessada por aspectos socioeconômicos e socioculturais que lhes são singulares e plurais. Por um lado, as limitações socioeconômicas inscrevem necessidades sociais, as quais se acoplam às necessidades biomédicas, que habitualmente estão a reclamar intervenções diagnósticas e terapêuticas, de tal maneira que o seu manejo simultâneo é, muitas vezes, determinante para a resolução das demandas que aparentam ser eminentemente clínicas (Silva, 2021SILVA, Jennifer V. Necessidades de saúde de adolescentes e jovens na sociedade contemporânea: um estudo em Mossoró, Rio Grande do Norte. 2021. 297 f. Tese (Doutorado em Medicina Preventiva) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.).

Por outro lado, especificidades socioculturais traduzidas em modos de ser e agir distintos daqueles com os quais os profissionais são mais familiarizados erguem necessidades intersubjetivas (Silva, 2021SILVA, Jennifer V. Necessidades de saúde de adolescentes e jovens na sociedade contemporânea: um estudo em Mossoró, Rio Grande do Norte. 2021. 297 f. Tese (Doutorado em Medicina Preventiva) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.), as quais emergem dos valores e formas próprias de existir dessas populações. E que requerem interações de novo tipo entre os sujeitos envolvidos, pois o rol de soluções (e seus valores subjacentes) estruturado para operar de maneira intrassetorial, individualizado, centralizado no profissional e verticalizado diante de um usuário passivo, explicita uma clara insuficiência.

No esteio das particularidades socioculturais das PCAs, a pesquisa evidenciou o interesse e a participação dessas populações, sobretudo de mulheres, em atividades coletivas de educação, prevenção e promoção da saúde, como uma potencialidade singular, apesar das barreiras de acesso e limitações estruturais que enfrentam.

Na zona rural são pessoas muito carentes de informações. Elas sempre têm a curiosidade de saber, questionam muito e são bem mais participativas do que o pessoal da zona urbana (GF1).

Eles são muito unidos, tem um grupo bem politizado lá. Quanto mais zona rural, mais adesão a gente tem nas educações em saúde, grupos, e eles gostam, valorizam o que a gente promove (GF2).

A organização política e a participação social no cuidado em saúde são fundamentais na ABS. O discurso supracitado evidencia a potência desse aspecto do interesse e da participação política para subsidiar formas de fazer saúde distintas da prática biomédica dominante, em que ações de caráter coletivo e fora do espectro diagnose-terapêutica têm, apesar de seus avanços, esbarrado em numerosas dificuldades, inclusive nesta da participação.

Saúde do trabalhador e Saúde e Ambiente nos territórios da agricultura camponesa e da pesca artesanal

A ESF e o NASF-AB devem, além de abordar as particularidades dos aspectos socioeconômicos e culturais das PCAs, compreender e incorporar as relações entre saúde, ambiente e trabalho das famílias que vivem da PA e AC, na perspectiva de contribuir com a ST e a SA nesses territórios. Porém, inserir uma abordagem integrada de ST e SA nas práxis do SUS tem sido um desafio (Pontes e Rigotto, 2014PONTES, Andrezza G. V.; RIGOTTO, Raquel M. Saúde do Trabalhador e Saúde Ambiental: potencialidades e desafios da articulação entre universidade, SUS e movimentos sociais. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 39, n. 130, p. 161-174, 2014. https://doi.org/10.1590/0303-7657000077113. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbso/a/mTLWm7z7fLJc8RPcrrSCVfM/?lang=pt. Acesso em: 10 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/rbso/a/mTLWm7z7f...
).

As percepções dos profissionais do NASF-AB sobre cargas de trabalho, doenças relacionadas ao trabalho e riscos ambientais de famílias que vivem da PA e AC estão explícitas no Quadro 1. As lacunas presentes, especialmente no reconhecimento do trabalho das mulheres para além de donas de casa, apontam a dificuldade em reconhecer e integrar essas questões à produção dos serviços de saúde.

Quadro 1
Percepções de profissionais do NASF-AB sobre cargas de trabalho, doenças relacionadas ao trabalho e riscos ambientais de famílias que vivem da pesca artesanal e da agricultura camponesa, 2019.

