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Curupira e Caipora: o papel dos seres elementais como guardiões da natureza

Curupira and Caipora: the role of elemental beings as guardians of nature

Resumo

Povos indígenas e comunidades tradicionais dão prioridade às relações sociais e interativas entre humanos e não humanos, em que entes naturais, como animais, plantas, fungos, rios, cachoeiras, rochas, cavernas ou montanhas, estão imbuídos de espíritos, com subjetividades e consciência reflexiva. De acordo com as cosmopercepções de diferentes culturas, os seres elementais ou enteais atuam direta ou indiretamente na regulação de atividades antrópicas, guiando o comportamento dos indivíduos que adentram espaços naturais diversos, para fins de caça, pesca, coleta, cultivo, recreação etc. Por meio de uma revisão comparada de bibliografia obtida nas bases de dados Google Scholar e Scientific Electronic Library Online (SciELO), no período de janeiro a julho de 2021, o presente artigo discute acerca dos entes que exercem a função de guardiões da natureza e dos recursos, especialmente das espécies animais de interesse cinegético (caça). Uma atenção especial é direcionada a duas das entidades protetoras mais conhecidas no imaginário brasileiro: Curupira e Caipora. Torna-se premente conceber a união da espiritualidade com a ecologia, objetivando entender e apoiar as crenças locais, a fim de implementar estratégias ecologicamente embasadas para alcançar tanto a conservação racional dos recursos naturais quanto a manutenção do rico patrimônio biocultural a eles associada.

Palavras-chave
Animismo; Narrativa oral; Folclore; Caça; Conservação dos recursos naturais; Etnoecologia

Abstract

Indigenous peoples and traditional communities prioritize social and interactive relationships between humans and non-humans in which natural beings like animals, plants, fungi, rivers, waterfalls, rocks, caves or mountains are imbued with spirits, subjectivities and reflective awareness. According to the cosmological perceptions of different cultures, elemental or enteal beings directly or indirectly act in the regulation of anthropic activities, guiding the behavior of individuals who enter various natural spaces for activities such as hunting, fishing, gathering, cultivation and recreation. This review of the literature in the Google Scholar and Scientific Electronic Library Online (SciELO) databases from January to July 2021 addresses the entities that act as guardians of nature and resources, especially animal species that are hunted. Special attention is directed to two of the best-known protective entities in Brazil: Curupira and Caipora. The combination of spirituality and ecology is essential to understand and support local beliefs and, in turn, implement ecologically-based strategies for rational conservation of natural resources and maintenance of the rich biocultural heritage associated with them.

Keywords
Animism; Oral narrative; Folklore; Hunting; Conservation of natural resources; Ethnoecology

INTRODUÇÃO

Mas será que a ciência está dialogando com os espíritos da floresta? Será que a ciência está entendendo de que não adianta só escrever? Que tem que sentir, que tem que perceber, que tem que interagir com todas as formas outras não humanas?

(Takuá, 2020Takuá, C. (2020). Seres criativos da floresta (Cadernos Selvagem, Vol. 4). Dantes Editora., p. 5)

Para muitos grupos culturais ao redor do mundo, em especial entre povos indígenas e comunidades tradicionais, as concepções de natureza e de sagrado não se dissociam de suas cosmovisões. A criação e as diversas relações que os seres humanos estabelecem com entidades míticas e mágico-religiosas milenares, as quais são associadas a paisagens, bosques, montanhas e mesmo a determinadas espécies consideradas sagradas, são manifestações vivas do apego ancestral, cultural e emocional dos seres humanos à natureza e aos recursos naturais, ou seja, ao território (Kala, 2017Kala, C. P. (2017). Conservation of nature and natural resources through spirituality. Applied Ecology and Environmental Sciences, 5(2), 24-34. http://doi.org/10.12691/aees-5-2-1
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). Ao longo da história humana, diferentes sistemas socioambientais desenvolveram crenças locais e práticas ecológicas que estão alinhadas em garantir tanto a conservação da natureza quanto a manutenção da herança biocultural a ela atrelada. Nos últimos anos, tem havido um interesse crescente em “ecologia espiritual”, evidenciando que a interação entre práticas espirituais e ambiente pode ajudar a direcionar vários temas e problemas ecológicos dentro do campo da religião e das religiosidades (Berkes, 1999Berkes, F. (1999). Sacred ecology: traditional ecological knowledge and resource management. Taylor & Francis.; Hoefle, 2009Hoefle, S. W. (2009). Amazônia encantada: ética ambiental e identidade cultural. Espaço e Cultura, (26), 72-92.; Sponsel, 2012Sponsel, L. E. (2012). Spiritual ecology: a quiet revolution. ABC-CLIO Publication.; Grim & Tucker, 2014Grim, J., & Tucker, M. E. (2014). Ecology and religion. Island Press.; Costa-Neto, 2020aCosta-Neto, E. M. (2020a). Ecologia espiritual e patrimônio biocultural. Travessias, 14(1), 14-23., 2020bCosta-Neto, E. M. (2020b). Conexões espirituais com a Mãe Terra: Plenitude humana 1manifestada pelo Xamanismo. Ethnoscientia, 5(1), 1-17. http://dx.doi.org/10.22276/ethnoscientia.v5i1.343
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; Costa-Neto et al., 2022Costa-Neto, E. M., Chamy, P., & Nunes-Santos, C. (2022). Ecologia espiritual: reflexões para a construção de caminhos integrativos. In E. M. Costa-Neto & E. R. S. Silva (Orgs.), Ecologia espiritual: integrando natureza, humanidades e espiritualidades (pp. 1-16). Atena.).

Ecologia espiritual pode ser definida como uma arena vasta, complexa, diversa e dinâmica nas interfaces das religiões e espiritualidades com os ambientes, ecologias e ambientalismos, incluindo componentes intelectuais, espirituais e práticos (Sponsel, 2012Sponsel, L. E. (2012). Spiritual ecology: a quiet revolution. ABC-CLIO Publication.). Para Sponsel (2022, p. 21)Sponsel, L. E. (2012). Spiritual ecology: a quiet revolution. ABC-CLIO Publication., “ecologia espiritual não diminui a necessidade de abordagens seculares para lidar com crises e problemas ambientais, uma vez que, embora esteja fundamentada nas ciências ambientais, agrega as forças profundas das religiões e das espiritualidades”. Dada a grave crise socioambiental causada pela espécie humana, a abordagem filosófica e pragmática da ecologia espiritual (Sponsel, 2012Sponsel, L. E. (2012). Spiritual ecology: a quiet revolution. ABC-CLIO Publication.; Vaughan-Lee, 2013Vaughan-Lee, L. (2013). Spiritual ecology: the cry of the earth, a collection of essays. The Golden Sufi Center.) reivindica uma nova ética baseada numa espiritualidade ecológica.

Diferentes autores evidenciam que os preceitos religiosos são úteis como uma ferramenta poderosa para mitigar os impactos negativos das atuais pressões antropogênicas sobre a natureza e seus elementos (por exemplo, Marques, 2001Marques, J. G. W. (2001 [1995]). Pescando pescadores: ciência e etnociência em uma perspectiva ecológica (2. ed.). NUPAUB/Fundação Ford. [1995], 2005Marques, J. G. W. (2005). “É pecado matar a esperança, mas todo mundo quer matar o sariguê”. Etnoconservação e catolicismo popular no Brasil. In: A. G. C. Alves, R. F. P. Lucena & U. P. Albuquerque (Orgs.), Atualidades em etnobiologia e etnoecologia (Vol. 2, pp. 25-43). Nupeea/SBEE.; Taylor, 2010Taylor, B. (2010). Dark green religion: nature spirituality and the planetary future. University of California Press.; Allison, 2017Allison, E. (2017). Spirits and nature: The intertwining of sacred cosmologies and environmental conservation in Bhutan. Journal for the Study of Religion, Nature and Culture, 11(2), 197-226. https://doi.org/10.1558/jsrnc.18805
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; Kala, 2017Kala, C. P. (2017). Conservation of nature and natural resources through spirituality. Applied Ecology and Environmental Sciences, 5(2), 24-34. http://doi.org/10.12691/aees-5-2-1
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; Diegues, 2019Diegues, A. C. S. (2019). Conhecimentos, práticas tradicionais e a etnoconservação da natureza. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 50, 116-126. http://dx.doi.org/10.5380/dma.v50i0.66617
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). Em um estudo desenvolvido sobre os fatores que influenciam no manejo de recursos naturais e na conservação do ecossistema fluvial por grupos indígenas da várzea de Nongchaiwan, na Tailândia, Chunhabunyatip et al. (2018)Chunhabunyatip, P., Sasaki, N., Grünbühel, C., Kuwornu, J. K. M., & Tsusaka, T. W. (2018). Influence of indigenous spiritual beliefs on natural resource management and ecological conservation in Thailand. Sustainability, 10(8), 2842. http://dx.doi.org/10.3390/su10082842
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sugerem que as crenças espirituais locais deveriam ser reconhecidas e incluídas nas políticas governamentais, a fim de que fossem apoiadas medidas sustentáveis de conservação para beneficiar tanto os elementos da natureza quanto a manutenção das práticas socioculturais. No Benin, os pescadores da etnia Tofinu são proibidos de exercer suas atividades em certos recantos da lagoa Nokoue, por serem locais de descanso da deusa Anasi Gbégu. Tal interdição se justifica porque pesquisas demonstraram que, justamente nesses locais, reproduzem-se as espécies capturadas nas outras áreas da lagoa (Waldman, 2006Waldman, M. (2006). Meio ambiente e antropologia (Série Meio Ambiente, n. 6). Editora Senac São Paulo.). Outro exemplo vem do Butão, cuja crença generalizada em divindades e espíritos que habitam as paisagens tem moldado os modos como comunidades dependentes de recursos conceituam e interagem com ambientes locais, o que permite que cerca de dois terços da nação permaneçam sob cobertura florestal (Allison, 2017Allison, E. (2017). Spirits and nature: The intertwining of sacred cosmologies and environmental conservation in Bhutan. Journal for the Study of Religion, Nature and Culture, 11(2), 197-226. https://doi.org/10.1558/jsrnc.18805
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).

Considerar os aspectos da dimensão espiritual tem atraído a atenção internacional devido à habilidade com que povos indígenas e comunidades tradicionais, por meio de suas espiritualidades, efetivamente vêm manejando e protegendo espécies de fauna, flora e funga, bem como espaços naturais por gerações (por exemplo, Anderson, 1996Anderson, E. N. (1996). Ecology of the heart: emotion, belief, and the environment. Oxford University Press.; Verschuuren, 2006Verschuuren, B. (2006). An overview of cultural and spiritual values in ecosystem management and conservation strategies. In B. Haverkort & S. Rist (Eds.), Endogenous development and bio-cultural diversity: the interplay of worldviews, globalisation and locality (pp. 299-325). COMPAS.; Fernandes-Pinto & Irving, 2017Fernandes-Pinto, E., & Irving, M. A. (2017). Sítios naturais sagrados: valores ancestrais e novos desafios para as políticas de proteção da natureza. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 40, 275-296. http://dx.doi.org/10.5380/dma.v40i0.47843
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). Desde a década de 1980, acordos internacionais recomendam a integração de populações locais dentro do manejo de áreas protegidas como um meio de melhorar os esforços de conservação. Embora os valores culturais e espirituais sejam forças críticas na condução da proteção da natureza e no manejo de ecossistemas e paisagens, geralmente eles são difíceis de serem representados nos processos de tomadas de decisão (Verschuuren, 2006Verschuuren, B. (2006). An overview of cultural and spiritual values in ecosystem management and conservation strategies. In B. Haverkort & S. Rist (Eds.), Endogenous development and bio-cultural diversity: the interplay of worldviews, globalisation and locality (pp. 299-325). COMPAS.). Sendo assim, planos de manejo raramente consideram o conhecimento de povos indígenas e comunidades tradicionais sobre seres sobrenaturais e lugares sagrados (Bortolamiol et al., 2018Bortolamiol, S., Krief, S., Chapman, C. A., Kagoro, W., Seguya, A., & Colen, M. (2018). Wildlife and spiritual knowledge at the edge of protected areas: Raising another voice in conservation. Ethnobiology and Conservation, 7, 1-26. https://ethnobioconservation.com/index.php/ebc/article/view/184
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). Por essa razão, Verschuuren (2006, p. 299)Verschuuren, B. (2006). An overview of cultural and spiritual values in ecosystem management and conservation strategies. In B. Haverkort & S. Rist (Eds.), Endogenous development and bio-cultural diversity: the interplay of worldviews, globalisation and locality (pp. 299-325). COMPAS. diz que é “necessário compreender a importância das diferentes percepções culturais sobre ecossistemas e paisagens naturais para o desenvolvimento e fortalecimento de estratégias mais eficazes e holísticas direcionadas ao manejo dos ecossistemas e coexistência das realidades simultâneas”.

