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A ‘mãe palmeira’ ante a privatização de terras sob uso comum: desafios para a conservação do babaçu por quilombolas no vale do Mearim, Brasil

‘Mother palm’ as common use lands are privatized: challenges for babassu conservation by quilombolas in the Mearim valley, Brazil

Resumo

A relação entre palmeiras e comunidades é fator significativo para a constituição de territórios tradicionais e para a conservação de relevantes ecossistemas. Designada como ‘mãe do povo’, a palmeira babaçu – Attalea speciosa (Mart. ex Spreng.) – tem provido historicamente o sustento de quilombos em terras de uso comum, nas áreas de sua ocorrência. Porém, contínuos assédios governamentais e civis de privatização ameaçam tais processos socioeconômicos e ecológicos, sob um mercado de terras desfavorável à tradição quilombola. É analisado o caso do quilombo Monte Alegre-Olho D’Água dos Grilos, no vale do rio Mearim, Maranhão, atualmente sob processo ilegal de privatização de terras coletivas. Quilombolas, em parceria de pesquisa-ação com os autores, realizaram inventário da vegetação arbórea no seu território. Resultados desse inventário e dados da memória oral sobre a vegetação arbórea permitem refletir sobre bases conceituais para a conservação dos babaçuais. Os resultados indicam que a regularização fundiária na modalidade coletiva é necessária, mas não suficiente para evitar a fragmentação da cobertura vegetal prejudicial à conservação florestal. Conclui-se que os direitos territoriais reivindicados, embora garantidos constitucionalmente, só serão concretizados se Estado e sociedade respeitarem a renovação da tradição do uso comum pelos quilombolas, conforme preconizado na revisada ‘teoria dos comuns manejados’.

Palavras-chave
Amazônia; Attalea ; Comunidade tradicional; Inventário florestal

Abstract

The relationship between palm trees and communities is significant for the constitution of traditional territories and conservation of relevant ecosystems. The babassu palm, Attalea speciosa (Mart. ex Spreng.) has been called the “mother of the people” and has historically provided sustenance to quilombos in the common use lands where it occurs. But incessant privatization initiatives from the government and private endeavors threaten these socioeconomic and ecological processes within a land market that is not favorable to the quilombola tradition. This article analyzes the case of the Monte Alegre-Olho D’Água dos Grilos quilombo in the Mearim River Valley of Maranhão state, where collective lands are currently being illegally privatized. Quilombolas partnered with the authors in a research activity to inventory the trees in their territory; from the results of this inventory and information from oral memory about the vegetation we reflect on the conceptual motives for conserving babassu groves. The findings indicate that collective land tenure regularization is required but not sufficient to avoid the fragmentation of vegetation cover that hinders forest conservation. We conclude that land tenure rights (even though they are guaranteed by the constitution) will only be achieved if the government and society respect renewal of the tradition of common use by the quilombolas, as advocated by the revised ‘theory of managed commons’.

Keywords
Amazon; Attalea spp.; Traditional community; Forest inventory

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é argumentar que, em terras sob uso comum por quilombolas1 1 O termo quilombola pode ser entendido como autodesignação de sujeitos coletivos remanescentes de grupos de africanos escravizados e seus descendentes, que resistiram à escravidão, constituindo territórios próprios. No entanto, quilombo é, sobretudo, um conceito ou campo conceitual sociologicamente construído, que concorre, seja na academia, seja nos movimentos sociais, com definições jurídico-formais historicamente engessadas. Para a compreensão do conceito, há que se partir de situações empíricas, geradas por aqueles que assumem essa identidade para assegurar o direito a seus territórios e à relação particular com os recursos naturais (Almeida, 2011). Quilombo é uma categoria em disputa, “não apenas em função de seu caráter polissêmico, aberto, com grandes variações empíricas de ocorrência no tempo e no espaço. Mas uma disputa em torno de como o plano analítico se conecta com os planos político e normativo” (Arruti, 2008, pp. 315-316). (Almeida, 2011Almeida, A. W. B. D. (2011). Quilombolas e novas etnias. UEA Edições.), modalidades de regularização fundiária com titulação coletiva são necessárias, mas não suficientes para a conservação das florestas2 2 De acordo com a FAO (2000), florestas são terras com mais de 0,5 hectare, com uma cobertura de dossel superior a dez por cento, que não estão primariamente sob uso agrícola ou urbano. As florestas são determinadas pela presença de árvores e pela ausência de outros usos predominantes do solo. As árvores devem atingir uma altura mínima de 5 m in situ. Estão incluídas neste conceito as áreas reflorestadas que ainda não atingiram cobertura de dossel de dez por cento ou altura das árvores de 5 m, assim como as áreas temporariamente sem estoque, resultantes de intervenção humana ou causas naturais, que devem se regenerar. O termo exclui árvores plantadas principalmente para produção agrícola, por exemplo, em plantações de espécies frutíferas e sistemas agroflorestais. de babaçu – Attalea speciosa Mart. ex. Spreng. (Arecaceae). Os quilombos localizados na Baixada Maranhense e nos vales dos rios Pindaré, Mearim e Itapecuru mantêm tradicional e secular interação com o babaçu. Chamada localmente de ‘mãe do povo’ (Porro, 2002Porro, N. (2002). Rupture and resistance: gender relations and life trajectories in the babaçu palm forests of Brazil [Tese de doutorado, Universidade da Flórida].) e ‘árvore da vida’ (Anderson & Anderson, 1985Anderson, A. B., & Anderson, E. S. (1985). A tree of life grows in Brazil. Natural History, 9(12), 40-47.), a relação com essa palmeira é símbolo e prática de resistência dessas comunidades por seus territórios tradicionais, provendo insumos para alimentação, habitação, combustível, embalagens, fertilização dos solos, assim como produtos para comercialização como amêndoas, óleo, farinha de mesocarpo e carvão (Anderson et al., 1991Anderson, A. B., May, P. H., & Balick, M. J. (1991). The subsidy from nature: palm forests, peasantry, and development on an Amazon frontier. Columbia University Press.; Carrazza et al., 2012Carrazza, L. R., Ávila, J. C. C., & Silva, M. L. D. (2012). Aproveitamento integral do fruto e da folha do babaçu (Attalea spp.) (2. ed., Manual Tecnológico, 5). ISPN.; May, 1990May, P. H. (1990). Palmeiras em chamas: transformação agrária e justiça social na zona do babaçu. EMAPA, FINEP, Fundação Ford.). No entanto, o devido reconhecimento e a regularização fundiária desses quilombos permanecem incertos, apesar de garantias constitucionais.

Em todo o Brasil, até dezembro de 2021, em termos formais, 2.839 comunidades foram certificadas como quilombos pelo governo federal, por meio da Fundação Cultural Palmares. Ressalta-se que, embora certificadas, a maioria permanece sem a regularização fundiária de seus territórios tradicionais. No estado do Maranhão, dentre os estimados 880 quilombos, 788 foram certificados. Porém, enquanto 399 têm processos de regularização fundiária abertos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), apenas 27 lograram ter seu essencial Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) publicado oficialmente e somente quatro chegaram à etapa final de titulação, e ainda com titulações prévias e parciais3 3 Até fevereiro de 2022, os registros do INCRA atestavam que o quilombo de Santa Maria dos Pinheiros, em Itapecuru-Mirim, obteve titulação prévia, através de Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (art. 24, INCRA, 2009) e os outros três obtiveram titulação parcial da área (INCRA, 2009). (Fundação Cultural Palmares, 2022Fundação Cultural Palmares. (2022, jan. 20). Certidões expedidas às comunidades remanescentes de quilombos. Diário Oficial da União. https://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2015/07/tabela-crq-completa-certificadas-20-01-2022.pdf
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; INCRA, 2021Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). (2021). Acompanhamento dos processos de regularização fundiária quilombola. https://www.gov.br/incra/pt-br/assuntos/governanca-fundiaria/andamentos_processos_comunidades_quilombolas_nov_2021.pdf
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). Essa inoperância afeta estrutural e substancialmente a relação entre comunidades e babaçuais e, consequentemente, a conservação de seus territórios.