O trabalho humano tem sido espaço de sujeição, sofrimento, desumanização e precarização, sobretudo no modo de produção capitalista; apesar de carregar consigo laços de sociabilidade e solidariedade (Antunes, 2018ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2018.), podendo ser fonte de satisfação e realização. Para entender como o trabalho pode contribuir ou prejudicar o processo saúde-doença de trabalhadores e trabalhadoras, é importante identificar nos territórios os processos produtivos, seus impactos para o trabalho e o ambiente; o perfil dos trabalhadores, considerando os sentidos do trabalho; condições, processos e cargas de trabalho; acidentes de trabalho e doenças relacionadas ao trabalho (Brasil, 2012BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.823, de 23 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Brasília: Ministério da Saúde , 2012.).

O trabalho na AC é marcado pela relação harmônica e simbólica com a terra e a água, consideradas bens comuns; pelo trabalho familiar voltado ao autoconsumo e a trocas no mercado interno, podendo ampliar para um mercado mais abrangente; e pela autonomia do trabalhador e da trabalhadora sobre o tempo, o quê, como, quando, onde e para quem produzir (Pontes, 2012PONTES, Andrezza G. V. Saúde do trabalhador e saúde ambiental: articulando universidade, SUS e movimentos sociais em território rural. 2012. 263 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2012.). A PA caracteriza-se principalmente pela simplicidade tecnológica, pelo uso de instrumentos e de barcos artesanalmente construídos pelos próprios pescadores e marisqueiras, pelo trabalho familiar sem a prática do assalariamento, mas a divisão do que é pescado, e pela organização de todo processo de produção com o mesmo grupo de trabalho (Feitosa e Tupinambá, 2002FEITOSA, Regina; TUPINAMBÁ, Soraya V. Ambiente litorâneo: aspectos sócio-culturais. Fortaleza: Instituto Terramar, 2002. (Apostilas para o curso de formação de lideranças, 4). ).

Em ambos, o trabalho constitui o próprio modo de vida das comunidades, permeado por saberes transmitidos pela oralidade por meio de gerações, e apresenta relações sociais e de produção que trazem sentidos do trabalho completamente diferentes da lógica da produção capitalista; o que proporciona também aspectos positivos para o processo saúde-doença. Essas dimensões do trabalho não são observadas pelos profissionais do NASF-AB no sentido de fortalecer essas potências.

As narrativas evidenciam que as relações entre trabalho e saúde são percebidas sob o aspecto de desgaste físico e mental que a ocupação exerce sobre o corpo biologizado, individual e adoecido do pescador ou do agricultor, sobretudo o homem.

No trabalho tradicional na PA e na AC, a mulher desempenha múltiplas atividades, todavia, os profissionais do NASF-AB diferenciam o trabalho do homem e da mulher, demonstrando não reconhecimento das mulheres no espaço público e de seus problemas de saúde decorrentes do trabalho. A percepção das mulheres apenas como donas de casa e as lacunas, explícitas no Quadro 1, quanto às suas cargas e doenças relacionadas ao trabalho, demonstram o ocultamento do trabalho feminino em famílias que vivem da PA e da AC.

Isso se associa à marca da invisibilização das mulheres do campo e das águas como sujeito político, o que fez com que sua presença e seu trabalho não fossem reconhecidos nem valorizados ao longo dos anos. A condição de mulher trabalhadora foi relegada ao espaço privado da casa e das relações familiares, como algo natural, muito embora elas não tenham deixado de atuar no mundo da produção, da política e de movimentos sociais. Prevalecem diversas formas de discriminação e opressão contra as mulheres, inclusive nas atividades agrícolas de produção, em que sua participação é qualificada pela família como ‘ajuda’. Isso repercute e se reproduz nos movimentos e nos órgãos governamentais, o que tem dificultado seu reconhecimento como trabalhadora portadora de direitos (Silva, 2014SILVA, Maria L. V. Gritos, silêncios e sementes: as repercussões do processo de des-reterritorialização empreendido pela modernização agrícola sobre o ambiente, o trabalho e a saúde de mulheres camponesas na Chapada do Apodi/CE. 2014. 364 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2014.).