Tradições religiosas animistas, ou outras ontologias (indígenas) relacionais, dão prioridade às relações sociais e interativas entre humanos e não humanos, em que entes naturais, como animais, plantas, fungos, rios, cachoeiras, rochas, cavernas ou montanhas, estão imbuídos de espíritos, com subjetividades e consciência reflexiva (Harvey, 2006Harvey, G. (2006). Animism: respecting the living world. Columbia University Press.). Desse modo, a “sobrenaturalidade” da natureza se faz presente em distintos contextos socioculturais, nos quais uma miríade de entidades elementais/espirituais, muitas das quais elevadas à categoria de divindades, mantêm diversos tipos de interações com os humanos (Hallowell, 1960Hallowell, I. (1960). Ojibwa ontology, behavior and world view. In S. Diamond (Ed.), Culture in history: essays in honor of Paul Radin (pp. 20-52). Columbia University Press.; Smith, 1983Smith, N. (1983). Enchanted forest. Natural History, 82(8), 14-20.; Harrod, 2000Harrod, H. (2000). The animals came dancing: Native American sacred ecology and animal kinship. University of Arizona Press.; Descola, 1998Descola, P. (1998). Estrutura ou sentimento: a relação com o animal na Amazônia. Mana, 4(1), 23-45. https://doi.org/10.1590/S0104-93131998000100002
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, 2012, pp. 177-359; Kala, 2017Kala, C. P. (2017). Conservation of nature and natural resources through spirituality. Applied Ecology and Environmental Sciences, 5(2), 24-34. http://doi.org/10.12691/aees-5-2-1
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; Costa-Neto & Lins, 2022Costa-Neto, E. M., & Lins, A. C. E. (2022). Biologia liminal: o papel dos enteais na formação, sustentação e conservação das plantas e dos animais. UEFS Editora.). As diversas entidades que conformam o reino dos elementais ou mundo liminal1 1 Domínio espiritual, não corpóreo, em outra dimensão de realidade na qual os seres considerados ‘mitológicos’ habitam (Andrews, 2020; Costa-Neto & Lins, 2022). manifestam-se ocasionalmente aos humanos, fazendo-se-lhes materialmente visíveis (aparições, visagens, assombrações etc.) – comumente personificadas, antropomorfizadas e com poderes mágicos –, ou por meio de características intangíveis que lhes são associadas, tais como assovios, assopros, gritos, urros etc. Trata-se, de fato, de um fenômeno transcultural geograficamente disseminado e historicamente antigo, fazendo parte das filosofias tradicionais (cosmopercepções) dos mais diversos povos (Sponsel, 2012Sponsel, L. E. (2012). Spiritual ecology: a quiet revolution. ABC-CLIO Publication., 2016Sponsel, L. E. (2016). Spiritual ecology. In D. A. Leeming (Ed.), Encyclopedia of psychology and religion (pp. 1-5). Springer-Verlag.). Como um componente da ecologia espiritual, o animismo oferece um exemplo de como a religião pode ajudar a facilitar repensar, ressentir e revisionar o lugar dos humanos na natureza (Sponsel, 2022Sponsel, L. E. (2022). Spiritual ecology: reconnecting with nature. In E. M. Costa-Neto & E. R. S. Silva (Orgs.), Ecologia espiritual: integrando natureza, humanidades e espiritualidades (pp. 17-35). Atena.).

Muito frequentemente, a função de guardião dessas entidades pode estar direcionada à proteção de um determinado elemento, atividade ou lugar segundo a cosmovisão do grupo em questão. Esses seres enteais protetores, que habitam nas florestas, nos corpos d’água ou em pontos concretos na natureza (desde outra leitura, que habitam em diferentes estratos das cosmovisões particulares), precisamente resguardam a flora e funga de interesse, assim como as espécies animais envolvidas com atividades de caça e pesca, ou o espaço natural como um todo (Fernández-Llamazares & Virtanen, 2020Fernández-Llamazares, A., & Virtanen, P. K. (2020). Game masters and Amazonian Indigenous views on sustainability. Current Opinion in Environmental Sustainability, 43, 21-27. http://dx.doi.org/10.1016/j.cosust.2020.01.004
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). Os elementais costumam adotar a forma corpórea humana para punir aqueles indivíduos que penetram nos lugares sagrados sem pedir licença (onde, na maioria das vezes, requer-se um pago/oferenda); ou que se excedem na caça ou pesca e não cumprem com certas regras; ou que invadem e destroem as matas, dentre outras situações (Smith, 1983Smith, N. (1983). Enchanted forest. Natural History, 82(8), 14-20.; Steinhart, 1984Steinhart, P. (1984). Ecological saints. Audubon, 86(4), 8-9.; Oliveira & Borges, 2010Oliveira, K. C. D., & Borges, L. C. (2010). Pajelança, meio ambiente e cotidiano: interação dos pajés com a natureza - Cachoeira do Arari/PA. In Resúmenes del Seminario de Investigación en Museología de los Países de Lengua Portuguesa y Española, Buenos Aires.).

Diante do exposto, o objetivo do presente artigo é chamar a atenção para a dimensão espiritual nos sistemas socioecológicos, especialmente no que diz respeito à percepção de entidades ou seres enteais que atuam direta ou indiretamente na regulação de atividades antrópicas, guiando o comportamento daqueles que adentram espaços naturais diversos para fins de caça, pesca, coleta, cultivo, recreação etc. O presente artigo limita-se a discutir apenas aqueles entes que atuam como protetores da natureza e dos recursos, especialmente as espécies animais de interesse cinegético (caça). Uma revisão especial é direcionada a duas das entidades protetoras mais conhecidas no imaginário brasileiro: Curupira e Caipora.

OBTENÇÃO DOS DADOS

Sendo esta uma pesquisa de caráter etnobiológico e atrelada à antropologia, realizou-se uma revisão bibliográfica com tratamento dos dados de forma comparada. O referencial teórico que fundamentou a argumentação escrita se baseou em uma busca qualitativa nas bases de dados Google Scholar e Scientific Electronic Library Online (SciELO), no período de janeiro a julho de 2021, incluindo livros, capítulos de livros, artigos publicados em revistas e em anais de eventos. Como descritores, foram utilizadas as seguintes palavras-chave: Curupira; Caipora; seres sobrenaturais; folclore; lendas e mitos indígenas; espíritos da natureza; caça; etnoconservação e suas combinações. Também foram consultados sites e blogs sobre lendas brasileiras.

Como resultado da pesquisa, foram selecionados 59 materiais para a presente revisão. A análise crítica textual discursiva apresentada é resultado da interpretação sobre o assunto à luz da literatura levantada.

OS GUARDIÕES DA FLORESTA E DOS ANIMAIS, UMA VISÃO GERAL

Sobre o ato de caçar para subsistência, Fernández-Llamazares e Virtanen (2020)Fernández-Llamazares, A., & Virtanen, P. K. (2020). Game masters and Amazonian Indigenous views on sustainability. Current Opinion in Environmental Sustainability, 43, 21-27. http://dx.doi.org/10.1016/j.cosust.2020.01.004
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indicam que estudos arqueológicos, etno-históricos e etnográficos traçam uma longa continuidade do cerimonialismo direcionado tanto para os animais de valor cinegético quanto para seus “donos/senhores/guardiões”, sendo estes considerados personagens muito antigas e onipresentes entre grupos culturais na história da humanidade, mas com nomes e representações diversas (por exemplo, Harrod, 2000Harrod, H. (2000). The animals came dancing: Native American sacred ecology and animal kinship. University of Arizona Press.; Brown, 2005Brown, L. A. (2005). Planting the bones: hunting ceremonialism at contemporary and nineteenth-century shrines in the Guatemalan highlands. Latin American Antiquity, 16(2), 131-146. https://doi.org/10.2307/30042808
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; Willerslev, 2007Willerslev, R. (2007). Soul hunters: hunting, animism, and personhood among the Siberian Yukaghir. California Press.; Zent, 2007Zent, E. L. (2007). El yo-cazador: perforaciones, prescripciones y seres primordiales entre los Jodï, Guayana venezolana. Amazonía Peruana, (30), 111-139. https://doi.org/10.52980/revistaamazonaperuana.vi30.66
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; Belaunde, 2008Belaunde, L. E. (2008). El recuerdo de Luna: Género, sangre y memoria entre los pueblos amazónicos (2. ed.). Centro Amazónico de Antropología y Aplicación Práctica.; Olivier, 2015Olivier, G. (2015). Cacería, sacrificio y poder en Mesoamérica. Tras las huellas de Mixcóatl, “Serpiente de Nube”. Fondo Económico de Cultura, UNAM/Centro de Estudios Mexicanos y Centroamericanos., pp. 154-184; Santos-Fita et al., 2015Santos-Fita, D., Naranjo, E. J., Estrada, E. I. J., Mariaca, R., & Bello, E. (2015). Symbolism and ritual practices related to hunting in Maya communities from central Quintana Roo, Mexico. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, 11, 71. http://doi.org/10.1186/s13002-015-0055-x
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. A arte rupestre associada com atividade cinegética faz alusão à existência de ‘mestres da caça’ (Game Masters), como ocorre entre os Khwe, na Namíbia (Tributsch, 2018Tributsch, H. (2018). Shamanic trance journey with animal spirits: Ancient “scientific” strategy dealing with inverted otherworld. Advances in Anthropology, 8(3), 91-126. https://doi.org/10.4236/aa.2018.83006
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). Igualmente, como exemplo do imaginário de várias comunidades indígenas da Sibéria, Europa e América do Norte, encontramos os arquétipos dos deuses primordiais da caça e das manadas de animais, como o Senhor das Feras ou Deus de Chifres, que estão intimamente relacionados com o submundo à luz do xamanismo clássico (Jackson, 2008Jackson, N. (2008). O chamado dos velhos deuses: uma introdução à bruxaria tradicional. Zéfiro.. p. 17)2 2 Segundo Jensen (1986 [1966]), na maioria dos grupos contemporâneos, em verdade, não encontramos a presença de ‘deuses dos animais e da caça’ propriamente ditos. Segundo o autor, na época em que os humanos eram dedicados às atividades de caça-coleta como principal meio de subsistência, deuses criadores eram vistos também como patronos da atividade. Com a mudança e consolidação de um estilo de vida de caçador-coletor para um outro, o de agricultor e pastor, essas divindades foram perdendo protagonismo, tornando-se figuras de menor rango, reduzidas a simples ‘deuses menores’ (com notável exceção do deus celta Cernunnos; Reboreda Morillo & Castro Pérez, 2003-2004) ou transformadas, precisamente, nos seres elementais (ditos espíritos, donos, mestres, guardiões etc.) que protegem os animais silvestres e regulam a caça. Além disso, existem contextos em que essas entidades da caça fundem-se com outros entes da natureza, isto é, adotam, ao mesmo tempo, outras funções provedoras e protetoras (das plantas, da floresta, das cavernas, das montanhas, da chuva etc.) (Garza Camino, 1984). .

A ritualidade origina-se da concepção segundo a qual o ser humano não pode viver sem associar seu destino a elementos naturais e sobrenaturais (Dehouve, 2007Dehouve, D. (2007). La ofrenda sacrificial entre los tlapanecos de guerrero. Universidad Autónoma de Guerrero, Plaza y Valdés Ed., Centro de Estudios Mexicanos y Centroamericanos.); no caso da atividade cinegética, existem cerimônias propiciatórias de petição ou de agradecimento pela caça, sendo que a moral e a conduta do caçador são constantemente postas à prova. E isso está presente para todos os tipos possíveis de sistemas relacionais cinegéticos que ocorrem entre humanos e animais, ou, dito de outro modo, entre humanos e os ‘donos’ das presas potenciais. Por exemplo, Descola (1998Descola, P. (1998). Estrutura ou sentimento: a relação com o animal na Amazônia. Mana, 4(1), 23-45. https://doi.org/10.1590/S0104-93131998000100002
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, 2012)Descola, P. (2012). Más allá de naturaleza y cultura. Amorrortu Editores., centrando-se em grupos amazônicos, porém aplicável a outros contextos, identifica ao menos três destas modalidades de sistemas: reciprocidade, predação e dádiva, em que:

A reciprocidade quer que toda vida animal seja compensada . . . .; a predação implica que nenhuma contrapartida seja oferecida pelos humanos . . . .; finalmente, a dádiva significa que os animais oferecem sua vida aos humanos de maneira deliberada e sem nada esperar em troca

(Descola, 1998Descola, P. (1998). Estrutura ou sentimento: a relação com o animal na Amazônia. Mana, 4(1), 23-45. https://doi.org/10.1590/S0104-93131998000100002
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, p. 37).