Os grupos sociais que hoje assumem a identidade quilombola devido ao histórico de resistência à escravidão têm também em sua história a participação nas intervenções ambientais que resultaram nas florestas de babaçu tal como hoje as conhecemos. Neste artigo, utilizaremos como alegoria a relação entre o babaçu e os quilombolas de Monte Alegre-Olho D’Água dos Grilos (MA-OG), no vale do Mearim, para refletir sobre conceitos e práticas necessários à conservação desses babaçuais. Tomamos como estudo de caso um grupo quilombola que, após violentos conflitos, conquistou direitos ao território em 1986, na forma de projeto de assentamento (PA) de reforma agrária, em modalidade coletiva. Desde 2004, reivindica reconhecimento de suas terras e babaçuais como território quilombola com foco no uso comum, pois ameaças de loteamento intensificaram-se, sobretudo nesta última década.

Este artigo revisa a ‘teoria dos comuns’ (Hardin, 1968Hardin, G. (1968). The tragedy of the commons: the population problem has no technical solution; it requires a fundamental extension in morality. Science, 162(3859), 1243-1248. https://doi.org/10.1126/science.162.3859.1243
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, 1998; Ostrom, 1990Ostrom, E. (1990). Governing the commons: the evolution of institutions for collective action. Cambridge University Press., 2005; Ostrom & Hess, 2007Ostrom, E., & Hess, C. (2007). Understanding knowledge as a commons: from theory to practice. The MIT Press.) para fundamentar conceitualmente a análise e a proposta de conservação, contextualizando-as nas duas modalidades fundiárias em jogo. Embora embasada em caso empírico particular, esta reflexão interdisciplinar em torno da conservação de uma espécie de palmeira do gênero Attalea, o babaçu, ante ameaças de privatização de terras tradicionalmente sob uso comum, visa contribuir ao manejo da espécie por comunidades tradicionais de forma geral.

Para além das necessidades burocráticas de responder a quesitos sobre a condição ambiental4 4 Para identificar e delimitar terras como território quilombola, a Instrução Normativa do INCRA nº 57/2009, que regulamenta o Decreto nº 4.887/2003, exige, dentre um conjunto de quesitos, a descrição das condições ambientais em um relatório antropológico, que constará entre as peças do RTID requerido (INCRA, 2009). , a criação legal de um território quilombola requer também que haja reflexão quanto à indivisibilidade fundiária ser ou não suficiente para alcançar a conservação de recursos associados ao uso comum, declaradas como imprescindíveis pelos quilombolas. A afirmação dos quilombolas é de que o território é melhor conservado se mantido fundiariamente coletivo, proibindo-se o seu loteamento, embora pratiquem tradicionais usos privados sobre a terra coletiva. É importante, portanto, distinguir as formas de uso e de posse da terra.

Embora já estejam sob modalidade coletiva como PA desde 1986 até o presente, as famílias que se identificam como quilombolas exigem o reconhecimento de suas terras como território quilombola. Como a lei exige um título coletivo e pro indiviso para territórios quilombolas, com cláusulas de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade (artigo 17, do Decreto nº 4.887/2003Decreto nº 4.887. (2003, nov. 20). Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da União. https://legis.senado.leg.br/norma/406577/publicacao/15686405
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), afirmam estar mais protegidos contra vendas a terceiros e consequente esfacelamento de seu território. Mesmo com a propriedade coletiva do quilombo, pretendem dar continuidade a tradicionais usos privados.

Para autoavaliar a condição ambiental sob a atual gestão quilombola, um inventário florestal serviu para a caracterização da situação da vegetação arbórea presente, que será comparada com a situação no passado, e servirá para projetar alternativas para o futuro. Assim, com a utilização de cenários (Wollemberg et al., 2000Wollemberg, E., Edmund, D., & Buck, L. (2000). Anticipating change: scenarios as a tool for adaptive forest management, a guide. CIFOR. https://www2.cifor.org/acm/methods/fs.html
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) representando a relação entre babaçuais e quilombolas, discutiremos interdisciplinarmente (antropologia, ecologia, agronomia e geografia) os conceitos necessários à conservação de seus babaçuais.

COMUNS MANEJADOS

O conceito ‘commons’, mais conhecido após o artigo de Hardin (1968)Hardin, G. (1968). The tragedy of the commons: the population problem has no technical solution; it requires a fundamental extension in morality. Science, 162(3859), 1243-1248. https://doi.org/10.1126/science.162.3859.1243
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, gerou um dos mais intensos debates interdisciplinares sobre conservação, sobretudo entre 1970 e 1980, seguido de relevantes consolidações teóricas (McCay & Acheson, 1987McCay, B. J., & Acheson, J. M. (1987). The question of the commons: the culture and ecology of comunal resources. The University of Arizona Press.; Ostrom, 1990Ostrom, E. (1990). Governing the commons: the evolution of institutions for collective action. Cambridge University Press.). Ao concluir que os comuns só escapam da tragédia por determinação do Estado, seja pela sua privatização, seja pela centralização no controle governamental, Hardin suscitou rebates diversos e contínuos. Mesmo com sua retificação para “tragédia dos comuns não manejados” (Hardin, 1998Hardin, G. (1998). Extensions of “The tragedy of the commons”. Essays on science and society. Science, 280(5364), 682-683. https://doi.org/10.1126/science.280.5364.682
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), as críticas permaneceram por sua excessiva simplificação e generalização, e aposta desproporcional no comando e controle do Estado, em oposição à consciência social.

Evidências empíricas de diferentes partes do globo demonstraram formas de governança locais capazes de conservar os comuns (Feeny et al., 1990Feeny, D., Berkes, F., McCay, B. J., & Acheson, J. M. (1990). The tragedy of the commons: twenty-two years later. Human Ecology, 18(1), 1-19. https://link.springer.com/article/10.1007/BF00889070
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). Após década e meia de debates, Ostrom (2005)Ostrom, E. (2005). Understanding institutional diversity. Princeton University Press. sugeriu que, para se extrapolarem tais evidências, seriam necessárias não só proposições de manejo, mas também o entendimento da complexidade e diversidade das instituições por trás desse manejo. Segundo a autora, para se alcançar uma governança robusta sobre os recursos naturais, baseada em instituições policêntricas, seria necessário: (1) definir limites claros de cada grupo de usuários; (2) conciliar as regras de uso de bens comuns às necessidades e às condições locais; (3) assegurar que aqueles afetados pelas regras possam participar no ajuste das regras; (4) desenvolver um sistema, executado pelos membros da comunidade, para monitorar seu próprio comportamento; (5) usar sanções graduadas sobre os que violam as regras; (6) prover meios acessíveis e de baixo custo para resolução de disputas; (7) certificar que o direito dos membros da comunidade em estabelecer regras de uso seja respeitado pelas autoridades externas (governo), garantindo apoio subsidiário; (8) construir responsabilidades em governar o recurso comum em âmbitos sucessivos, do nível mais baixo até a totalidade do sistema interconectado (Ostrom, 2005Ostrom, E. (2005). Understanding institutional diversity. Princeton University Press., pp. 255-270).

Contudo, nas tentativas de entender tais instituições, utilizando-se abordagens ecológicas e sociológicas como partes intrínsecas de um mesmo sistema interconectado – o denominado sistema socioecológico (Ostrom, 2009Ostrom, E. (2009). A general framework for analyzing sustainability of social-ecological systems. Science, 325(5939), 419-422. http://dx.doi.org/10.1126/science.1172133
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) –, nem sempre se logra considerar devidamente a ecologia enquanto teoria e prática (Vogt et al., 2015Vogt, J. M., Epstein, G. B., Mincey, S. K., Fischer, B. C., & McCord., P. (2015). Putting the “E” in SES: unpacking the ecology in the Ostrom social-ecological system framework. Ecology and Society, 20(1), 55. http://dx.doi.org/10.5751/ES-07239-200155
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), erodindo seu potencial para conservação. Para além do campo analítico, com as evidências empíricas de drásticas mudanças globais, Dietz et al. (2003)Dietz, T., Ostrom, E., & Stern, P. C. (2003). The struggle to govern the commons. Science, 302(5652), 1907-1912. https://doi.org/10.1126/science.1091015
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já haviam reconhecido que nem o Estado nem a governança local têm sido suficientes em si para conter em escala razoável as tragédias planetárias já em curso. A diversidade dos valores e os interesses humanos tendem a gerar conflitos, fazendo com que a governança dos comuns seja uma luta constante.