Existem, nos territórios, movimentos de mulheres camponesas na luta pelo reconhecimento e fortalecimento dos seus trabalhos (Pontes, 2012PONTES, Andrezza G. V. Saúde do trabalhador e saúde ambiental: articulando universidade, SUS e movimentos sociais em território rural. 2012. 263 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2012.). São donas de casa, conforme reconheceram os profissionais do NASF-AB, mas também camponesas, responsáveis pelo cuidado de quintais produtivos e de criações de pequenos animais. Dividem seu tempo entre trabalho doméstico e tarefas na agricultura, além da educação dos filhos, participação em atividades políticas e sociais das comunidades (Silva, 2014SILVA, Maria L. V. Gritos, silêncios e sementes: as repercussões do processo de des-reterritorialização empreendido pela modernização agrícola sobre o ambiente, o trabalho e a saúde de mulheres camponesas na Chapada do Apodi/CE. 2014. 364 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2014.).

Nas famílias da PA, as mulheres também realizam politrabalho: são donas de casa e pescadoras ou marisqueiras. A mariscagem compreende desde a preparação dos materiais para a coleta do marisco até chegar ao produto final para a venda. É realizada no domicílio, peridomicílio e ambiente extradomiciliar. Inclui as etapas de coleta em ambientes aquáticos, como os manguezais, transporte e cata de mariscos. Realizam longas jornadas de trabalho e apresentam altas prevalências de distúrbios muscoloesqueléticos (DME) para obtenção do sustento e da segurança alimentar de suas famílias com a venda e o consumo do marisco (Pena, Freitas e Cardim, 2011PENA, Paulo G. L.; FREITAS, Maria C. S.; CARDIM, Adryanna. Trabalho artesanal, cadências infernais e lesões por esforços repetitivos: estudo de caso em uma comunidade de marisqueiras na Ilha de Maré, Bahia. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 16, n. 8, p. 3.383-3.392, 2011. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011000900005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/LzQLcj4srhm8VMK3nz5xTPJ/?lang=pt. Acesso em: 19 set. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/LzQLcj4srh...
).

A invisibilidade do trabalho das marisqueiras para o NASF-AB reforça que, do ponto de vista epidemiológico, existe subnotificação dos agravos relacionados ao trabalho da mariscagem e suas consequências, dificultando ainda mais a realização de ações voltadas para essas trabalhadoras (Pena e Gomez, 2014PENA, Paulo G. L; GOMEZ, Carlos M. Saúde dos pescadores artesanais e desafios para a Vigilância em Saúde do Trabalhador. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 19, n, 12, p. 4.689-4.698, 2014. https://doi.org/10.1590/1413-812320141912.13162014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/gpPmdF6MdkDRxF8kXpnDkNN/abstract/?lang=pt. Acesso em: 1 nov. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/gpPmdF6Mdk...
).

Os pescadores e camponeses homens chegam como demanda ao NASF-AB, principalmente à procura de serviços de fisioterapia, já que as lesões por esforços repetitivos (LER) e os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) são apontadas como suas principais doenças ligadas ao trabalho. As cargas de trabalho são de natureza física, química, orgânica, mecânica, fisiológica e psíquica. Por intermédio delas, pode-se compreender como os processos de trabalho desgastam as capacidades vitais dos trabalhadores (Facchini, 1993FACCHINI, Luiz A. Uma contribuição da epidemiologia: o modelo da determinação social aplicado à saúde do trabalhador. In: ROCHA, Lys E.; RIGOTTO, Raquel M.; BUSCHINELLI, José T. P. (org.). Isto lá é trabalho de gente?: vida, doença e trabalho no Brasil. São Paulo: Vozes, 1993. p. 178-186.).

Quanto especificamente aos pescadores, eles mencionaram cargas fisiológicas de jornadas prolongadas de trabalho, levantamento e transporte de peso, seguidos por transtornos mentais, associados, pelo NASF-AB, à baixa renda e à ociosidade no período do defeso. Além disso, citam também problemas dermatológicos, hipercolesterolemia, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, gastrite e obesidade como doenças relacionadas ao trabalho. As LER e artroses são referidas por mulheres donas de casa de famílias da pesca.

Pego muitas lesões e muitos casos decorrentes do trabalho. E dos homens, todos que atendo são de área de risco. As mulheres também, por serem donas de casa, todas têm lesão por esforço repetitivo, poucos casos de artrose. Eles sofrem muito no período do defeso, ficam sem ocupação, ociosos e muitos acabam até entrando em doenças de saúde mental, alcoolismo (GF2).