Brown e Emery (2008, p. 301)Brown, L. A., & Emery, K. F. (2008). Negotiations with the animate forest: hunting shrines in the Guatemalan Highlands. Journal of Archaeological Method and Theory, 15, 300-337. https://doi.org/10.1007/s10816-008-9055-7
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apresentam o conceito de floresta animada (animate forest), isto é, um conjunto de entidades que incluem tanto características da paisagem física quanto objetos e seres não físicos associados com a vida silvestre. Essas autoras ressaltam o papel dos santuários de caça, que estão relacionados com características topográficas animadas da floresta. Precisamente, esses espaços sagrados são do domínio das entidades protetoras, sendo a sua morada; por isso, cabe ao caçador reconhecer e retribuir o favor e a permissão concedidos para acessar os locais e fazer uso dos recursos. Atuar corretamente antes, durante e após a caça, sempre em constante ‘negociação ritual’ com os ‘guardiões’ dos animais, comporta todo um conjunto de preceitos, restrições, práticas e cerimônias específicas que determinam ‘o dever ser e o dever fazer do bom caçador’; assim, o ato de dar morte ao animal é legitimado ao criar uma estrutura moral e social de ação, emoção e controle (sensu González, 2001González, Y. (2001). Los animales en la cosmovisión mexica o mesoamericana. In Y. González (Org.), Animales y plantas en la cosmovisión mesoamericana (pp. 107-122). CONACULTA, INAH, Editorial Plaza y Valdés.). Em contrapartida, qualquer pensamento, tomada de decisão ou conduta que for considerada como contrária ao respeito daquilo validado pelas próprias entidades elementais será motivo de punição, com risco de o caçador ou de algum familiar sofrer acidentes, adoecer ou até morrer (por exemplo, caçar em excesso ou malferir animais; atentar também contra a conservação do ambiente; não fazer as obrigações rituais – oferendas; não manusear a presa corretamente – no caso, para posterior devolução da parte óssea, entre outras ações) (Brown, 2005Brown, L. A. (2005). Planting the bones: hunting ceremonialism at contemporary and nineteenth-century shrines in the Guatemalan highlands. Latin American Antiquity, 16(2), 131-146. https://doi.org/10.2307/30042808
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; Brown & Emery, 2008Brown, L. A., & Emery, K. F. (2008). Negotiations with the animate forest: hunting shrines in the Guatemalan Highlands. Journal of Archaeological Method and Theory, 15, 300-337. https://doi.org/10.1007/s10816-008-9055-7
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; Dehouve, 2008Dehouve, D. (2008). El venado, el maíz y el sacrificado. Cuadernos de Etnología, (4), 1-42.; Hamayon, 2011Hamayon, R. N. (2011 [2001]). Negar la muerte, fingir el amor y recordar la vida o el tratamiento funerario de la presa entre los pueblos cazadores del bosque siberiano. In R. Martínez & N. Gabayet (Orgs.), Chamanismos de ayer y hoy. Seis ensayos de etnografía e historia siberiana (pp. 37-59). Universidad Nacional Autónoma de México. [2001]; Santos-Fita et al., 2015Santos-Fita, D., Naranjo, E. J., Estrada, E. I. J., Mariaca, R., & Bello, E. (2015). Symbolism and ritual practices related to hunting in Maya communities from central Quintana Roo, Mexico. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, 11, 71. http://doi.org/10.1186/s13002-015-0055-x
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; entre outros).

Em termos gerais, o que foi apresentado envolvendo a atividade de caça aplica-se também para as demais práticas produtivas de baixa escala e âmbito local, como a pesca, a coleta de recursos vegetais e fúngicos, a meliponicultura, inclusive o plantio sob uma estratégia de agricultura familiar e promoção da diversidade biocultural (sociobiodiversidade), em que a incidência das entidades protetoras também é marcante nas relações sociais entre humanos e entes naturais não humanos (por exemplo, Cappas e Sousa, 1996Cappas e Sousa, J. P. (1996). Los dioses mayas y los meliponíneos (Hymenoptera: Meliponinae). In Memorias del Congreso de Entomología - VI Latinoamericano, XXXI Nacional, Mérida, Yucatán, México.; Zent, 2007Zent, E. L. (2007). El yo-cazador: perforaciones, prescripciones y seres primordiales entre los Jodï, Guayana venezolana. Amazonía Peruana, (30), 111-139. https://doi.org/10.52980/revistaamazonaperuana.vi30.66
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; G. M. Santos & G. M. Santos, 2008Santos, G. M., & G. M. Santos. (2008). Homens, peixes e espíritos: A pesca ritual dos Enawene-Nawe. Tellus, 8(14), 39-59. https://doi.org/10.20435/tellus.v0i14.149
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; A. Lima, 2018Lima, A. G. M. (2018). Etnografia das roças Krahô: a vida sócio-ritual das plantas e a estética da diversidade. In A. G. M. Lima, J. C. L. Ferreira & L. França (Eds.), Prácticas e saberes sobre agrobiodiversidade. A contribuição de povos tradicionais (pp. 155-180). Instituto Internacional de Educação do Brasil.). Povos indígenas e comunidades tradicionais sentem que têm a missão de realizar cerimônias, rituais e oferendas que mantenham a natureza em curso (Steinhart, 1984Steinhart, P. (1984). Ecological saints. Audubon, 86(4), 8-9.). Sem pretender esgotar o tema, a seguir, mostraremos vários casos etnográficos que ilustram tal fenômeno relacional e se fazem notar em diferentes partes do mundo.

Entre povos indígenas da área cultural da Mesoamérica, a documentação sobre a diversidade de entidades protetoras da floresta e da fauna, incluindo a fauna cinegética, é muito abundante (ver revisão extensa em Olivier, 2015Olivier, G. (2015). Cacería, sacrificio y poder en Mesoamérica. Tras las huellas de Mixcóatl, “Serpiente de Nube”. Fondo Económico de Cultura, UNAM/Centro de Estudios Mexicanos y Centroamericanos., pp. 154-184). Registramos aqui os Maias da península de Yucatão (México), particularmente os que habitam a metade oriental, que mencionam o Sip (Zip) como entidade principal entre os ‘donos’ dos animais. Quando o Sip se manifesta, é normalmente na forma de um veado adulto, porém de estatura pequena e com grandes chifres ramificados, entre os quais carrega um ninho de vespas (para atacar o caçador). As comunidades yucatecas mencionam que é praticamente impossível matá-lo, por ser um espírito categorizado localmente como ‘mau vento’. Bastante temido, sua presença é sinal de cobrança ou já de castigo, seja porque o caçador caçou além do necessário, seja porque não cumpriu com seus compromissos rituais (Villa Rojas, 1987Villa Rojas, A. (1987 [1945]). Los elegidos de Dios: etnografía de los mayas de Quintana Roo (Antropología Social, n. 56). Instituto Nacional Indigenista. [1945], p. 295; Gabriel, 2006Gabriel, M. (2006). “Sib-ten a w-áalak’-o’ob…” (“regálanos tus hijos, tus criados…”) Oraciones dirigidas al “Protector de los Animales” (Sip). In R. V. Rivera & G. Le Fort (Eds.), Sacred books, sacred languages: two thousand years of ritual and religious Maya literature: Proceedings of the 8th European Maya Conference, Madrid, November 25-30, 2003 (pp. 93-111). Verlag Anton Saurwein.; Santos-Fita et al., 2015Santos-Fita, D., Naranjo, E. J., Estrada, E. I. J., Mariaca, R., & Bello, E. (2015). Symbolism and ritual practices related to hunting in Maya communities from central Quintana Roo, Mexico. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, 11, 71. http://doi.org/10.1186/s13002-015-0055-x
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. Essa quebra de protocolo e suas consequências nefastas são observadas em outras partes do mundo, como entre os povos Chewong, Batek e Semelai, da Malásia. Por exemplo, entre os Semelai, é proibido falar o nome do espírito guardião (Seko’), e a desobediência a essa proibição faria alguém cair em um estado de abstração resultante da perda da alma (Hood, 1993Hood, M. S. (1993). Man, forest and spirits: Images and survival among forest-dwellers of Malaysia. Southeast Asian Studies, 30(4), 444-456.). Os Miskitos, de Honduras, relacionam-se com os Swim, anões (duendes) com grandes chapéus e tidos como guardiões das varas de porcos-do-mato (Tayassuidae). Para eles, também os peixes têm seu dono ou duende; quando uma pessoa pesca demasiado, corre o risco de que seja levada pelo duende, especialmente as crianças. Para que isso não ocorra, deve-se pagar um tributo com alguma coisa velha, como sapatos, camisas etc. (Flores Andino, 1991Flores Andino, F. (1991). Medicina tradicional, magia y mitos entre los Miskitos de Honduras. Folklore Americano, 52, 131-144.).

Por toda a bacia amazônica, tais agentes protetores da natureza recebem uma variedade de nomes, a saber: Duende (Bolívia); Chullachaqui, Shapishico e Yacumama (Peru); Noró e Mëndawú (povo Yagua, Peru); Sangariite (povo Matsigenka, Peru); Tanamudak (povo Shiwilu; Peru); Amasanga (povo Quíchua de Canelos, Pastaza, Equador); Jkyo (jadï) aemo (povo Jotï, Venezuela); Boraró (povo Tukano do alto rio Negro, Brasil); Awakarónanai (povo Baniwa, Brasil); Dopa (povo Karitiana, Brasil); Pocai (povo Macuxi, Brasil); Iushin (povo Caxinauá, Brasil) (Reichel-Dolmatoff, 1973Reichel-Dolmatoff, G. (1973). Desana. Le symbolisme universel des indiens Tukano du Vaupés. Gallimard., 1978; Kamppinen, 1988Kamppinen, M. (1988). Espiritus incorporados: the roles of plants and animals in the Amazonian mestizo folklore. Journal of Ethnobiology, 8(2), 141-148.; Chaumeil, 2000Chaumeil, J.-P. (2000). Voir, savoir, pouvoir. Le chamanisme chez les Yagua de l’Amazonie péruvienne. Georg Éditeur.; Shepard Jr. et al., 2001Shepard Jr., G. H., Yu, D. W., Uzarralde, M., & Italiano, M. (2001). Rain forest habitat classification among the Matsigenka of the Peruvian Amazon. Journal of Ethnobiology, 21(1), 1-38.; Ribeiro, 2002Ribeiro, P. S. (2002). Folclore: similaridades nos países do Mercosul: lendas, mitos, religiosidade, medicina e crenças do povo. Martins Livreiro.; M. L. Pereira et al., 2005Pereira, M. L. G., Alburquerque, G., Sampaio, S., & Brandão, L. C. (Orgs.). (2005). Cultura, escola, tradição: mitoteca na escola Baniwa. Projeto Rede Autônoma de Saúde Indígena RASI/UFAM, Escola Indígena Baniwa e Coripaco EIBC/Pamáali.; Zent, 2007Zent, E. L. (2007). El yo-cazador: perforaciones, prescripciones y seres primordiales entre los Jodï, Guayana venezolana. Amazonía Peruana, (30), 111-139. https://doi.org/10.52980/revistaamazonaperuana.vi30.66
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; Belaunde, 2008Belaunde, L. E. (2008). El recuerdo de Luna: Género, sangre y memoria entre los pueblos amazónicos (2. ed.). Centro Amazónico de Antropología y Aplicación Práctica.; Vander Velden, 2015Vander Velden, F. (2015). O ogro que ri: uma nota sobre o mapinguari entre os Karitiana. In H. H. C. Correia, O. C. Duarte & V. A. Souza (Orgs.), Isto não é um mapinguari: fronteiras moventes, relações, saberes e poderes (pp. 15-25). Poiesis Editora.; Fernández-Llamazares & Virtanen, 2020Fernández-Llamazares, A., & Virtanen, P. K. (2020). Game masters and Amazonian Indigenous views on sustainability. Current Opinion in Environmental Sustainability, 43, 21-27. http://dx.doi.org/10.1016/j.cosust.2020.01.004
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). Para os Tsimane’ da Amazônia boliviana, os ‘donos’ dos animais são localmente chamados de A’mo’, mas cada um deles tem um nome específico, como Jäjäbä, dono da caça, e O’pito, dono dos peixes (Fernández-Llamazares & Virtanen, 2020Fernández-Llamazares, A., & Virtanen, P. K. (2020). Game masters and Amazonian Indigenous views on sustainability. Current Opinion in Environmental Sustainability, 43, 21-27. http://dx.doi.org/10.1016/j.cosust.2020.01.004
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). Já nos Andes, são conhecidos a Pachamama (a Mãe-Terra) e o duende Coquena, sendo este considerado o pastor-guardião das vicunhas (Vicugna vicugna Molina, 1782) (Vilá, 2014Vilá, B. (2014). La Etnozoología de los camélidos andinos. Etnoecológica, 10(5), 1-16.).

ELEMENTAIS CULTURALMENTE PERCEBIDOS COMO PROTETORES DA NATUREZA NO BRASIL

No que se refere ao Brasil, o país oferece uma rica diversidade de mitos e lendas, tornados visíveis por meio das manifestações religiosas oriundas da miscigenação das culturas indígena, europeia e africana (Edeweiss, 1993Edeweiss, F. (1993). Apontamentos de folclore. Centro Editorial e Didático, UFBA.). Como explicitado por A. B. Silva et al. (2019, p. 11)Silva, A. B., Lopes, J. B., Figueiredo, L. S., Barros, R. F. M., Souto, W. M. S., Alencar, N. L., & Lopes, C. G. R. (2019). Water Spirits within the fishers’ worldview: implications for fishing management in Northeast Brazil. Journal of Ethnobiology and Ethnoecology, 15, 70. https://doi.org/10.1186/s13002-019-0350-z
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, “Santos, espíritos, deuses e orixás convivem entre si, em detrimento das religiões, cada qual com seus métodos de crença coletiva”. O imaginário popular de diferentes etnias indígenas e sociedades tradicionais (quilombolas, ribeirinhos, comunidades de fundo de pasto, quebradeiras de coco-babaçu, caiçaras, jangadeiros, geraizeiros etc.) que habitam diversos sistemas socioambientais, como florestas, várzeas, sertões, rios, lagos e manguezais, desempenha importante papel na formação e conservação desses territórios (Galvão, 1955Galvão, E. (1955). Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de Itá, Amazonas. Companhia Editora Nacional.; Hoefle, 1990Hoefle, S. W. (1990). Sertanejo e os bichos: cognição ambiental na zona semi-árida nordestina. Revista de Antropologia, 33, 47-74. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1990.111214
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, 1997Hoefle, S. W. (1997). Mundividências encantadas e desencantadas no sertão do Nordeste brasileiro. Análise Social, 32(1), 189-213.; Marques, 2001Marques, J. G. W. (2001 [1995]). Pescando pescadores: ciência e etnociência em uma perspectiva ecológica (2. ed.). NUPAUB/Fundação Ford. [1995], 2005; F. Pereira, 2001Pereira, F. K. (2001). Painel de lendas e mitos da Amazônia. Gráfica Falângola.; A. L. Silva, 2011Silva, A. L. (2011). Entre tradições e modernidade: Conhecimento ecológico local, conflitos de pesca e manejo pesqueiro no rio Negro, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 6(1), 141-163. https://doi.org/10.1590/S1981-81222011000100009
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; Quirino, 2011Quirino, T. (2011, mar. 30). Elementais e seres das florestas míticos brasileiros. Filhos Ocultos. http://filhoocultodosdeuses.blogspot.com/2011/03/elementais-e-seres-das-florestas.html
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; Gomes, 2018Gomes, J. (2018). Uma perspectiva ontológica para uma análise etnoarqueológica das paisagens do lago Amanã, baixo Japurá, Amazonas. Vestígios – Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, 12(2), 59-81. https://doi.org/10.31239/vtg.v12i2.12199
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).