Constata-se que poucos lugares no globo reúnem as condições necessárias para cumprir os requerimentos básicos de uma governança robusta, baseada em instituições policêntricas, tal como proposto por Ostrom (2005)Ostrom, E. (2005). Understanding institutional diversity. Princeton University Press.. Atinge-se um ponto que a teoria não mais consegue explicar, quanto menos conduzir, o que se observa empiricamente – a práxis do comum. Isto torna ainda mais relevante que lideranças comunitárias e pesquisadores continuem seus experimentos práticos em busca de novos conceitos, aprimorando a elaboração teórica.

Segundo Dardot e Laval (2017)Dardot, P., & Laval, C. (2017). Comum: ensaio sobre a revolução do século XXI (1. ed.). Boitempo., o comum pode ser entendido sobretudo como um princípio político, movido por uma práxis que impede que algo que não deve ser privadamente apropriável o seja. Não necessariamente devido a constrangimentos naturais, como o clássico exemplo das dificuldades de se privatizar os peixes, devido à fluidez e à grandeza do mar, mas sim por práticas sociais instituídas por um sujeito coletivo.

Portanto, compete à práxis instituinte determinar o que é inapropriável. Pode-se objetar que o que é inapropriável não pode ser objeto de instituição e tem apenas de ser reconhecido como o inapropriável que é: querer instituí-lo é fazê-lo depender do ato de um ou vários sujeitos (que), dessa forma, (iriam) apropriar-se dele. Mas isso é esquecer, em primeiro lugar, que o sujeito coletivo é produzido pelo ato comum da instituição, em vez de precedê-lo. É esquecer também, e sobretudo, que há uma diferença fundamental entre dois tipos de apropriação: a apropriação-pertencimento, pela qual uma coisa vem a ser objeto de propriedade, e a apropriação-destinação, pela qual uma coisa se torna apropriada a certa finalidade – a satisfação de necessidades sociais. Instituir o inapropriável é subtrair uma coisa à apropriação-pertencimento para realizar melhor a sua apropriação-destinação. Em suma, é proibir de se apropriar dela para a apropriar melhor a sua destinação social – por exemplo, a terra às necessidades de alimento. É regrar seu uso sem fazer-se proprietário dela, isto é, sem se arrogar o poder de dispor dela como dono

(Dardot & Laval, 2017Dardot, P., & Laval, C. (2017). Comum: ensaio sobre a revolução do século XXI (1. ed.). Boitempo., p. 620).

Neste sentido, os quilombolas de MA-OG reivindicam que o território esteja protegido por instrumento que garanta os direitos à propriedade da terra coletiva, e nela mantenham direitos de usos privados e usos comuns. Esta reivindicação se construiu num campo político com extremos diferenciais de poder, e a luta por esta combinação entre propriedade coletiva e usos comuns e privados se instituiu pelas práticas cotidianas com as quais se autoatribuem à identidade quilombola. Segundo Combes et al. (2016)Combes, J. L., Combes-Motel, P., & Schwartz, S. (2016). A review of the economic theory of the commons. Revue d’Économie du Développement, 24, 55-83. https://doi.org/10.3917/edd.303.0055
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, esta relevância do aspecto político dos comuns, especialmente na temática do desmatamento, se dá pela assimetria dos custos-benefícios assumidos pelas partes. Em sua revisão, os autores apontam para a baixa eficiência do mercado e salientam o papel do Estado na proteção aos bens comuns, enfatizando a importância do ambiente político e da segurança fundiária para o sucesso de iniciativas que articulem direitos de comunidades locais e ações de comando e controle do Estado.

A PALMEIRA BABAÇU E COMUNIDADES TRADICIONAIS

A família botânica Arecaceae/Palmae se faz representar por numerosas espécies, que compõem ecossistemas complexos, em vasta abrangência geográfica, principalmente em zonas tropicais (Bjorholm et al., 2006Bjorholm, S., Svenning, J. C., Baker, W. J., Skov, F., & Balslev, H. (2006). Historical legacies in the geographical diversity patterns of New World palm (Arecaceae) subfamilies. Botanical Journal of the Linnean Society, 151(1), 113-125. https://doi.org/10.1111/j.1095-8339.2006.00527.x
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; Eiserhardt et al., 2011Eiserhardt, W. L., Svenning, J. C., Kissling, W. D., & Balslev, H. (2011). Geographical ecology of the palms (Arecaceae): determinants of diversity and distributions across spatial scales. Annals of Botany, 108(8), 1391-1416. https://doi.org/10.1093/aob/mcr146
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). A relação entre palmeiras e comunidades tradicionais é fator relevante para a constituição e a conservação desses ecossistemas em diferentes continentes (Gruca et al., 2014Gruca, M., van Andel, T. R., & Balslev, H. (2014). Ritual uses of palms in traditional medicine in sub-Saharan Africa: a review. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, 10(1), 60. https://doi.org/10.1186/1746-4269-10-60
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; Khan et al., 2020Khan, S. M., Pieroni, A., Haq, Z., & Ahmad, Z. (2020). Mazri (Nannorrhops ritchiana (Griff) Aitch.): a remarkable source of manufacturing traditional handicrafts, goods and utensils in Pakistan. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, 16(1), 45. https://doi.org/10.1186/s13002-020-00394-0
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; Zambrana et al., 2007Zambrana, N. Y. P., Byg, A., Svenning, J. C., Moraes, M., Grandez, C., & Balslev, H. (2007). Diversity of palm uses in the western Amazon. Biodiversity and Conservation, 16(10), 2771-2787. https://doi.org/10.1007/s10531-007-9218-y
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), a exemplo do que ocorre com o saguzeiro (Metroxylon sagu Rottb.), o açaizeiro (Euterpe oleracea Mart.), a pupunheira (Bactris gasipaes Kunth) e o jerivazeiro (Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman). Na América do Sul, as florestas secundárias oligárquicas de palmeiras babaçu, que há quatro décadas atingiam 200.000 km2 (Brasil, 1982Brasil. Ministério da Indústria e do Comércio. Secretaria de Tecnologia Industrial. (1982). Mapeamento e levantamento do potencial das ocorrências de babaçuais (estados do Maranhão, Piauí, Mato Grosso e Goiás) (Vol. 9, Série Documentos). Ministério da Indústria e do Comércio, Secretaria de Tecnologia Industrial.), são resultado principalmente da agricultura de corte e queima, exercida desde tempos coloniais (Anderson et al., 1991Anderson, A. B., May, P. H., & Balick, M. J. (1991). The subsidy from nature: palm forests, peasantry, and development on an Amazon frontier. Columbia University Press.).

Tendo florestas primárias ombrófilas como habitat nativo, palmeiras valem-se de sua evolução convergente a uma maior eficiência em ganho líquido de carbono para se sobressair na competição com outras espécies submetidas a sombreamento (Ma et al., 2015Ma, R. Y., Zhang, J. L., Cavaleri, M. A., Sterck, F., Strijk, J. S., & Cao, K. F. (2015). Convergent evolution towards high net carbon gain efficiency contributes to the shade tolerance of palms (Arecaceae). PloS ONE, 10(10), e0140384. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0140384
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). No caso do babaçu, derrubadas extensas e/ou frequentes da floresta primária, para o plantio de roças, cultivos permanentes e/ou pastagens, resultam na exposição à luz dos frutos depositados nas projeções das matrizes, formando grandes bancos de sementes. A exposição dos frutos à luz induz a germinação massiva de suas sementes, estratégia ecológica de regeneração da espécie, formando adensamento de indivíduos, que, combinado ao gradual esgotamento do banco de sementes de outras espécies, constituiu florestas secundárias de palmeiras, as quais dominaram a paisagem. Em extensas manchas altamente homogêneas, essas florestas atingiram um segundo clímax, garantindo relações ecossistêmicas equilibradas (Anderson et al., 1991Anderson, A. B., May, P. H., & Balick, M. J. (1991). The subsidy from nature: palm forests, peasantry, and development on an Amazon frontier. Columbia University Press.).