A gente atende esses pescadores, e percebe que quando eles passam muitos dias no mar, a alimentação não é muito boa, eles optam pelas coisas mais fáceis, que são prontas, fritura. Problemas de pele são bem comum (GF2).

Essas cargas de trabalho reforçam evidências científicas já existentes: a exposição à radiação solar, as variações climáticas, a falta de equilíbrio nas embarcações, que torna susceptível o trabalhador a quedas e tombos; acidentes com os materiais da pesca e com animais capazes de provocar cortes e perfurações, os ruídos contínuos de motorização; movimentos repetitivos e as posturas inadequadas; baixa luminosidade devido ao trabalho noturno; naufrágios e afogamentos; sobrecarga de peso (Nogueira, 2017NOGUEIRA, Laura S. M.; SOUZA, Doracy M.; BRÍGIDA, Ana M. B. S. Segurança e saúde dos pescadores artesanais no estado do Pará. São Paulo: Fundacentro, 2017.). Existe forte carga psíquica de sofrimento e estresse, além de problemas de saúde relacionados a situações de vulnerabilidade econômica e social (Pena e Gomez, 2014PENA, Paulo G. L; GOMEZ, Carlos M. Saúde dos pescadores artesanais e desafios para a Vigilância em Saúde do Trabalhador. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 19, n, 12, p. 4.689-4.698, 2014. https://doi.org/10.1590/1413-812320141912.13162014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/gpPmdF6MdkDRxF8kXpnDkNN/abstract/?lang=pt. Acesso em: 1 nov. 2021.
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):

A questão da renda é bem crítica, é ínfima a renda. Se não fosse o Bolsa Família, seria muito pior. E quando chega o período do defeso tudo piora. E às vezes eles têm uns problemas burocráticos para receber o seguro, passam meses sem receber o seguro, sem poder pescar. A gente precisa recorrer à assistência social, ver a questão de cesta básica, como favorecer algum benefício desse (GF2).

Na AC, os homens são mais acometidos por DORT em decorrência de seu trabalho: levantar peso, postura inadequada, capinar e roçar mato. Quando esses trabalhadores procuram o NASF-AB, já se encontram em estado crítico. “Agricultores são homens, sofrem muito impacto nas articulações e trabalham numa postura popularmente ‘envergado’. Eles vão chegar já com hérnias de disco, vem muito grave” (GF1).

Outrossim, vale sublinhar a capacidade dos profissionais do NASF-AB em adaptar suas intervenções terapêuticas à realidade das PCAs: “eles não vão ter condições, então a gente sempre tenta se adequar à realidade deles” (GF1). Nessa perspectiva bem-intencionada de ‘adequação à realidade’, os profissionais vão revendo suas práticas: organização de atendimentos ambulatoriais noturnos mensais para camponeses, nutricionistas falam em ajuste das dietas, educadores físicos em adaptação dos exercícios, fisioterapeutas em reaproveitamento de objetos domésticos. Tudo isso tem sua importância e tem se mostrado eficaz, a depender de cada contexto. “Então, a gente como profissional tem que levar soluções para eles” (GF1), mostrando-se como uma potência do NASF-AB sobre a ST das PCAs.

Observa-se nas práxis do NASF-AB o foco na assistência de trabalhadores das PCAs. A Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT), pilar da ST, e a promoção da saúde voltada para a PCA precisam ser inseridas e fortalecidas. O saber dos trabalhadores deve ser reconhecido e incorporado em ações de assistência, prevenção, promoção e vigilância em saúde do trabalhador, conforme a PNSTT (Brasil, 2012BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.823, de 23 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Brasília: Ministério da Saúde , 2012.).

Quanto às relações saúde e ambiente, os riscos ambientais destacados tanto na AC quanto na PA se concentram nas demandas por saneamento, com destaque para a dificuldade de acesso à água, banheiro, destino do esgoto e do lixo. Essa é uma dívida histórica do Estado brasileiro com a população do campo (Carneiro, Pessoa e Teixeira, 2017CARNEIRO, Fernando F.; PESSOA, Vanira M.; TEIXEIRA, Ana C. A. Campo, Floresta e Águas: práticas e saberes em saúde. Brasília: Editora UNB, 2017.) que sempre contou com menores investimentos se comparados aos da áreas urbanas. É uma importante política a ser universalizada que irá continuar enfrentando desafios no atual contexto de indução para privatização do setor. “Muitas vezes, a casa não tem saneamento, eles fazem as necessidades fisiológicas fora de casa” (GF1). “Tem muito esgoto a céu aberto. Algumas casas têm fossa, mas não têm um sistema de esgoto, e isso é um risco ambiental” (GF2).