Cascudo (2002, p. 13)Cascudo, L. C. (2002). Geografia dos mitos brasileiros (2. ed.). Global. classificou a ontogenia das personagens míticas em duas categorias: a) mitos primitivos e gerais; e b) mitos secundários e locais. No primeiro grupo, constam as entidades originais indígenas (dentre as quais, inclui-se o Curupira e suas variantes etnolinguísticas) e aquelas europeias já com influências indígenas e afro (por exemplo, Lobisomem, Mãe-d’Água e Mula-sem-Cabeça). No segundo grupo, estão os mitos de ocorrência local e integram-se a eles os outros entes. O mesmo autor relaciona a presença de diversos seres elementais com uma “ética conservacionista”, uma vez que orientam comportamentos ecologicamente corretos aos que creem em sua existência real (Cascudo, 2001Cascudo, L. C. (2001). Dicionário do folclore brasileiro (11. ed.). Global., 2002Cascudo, L. C. (2002). Geografia dos mitos brasileiros (2. ed.). Global.). Assim, temos entidades que punem os indivíduos que destroem as florestas (Caipora, Curupira, Mãe-da-Mata, Flor-do-Mato, Boitatá, Ipupiara, Mapinguari), aqueles que maltratam os animais silvestres (Anhangá) ou que matam animais em épocas de reprodução (Tapiora), aqueles que pescam mais que o necessário (Yacumama, Mãe-d’água, Pai-do-Mangue), além de outras. Esses seres possuem distinções tanto em relação à forma quanto em atribuições, podendo estar associados a períodos sazonais distintos (marcadores temporais) ou habitats específicos (marcadores espaciais) (A. B. Silva et al., 2020Silva, A. B., Lopes, J. B., Figueiredo, L. S., Barros, R. F. M., Souto, W. M. S., Alencar, N. L., & Lopes, C. G. R. (2020). Espíritos das águas: uma breve história sobre a cosmovisão de pescadores artesanais no Nordeste brasileiro. In Livro de Resumos do Encontro de Etnobiologia e Etnoecologia do Piauí, SBEE.). Tais personagens têm tido suas histórias míticas divulgadas ao grande público por meio de uma vasta literatura, assim como pelas artes plásticas e gráficas (quadros, esculturas) e indústria cinematográfica, como em filmes (“A toca do saci” – L. Souza, 2017Souza, L. G. (Diretor). (2017). A toca do saci [Vídeo]. Curso Livre de Cinema de Maricá. https://www.youtube.com/watch?v=9CF8Qgxo-UI
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), documentários (“Havia um tempo” – Korolla, 2012Korolla, B. (Diretor). (2007). Havia um tempo [Documentário]. Abaeté Estudos Socioambientais. https://www.youtube.com/watch?v=SsMyTJDCEHI
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), programas de televisão (“Catalendas”, programa exibido pela TV Cultura do estado do Pará desde o ano 1999) e séries (“Cidade invisível”, da Netflix; e “Juro que vi”, uma série de desenhos animados) (C. Araújo, 2015Araújo, C. (2015). O folclore vive. O Prelo, 40, 8-11.).

Na região amazônica, espíritos guardiões, como a Mãe-da-Seringa, o Curupira, o Caboclo-da-Mata, o Pai-da-Mata, o Capelobo, a Mãe-da-Piassava e o Tapirê-Iauara, ajudam a preservar os recursos da floresta, criando áreas onde atividades de caça e pesca são proibidas (Smith, 1983Smith, N. (1983). Enchanted forest. Natural History, 82(8), 14-20.; M. Araújo, 1998Araújo, M. G. J. (1998). Entre almas, encantes e cipós. Universidade Estadual de Campinas.). Na região da Chapada Diamantina, estado da Bahia, Costa-Neto (2000)Costa-Neto, E. M. (2000). Conhecimento e usos tradicionais de recursos faunísticos por uma comunidade afro-brasileira. Resultados preliminares. Interciencia, 25(9), 423-431. registrou a presença do Dono-do-mato, entidade com características humanas e animais. Marques (2001 [1995])Marques, J. G. W. (2001 [1995]). Pescando pescadores: ciência e etnociência em uma perspectiva ecológica (2. ed.). NUPAUB/Fundação Ford. fez referências a entidades conhecidas por moradores da várzea da Marituba, localizada na divisa entre os estados de Sergipe e Alagoas, tais como o Lobisomem, fadas, a Caipora (Fulôzinha), o Nego-d’Água, a Mãe-d’Água, visagens, dentre outras, registrando também narrativas e comportamentos etnoconservacionistas locais. Na comunidade pesqueira de Amarante, região centro-oeste do estado do Piauí, as representações míticas que habitam os corpos d’água e que regulam as atividades de pesca são: Mãe-d’Água, Muleque-d’Água, Cabeça-de-Cuia, Visage, Luz, Piratinga, Arco-Íris e Sucuiuiú (A. B. Silva et al., 2019Silva, A. B., Lopes, J. B., Figueiredo, L. S., Barros, R. F. M., Souto, W. M. S., Alencar, N. L., & Lopes, C. G. R. (2019). Water Spirits within the fishers’ worldview: implications for fishing management in Northeast Brazil. Journal of Ethnobiology and Ethnoecology, 15, 70. https://doi.org/10.1186/s13002-019-0350-z
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, 2020Silva, A. B., Lopes, J. B., Figueiredo, L. S., Barros, R. F. M., Souto, W. M. S., Alencar, N. L., & Lopes, C. G. R. (2020). Espíritos das águas: uma breve história sobre a cosmovisão de pescadores artesanais no Nordeste brasileiro. In Livro de Resumos do Encontro de Etnobiologia e Etnoecologia do Piauí, SBEE.).

Histórias sobre entidades que protegem a natureza existem em muitas localidades, compondo parte das narrativas populares do folclore brasileiro (Cascudo, 2001Cascudo, L. C. (2001). Dicionário do folclore brasileiro (11. ed.). Global., 2002). Na Reserva Extrativista do Alto Juruá (REAJ), no estado do Acre, os moradores falam sobre o Caboclo-da-Mata, que, em certos dias, não permite a morte de nenhum animal. Comentam também sobre o Pai-da-Mata, entidade que guarda e protege a fauna, pois não gosta de caçadores, proibindo a caça em dias de domingo e nos dias santos do calendário católico oficial (M. Araújo, 1998Araújo, M. G. J. (1998). Entre almas, encantes e cipós. Universidade Estadual de Campinas.). Por outro lado, na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, no Pará, os caçadores geralmente guardam dias santos e feriados para descanso, evitando caçar e realizar outros tipos de trabalho, porque, nessas datas específicas, as matas estão habitadas por seres encantados, que protegem os animais (Barros & Azevedo, 2014Barros, F. B., & Azevedo, P. A. (2014). Common opossum (Didelphis marsupialis Linnaeus, 1758): food and medicine for people in the Amazon. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, 10, 65. https://doi.org/10.1186/1746-4269-10-65
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). Para os caçadores pluriétnicos do rio Cuieiras, um afluente do rio Negro, os animais de caça estão sob o cuidado do Curupira e da Caipora, que, metaforicamente, são identificados com a potência feminina mantenedora da vida: Mãe-da-Mata ou Mãe-dos-Bichos (Campos, 2008Campos, M. A. A. (2008). Cruzando saberes com os caçadores do rio Cuieiras: saberes e estratégias de caça no baixo rio Negro, Amazonas [Dissertação de mestrado, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Universidade Federal do Amazonas].). A esse respeito, tem-se que:

O fato dos animais estarem sob a proteção da ‘mãe da mata’ torna a relação que os caçadores estabelecem com esses animais uma espécie de tentativa de acordo de estabelecer laços de afinidade e reciprocidade com o Curupira. O comer não necessariamente significa um ato predatório no sentido cosmológico, mas pode ser uma troca que implica a atividade de caça ao cumprimento de determinados cuidados e regras

(Campos, 2008Campos, M. A. A. (2008). Cruzando saberes com os caçadores do rio Cuieiras: saberes e estratégias de caça no baixo rio Negro, Amazonas [Dissertação de mestrado, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Universidade Federal do Amazonas]., p. 90).

ENCANTARIA AMAZÔNICA

Quando se buscam informações sobre os seres míticos que constituem o imaginário ou que possuem existência real para aqueles que neles acreditam, o termo ‘encantado’ frequentemente surge nas narrativas orais e escritas. No entanto, o uso desse termo e suas variantes é muito mais comum na pajelança rural ou cabocla (diferenciada da indígena) e em manifestações religiosas de culto afro-brasileiro, como são o Tambor-de-Mina, o Terecô e a Umbanda, nos estados do Maranhão, Piauí e Pará (por exemplo, Ferretti, 2001Ferretti, M. (2001). Terecô, a linha de Codó. In R. Prandi (Org.), Encantaria brasileira. O livro dos mestres, caboclos e encantados (pp. 59-73). Pallas Editora.; Prandi & Souza, 2001Prandi, R., & Souza, P. R. (2001). Encantaria de Mina em São Paulo. In R. Prandi (Org.), Encantaria brasileira. O livro dos mestres, caboclos e encantados (pp. 216-280). Pallas Editora.; Shapanan, 2001Shapanan, F. (2001). Entre caboclos e encantados. Mudanças recentes em cultos de caboclo na perspectiva de um chefe de terreiro. In R. Prandi (Org.), Encantaria brasileira. O livro dos mestres, caboclos e encantados (pp. 318-330). Pallas Editora.). Dada a complexidade do tema, que adentra na seara da Antropologia da Religião e da Saúde (Maués, 2012Maués, R. H. (2012). O perspectivismo indígena é somente indígena? Cosmologia, religião, medicina e populações rurais na Amazônia. Mediações – Revista de Ciências Sociais, 17(1), 33-61. https://doi.org/10.5433/2176-6665.2012v17n1p33
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), o fenômeno da ‘encantaria amazônica’ apenas será tratado aqui muito brevemente e para se fazer uma distinção entre os seres encantados da pajelança cabocla e os seres enteais ou espíritos que compõem as narrativas dos povos autóctones.

A atual crença nos ‘encantados’ é resultado da mescla entre concepções e práticas das culturas indígenas e afro em contato com a dos europeus (catolicismo), pois, para Maués e Villacorta (2001)Maués, R. H., & Villacorta, G. M. (2001). Pajelança e encantaria amazônica. In R. Prandi (Org.), Encantaria brasileira. O livro dos mestres, caboclos e encantados (pp. 12-58). Pallas Editora., o termo ‘encantado’ foi ressignificado das narrativas sobre histórias de príncipes e princesas encantadas das fábulas europeias que chegaram ao Brasil e à Amazônia. Na encantaria, as entidades são de diversas origens, e a sua característica unitária básica é que não morreram, mas se ‘encantaram’, ou seja, desapareceram misteriosamente (atraídas por outros encantados; tornando-se invisíveis), sem deixar rastro de seus corpos humanos; por isso, não são pensados como espíritos. O domínio dos encantados é constituído por cidades subterrâneas ou subaquáticas (R. Leacock & S. Leacock, 1972Leacock, R., & S. Leacock. (1972). Spirits of the deep: drums, mediums and trance in a Brazilian city. Doubleday Natural History Press.; Maués & Villacorta, 2001Maués, R. H., & Villacorta, G. M. (2001). Pajelança e encantaria amazônica. In R. Prandi (Org.), Encantaria brasileira. O livro dos mestres, caboclos e encantados (pp. 12-58). Pallas Editora.), razão pela qual os elementos da natureza – terra, flora e, principalmente, água – estão intimamente ligados às representações dos locais de morada ou ‘encantes’ (tidos como lugares ou sítios sagrados) dessas entidades (G. Silva, 2014Silva, G. S. (2014). Encantados da Amazônia; os espíritos da natureza. In XVI Anais do Encontro Regional de História de ANPUH-Rio, Rio de Janeiro. https://www.encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1400206941_ARQUIVO_ArtigoparaaANPUH,EncantadosdaAmazonia.pdf
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). São lugares de alto mistério, de muita energia, e os sensitivos percebem isso, em especial nos lugares mais isolados, que concentram mais força (Ferretti, 2008Ferretti, M. (2008). Encantados e encantarias no folclore brasileiro. In Anais do Seminários de Ações Integradas em Folclore, Comissão Paulista de Folclore/Abaçaí Cultura e Arte, São Paulo.; Fernandes-Pinto, 2019Fernandes-Pinto, E. (2019). Dimensões espirituais da natureza: valores ancestrais e novas perspectivas para a etnobiologia e etnoecologia. In Anais do Simpósio Nordestino de Etnobiologia e Etnoecologia, Universidade Federal da Paraíba, Paraíba.).