A história desses processos de interação entre palmeiras e Homo sapiens sapiens na Amazônia tem sua origem com a chegada de humanos ao bioma, entre 14.000 e 10.000 antes do presente (AP) (Bueno & Dias, 2015Bueno, L., & Dias, A. (2015). Povoamento inicial da América do Sul: contribuições do contexto brasileiro. Estudos Avançados, 29(83), 119-147. https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/105060
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; Clement, 1988Clement, C. R. (1988). Domestication of the pejibaye palm (Bactris gasipaes): past and present. In M. J. Balick (Ed.), The palm-tree of life: biology, utilization and conservation (Advances in Economical Botany, Vol. 6, pp. 155-174). New York Botanical Garden Press. https://www.jstor.org/stable/43927527
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; Roosevelt, 2013Roosevelt, A. C. (2013). The Amazon and the Anthropocene: 13,000 years of human influence in a tropical rainforest. Anthropocene, 4, 69-87. https://doi.org/10.1016/j.ancene.2014.05.001
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; Magalhães et al., 2019Magalhães, M. P., Lima, P. G. C., Santos, R. S., Maia, R. R., Schmidt, M., Barbosa, C. A. P., & Fonseca, J. A. (2019). O Holoceno inferior e a antropogênese amazônica na longa história indígena da Amazônia oriental (Carajás, Pará, Brasil). Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 14(2), 291-326. https://doi.org/10.1590/1981.81222019000200004
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). Enquanto a pupunheira (Bactris gasipaes) é exemplar nas pesquisas sobre domesticação de espécies (Clement, 1988Clement, C. R. (1988). Domestication of the pejibaye palm (Bactris gasipaes): past and present. In M. J. Balick (Ed.), The palm-tree of life: biology, utilization and conservation (Advances in Economical Botany, Vol. 6, pp. 155-174). New York Botanical Garden Press. https://www.jstor.org/stable/43927527
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), o babaçu (Attalea speciosa) mostra sua relevância nas pesquisas sobre domesticação de paisagens, manejo de espécies e hiperdominância de espécies na floresta amazônica (Levis et al., 2018Levis, C., Flores, B. M., Moreira, P. A., Luize, B. G., Alves, R. P., Franco-Moraes, J., . . . Clement, C. R. (2018). How people domesticated Amazonian forests. Frontiers in Ecology and Evolution, 5, 171. https://doi.org/10.3389/fevo.2017.00171
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; Steege et al., 2020Steege, H., Prado, P. I., Lima, R. A., Pos, E., Souza Coelho, L., Lima Filho, D. A., . . . Doza, H. P. D. (2020). Biased-corrected richness estimates for the Amazonian tree flora. Scientific Reports, 10(1), 10130. https://doi.org/10.1038/s41598-020-66686-3
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). Evidências arqueológicas (amêndoas de babaçu torradas em vaso cerâmico) próximas ao litoral atestam seu uso por povo que vivia em palafitas sobre lagos da Baixada Maranhense, em torno do ano 1.000 AD (Navarro, 2018Navarro, A. G. (2018). New evidence for late first-millennium AD stilt-house settlements in Eastern Amazonia. Antiquity, 92(366), 1586-1603. https://doi.org/10.15184/aqy.2018.162
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). Quanto ao interior do Maranhão, a relação com o babaçu ocorreu tanto por grupos do tronco linguístico Tupi, oriundos do litoral do Maranhão, onde viviam desde pelo menos o século XVI5 5 No mapa de Curt Nimuendajú, registra-se que os Tupinambás foram observados na ilha de São Luís em 1560; enquanto os Kreyê estariam no vale do Mearim no século XVIII (IBGE, 1981). (Balée, 1993Balée, W. (1993). Indigenous transformation of Amazonian forests: an example from Maranhão, Brazil. L’Homme, 33(126-128), 231-254. https://doi.org/10.3406/hom.1993.369639
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), quanto pelos chamados Tapuias (Abreu, 1931Abreu, S. F. (1931). Na terra das palmeiras: estudos brasileiros. Officina Industrial Graphica.). Essa relação com a palmeira assumiu importância estratégica com a penetração, pelos rios, dos numerosos Tupinambás, suprindo alimentação após fuga do litoral, provocada pela chegada dos franceses no século XVII (Droulers & Maury, 1981Droulers, M., & Maury, P. (1981). Colonização da Amazônia maranhense. Ciência e Cultura, 33(8), 1033-1050.. Porém, embora a expansão do babaçu tenha ocorrido ao longo de 500 anos, sua massiva presença tem história mais recente ().

Para além das modificações na espécie, por seleção massal, devido ao uso pelos indígenas, os processos antropogênicos com alterações da paisagem, resultando na formação de babaçuais homogêneos, como ocorreu nos vales dos rios Itapecuru, Mearim, Grajaú e Pindaré, iniciaram-se com a colonização por fazendas sob regime escravo, já no século XVIII, e intensificadas no XIX pela produção de algodão ou cana-de-açúcar. A partir de 1530, por três séculos, o acesso a terra nas colônias portuguesas na América do Sul ocorreu apenas por meio da concessão de sesmarias, um dos pilares da sociedade colonial, ao lado do latifúndio e da escravidão (Germani, 2006Germani, G. I. (2006). Condições históricas e sociais que regulam o acesso a terra no espaço agrário brasileiro. GeoTextos, 2(2), 115-147. https://geografar.ufba.br/sites/geografar.ufba.br/files/geografar_germani_condicoeshistoricassociasacessoterra_0.pdf
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, p. 122). No vale do Mearim, por exemplo, 30 sesmarias (áreas de 18 por 6 km2) foram entregues a colonos portugueses pelo Conselho de D. José I, entre 1750 e 1777. A valorização dessas terras na Capitania do Maranhão dependia de seu desmatamento e, para tanto, “. . . africanos escravizados foram trazidos em grande número: 1.000 por ano entre 1770 e 1804” (Droulers & Maury, 1981Droulers, M., & Maury, P. (1981). Colonização da Amazônia maranhense. Ciência e Cultura, 33(8), 1033-1050., p. 1036).

Nas três décadas que se seguiram à Independência do Brasil a Portugal, vivenciou-se no país maior liberdade no acesso a terra, pela ocupação de áreas aparentemente sem donos. O regime de posse pelo trabalho efetivamente exercido, como forma legítima de acesso a terra, foi, porém, abortado em 1850, com a promulgação da Lei de Terras, que proibiu aquisições de áreas devolutas por outras formas que não fossem a compra, e criminalizou os que se apossaram de terras devolutas ou alheias. Isso resultou na abdicação do domínio do Estado brasileiro sobre as terras do país, e instituiu a propriedade fundiária e plena (Martins, 2003Martins, J. D. S. (2003). A reforma agrária no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Tempo Social, 15(2), 142-175. https://doi.org/10.1590/S0103-20702003000200006
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, p. 147). Conforme a lei, prazos foram estabelecidos para que terras adquiridas por ocupação, sesmaria ou outras concessões fossem medidas e revalidadas. Assim, a relação entre as famílias quilombolas e a palmeira babaçu continua pelo consumo cotidiano como alimento, seja do mesocarpo farináceo, seja pelo leite ou óleo das amêndoas, e pelo carvão como combustível, mas, nas áreas de fronteira agropecuária, seu acesso seguro, sobretudo quando se consolida um mercado para as amêndoas de babaçu, passou a depender da aquisição formal da terra.

O QUILOMBO DE MA-OG

O quilombo de MA-OG tem origem vinculada à fazenda de algodão Monte Alegre, de propriedade de Vertinianno Lisboa Ferreira Parga. O “Livro de registros de sesmarias e datas” e o “Livro geral de registros”, assim como outros documentos avulsos do Arquivo Público do Estado do Maranhão, permitem identificar como vários membros da família Parga tornaram-se donatários de terras nos vales do Mearim e Itapecuru, entre os séculos XVIII e XIX.