Embora reconheçam a existência de alguns riscos ambientais, evidencia-se uma lacuna nas ações de Vigilância em Saúde Ambiental no NASF-AB. Para superação desse desafio, pode contribuir a leitura das relações saúde, ambiente e trabalho nos territórios que permita descortinar problemas e necessidades de saúde presentes nas PCAs, até então invisíveis para os NASF-AB. Tal abordagem possibilita, por exemplo, a compreensão de como o modelo de desenvolvimento rentista-neoextrativista adotado no país (Carvalho, Milanez e Guerra, 2018CARVALHO, Alba M. P.; MILANEZ, Bruno; GUERRA, Eliana C. Rentismo-neoextrativismo: a inserção dependente do Brasil nos percursos do capitalismo mundializado (1900-2017). In: RIGOTTO, Raquel M.; AGUIAR, Ada C. P.; RIBEIRO, Livia A. (org.). Tramas para a justiça ambiental: diálogo de saberes e práxis emancipatórias. Fortaleza: Edições UFC, 2018. p. 19-57. ) incentiva o agronegócio, em detrimento da AC; de como a maritimidade com a especulação imobiliária e o avanço do turismo, além do incentivo governamental à pesca industrial, impactam a PA (Bezerra, 2013BEZERRA, Cleiton P. Memorial da Redonda: reinvenção e luta na produção da saúde dos povos do mar. 2013. 324 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013.). Isso se expressa nos territórios em conflitos ambientais, em que, apesar das evidências científicas acumuladas a respeito das suas interferências na saúde das pessoas, há um processo de ocultamento dessas ameaças (Rigotto et al., 2018RIGOTTO, Raquel M. et al. Desvelando as tramas entre saúde, trabalho e ambiente nos conflitos ambientais: aportes epistemológicos, teóricos e metodológicos. In: RIGOTTO, Raquel M.; AGUIAR, Ada C. P.; RIBEIRO, Lívia A. D. (org.). Tramas para a justiça ambiental: diálogo de saberes e práxis emancipatórias . Fortaleza: Edições UFC , 2018. p. 163-214.).

Conflitos ambientais, a contaminação por agrotóxicos e o impacto da carcinicultura em termos de poluição das águas não foram mencionados pelos participantes, apesar de constituírem problemas nessas duas regiões, já destacados em estudos científicos (Pontes, 2012PONTES, Andrezza G. V. Saúde do trabalhador e saúde ambiental: articulando universidade, SUS e movimentos sociais em território rural. 2012. 263 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2012.; Teixeira, 2008TEIXEIRA, Ana C. A. O trabalho no mangue nas tramas do (des)envolvimento e da des(ilusão) com esse furacão chamado carcinicultura: conflito socioambiental no Cumbe-Aracati-CE. 2008. 319 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, 2008.).

Tanto a agricultura camponesa quanto a pesca artesanal, em ambos os municípios investigados nesta pesquisa, enfrentam conflitos ambientais, já destacados na literatura científica. No município do Rio Grande do Norte estudado, a AC desenvolve uma luta histórica, em diálogo com outros sujeitos e saberes, na defesa de seus modos de vida, trabalho e bens comuns; contra os agrotóxicos e o agronegócio. No entanto, a AC está sendo ameaçada pela chegada do agronegócio. Há, portanto, um conflito ambiental instalado que repercute sobre o processo saúde-doença nesse território (Pontes, 2012PONTES, Andrezza G. V. Saúde do trabalhador e saúde ambiental: articulando universidade, SUS e movimentos sociais em território rural. 2012. 263 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2012.). Esse cenário articula-se com o nacional, em que a luta pelo direito à terra é uma ameaça à vida das populações tradicionais. Pesa ainda so­bre a população que vive e trabalha no campo a violência gerada por conflitos ambientais em que estão em disputa a terra, a água e condições dignas de trabalho (Franco Netto et al., 2017FRANCO NETTO, Guilherme et al. Vigilância em Saúde brasileira: reflexões e contribuição ao debate da 1a Conferência Nacional de Vigilância em Saúde. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 22, n. 10, p. 3.137-3.148, 2017. https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.18092017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/gkJPYXnymhVD4TG5MSdN9MG/abstract/?lang=pt. Acesso em: 20 out. 2021.
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).