A depender da maneira como se manifestam e de sua intencionalidade, assumem denominações diferentes. Segundo Maués e Villacorta (2001)Maués, R. H., & Villacorta, G. M. (2001). Pajelança e encantaria amazônica. In R. Prandi (Org.), Encantaria brasileira. O livro dos mestres, caboclos e encantados (pp. 12-58). Pallas Editora., existem três possíveis contextos. Vários encantados apresentam-se aos humanos na forma de animais vinculados ao meio aquático (mar, rios, igarapés, baías, lagos etc.), como cobras, jacarés, peixes, botos etc. – junto a sereias/iaras e à Mãe-d’Água. São os chamados ‘bichos do fundo d’água’, difíceis de se distinguir dos animais reais e pensados como perigosos, ao provocarem nas pessoas mau-olhado ou adoecimento por ‘flechada de bicho’ (dores corporais); nesse caso, só um(a) pajé é quem pode curar. Um segundo grupo de encantados, ainda mais perigosos, é formado por entes chamados pelo nome genérico de ‘oiaras’, os quais, muitas vezes sob a forma humana de parente, amigo ou alguém conhecido da pessoa em questão, tentam convencê-la e levá-la para o fundo, ao encante, tornando-a, então, um ser encantado. Por último, estariam os caruanas, encantados-guias que, permanecendo invisíveis, incorporam-se nos pajés e parteiras, ou em outras pessoas do seu agrado, para transmitir conhecimentos medicinais e curar doenças nos ritos de pajelança cabocla (Maués & Villacorta, 2001Maués, R. H., & Villacorta, G. M. (2001). Pajelança e encantaria amazônica. In R. Prandi (Org.), Encantaria brasileira. O livro dos mestres, caboclos e encantados (pp. 12-58). Pallas Editora.). Acontece algo parecido quando, em terreiros/casas/tendas de Tambor-de-Mina, Terecô e Umbanda, se fazem passes de cura espiritual com trabalho específico de encantaria. Por exemplo, na Tenda de Umbanda da Cabocla Herondina e José Tupinambá, na cidade de Belém, no Pará, em certas sextas-feiras há trabalho de ‘cura fechada’, em que ervas sagradas (macaia) são usadas por entidades encantadas (Cobra Grande, iaras, Jacundá, Chica Baiana, Surrupira etc.), emergindo das profundezas das águas e das matas mais fechadas, junto a várias entidades caboclas (José Tupinambá, Jurema, Mariana, Pantera Negra, Cobra Coral etc.), que se fazem presentes ao incorporarem na mãe-de-santo3 3 Zeladora dona Rita Yá OMile. e nos atuantes como médiuns (Dídac Santos-Fita, dados não publicados, 2021).

Finalmente, além dessa classificação sobre ‘encantados do fundo d’água’, que predominam no contexto amazônico, Maués e Villacorta (2001)Maués, R. H., & Villacorta, G. M. (2001). Pajelança e encantaria amazônica. In R. Prandi (Org.), Encantaria brasileira. O livro dos mestres, caboclos e encantados (pp. 12-58). Pallas Editora. e Maués (2012)Maués, R. H. (2012). O perspectivismo indígena é somente indígena? Cosmologia, religião, medicina e populações rurais na Amazônia. Mediações – Revista de Ciências Sociais, 17(1), 33-61. https://doi.org/10.5433/2176-6665.2012v17n1p33
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mencionam que em algumas regiões ainda existem pelo menos dois ‘encantados da floresta’, conhecidos como Curupira e Anhangá, que atuam, precisamente, como guardiões, podendo “provocar mau-olhado nas pessoas, ou ‘mundiá-las’, isto é, fazê-las se perder na mata. Isto acontece com os caçadores que cometem ‘abusos’, sobretudo os que têm o costume de caçar persistentemente um só tipo de caça” (Maués & Villacorta, 2001Maués, R. H., & Villacorta, G. M. (2001). Pajelança e encantaria amazônica. In R. Prandi (Org.), Encantaria brasileira. O livro dos mestres, caboclos e encantados (pp. 12-58). Pallas Editora., p. 21). Tais seres encantados são interpretados como importantes elementos da ideologia e também como simbologia regional, uma vez que funcionam “como uma espécie de defensores míticos da floresta, dos rios, dos campos e dos lagos” (Maués, 1994Maués, R. H. (1994). Medicinas populares e “pajelança cabocla” na Amazônia. In P. C. B. Alves & M. C. S. Minayo (Orgs.), Saúde e doença: um olhar antropológico (pp. 73-81). Fiocruz., p. 76).

ENTRE CURUPIRAS E CAIPORAS: ELEMENTAIS ECOLÓGICOS

CURUPIRA

Etimologicamente, o termo ‘curupira’ tem origem do vocábulo tupi-guarani kuru’pir, que significa “corpo coberto de pústulas” (Schaden, 1963Schaden, F. S. G. (1963). Índios, caboclos e colonos: páginas de etnografia, sociologia e folclore. Universidade de São Paulo.). No entanto, atualmente, a explicação mais aceita é a de que ‘curu’ seria uma contração de ‘curumim’, referindo-se a ‘menino’ ou ‘criança’, e ‘pira’ significando ‘corpo’, ou seja, curupira quer dizer ‘corpo de menino’ (A. Ferreira, 1986Ferreira, A. B. H. (1986). Novo dicionário da língua portuguesa (2. ed.). Nova Fronteira.).

A primeira referência que se conhece da figura do Curupira data de 1560, em carta escrita por José de Anchieta (citado em Cascudo, 2001Cascudo, L. C. (2001). Dicionário do folclore brasileiro (11. ed.). Global., p. 172):

É coisa sabida e pela boca de todos corre que há certos demônios e que os brasis chamam Curupira, que acometem aos índios muitas vezes no mato, dão-lhe de açoites, machucam-nos e matam-nos. São testemunhas disso os nossos irmãos, que viram algumas vezes os mortos por eles. Por isso, costumam os índios deixar em certo caminho, que por ásperas brenhas vai ter ao interior das terras, no cume da mais alta montanha, quando por cá passam, penas de aves, abanadores, flechas e outras coisas semelhantes, como uma espécie de oferenda, rogando fervorosamente aos Curupiras que não lhes faça mal.

Alusões a esse ser elemental aparecem em todo o Brasil, nas florestas setentrional, central e meridional; também se fazem presentes em outros países da América do Sul, apresentando diversos nomes: Kurupi (Argentina e Paraguai); Selvaje (Colômbia); Chudiachaque (Peru); Maguare (Venezuela); e Kaná (Bolívia) (F. Pereira, 2001Pereira, F. K. (2001). Painel de lendas e mitos da Amazônia. Gráfica Falângola.; Cascudo, 2002Cascudo, L. C. (2002). Geografia dos mitos brasileiros (2. ed.). Global.). Para alguns autores, trata-se de uma legião de seres ou espíritos cujo propósito é a proteção dos animais silvestres, o cuidado com as fêmeas prenhas e filhotes indefesos, bem como árvores de grande porte (F. Pereira, 2001Pereira, F. K. (2001). Painel de lendas e mitos da Amazônia. Gráfica Falângola.). Seus alvos principais são os caçadores, lenhadores e pessoas que destroem as matas de forma predatória (Vegini et al., 2014Vegini, V., Vegini, R. L., & Ferreira Netto, W. (2014). O mostruoso mapinguari pan-amazônico: uma sucessão de adaptações aloindígenas. Temática.). Entretanto, auxiliam aqueles caçadores e pescadores que têm nos animais abatidos ou na pesca sua única fonte proteica (Cascudo, 2002Cascudo, L. C. (2002). Geografia dos mitos brasileiros (2. ed.). Global.). A ambiguidade de seu caráter, segundo as narrativas orais e escritas (J. Almeida, 2004Almeida, J. (2004). Os mistérios da Amazônia. Editora Uirapuru.), gera dúvida em saber ao certo se Curupira é um cuidador da floresta (ação eufórica)4 4 Euforia é tudo aquilo de positivo que o sujeito realiza e que vai sempre estar em oposição a toda maldade que ele também pode praticar (Fiorin, 2011 citado em A. R. F. Silva, 2019). ou se é apenas um ser malvado que sente prazer em punir os caçadores e outros transeuntes que adentram as matas (ação disfórica).

Kurupiré, Kurupirá, Curupira, Currupira ou Surrupira, isto é, a identidade nominativa varia de acordo com a área onde vive ou devido às influências dos que contam ou daqueles que “viveram para contar” (Ribeiro, 2002Ribeiro, P. S. (2002). Folclore: similaridades nos países do Mercosul: lendas, mitos, religiosidade, medicina e crenças do povo. Martins Livreiro.). Trata-se de uma entidade fenotipicamente polimórfica, apresentando-se aos seres humanos em diferentes aspectos: um duende benfazejo, um demônio, gnomo ou ogro (F. Pereira, 2001Pereira, F. K. (2001). Painel de lendas e mitos da Amazônia. Gráfica Falângola.; Ribeiro, 2002Ribeiro, P. S. (2002). Folclore: similaridades nos países do Mercosul: lendas, mitos, religiosidade, medicina e crenças do povo. Martins Livreiro.; Vegini et al., 2014Vegini, V., Vegini, R. L., & Ferreira Netto, W. (2014). O mostruoso mapinguari pan-amazônico: uma sucessão de adaptações aloindígenas. Temática.). Em algumas narrativas, ela aparece como um menino índio de cerca de sete anos de idade, com o corpo recoberto de pelos longos e tendo os pés virados para trás (opistópode); em outras, é descrito como um gigante canibal (Métraux, 1928Métraux, A. (1928). La civilisation matérielle des tribus Tupi-Guarani. Librairie Orientaliste Paul Geuthner. citado em Olivier, 2015Olivier, G. (2015). Cacería, sacrificio y poder en Mesoamérica. Tras las huellas de Mixcóatl, “Serpiente de Nube”. Fondo Económico de Cultura, UNAM/Centro de Estudios Mexicanos y Centroamericanos., p. 158) ou como homem muito pequeno (anão), de cabelos vermelhos, dentes verdes, corpo peludo e pés voltados para trás (Ribeiro, 2002Ribeiro, P. S. (2002). Folclore: similaridades nos países do Mercosul: lendas, mitos, religiosidade, medicina e crenças do povo. Martins Livreiro.). Na região de Santarém, fala-se que ele tem quatro palmos de altura; no rio Negro, é calvo e possui corpo cabeludo; no Pará, não tem orifícios para as secreções; no rio Solimões, possui dentes verdes ou azuis. Diz-se que Curupira não tem capacidade de fala e só faz sons guturais, daí que ocupa uma posição intermediária entre humanos e animais (Hoefle, 2009Hoefle, S. W. (2009). Amazônia encantada: ética ambiental e identidade cultural. Espaço e Cultura, (26), 72-92.). Os indígenas do rio Uaupés dizem que tem aparência antropomorfa, com dois metros de altura, muito peludo, um olho na frente e outro atrás, além da particularidade de ter os pés virados para trás e com mais de um metro de cumprimento. Também dizem esses indígenas que Curupira vive na cabeceira dos igarapés, alimentando-se de caranguejos (A. B. A. Silva, 1994Silva, A. B. A. (1994). Crenças e lendas do Uaupés. Ediciones Abya-Yala, Inspetoria Salesiana Missionária da Amazônia, Centro de Documentação Etnográfico e Missionário-CEDEM.) (Figura 1).

Figura 1
Representação estilizada do Curupira (destaque para os pés virados para trás), confeccionada com látex ‘balata’ de maparajuba (Manilkara bidentata (A. DC.) A. Chev 1932; Sapotaceae).

Na mitologia guarani, ele é conhecido como Kurupi, sendo descrito como:

Um ser pequeno, de aparência semi-humana, pele escamosa, orelhas em ponta, barba e cabelos que lhe encobrem o rosto, deixando à vista uma boca enorme com dentes imensos, nariz disforme e olhar hipnótico. Tem os pés virados para trás, com os calcanhares para frente

(Ribeiro, 2002Ribeiro, P. S. (2002). Folclore: similaridades nos países do Mercosul: lendas, mitos, religiosidade, medicina e crenças do povo. Martins Livreiro., p. 51).

A autora acrescenta que ele possui o membro viril exageradamente desenvolvido, desproporcional à sua pequena estatura, porque “acredita-se que com o membro enlaça as moças atraindo-as para si, roubando-as e fazendo das mesmas objetos de seus excessos. Muitas engravidam, tendo filhos disformes deste ‘fauno crioulo’” (Ribeiro, 2002Ribeiro, P. S. (2002). Folclore: similaridades nos países do Mercosul: lendas, mitos, religiosidade, medicina e crenças do povo. Martins Livreiro., p. 51).