No “Livro de batismos” da igreja católica, Vertinianno Lisboa Ferreira Parga tem registro como proprietário da fazenda Monte Alegre em 1856, mas, em cartório, encontramos a compra da fazenda Monte Alegre, ou parte dela, datada de 1874, na Freguesia de São Luís Gonzaga do Alto Mearim. Vertinianno Parga era dono de muitos escravos e padrinho de tantos outros, como a escravizada Valeriana, avó de dona Vitalina, nossa principal entrevistada. Porém, mesmo após 1888, os escravos ditos libertos, com a abolição formal da escravatura, tiveram escassas oportunidades de garantir legalmente seu domínio sobre as terras e florestas a partir das quais obtinham sustento. Com a chamada abolição, o proprietário Parga ofereceu a venda de sua decadente fazenda Monte Alegre aos chamados Doze Pretos, dentre eles a escrava Valeriana, que transmitiu suas memórias à neta Vitalina.

Quando os recém-libertos escravizados finalizaram o pagamento, como a modalidade de propriedade coletiva não existia em 1907, a escritura de compra das terras foi registrada em nome do filho do outrora feitor negro Leão que, segundo a memória oral, estava mais preparado a lidar com essas transações. Apesar dessa formalização de compra privada em um único nome, Monte Alegre continuou considerada localmente como ‘terra de preto’, isto é, território sob domínio de escravizados libertos, onde não se reconhecia proprietário e as famílias utilizavam a terra sob regime de uso comum (Almeida, 2011Almeida, A. W. B. D. (2011). Quilombolas e novas etnias. UEA Edições.).

Nessa longa saga, que sintetizamos em seção seguinte, dona Vitalina ressalta o manejo dos recursos naturais sob comando do mais velho dos Doze Pretos, até que houve a traição perpetrada por Zózimo, um sobrinho-neto do feitor, que registrou venda feita no nome de seu tio para si, em 1948, tornando-se proprietário, e introduzindo práticas de privatização, como arrendamento e herança, sobre a ‘terra de preto’, transformando-a em ‘terra de dono’. Naquela década, nordestinos da frente camponesa haviam alcançado a margem direita do rio Mearim e, mediante pagamento de renda a Zózimo, abriram suas roças nas terras de Monte Alegre.

Dona Vitalina também relata o conflito que ocorreu quando os herdeiros de Zózimo venderam Monte Alegre para uma empresa privada, a Companhia Agropecuária do Meio Norte (CAMENA), que adquire também a área vizinha, Olho D’Água dos Grilos. A companhia passou a derrubar os palmeirais, plantar e cercar pastos, causando um conflito no qual houve ativa participação das mulheres de Monte Alegre. No auge deste conflito, em 1979, ante a reintegração de posse concedida aos empresários pela juíza, os responsáveis pela CAMENA queimaram as 93 casas de Monte Alegre. Somente em 1984, o governo desapropriou a empresa, em seguida dispondo as terras sob litígio à execução do I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), lançado em 1985 (Decreto nº 91.766, de 10 de outubro de 1985Decreto nº 91.766. (1985, out. 10). Aprova o Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA, e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DEC%2091.766-1985?OpenDocument
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), em área visualizada na Figura 1.

Figura 1
Mapa de localização do território quilombola de Monte Alegre-Olho D’Água dos Grilos.

Embora prevista no I PNRA a forma associativa, via de regra, as áreas de projetos de assentamento convencionais criados pelo INCRA são divididas em lotes sob regime de concessão, até que estes fossem titulados às famílias assentadas, ditas clientes da reforma agrária, finalmente, alçadas à condição de proprietárias (Decreto nº 91.766, de 10 de outubro de 1985). Apesar da proposição por parte dos técnicos locais do INCRA, os quilombolas de MA-OG rejeitaram o loteamento e criaram, em 1985, a Associação Unidos Venceremos, por considerarem que a apropriação privada não os contemplava. Encabeçando a resistência contra o loteamento estavam mulheres que chefiavam suas unidades familiares, e não eram consideradas aptas aos lotes por serem ‘mulheres livres’, ou seja, ‘sem marido’, embora tivessem liderado a resistência e a luta contra a CAMENA.

Após intensos debates e articulação com servidores do INCRA em Brasília, o PA foi criado em 1986 na modalidade coletiva, com área de 2.922,4598 ha. Com a mobilização nacional na Assembleia Constituinte, como elemento para a elaboração da Constituição de 1988 (Brasil, 1988Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
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), e sua regulamentação pelo Decreto nº 4.887/2003, os direitos quilombolas foram finalmente reconhecidos e suas terras regulamentadas como inalienáveis, imprescritíveis e indivisíveis. Desde 2004, os quilombolas de MA-OG exigem do INCRA a transformação do PA coletivo em território quilombola.

Em contraposição, no ano de 2014, servidores aposentados do INCRA vieram oferecer financiamentos para projetos produtivos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) às famílias de MA-OG, porém condicionados à concordância das famílias beneficiárias do PA coletivo ao loteamento da terra. Iniciativas privadas e governamentais de privatização de terras coletivas emergiram nacionalmente, conforme se fortaleciam forças políticas conservadoras que assumiram o governo federal, por meio de impeachment, em 2015. Em 2017, nota técnica do INCRA estimulou loteamentos em projetos de assentamento coletivos, ignorando ilegalmente a presença de quilombos e seus direitos constitucionais (INCRA, 2017Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). (2017). Nota Técnica Conjunta 01/2017/DD/DF. Procedimentos para orientação e recepção de serviços de georreferenciamento contratados por associação de famílias assentadas.). Parte das famílias de MA-OG, sob liderança de adeptos à expansão da pecuária, fundou outra associação, denominada União Novo Tempo, e contratou agrimensor para projeto de loteamento privado. Processos administrativos e judiciais foram, então, estabelecidos no âmbito do conflito entre famílias favoráveis e contrárias ao loteamento.

A posição das famílias de MA-OG que buscaram o loteamento, assim como técnicos do INCRA que foram complacentes ao ato ilegal, pode ser explicada pela consolidação da frente agropecuária no vale do Mearim, em um contexto político-econômico contrário aos estatutos camponeses. Tais estatutos, que, por um lado, resultariam maior coesão social, por outro, nem sempre respondem às novas necessidades de consumo da família quilombola. Um exemplo dessa mudança é a adoção da pecuária extensiva, e preliminar desmatamento, por famílias com maiores recursos, em detrimento daquelas mais dependentes do babaçu. Assim, mutirões de quebra de coco e mesmo mutirões para roça, indicadores da coesão social, têm decrescido.

PESQUISA-AÇÃO COM ANÁLISE DE CENÁRIOS

Para propiciar a reflexão sobre as bases conceituais da conservação dos babaçuais em MA-OG, baseados na metodologia interdisciplinar da pesquisa-ação (Thiollent, 2011Thiollent, M. (2011). Metodologia da pesquisa-ação (18. ed.). Editora Cortez.), conectamos materiais e métodos distintos, disponíveis a cada período, por meio do método ‘cenários’ (Wollemberg et al., 2000Wollemberg, E., Edmund, D., & Buck, L. (2000). Anticipating change: scenarios as a tool for adaptive forest management, a guide. CIFOR. https://www2.cifor.org/acm/methods/fs.html
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). Contrastando cenários sobre o passado e o futuro com o cenário presente (Quadro 1), ilustrado pelos dados do inventário da vegetação arbórea, buscamos responder em qual conceito se fundamentaria a proposta de conservação dos babaçuais pelos quilombolas.

Quadro 1
Estrutura analítica e cenários da vegetação arbórea utilizados.

Para resgatar o histórico da relação entre os quilombolas, a vegetação arbórea e os babaçuais no passado, foram discutidas, pela comunidade, partes da memória oral transmitida entre 1987 e 1990 pelas anciãs à primeira autora. Para constituir um relato histórico, além da revisão da literatura, foram entrevistados seis relatores-chave sobre a condição da vegetação, segundo sua própria periodização e memória oral.

O registro e a avaliação da situação da vegetação arbórea no presente, especialmente das palmeiras, contaram inicialmente com a utilização de imagens do sensor OLI do satélite Landsat8, Zona 23S, de julho de 2018, com resolução espacial de 30 metros, recortadas conforme o perímetro do PA. As imagens ortorretificadas e com correção atmosférica, que dispensam pré-processamento, foram obtidas no catálogo de imagens disponibilizado pela Divisão de Processamento de Imagens do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (DPI/INPE) e utilizadas para indicar uma tipologia preliminar de cobertura do solo (bandas compostas 654), a localização das áreas destinadas à produção agrícola e extrativa (bandas compostas 652), bem como as principais reservas florestais e os cursos d’água (bandas compostas 562 e 564), visualizando-se sua representatividade no território.