O município do Ceará possui a comunidade com o maior número de pescadores artesanais deste estado, que se identificam como povos tradicionais (Bezerra, 2013BEZERRA, Cleiton P. Memorial da Redonda: reinvenção e luta na produção da saúde dos povos do mar. 2013. 324 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013.). São “Povos do mar”, pois há uma cultura local, que se revela em sua singularidade, e também é campo de pressões, onde o capital expõe a sua lógica de mercado. A PA neste local vivencia conflito ambiental com a pesca industrial que ameaça a pesca artesanal da lagosta, pois a escassez dessa espécie marinha se reflete mais fortemente nas suas condições de vida (Bezerra, 2013BEZERRA, Cleiton P. Memorial da Redonda: reinvenção e luta na produção da saúde dos povos do mar. 2013. 324 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013.).

Considerações finais

O cuidado em saúde integral das PCAs necessita de ações integradas de ST e SA e do reconhecimento dos seus modos de vida e de trabalho. Isso delineia desafios no âmbito intrassetorial do SUS, e requer mudanças no modelo de desenvolvimento nacional que gera conflitos ambientais nesses territórios e impactam modos de vida, trabalho, ambiente e saúde dessas populações.

Quanto aos processos de trabalho do NASF-AB, é importante incorporar a ST e SA no processo de territorialização em saúde, em diálogo com as PCAs, para reconhecerem suas necessidades de saúde, construindo propostas de intervenção, que, por vezes, extrapolam o setor saúde e requerem articulações intersetoriais. Nesse processo, torna-se fundamental desenvolver práticas de Vigilância em Saúde do Trabalhador e Vigilância em Saúde Ambiental, em diálogo com a Rede de Atenção à saúde, considerando as dificuldades de acesso dessas populações ao SUS.

É preciso, ainda, superar a invisibilidade acerca das especificidades de saúde das PCAs, que continuam a receber uma atenção à saúde pautada em normativas gerais para a população brasileira, habitualmente estruturadas segundo o mesmo referencial que as populações urbanas, o que culmina na desvalorização de seus modos de vida e redução da qualidade dos cuidados oferecidos em razão do inadequado manejo das necessidades de saúde.

Para tanto, o NASF-Ab deve ser alvo de processos formativos permanentes, visando ao desenvolvimento de habilidades voltadas à ST e AS, à melhor compreensão das singularidades culturais das PCAs; ao manejo dos casos complexos, no sentido dado pelos profissionais de saúde, ou seja, casos nos quais as necessidades biomédicas são acompanhadas por necessidades sociais e intersubjetivas; à construção de estratégias intersetoriais; ao diagnóstico de comunidade alicerçado em problemas, necessidades e vulnerabilidades em saúde; e, à educação popular em saúde.

O SUS precisa participar mais ativamente do debate público sobre o modelo de desenvolvimento, considerando o papel deste na determinação social do processo saúde-doença, especialmente das PCAs. Isso requer atuação em frentes mais amplas, como a luta por justiça ambiental, contra os agrotóxicos e em defesa dos modos de vida de povos e comunidades tradicionais. A articulação entre o SUS, as universidades e os movimentos populares do campo e das águas pode ser uma estratégia frutífera no enfrentamento desses desafios.

Referências

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  • Financiamento

    Este estudo recebeu apoio financeiro do Programa Inova Fiocruz, por meio do edital “Inova: Novos Talentos”, número 03/2018, conforme o processo da Fiocruz n. 1991992814.
  • Apresentação prévia

    Este artigo é parte do projeto intitulado “Produção de indicadores para avaliação das condições de vida das famílias e acesso aos serviços de atenção primária em territórios do litoral e do sertão do Ceará e do Rio Grande do Norte”, liderado pela pesquisadora Vanira Matos Pessoa. O projeto teve início em dezembro de 2018 e término em setembro de 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2021
  • Aceito
    04 Jul 2022
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