Ao pressentir as tempestades, ele percorre as matas, batendo nas sapopemas5 5 Raízes que formam divisões tabulares em torno da base do tronco de certas árvores. e em troncos das grandes árvores para acordá-las, com a intenção de que resistam melhor a ventanias e temporais. De acordo com Ribeiro (2002)Ribeiro, P. S. (2002). Folclore: similaridades nos países do Mercosul: lendas, mitos, religiosidade, medicina e crenças do povo. Martins Livreiro., existem variantes quanto ao aspecto físico e quanto à maneira como o Curupira examina as árvores. No alto Amazonas, ele bate com o calcanhar, enquanto, no baixo Amazonas, ele bate com o pênis, que é de tamanho descomunal. Já no rio Tapajós, fala-se que ele utiliza um machado feito do casco de uma tartaruga ou jabuti (Chelonoidis spp.). De modo semelhante, os Yagua da Amazônia peruana falam que o Noró, o ‘dono’ dos animais, golpeia as árvores com a carapaça de uma pequena tartaruga (Chaumeil, 2000Chaumeil, J.-P. (2000). Voir, savoir, pouvoir. Le chamanisme chez les Yagua de l’Amazonie péruvienne. Georg Éditeur.).

Além de enganar, ao deixar suas pegadas ao contrário, pois, quando o Curupira está entrando na mata, ele parece estar saindo, também engana, com assobios e gritos, os caçadores, lenhadores e outros viajantes, fazendo com que percam o rumo (Ribeiro, 2002Ribeiro, P. S. (2002). Folclore: similaridades nos países do Mercosul: lendas, mitos, religiosidade, medicina e crenças do povo. Martins Livreiro.; Gomes, 2018Gomes, J. (2018). Uma perspectiva ontológica para uma análise etnoarqueológica das paisagens do lago Amanã, baixo Japurá, Amazonas. Vestígios – Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, 12(2), 59-81. https://doi.org/10.31239/vtg.v12i2.12199
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). Cascudo (2001)Cascudo, L. C. (2001). Dicionário do folclore brasileiro (11. ed.). Global. e Ferretti (2003)Ferretti, M. (2003). Encantaria maranhense: um encontro do negro, do índio e do branco na cultura afro-brasileira. In I. M. A. Nunes (Org.), Olhar, memória e reflexões sobre gente do Maranhão (pp. 119-128). Comissão Maranhense de Folclore. descrevem suas atitudes hostis e outros aspectos da seguinte maneira:

. . . Demônio da floresta, explicador dos rumores misteriosos, do desaparecimento de caçadores, do esquecimento de caminhos, de pavores súbitos, inexplicáveis . . . . Sempre os pés voltados para trás e de prodigiosa força física, engana caçadores e viajantes, fazendo-os perder o rumo certo, transviando-os dentro da floresta, com assobios e sinais falsos. . . . Na cidade ou nas capoeiras vizinhas imediatas não existem Curupiras. Habitam mais para longe, muito dentro da mata. A gente da cidade acredita em sua existência, mas ela não é motivo de preocupação porque os Curupiras não gostam de lugares muito habitados. Gostam imensamente de fumo e de pinga. . . . Roceiros deixam esses presentes nas trilhas que atravessam, de modo a agradá-los ou pelo menos distraí-los. Na mata os gritos longos e estridentes dos Curupiras são muitas vezes ouvidos pelo caboclo. Também imitam a voz humana, num grito de chamada, para atrair vítimas. O inocente que ouve os gritos e não se apercebe que é um Curupira e dele se aproxima perde inteiramente a noção do rumo

(Cascudo, 2001Cascudo, L. C. (2001). Dicionário do folclore brasileiro (11. ed.). Global., pp. 172-173).

Os Surrupiras são entidades espirituais da Mina [Tambor-de-Mina] maranhense [a] cuja ação se atribui o desaparecimento de muitas pessoas que moram perto do mato (da floresta). O Surrupira, que para alguns é o Curupira da mitologia tupi, pode também fazer as pessoas perderem a direção nos caminhos e se embrenharem em mata de espinho, pois os Surrupiras têm grande atração por eles, talvez porque moram nos tucunzeiros, palmeiras cujas folhas são cheias de espinhos. Fala-se também que, ao contrário da Mãe d’Água, os Surrupiras não gostam de água e, quando incorporados, se afastam rapidamente se alguém jogar água nos pés do médium

(Ferretti, 2003Ferretti, M. (2003). Encantaria maranhense: um encontro do negro, do índio e do branco na cultura afro-brasileira. In I. M. A. Nunes (Org.), Olhar, memória e reflexões sobre gente do Maranhão (pp. 119-128). Comissão Maranhense de Folclore., p. 124).

A punição dá-se também quando o Curupira atrai o caçador com uma caça mágica, que não pode ser alcançada; assim, exausto de tanto perseguir a caça, o sujeito chega a se perder no interior da mata, sem atinar o caminho de volta ou até mesmo morrer de tanta exaustão. Pode acontecer, ainda, que o Curupira deixe o caçador alcançar a caça mágica, mas este, ao se aproximar do animal abatido, vê na face da presa o rosto de um amigo, do filho ou da própria mulher, ficando, então, aterrorizado com tal imagem de um ente querido morto, como registra J. Almeida (2004, p. 96):

Algumas vezes, deixa que o caçador alcance a caça com relativa facilidade. A flecha parte certeira. O índio, ao se aproximar para recolher a presa abatida, reconhece horrorizado o corpo de um amigo, companheiro, filho ou da própria mulher. Curupira passou a se divertir, provocando ruídos soturnos na floresta. Imita árvores caindo, a batida do pica-pau no tronco das árvores e os sons da sapupema. Com isso, amedronta os habitantes da selva.

Para romper o encanto do esquecimento, basta fazer pequenas cruzes de galhos de árvore ou anéis de cipó e jogar para trás das costas. O Curupira vai se ocupar em desfazer as cruzes ou os anéis, e o caçador poderá encontrar seu caminho (Galvão, 1955Galvão, E. (1955). Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de Itá, Amazonas. Companhia Editora Nacional.; Ribeiro, 2002Ribeiro, P. S. (2002). Folclore: similaridades nos países do Mercosul: lendas, mitos, religiosidade, medicina e crenças do povo. Martins Livreiro.). Outra opção consiste em atingir a casca de uma árvore com um golpe de facão ou terçado, o que fará o Curupira parar de perseguir sua vítima e cuidar da árvore ferida, dando chance para que o caçador possa escapulir (F. Pereira, 2001Pereira, F. K. (2001). Painel de lendas e mitos da Amazônia. Gráfica Falângola.).

A questão de se perder onde quer que se encontre, não achando o caminho de volta à casa, provavelmente resulta do fato de que as energias emanadas pelos seres elementais são muito estimulantes, com uma habilidade de induzir a estados alterados de consciência. De acordo com Andrews (2020)Andrews, T. (2020). Enchantment of the faerie realm: communicate with nature spirits and elementals (28. ed.). Llewellyn Publications., entidades míticas do folclore inglês conhecidas como Pixies frequentemente são culpadas por viajantes ficarem perdidos, já que sua energia é tão intensa que pode confundir os sentidos, levando alguém a perder uma marca familiar. O autor comenta que essa energia intensa, especialmente quando em ambientes naturais, cria um estado alterado de consciência, razão pela qual o indivíduo provavelmente não tem domínio sobre onde está (Andrews, 2020Andrews, T. (2020). Enchantment of the faerie realm: communicate with nature spirits and elementals (28. ed.). Llewellyn Publications.).

Sampaio (1987, p. 173)Sampaio, T. (1987). O tupi na geografia nacional (5. ed., Coleção Brasiliana, 380). Companhia Editora Nacional., na obra “O tupi na geografia nacional”, diz que o Curupira preside aos maus pensamentos e faz pesadelos. Machado (1987, p. 41)Machado, A. (1987). Pequeno ensaio sobre as lendas e folclore de Rondônia. Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo., que registrou as lendas e folclore de Rondônia, diz que “o curupira arranca de suas vítimas os dentes para ornamentar o seu colar, confecionados de ossos e dentes humanos”. Para os moradores do rio Cuieiras (Manaus), ele é considerado um animal que não é caça, predando o homem, caso não cumpra determinadas ‘regras’ (Campos, 2008Campos, M. A. A. (2008). Cruzando saberes com os caçadores do rio Cuieiras: saberes e estratégias de caça no baixo rio Negro, Amazonas [Dissertação de mestrado, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Universidade Federal do Amazonas].). Interessante registrar que o Curupira pode se transformar no tamanduá-bandeira (Tamandua tetradactyla L., 1758), sendo este considerado um alimento tabu: “Alguns caçadores chegam a afirmar que não existe tamanduá macho, só fêmea, pois o macho seria o curupira, como percebemos numa conversa com o caçador” (Campos, 2008Campos, M. A. A. (2008). Cruzando saberes com os caçadores do rio Cuieiras: saberes e estratégias de caça no baixo rio Negro, Amazonas [Dissertação de mestrado, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Universidade Federal do Amazonas]., p. 87).

Em algumas localidades, os moradores se referem à entidade Curupira como um substantivo feminino, ‘a Curupira’, considerando-a a Mãe-da-Mata, uma alusão à divindade feminina da floresta (Barros & Azevedo, 2014Barros, F. B., & Azevedo, P. A. (2014). Common opossum (Didelphis marsupialis Linnaeus, 1758): food and medicine for people in the Amazon. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, 10, 65. https://doi.org/10.1186/1746-4269-10-65
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; Norberto, 2016Norberto, S. (2016). Os mitos ribeirinhos nas narrativas orais da comunidade de Nazaré/Rondônia. In Anais Eletrônicos do Encontro da Associação Brasileira de literatura Comparada. https://abralic.org.br/anais/arquivos/2016_1491505458.pdf
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; Costa, 2019Costa, M. C. G. (2019). Amazônia cinza: as narrativas orais do mito do Ataíde nas entranhas dos manguezais de Bragança/PA [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará].). Na figura de um ente feminino, ou mesmo andrógino, alguns relatos sobre Curupira adquirem uma conotação sexual, quando ela “tenta capturar um caçador para ser seu parceiro, porém, como ela é feia demais para segurar um homem, este deve ser amarrado em uma árvore para não fugir”(Hoefle, 2009Hoefle, S. W. (2009). Amazônia encantada: ética ambiental e identidade cultural. Espaço e Cultura, (26), 72-92., p. 81).

Na atualidade, a identidade ecológica do Curupira fica evidente na cultura moderna, na literatura e na poesia, quando se exalta sua figura como guardião da floresta, protetor contra madeireiros e caçadores. Tanto é assim que Sanchez (2003)Sanchez, P. (2003). Relatos amazónicos. Ministério da Educación., no livro didático peruano “Relatos amazónicos”, chama-o de ‘Deus Ecológico da Amazônia’ (Burton, 2018Burton, A. (2018). Who’s afraid of the Curupira? Frontiers in Ecology and the Environment, 16(5), 308. https://doi.org/10.1002/fee.1817
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).

Outras entidades assemelham-se ao Curupira em termos de descrição e comportamento. Por exemplo, os moradores da comunidade rural de Gameleira dos Pimentas, estado da Bahia, relatam a existência de um ser encantado chamado Pé-de-Garrafa. Segundo A. Souza et al. (2015)Souza, A. N. J., Bulhões, R. S., & Docio, L. (2015). Conexões homem-animal: caracterização do conhecimento etnozoológico de uma comunidade no Nordeste de Brasil. Etnobiología, 13(3), 38-53., trata-se de um homem que, quando criança, fora amaldiçoado pela mãe. Os indivíduos ouvidos por esses autores descrevem a criatura como um indivíduo de estatura baixa, todo coberto de pelos e que possui pés pequenos e semelhantes ao fundo de uma garrafa. Essa entidade é capaz de se transformar em qualquer animal, emitindo um som semelhante a um assobio forte e que faz estremecer o chão. Em geral, ele não é agressivo, apenas o sendo quando atacado de maneira física ou verbal em qualquer uma de suas formas. Por essa razão é que os residentes de Gameleira dos Pimentas evitam machucar animais, sejam domésticos ou silvestres (A. Souza et al., 2015Souza, A. N. J., Bulhões, R. S., & Docio, L. (2015). Conexões homem-animal: caracterização do conhecimento etnozoológico de uma comunidade no Nordeste de Brasil. Etnobiología, 13(3), 38-53.).

O povo Tukano identifica a entidade Boraró como o chefe dos animais. Sendo parecida com a onça (Panthera onca L., 1758), possui comportamento canibal, embora possa se transformar em um porco-do-mato ou em um veado (Reichel-Dolmatoff, 1973Reichel-Dolmatoff, G. (1973). Desana. Le symbolisme universel des indiens Tukano du Vaupés. Gallimard., 1978Reichel-Dolmatoff, G. (1978). El chamán y el jaguar. Estudio de las drogas narcóticas entre los indios de Colombia. Editorial Siglo XXI.).

Interessante registrar que, no ano de 1970, o então governador do estado de São Paulo, Roberto Costa de Abreu Sodré, instituiu o Curupira como símbolo estadual de guardião e protetor das florestas e dos animais (Instituto Florestal, 2021Instituto Florestal. (2021). O retorno do curupira ao Horto Florestal. https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/institutoflorestal/2019/10/o-retorno-do-curupira-ao-horto-florestal/
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). No município paulista de Olímpia, durante a semana em que ocorre o Festival de Folclore, no mês de agosto, a autoridade municipal é representada pelo Curupira, que exerce seu poder protegendo a população local e os visitantes que ali comparecem (Curupira, 2021Curupira. (2021). In Wikipédia. https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Curupira
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). Cabe destacar, ainda, que no Horto Florestal da capital paulista há um monumento em homenagem ao Curupira, inaugurado no dia da Árvore, comemorado em 21 de setembro (Instituto Florestal, 2021Instituto Florestal. (2021). O retorno do curupira ao Horto Florestal. https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/institutoflorestal/2019/10/o-retorno-do-curupira-ao-horto-florestal/
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).