Para subsidiar sua demanda à criação do território quilombola, os quilombolas realizaram, em 2018, um inventário da vegetação arbórea, em parceria com pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e o submeteram ao INCRA. O objetivo preliminar do inventário era examinar as condições das principais categorias de cobertura vegetal arbórea e de palmeiras no assentamento, especialmente dos babaçuais, para responder a itens exigidos pelo INCRA para a composição do RTID, que viabiliza a criação do território quilombola, e para demonstrar sua vulnerabilidade ante a perspectiva de loteamento.

O inventário florestal foi executado segundo método de amostragem por parcelas retangulares de área fixa de 10 m x 20 m (Muller-Dombois & Ellemberg, 1974Muller-Dombois, D., & Ellemberg, H. (1974). Aims and methods of vegetation ecology. Willey.). Foi formada equipe com oito quilombolas e dois identificadores botânicos para executar plano de trabalho, incluindo as seguintes etapas: (a) confirmar em campo as categorias de cobertura do solo da tipologia preliminarmente sugerida pelos quilombolas e localizar as áreas de reserva florestal; (b) alocar parcelas de amostragem (10 m x 20 m) para cada categoria de cobertura; (c) realizar inventário nas parcelas amostrais de todos os indivíduos lenhosos com diâmetro à altura do peito (DAP) igual ou superior a 2,5 cm; e dos indivíduos de palmeira cuja inserção de folhas no caule estivesse acima de 1,3 m de altura (estipe exposta). Para os indivíduos juvenis, tanto para palmeiras como para arbóreas, foram medidos somente aqueles com altura total igual ou maior de 1 m; (d) classificar indivíduos de babaçu conforme a nomenclatura local, que se refere ao estágio do ciclo de vida – 1 - pindova: indivíduos mais juvenis sem caule exposto; 2 - palmiteiro: indivíduos com caule exposto acima do solo coberto pelas folhas; 3 - capoteiro: indivíduos em estágio anterior à frutificação, apresentando caule coberto de folhas; 4 - palmeira-feita: indivíduos que frutificam e apresentam estipe exposta (caule sem folhas); 5 - coringa: indivíduos senescentes que deixaram de frutificar –; e (e) avaliar as condições de conservação e indícios de antropização nas áreas de reserva florestal.

Para projetar e avaliar a situação da vegetação arbórea no futuro, identificando possibilidades de conservação e o conceito a sustentá-la, utilizou-se o método proposto por Wollemberg et al. (2000)Wollemberg, E., Edmund, D., & Buck, L. (2000). Anticipating change: scenarios as a tool for adaptive forest management, a guide. CIFOR. https://www2.cifor.org/acm/methods/fs.html
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, de ‘cenários futuros alternativos’. Para a construção destes cenários, foi preparada e analisada uma sequência temporal de mapas com a respectiva composição da cobertura do solo, identificando-se a área de cobertura florestal (Projeto Mapbiomas, 2020Projeto MapBiomas. (2020). Coleção 5.0 da série anual de mapas de cobertura e uso de solo do Brasil. https://plataforma.brasil.mapbiomas.org/
https://plataforma.brasil.mapbiomas.org/...
).

Neste artigo, para refletir sobre a pertinência do conceito de uso comum como base para a conservação dos babaçuais e outras categorias de vegetação arbórea, não se compara o dado do inventário em relação a um parâmetro pré-determinado por cada espécie ou mesmo por conjunto de espécies. Antes, realiza-se o contraste das interpretações dos sujeitos sobre as condições da vegetação arbórea entre: 1) o cenário no passado, descrito na memória oral como vegetação sob manejo dos mais velhos; 2) o cenário no presente, capturado pelo inventário, em 2018; e 3) cenários futuros alternativos, projetados sob condição de fragmentação pelo loteamento e sob condição de uso comum manejado, em território quilombola.

Para elaborar o cenário no presente e avaliar a conservação das categorias de vegetação arbórea na cobertura do solo, utilizamos como indicadores o número de indivíduos por hectare e a área basal amostrada no conjunto das parcelas da categoria de cobertura vegetacional, diversidade e riqueza de espécies representadas na categoria vegetacional, bem como a frequência de indivíduos nas classes de tamanho da palmeira babaçu.

VEGETAÇÃO ARBÓREA NA TERRA DE MA-OG (PASSADO)

Conforme narrou dona Vitalina:

Naquele tempo, não tinha reunião, como hoje, mas o povo era até mais unido. Só fazia ter a fala, pois sempre tinha um chefe, que era o mais velho. Ele dizia, “amanhã vamos bater o sítio”, e todo mundo ia e não tinha um para dizer “eu não vou”. Se caía alguém doente, todo mundo tinha a sua roça, mas eles se reuniam e iam fazer também a roça daquele doente. Então, no tempo certo, ele tinha igualmente aqueles que estavam bons. Na verdade, quando o Branco vendeu, era combinado dentre Doze Pretos e foram eles que compraram, isso os velhos nos contam. . . . E tinha ordem, que os mais velhos que mandavam. Quando se dizia: “bota fulano para dirigir tal cargo, e este outro para aquele serviço acolá”, pronto! Era assim feito.

Os Doze trabalharam muito. Tinha o Hipólito Parga, o Tiago Parga. Todo mundo era Parga porque o branco de Monte Alegre, que era irmão do branco de Montevidéu, se chamava Vertinianno Parga. E os Pretos se assinavam com o nome do branco, naquele tempo.

Eles plantavam de tudo, tinha muito algodão, arroz, fava, milho, mandioca, cana, tudo plantavam. Uma coisa que era pouco aqui era feijão e laranja não tinha muito também, mas em cada fundo de quintal tinha uns pés de laranja, lima, tanja, mamão era pelos matos, à toa. O babaçu era só para o gasto. Ninguém vendia, pois se entretinha na apanha do arroz, terminava, tinha a quebra do milho e depois tinha o algodão. Na mata, tinha muita caça. De toda essa fartura, a gente consumia e vendia em Pedreiras, Ipixuna. . . . Fora as famílias dos Doze, tinham mais pessoas, quase umas duzentas famílias, que aqui era lugar de muita gente. Para todo lado eram ruas de casas. Muito mais que hoje. Naquele tempo se via tirar seiscentos e tanto alqueires de arroz, sem empenhar dinheiro alheio. Pois não se classificava ninguém, quem tinha dinheiro e quem não tinha. Ninguém tinha essa ganância que tem hoje por dinheiro

(Vitalina Andrade, comunicação pessoal, 1990).

Nesta narrativa, é importante notar que ‘ter uma roça’ não significa ser o proprietário da terra em que ela foi plantada. ‘Dono de terra’ e ‘dono de roça’ são designações locais para categorias sociais distintas: o proprietário de terra e o proprietário do fruto de seu trabalho. O dono de roça é aquele que, por seu trabalho exercido sobre uma vegetação e solo, adquire o ‘direito de capoeira’, isto é, o direito de decidir o que será feito da vegetação sucessional, mas não o direito de propriedade da terra. Assim, o uso da terra e da cobertura vegetal traz direitos privados aos benefícios advindos do trabalho: a produção da roça. A posse da terra exercida pelos quilombolas enquanto grupo é associada ao direito coletivo ao território quilombola.