CAIPORA

O mito sobre Caipora está presente no imaginário brasileiro desde a época colonial, e, assim como o Curupira, seu significado está relacionado à proteção dos animais e das matas (Edeweiss, 1993Edeweiss, F. (1993). Apontamentos de folclore. Centro Editorial e Didático, UFBA.; Cintra & Mutim, 2002Cintra, M. A. M. U., & Mutim, A. L. B. (2002). Educação ambiental: a sabedoria da preservação nas lendas. Grupo Ambientalista da Bahia/CHESF.). Os primeiros relatos sobre Caipora aparecem em documentos franceses do século XVI (Cascudo, 1967Cascudo, L. C. (1967). Folclore do Brasil: pesquisas e notas. Fundo de Cultura.). No idioma tupi, o termo significa “morador do mato” (M. I. Pereira, 2014Pereira, M. I. C. (2014). Linguagem do cotidiano em tendas, comunidades, fraternidades, centros e barracões de Candomblé, Umbanda e outros cultos de raiz afro-brasileiros. Barlavento.). A depender da região, recebe as seguintes denominações: Caapora, Caiçara, Curupira, Dona-das-Folhas, Pai ou Mãe-do-Mato, Flor-do-Mato, Caboclinha e Florzinha (Figura 2). Figurativamente, emprega-se o termo como adjetivo para se referir à pessoa azarada, infeliz, que nunca ou dificilmente tem sucesso naquilo que faz. ‘Encaiporado’ é dito daquele que atravessa uma fase de insucessos e infelicidade (Cascudo, 2001Cascudo, L. C. (2001). Dicionário do folclore brasileiro (11. ed.). Global.).

Figura 2
Representação estilizada da Caipora.

M. I. Pereira (2014, p. 89) identifica a Caipora como uma “divindade semideusa ou de segunda ordem, do panteão indígena, protetora dos animais, equivalente ao orixá Ossãe/Ossaim dos cultos de matriz africana”. Não obstante, para Bastide (1961)Bastide, R. (1961). O Candomblé da Bahia (rito Nagô) (Coleção Brasiliana, Vol. 313). Companhia Editora Nacional., associar Ossaim, orixá responsável pela medicina por meio das folhas, à Caipora é um erro crasso:

Manuel Querino aproxima Ossaim, que escreve ‘Ossonhe’, de um espírito ameríndio, o Caipora, porque tanto um como o outro não têm senão uma perna. Nada há a reparar se se trata apenas de simples comparação entre duas mitologias; mas se Manuel Querino quer dar a entender que os negros adotaram o mito do Caipora, então o êrro é manifesto

(Bastide, 1961Bastide, R. (1961). O Candomblé da Bahia (rito Nagô) (Coleção Brasiliana, Vol. 313). Companhia Editora Nacional., p. 156).

. . . Mas se Ossaim não tem senão uma perna, não é devido a uma corrupção e assimilação com o Caipora; é simplesmente porque incorreu um dia na cólera de Xangô e, no decorrer da luta, perdeu uma perna (em Cuba, além disso, perdeu também um ôlho e um braço)

(Bastide, 1961Bastide, R. (1961). O Candomblé da Bahia (rito Nagô) (Coleção Brasiliana, Vol. 313). Companhia Editora Nacional., p. 157).

Os pataxó, no estado da Bahia, chamam-na de Katumbaiá, e sua morada é sob o pé da palmeira pati, também chamada patioba (Syagrus bothryophora Martius, Arecaceae):

Na mata existe a protetora dos animais que é Katumbaiá. Quando a pessoa sai para caçar, para se alimentar, ela nunca se perde na mata, mas se vai fazer uma caça predatória, nesse caso muita gente se perde. Para encontrar o caminho de casa a pessoa tem que procurar um pé de patioba e vai ter que fazer uma simpatia para achar o caminho de volta. Se não, fica perdido na mata

(O. Ferreira et al., 2018Ferreira, O. S., Santo, M. N. A., Modercín, I., Cardoso, T., Lobão, J., & Bandeira, F. P. (2018). Assim contam os mais velhos: experiências e resultados da experiência intercultural em pesquisa sobre gestão etnoambiental de territórios Pataxó. UEFS Editora., p. 69).

D. Maria Bela, uma indígena Tremembé, afirma que Caipora não gosta de ser chamada por esse nome, mas, sim, de Surrupira ou Cabôco-do-Mato e, por isso, muitas vezes, ele castiga ou atrasa a vida de quem teima e continua chamando-o de Caipora (M. Santos, 2014Santos, M. A. (2014). Os encantados e seus encantos: narrativas do povo Tremembé de Almofala sobre os encantados. Imprensa Universitária.). Para os Tremembé, no Ceará, além de ser o protetor das matas, Caipora é um encantado de cura, atuando nos terreiros de Umbanda em momentos de cura espiritual dos presentes (M. Santos, 2014Santos, M. A. (2014). Os encantados e seus encantos: narrativas do povo Tremembé de Almofala sobre os encantados. Imprensa Universitária.).

Tal qual o/a Curupira, a/o Caipora atua como um elo entre os caçadores e a quantidade dos animais silvestres que podem ser abatidos, funcionando como “uma espécie de controle na extração sustentável dessa fauna, em virtude de regras e negociações para o acesso às presas” (M. Almeida, 2013Almeida, M. W. B. (2013). Caipora e outros conflitos ontológicos. Revista de Antropologia da UFSCar, 5(1), 7-28. https://doi.org/10.52426/rau.v5i1.85
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, p. 15). Segundo M. Almeida (2013)Almeida, M. W. B. (2013). Caipora e outros conflitos ontológicos. Revista de Antropologia da UFSCar, 5(1), 7-28. https://doi.org/10.52426/rau.v5i1.85
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, as regras dizem respeito a não exercer atividades de caça em dias considerados santos, restringir o abate de determinadas espécies, além de não abusar da quantidade de animais abatidos. Se tais regras não são atendidas, surgem punições aos agressores da natureza e aos caçadores que matam por prazer. Outras de suas atribuições ecológicas incluem: curar os animais feridos, cuidar da reprodução dos animais, garantindo-a, bem como prover a quantidade e a diversidade da fauna (Dias, 2004Dias, C. J. (2004). Na floresta onde vivem brabos e mansos: economia simbólica de acesso à natureza praticada na Reserva Extrativista do Alto Juruá – Acre [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas]. citado em J. Lima et al., 2017Lima, J. R. B., Santos, C. A. B., Almada, E. D., & Costa-Neto, E. M. (2017). Percepções e crenças sobre fauna cinegética em uma região semiárida do Brasil. Revista Ibero-Americana de Ciências Ambientais, 8(3), 23-30. https://doi.org/10.6008/SPC2179-6858.2017.003.0003
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).

Caipora demanda respeito pelos animais mortos nas caçadas. Por isso, uma grande preocupação dos caçadores é não insultar as carcaças das presas (M. Almeida, 2017Almeida, M. W. B. (2017). Local struggles with entropy: Caipora and other demons. In M. Brightman & J. Lewis (Eds.), The anthropology of sustainability: beyond development and progress (pp. 273-289). Palgrave Macmillan.). O insulto, segundo esse autor, pode ocorrer a qualquer momento se um conjunto de regras não foi cumprido adequadamente, desde o transporte do animal morto até a entrada na cozinha e entrega aos cuidados femininos. Por exemplo, veados (Cervidae), porcos-do-mato (Tayassuidae) e cutias (Dasyprocta spp.) geralmente são amarrados com enviras: colocar o corpo no cotovelo esquerdo não é o mesmo que colocá-lo no direito; carregá-lo com a mão direita não é o mesmo que carregar com a mão esquerda; urinar ao redor da carcaça é falta grave. Ao chegar à casa, as cinzas não devem ser misturadas com sangue no fogão; ossos não devem ser misturados ao sangue; as mulheres devem dispor cuidadosamente dos ossos, de modo que não entrem em contato com sangue menstrual. Uma prática comum é guardar partes do animal (cauda, dentes, chifres, ossos, bezoares) e usá-las para conciliar-se com a Caipora (M. Almeida, 2017Almeida, M. W. B. (2017). Local struggles with entropy: Caipora and other demons. In M. Brightman & J. Lewis (Eds.), The anthropology of sustainability: beyond development and progress (pp. 273-289). Palgrave Macmillan.).

Os caçadores do povoado Cruz, pertencente ao município de Delmiro Gouveia (Alagoas), devem ‘agradar’ à Caipora se assim desejarem ter sucesso na caçada, como demonstram os relatos registrados por J. Lima et al. (2017, pp. 27-28): “Leva fumo e alho para colocar dentro do toco, aí diz que é para o pai do mato”; “Leva fumo para dá aos caboclos, se ouvir um assubi pode voltar que a caça não vai ser boa”; “A caipora esconde a caça, mata os cachorro, os cachorro fica assustado, latindo e acuando o toco, como se fosse alguma coisa, aí a gente vai lá e não tem nada”.

No litoral norte da Bahia, as comunidades de pescadores artesanais compartilham os manguezais com a Caipora, a Vovó-do-Mangue e o Zumbi (Souto, 2004Souto, F. J. B. (2004). A ciência que veio da lama: uma abordagem etnoecológica abrangente das relações ser humano/manguezal na comunidade pesqueira de Acupe, Santo Amaro-BA [Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos].; Magalhães et al., 2014). As atitudes em relação a essas entidades variam desde aqueles moradores que não creem na existência de tais seres aos que não apenas creem, como afirmam já terem tido algum tipo de experiência com eles (Magalhães et al., 2014Magalhães, H. F., Costa-Neto, E. M., & Schiavetti, A. (2014). Cosmovisão e etnoconservação nos manguezais do município de Conde, litoral norte do estado da Bahia, Brasil. Etnobiología, 12(1), 23-29.). Esses autores dizem que a crença na existência de seres enteais que habitam áreas de estuário faz com que haja certo respeito por parte dos pescadores e marisqueiras do município do Conde quando realizam suas atividades extrativistas, uma vez que “tais entidades funcionam como agentes protecionistas do ambiente e atuam contra os excessos cometidos por aqueles que adentram nos estuários” (Magalhães et al., 2014Magalhães, H. F., Costa-Neto, E. M., & Schiavetti, A. (2014). Cosmovisão e etnoconservação nos manguezais do município de Conde, litoral norte do estado da Bahia, Brasil. Etnobiología, 12(1), 23-29., p. 28).

Em várias localidades, ‘Caipora’ e ‘Curupira’ seriam equivalentes, sendo que a diferença da primeira para o segundo é o sentido dos pés: enquanto a Caipora tem os pés voltados para frente, o Curupira os tem voltados para trás. No mais, são entidades caracterizadas por fazerem as mesmas artimanhas, terem as mesmas preferências e se movimentarem de maneiras parecidas (Vegini et al., 2014Vegini, V., Vegini, R. L., & Ferreira Netto, W. (2014). O mostruoso mapinguari pan-amazônico: uma sucessão de adaptações aloindígenas. Temática.; A. B. Silva et al., 2019Silva, A. B., Lopes, J. B., Figueiredo, L. S., Barros, R. F. M., Souto, W. M. S., Alencar, N. L., & Lopes, C. G. R. (2019). Water Spirits within the fishers’ worldview: implications for fishing management in Northeast Brazil. Journal of Ethnobiology and Ethnoecology, 15, 70. https://doi.org/10.1186/s13002-019-0350-z
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). Em termos de nomenclatura segundo a geografia, Cascudo (2001, p. 171)Cascudo, L. C. (2001). Dicionário do folclore brasileiro (11. ed.). Global. comentou que “do Maranhão para o sul até o Espírito Santo, o seu apelido constante é Caipora”. O mesmo autor, ao falar da Caipora, menciona que:

É o curupira, tendo os pés normais, . . . . residindo no interior das matas, nos troncos das velhas árvores. De defensor de árvores passou a protetor de caça. Em qualquer direção pelo Brasil, o Caipora é um pequeno indígena, escuro, ágil, nu ou usando tanga, fumando cachimbo, doido pela cachaça e pelo fumo, reinando sobre todos os animais e fazendo pactos com os caçadores. . . . Aparece com a cabeça hirta, olho em brasa, cavalgando o porco . . . . e agitando um galho de japecanga. Engana os caçadores que não lhe trazem fumo ou cachaça, surra impiedosamente os cachorros. Na Bahia é uma cabocla quase negra ou um negro velho. . . . Por onde emigra, o nordestino vai semeando suas figuras e crenças. O caipora, popularizadíssimo no sertão, no agreste e na praia, vai alargando a área geográfica do seu domínio. O Caipora, com o contado do focinho, do porco, da vara de ferrão, do galho de japecanga ou da ordem verbal imperativa, ressuscita os animais mortos sem sua permissão, apavorando os caçadores

(Cascudo, 2001Cascudo, L. C. (2001). Dicionário do folclore brasileiro (11. ed.). Global., p. 98).

Sobre o rapto de crianças por tais seres, menciona-se que, como têm a capacidade de mudar de forma, eles podem aparecer na aparência de uma pessoa conhecida ou parente e, então, transformar as crianças raptadas em seres semelhantes ou enganá-las e deixá-las perdidas nas profundezas das matas (Burton, 2018Burton, A. (2018). Who’s afraid of the Curupira? Frontiers in Ecology and the Environment, 16(5), 308. https://doi.org/10.1002/fee.1817
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). Diz-se que “após encantá-las e ensiná-las sobre os segredos da floresta durante sete anos, os jovens são devolvidos para as famílias, mas nunca voltam a ser os mesmos depois de terem vivido na floresta e encantados pela visagem” (F. Pereira, 2001Pereira, F. K. (2001). Painel de lendas e mitos da Amazônia. Gráfica Falângola., p. 38).

CONSERVAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS À LUZ DA ECOLOGIA ESPIRITIUAL

A presença marcante de entidades conhecidas como ‘donos/donas’, ‘senhores/senhoras’, ‘pais/mães’ ou ‘guardiões’ dos animais e da floresta se faz notar em diferentes partes do mundo. Tal fenômeno fornece a possibilidade de refletir que as relações de reciprocidade entre seres humanos e entidades mais-que-humanas, decorrentes de uma visão animista e vitalista da natureza, retratam uma barreira ideológica, resistindo ao desmatamento e à desigualdade social provocados pela agricultura moderna (Hoefle, 2009Hoefle, S. W. (2009). Amazônia encantada: ética ambiental e identidade cultural. Espaço e Cultura, (26), 72-92.). No entanto, é sabido que a modernização socioeconômica e a introdução (imposição) de novas instituições e cultos religiosos dogmáticos (cristãos e neopentecostais) têm causado o descrédito e aversão dos mesmos habitantes locais pelos espíritos da floresta, ocasionados por mudanças em sua cosmovisão e nos modos de vida tradicionais (Sponsel, 2012Sponsel, L. E. (2012). Spiritual ecology: a quiet revolution. ABC-CLIO Publication.; Bortolamiol et al., 2018Bortolamiol, S., Krief, S., Chapman, C. A., Kagoro, W., Seguya, A., & Colen, M. (2018). Wildlife and spiritual knowledge at the edge of protected areas: Raising another voice in conservation. Ethnobiology and Conservation, 7, 1-26. https://ethnobioconservation.com/index.php/ebc/article/view/184
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; A. B. Silva et al., 2019Silva, A. R. F. (2019). Ser(tão) mágico: a extinção da fauna fantástica no Rio Grande do Norte [Monografia de Bacharelado em História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte].), consequentemente interferindo nos sistemas autóctones de crenças e práticas relacionadas à regulação do acesso e do uso de recursos, comprometendo, assim, a conservação da natureza (Hoefle, 2009Hoefle, S. W. (2009). Amazônia encantada: ética ambiental e identidade cultural. Espaço e Cultura, (26), 72-92.; Jacka, 2010Jacka, J. K. (2010). The spirits of conservation: ecology, Christianity, and resource management in highlands Papua New Guinea. Journal for the Study of Religion, Nature and Culture, 4(1), 24-47. http://doi.org/10.1558/jsrnc.v4i1.24
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).

Curupira, Caipora e demais entidades protetoras da natureza e seus elementos mantêm relações com determinados grupos de seres humanos, notadamente caçadores, pescadores e demais transeuntes que adentram nos ambientes naturais. Tais relações ocorrem por meio de pactos, quando, por exemplo, aos caçadores lhes são dadas ‘armas infalíveis’ e caça farta. Em troca, esses seres aceitam fumo, bebida e comida (sem alho e pimenta), punindo severamente quem não cumpre o pacto (Ribeiro, 2002Ribeiro, P. S. (2002). Folclore: similaridades nos países do Mercosul: lendas, mitos, religiosidade, medicina e crenças do povo. Martins Livreiro.; A. B. Silva et al., 2019Silva, A. R. F. (2019). Ser(tão) mágico: a extinção da fauna fantástica no Rio Grande do Norte [Monografia de Bacharelado em História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte].) (Figura 3). Barganhar com tais entes pode ser visto como um comportamento recíproco, uma vez que há um limite para a caça predatória (Hoefle, 2009Hoefle, S. W. (2009). Amazônia encantada: ética ambiental e identidade cultural. Espaço e Cultura, (26), 72-92.). Muitas dessas representações míticas, além do valor explicativo, têm um sentido territorial e conservacionista (Oliveira & Borges, 2010Oliveira, K. C. D., & Borges, L. C. (2010). Pajelança, meio ambiente e cotidiano: interação dos pajés com a natureza - Cachoeira do Arari/PA. In Resúmenes del Seminario de Investigación en Museología de los Países de Lengua Portuguesa y Española, Buenos Aires.). Os lugares nos quais as entidades surgem ou habitam são tidos como sagrados, e os indivíduos que ousam adentrar sem as devidas autorizações ou limpezas energético-corporais geralmente são castigados (nos níveis físico, mental, emocional e espiritual). Por essa razão, esses seres podem ser considerados como guardiões dos espaços e dos elementos naturais, punindo “quem os molesta, quem pesca ou caça além do necessário, quem maltrata os animais, quem destrói as florestas, quem penetra nos lugares sagrados sem pedir licença ou permissão” (Oliveira & Borges, 2010Oliveira, K. C. D., & Borges, L. C. (2010). Pajelança, meio ambiente e cotidiano: interação dos pajés com a natureza - Cachoeira do Arari/PA. In Resúmenes del Seminario de Investigación en Museología de los Países de Lengua Portuguesa y Española, Buenos Aires., p. 259).

Figura 3
Exemplos de oferendas – comida (A) e tabaco (B) – para pedir permissão e benção aos seres espirituais da floresta.

Para Diegues (1994)Diegues, A. C. S. (1994). O mito moderno da natureza intocada. NEPAUB/USP., é mediante o encontro entre as representações socioambientais e os saberes etnoecológicos acumulados ao longo do tempo que ocorre o desenvolvimento dos sistemas tradicionais de manejo. Nesse sentido, torna-se necessário e urgente compreender e desvelar o paradigma ecológico presente no imaginário popular, conforme explicitado por C. Araújo (2015, p. 9)Araújo, C. (2015). O folclore vive. O Prelo, 40, 8-11.:

Se transcendermos o etnocentrismo e a visão superficial sobre a cultura popular, poderemos reconhecer uma grande sabedoria por detrás das chamadas lendas folclóricas, tão relevantes quanto as reflexões filosóficas ou científicas. De maneira informal e simples, grandes temas são tratados por meio desses mitos, como a ecologia presente na lenda do Curupira, por exemplo.

Verschuuren (2006, p. 299) afirma que os valores culturais e espirituais são forças críticas na condução da conservação da natureza e manejo de ecossistema, mas geralmente difíceis de representar nos processos de tomadas de decisão. Por essa razão, compartilhamos com o autor a reflexão de que se faz necessário compreender a importância das diferentes percepções culturais sobre ecossistemas e paisagens naturais para o desenvolvimento e fortalecimento de estratégias mais eficazes e holísticas direcionadas ao manejo dos ecossistemas e coexistência das realidades simultâneas.

Existe mesmo um forte sentido de espiritualização em diferentes corpos d’água – como rios, mangues e estuários, bem como em ecossistemas terrestres, entre os quais bosques, grutas e cavernas – aos quais são atribuídas restrições de acesso por leis consuetudinárias, permanecendo áreas não utilizáveis para fins econômicos. Nesses casos, as interdições mágico-místico-religiosas contribuem para conservação dos recursos naturais (Vallejo, 2002Vallejo, L. R. (2002). Unidades de conservação: uma discussão teórica à luz dos conceitos de território e de políticas públicas. GEOgraphia, 4(8), 57-78. https://doi.org/10.22409/GEOgraphia2002.v4i8.a13433
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; A. L. Silva, 2011Silva, A. L. (2011). Entre tradições e modernidade: Conhecimento ecológico local, conflitos de pesca e manejo pesqueiro no rio Negro, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 6(1), 141-163. https://doi.org/10.1590/S1981-81222011000100009
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). Para Smith (1983, p. 20)Smith, N. (1983). Enchanted forest. Natural History, 82(8), 14-20., “legislação, ciência e tradição podem e devem trabalhar lado-a-lado para reforçar os esforços conservacionistas na região, uma vez que, em última instância, a sobrevivência de qualquer unidade de conservação depende da sua aceitação pelas populações vizinhas”. Por exemplo, a existência de entidades elementais que habitam corpos d’água (rios, lagos, igarapés, mares etc.) e que apresentam comportamentos ecologicamente orientados poderia ser usada nas ações de cogestão dos recursos pesqueiros, reforçando a importância do conhecimento tradicional e de fatores culturais nas abordagens de gestão da pesca (A. B. Silva et al., 2020Silva, A. B., Lopes, J. B., Figueiredo, L. S., Barros, R. F. M., Souto, W. M. S., Alencar, N. L., & Lopes, C. G. R. (2020). Espíritos das águas: uma breve história sobre a cosmovisão de pescadores artesanais no Nordeste brasileiro. In Livro de Resumos do Encontro de Etnobiologia e Etnoecologia do Piauí, SBEE.). As populações locais poderiam ser consultadas sobre a localização de lugares encantados, bem como sobre os tipos de interações que desenvolvem com as entidades residentes, e seu conhecimento deveria ser incorporado nos planejamentos e tomadas de decisão. Na Amazônia, por exemplo, existem “vários parques sobrenaturais” – nos quais se encontra uma biodiversidade encantada – “e estes bem que poderiam servir de base para os parques naturais que venham a ser propostos com base em princípios participativos” (Marques, 2005Marques, J. G. W. (2005). “É pecado matar a esperança, mas todo mundo quer matar o sariguê”. Etnoconservação e catolicismo popular no Brasil. In: A. G. C. Alves, R. F. P. Lucena & U. P. Albuquerque (Orgs.), Atualidades em etnobiologia e etnoecologia (Vol. 2, pp. 25-43). Nupeea/SBEE., p. 33, grifos do autor).

Desse modo, torna-se premente conceber a união da espiritualidade com a ecologia, a fim de entender e apoiar as crenças locais de povos indígenas e comunidades tradicionais, com o intuito de implementar estratégias ecologicamente embasadas para desenvolver a conservação racional dos recursos naturais e a manutenção do rico patrimônio biocultural a eles associados.

  • 1
    Domínio espiritual, não corpóreo, em outra dimensão de realidade na qual os seres considerados ‘mitológicos’ habitam (Andrews, 2020Andrews, T. (2020). Enchantment of the faerie realm: communicate with nature spirits and elementals (28. ed.). Llewellyn Publications.; Costa-Neto & Lins, 2022Costa-Neto, E. M., & Lins, A. C. E. (2022). Biologia liminal: o papel dos enteais na formação, sustentação e conservação das plantas e dos animais. UEFS Editora.).
  • 2
    Segundo Jensen (1986 [1966])Jensen, A. E. (1986 [1966]). Mito y culto entre pueblos primitivos. Fondo de Cultura Económica., na maioria dos grupos contemporâneos, em verdade, não encontramos a presença de ‘deuses dos animais e da caça’ propriamente ditos. Segundo o autor, na época em que os humanos eram dedicados às atividades de caça-coleta como principal meio de subsistência, deuses criadores eram vistos também como patronos da atividade. Com a mudança e consolidação de um estilo de vida de caçador-coletor para um outro, o de agricultor e pastor, essas divindades foram perdendo protagonismo, tornando-se figuras de menor rango, reduzidas a simples ‘deuses menores’ (com notável exceção do deus celta Cernunnos; Reboreda Morillo & Castro Pérez, 2003-2004Reboreda Morillo, S., & Castro Pérez, L. (2003-2004). Cernunnos y sus antecedentes orientales. Anales de Prehistoria y Arqueología, 19-20, 143-156.) ou transformadas, precisamente, nos seres elementais (ditos espíritos, donos, mestres, guardiões etc.) que protegem os animais silvestres e regulam a caça. Além disso, existem contextos em que essas entidades da caça fundem-se com outros entes da natureza, isto é, adotam, ao mesmo tempo, outras funções provedoras e protetoras (das plantas, da floresta, das cavernas, das montanhas, da chuva etc.) (Garza Camino, 1984Garza Camino, M. (1984). El universo sagrado de la serpiente entre los mayas. Centro de Estudios Mayas, Instituto de Investigaciones Filológicas, UNAM.).
  • 3
    Zeladora dona Rita Yá OMile.
  • 4
    Euforia é tudo aquilo de positivo que o sujeito realiza e que vai sempre estar em oposição a toda maldade que ele também pode praticar (Fiorin, 2011Fiorin, J. L. (2011). Elementos de análise do discurso (15. ed.). Contexto. citado em A. R. F. Silva, 2019Silva, A. R. F. (2019). Ser(tão) mágico: a extinção da fauna fantástica no Rio Grande do Norte [Monografia de Bacharelado em História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte].).
  • 5
    Raízes que formam divisões tabulares em torno da base do tronco de certas árvores.
  • Costa Neto, E. M., Santos-Fita, D. & Aguiar, L. M. P. (2023). Curupira e Caipora: o papel dos seres elementais como guardiões da natureza. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 18(1), e20210095. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2021-0095

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Editado por

Responsabilidade editorial: Priscila Faulhaber Barbosa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2021
  • Aceito
    06 Set 2022
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