E, da parte de Olho d’Água dos Grilos, contava a dona Jota:

Minha avó contava... Primeiramente, no começo... aqui era um lugar meio brabo... Foram eles que amansaram, os pais de meu avô: os pretos. Tinha um branco lá de São Luís. Aí o branco falou com meus bisavôs lá para trás, se eles não queriam para viver, viver aqui, amansar a terra e viverem. Viverem e trabalharem. O branco que deu essa terra para eles amansarem chamava-se Zidorinho. No começo de tudo, meu bisavô pegou essa terra e passaram para viver aqui. Vivendo, vivendo... Vivendo, vivendo. E aí, nasceu meu avô. Eram quatro irmãos. Não tinha muita gente, foram eles que amansaram a terra: meu avô Pio Gomes, Maria Rita, Joaquim Alves e Zé Grilo... Por causa disso é que a gente chama Olho D’Água dos Grilos. Então, meu avô se casou com minha avó. Ela chegou aqui com oito dias de casada com ele, que naquele tempo, casava e não ia logo morar junto. E desde que me entendi, era ela que me contava: a minha avó. Pra contar do começo... Naquele tempo, tinha mata, mata, mata mesmo. A mata era bem encostada de casa. Tinha babaçu, mas quem quebrava o coco era gongo, não era gente, não. As mulheres trabalhando na roça, apanhando o algodão, a fava. Os homens, os velhos daquele tempo, tinham a hora certa de plantar. Tinha a mata, a terra e tinha fartura... Quando meu avô morreu, ficou na gestão de um irmão meu, Gracílio, que já estava sabendo também das coisas como era. Não tinha esse negócio de desentendimento, tinham os velhos que todos respeitavam, como se fosse o pai de todo mundo. Podia não ser nada, mas se o velho dizia “é para fazer deste jeito”, então era desse jeito e desse. Trabalhavam de mutirão, trocando dias. Nesse tempo, as roças eram de cerca, pelo gado. Mas eles não deixavam o gado aumentar demais. Era gadinho. Para não aperrear muito. Matava para comer. E ia indo... Ia indo... Ia indo

(Maria Gomes, conhecida como dona Jota, comunicação pessoal, 1990).

A análise da memória oral sobre a ‘terra de preto’ realizada em assembleia da associação quilombola em 2017, ilustrada pelas narrativas acima, confirmou a centralidade e a atualidade do conceito ‘uso comum da terra e dos babaçuais’. Se no período da ‘terra de preto’ o manejo era coordenado pelos mais velhos, em ‘terra de assentamento’ coletivo deveria ser pela associação quilombola. Porém, fez-se necessário contextualizar este conceito na trajetória dos processos ecológicos e sociais, em que se evidenciaram as falhas dessa gestão. Certamente que, com a adoção da pecuária, e cercamento de pastos permanentes, a separação entre posse coletiva e uso privado da terra foi se modificando na prática, ainda que sem respaldo legal.

Assim, os cenários foram elaborados e contextualizados, indicando-se os distintos domínios fundiários na concepção quilombola. O resgate dos processos socioeconômicos e ambientais visou conformar materiais de referência, para refletir coletivamente sobre a relação entre os eventos sociais e as alterações na vegetação. A partir deste resgate, buscou-se identificar as bases conceituais da conservação dos babaçuais, conforme constante na memória oral e nas narrativas do cotidiano, registradas integralmente em Porro (2002)Porro, N. (2002). Rupture and resistance: gender relations and life trajectories in the babaçu palm forests of Brazil [Tese de doutorado, Universidade da Flórida]..

Para organizar os cenários, utilizamos termos designativos identificados na memória oral e esclarecidos durante entrevistas realizadas em 2017 e 2018. Traçamos, assim, uma linha histórica de cenários da relação entre a palmeira e os grupos, ao longo das mudanças ocorridas na relação com a terra:

  1. ‘Terra de branco’ (início século XIX a 1888): a fazenda de escravos Monte Alegre se inseria num conjunto de fazendas na Freguesia de São Luiz Gonzaga do Maranhão. Se, no período anterior, caracterizado como ‘terra de índio’, a palmeira babaçu contava com poucos indivíduos adultos maduros, com frutos dormentes no sub-bosque, cuja dispersão ocorria por mamíferos e pelos cursos d’água; na ‘terra de branco’ passou a ocorrer o adensamento de indivíduos de babaçu em manchas sob desmatamento para plantações de algodão dos antigos donatários de sesmarias. Os dados sobre Vertinianno coincidem com o segundo auge do cultivo de algodão, portanto, é bastante provável que tenha encontrado relativo adensamento de palmeiras babaçu nas áreas abandonadas desse cultivo, cujo primeiro auge ocorrera na segunda década do mesmo século. Nas brechas de tempo e de espaço nessa ‘terra de branco’, os Pretos de Monte Alegre praticavam o trabalho para si, em roças para autoconsumo em áreas de uso comum; e usavam o óleo de babaçu para ‘temperar as panelas’, ou seja, para consumo doméstico;

  2. ‘Terra de preto’ (1888 a 1907): assim como fazendas vizinhas, a fazenda Monte Alegre, no final do século XIX, já estava em decadência há anos, pelo baixo preço do algodão, e, com a abolição, Vertinianno vende a propriedade para Doze Pretos. Segundo a memória oral, devido às especificidades de função e relação com o Branco, o feitor negro Leão controlava a formalização da venda da terra, que acabou sendo registrada em 1907 em nome de seu filho Isidoro. Os Doze Pretos consolidaram a regra local de uso comum das terras e recursos florestais e hídricos. A concorrência no mercado internacional provocou relativa diminuição de desmatamentos para plantios de algodão. Nas áreas de plantios abandonados, consolidaram-se babaçuais com indivíduos maduros e juvenis em proporções relativamente equilibradas, ainda mesclados com capoeiras. É neste período que dona Vitalina se refere às roças coletivamente organizadas, com aceiros e caminhos otimizados. Tanto esta forma de manejo da paisagem como a pujança da vegetação favoreciam o controle de queimadas, e as matas e babaçuais eram conservados;

  3. ‘Terra de dono’ (1907-1948): desde a aquisição coletiva da terra por compra pelos Doze Pretos até sua apropriação privada de fato, transcorrem seis décadas sob uso comum. A terra registrada em nome de Isidoro, em 1907, não é lembrada como grave. Mas, nas décadas de 1940 e 1950, um sobrinho de Isidoro, Zózimo, registrou vendas de terras de seu tio e de outros para si e passou a agir como proprietário, destinando parte das terras a arrendamento a camponeses migrantes do Nordeste. Grave crise de liderança afetou o grupo e, a partir de 1948, Monte Alegre passou a ‘terra de dono’. Durante seis décadas, as roças eram plantadas segundo a regra do ‘direito de capoeira’, isto é, definido pelo trabalho exercido sobre a vegetação e não vinculado a um direito de propriedade da terra em si. Nesse período, as aberturas para o cultivo da roça eram feitas através da derrubada da mata virgem ou da chamada capoeira grossa, que ainda existiam em abundância. Os mais velhos lembram de diversas espécies, agora escassas ou inexistentes, e diferenciam suas pequenas roças e as extensas aberturas feitas pelos camponeses nordestinos;

  4. ‘Terra de venda’ (1948-1979): com o avanço da frente de expansão, camponeses oriundos do Nordeste e negros de fazendas falidas buscavam terras sem dono para prática do trabalho livre, compondo comunidades tradicionais em centros e em ‘terras de preto’, sob uso comum, respeitando-se o trabalho livre como delimitador de direitos. Porém, o avanço de agentes do capital levou adiante a fronteira econômica e iniciou-se a compra e a venda de terras. Sob a Lei Sarney de Terras (1969), os descendentes de Zózimo iniciaram loteamento e venderam, inclusive, o sítio dos Doze Pretos em Monte Alegre, para empresários ‘de fora’. Monte Alegre tornou-se ‘terra de venda’, e iniciou-se o conflito. Até a década de 1970, os babaçuais haviam se expandido, adensando-se onde os desmatamentos ocorreram sem os pousios adequados, outrora de décadas. Também nesse período, o extrativismo do babaçu tornara-se atividade com comércio cotidiano. Com a venda para a CAMENA, vastas áreas de babaçuais e matas foram eliminadas para a implantação de pastagens, e as roças foram proibidas pelos empresários;

  5. ‘Terra de governo’ (1979-1986): no auge do conflito, as famílias de Olho d’Água dos Grilos se juntaram às de Monte Alegre contra os empresários. Com a queima de 96 casas pelos empresários, em 1979, o conflito foi posto na esfera pública. A desapropriação foi decretada em 1984 pelo general Figueiredo. No entanto, passaram-se anos em que nem os Pretos exerciam pleno controle nem o Estado respondia ao caos que ele próprio estabeleceu. Nesse ínterim, a ‘terra de preto’ foi considerada como ‘terra de governo’, e camponeses de origens e etnicidades diversas adentraram o quilombo, à espera de definição, alterando o quadro ocupacional. Porém, segundo a tradição desse campesinato, mesmo daqueles sem ancestralidade negra, o uso comum da terra vigorava. Mesmo com as extensas áreas sob cobertura de vegetação arbórea que haviam sido derrubadas pela CAMENA, as famílias ainda dispunham de capoeiras e mata para o plantio das roças. E os babaçuais continuam a emergir em áreas abertas;

  6. ‘Terra de assentamento’ (1986-2014): a Portaria 545 do INCRA (INCRA, 1986Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). (1986). Portaria 545/1986. Cria o Projeto de Assentamento “Olho d’Água dos Grilos-Monte Alegre”. Arquivo da Superintendência Regional 12 do INCRA, Maranhão.) aprovou o PA com exploração coletiva. No entanto, na terra de assentamento, o INCRA impulsionava um modelo de desenvolvimento que, para a região, favorecia a pecuária. Ainda na década de 1990, 370 ha de vegetação arbórea sofreram corte raso para implantar pastagem coletiva. Desmatamentos para roças, cultivos permanentes e pastagem sem gestão coletiva eficiente diminuíram o estoque florestal significativamente. Com as mobilizações na esfera pública e as conquistas obtidas pela Constituição de 1988, os Pretos de Monte Alegre e Olho d’Água dos Grilos assumiram sua identidade étnica e seu território como ‘terra de quilombola’, formalizando essa condição em ata, registrada em cartório em 2004. Porém, devido às dificuldades na gestão territorial, em 2014, cerca de 70 famílias residentes no território rejeitaram a identidade quilombola, fundando outra associação e buscando loteamento. Embora os 370 ha desmatados para o fracassado projeto do gado houvesse se transformado em denso babaçual, com a ruptura entre os autoidentificados quilombolas e as famílias favoráveis ao loteamento, o controle social sobre os recursos naturais se esfacelou e intrusões, mesmo nas áreas da tradicional reserva, ocorreram, com derrubadas e queimadas à revelia dos quilombolas;

  7. A busca pelo ‘território quilombola’ ante o loteamento (2014-presente): num contexto de leniência do INCRA ao loteamento em assentamentos, ocorre delimitação de lotes e cercamento individual à revelia da lei. Tal situação evidencia ainda mais a convicção quilombola pelas terras de uso comum, que se expressa por meio da resistência das roças, cultivadas em mutirão. O quilombo é entendido como território resultante de uma forma organizacional específica, onde hoje reside essa comunidade tradicional, que comporta etnicidades plurais. As famílias quilombolas afirmam sua tradição da ética da roça e babaçuais em terras de uso comum, e aqueles que rejeitam essa identidade querem seu loteamento. O conflito se acirra a partir de 2016, e, sob a atuação do Ministério Público Federal (MPF), acionado pelos quilombolas, o INCRA ajuíza uma ação contra os loteadores. Em 30/10/2018, a Justiça Federal exigiu imediata paralisação do loteamento.

Esta trajetória plena de coesões e rupturas, em estreita interação com as políticas econômicas que se impõem ao quilombo a cada gestão governamental, tem como uma de suas expressões ambientais a condição da vegetação arbórea que identificamos no presente.

VEGETAÇÃO ARBÓREA NO ASSENTAMENTO COLETIVO (PRESENTE)

As principais categorias de cobertura do solo em MA-OG foram identificadas com base em imagens de satélite, contando-se com o conhecimento da área pelos membros da equipe local que participou do inventário florestal. Uma tipologia preliminar foi definida, incluindo três classes de vegetação com presença de palmeiras: pasto sujo com palmeiras, capoeira fina e capoeira grossa ou, como designada localmente, reserva florestal. Os pastos limpos não foram considerados para inventário florestal devido à baixa presença de palmeiras e porque estas seriam facilmente detectadas e contadas nas imagens de satélite.

Em campo, as capoeiras finas foram subcategorizadas com base no tempo de pousio: três, cinco e seis anos. Foram também identificadas seis localidades designadas como reservas florestais, todas apresentando intrusões (pastos ou capoeiras em estágio inicial de sucessão).

Foram amostradas 30 parcelas de 10 m x 20 m, dispostas em 11 locais representativos das três classes de cobertura do solo, conforme visualizado na Figura 2. Os indivíduos da vegetação arbórea e as palmeiras foram inventariados nessas parcelas amostrais, sendo os resultados apresentados a seguir.

Figura 2
Localização das parcelas de inventário florestal no quilombo de Monte Alegre-Olho d’Água dos Grilos. Imagem de satélite ortorretificada, color, escala 1/500,Google Earth Pro. DigitalGlobe julho/2018. Satélite Quickbird (60 cm), GeoEye-1 (50 cm), Ikonos (1 m), WorldView -2 e 3 (50 cm). Bandas compostas R4, G3, B2 (cor verdadeira).

RIQUEZA E DIVERSIDADE DAS ESPÉCIES

Nas áreas amostrais do quilombo MA-OG, foram detectadas 135 espécies arbóreas e palmeiras, com predominância de Attalea speciosa (babaçu), à execção da área Serra da Pedreira/Mundego. As parcelas da categoria ‘reserva florestal’ apresentaram a maior diversidade de espécies, embora com grande variação (de 14 a 66 espécies) entre parcelas, conforme pode ser visualizado no Apêndice.

Importante ressaltar que a diversidade de espécies é ampla e distribuída em todo o quilombo, indicando a importância de manutenção das reservas amplamente distribuídas em toda sua área. Sugere-se a conservação dessas reservas florestais como estratégia de recuperação ampla da diversidade de espécies arbóreas do quilombo, que, no percurso sucessional, proporcioanarão propágulos para a recolonização vegetacional e equilíbrio da riqueza e diversidade de espécies de uma floresta madura, próxima à original, e comparável ao registro memorial dos quilombolas no período de ocupação.

DISTRIBUIÇÃO DIAMÉTRICA DAS ESPÉCIES

A distribuição do número de indivíduos arbóreos e palmeiras com registro diamétrico por hectare, nas parcelas, é apresentada na Figura 3. A análise do inventário indicou que a regeneração natural no território como um todo está comprometida. Nas reservas florestais, foram detectadas áreas de intrusão (pastagens sujas ou abandonadas) nas quais praticamente não se detectou vegetação arbórea e palmeiras no estado juvenil. Em uma das intrusões na localidade Mata da Galinha, por exemplo, após seis anos do distúrbio, não se identificou vegetação com indivíduos com ao menos 25 cm de diâmetro, o que é bastante preocupante.

Figura 3
Distribuição do número de indivíduos arbóreos e palmeiras com registro diamétrico (DAP) por hectare nas parcelas de estudo no quilombo de Olho d’Água dos Grilos: distribuição dos indivíduos com DAP ≥ 2,5 a 25 cm (A) e distribuição dos indivíduos com DAP ≥ 25 cm (B).

Todas as reservas florestais encontram-se com intrusões por pastagens ou abertura para roçados, em diferentes níveis de gravidade, exigindo medidas protetivas urgentes. Apenas as amostras de uma das áreas (Serra da Pedreira) apresentaram árvores com mais de 50 cm de diâmetro, a qual, contudo, foi recentemente cercada para loteamento individual, indicando risco de impacto iminente. O loteamento ilegal, cujo cercamento ocorreu a partir de 2016, fragilizou ainda mais o controle coletivo, que garantiu a existência das reservas florestais até recentemente. A verificação da cobertura da terra em propriedades privadas no entorno do ‘território quilombola’, com predomínio de pastagens, sinaliza para extensiva degradação ambiental sob privatização.

ÁREA BASAL E DOMINÂNCIA DAS PALMEIRAS DE BABAÇU

A soma das áreas transversais da superfície do tronco, calculadas em um corte imaginário à altura do peito, foi utilizada para estimar a área basal da vegetação arbórea total presente em uma área de solo, em comparação com a do babaçu (Tabela 1). Assim, além do número de indivíduos e das espécies representadas, pudemos estimar a cobertura florestal nas parcelas.

Tabela 1
Área basal da vegetação arbórea nas parcelas de estudo, Monte Alegre, Maranhão.

A localidade Serra da Pedreira, além de um maior número de espécies, possui também árvores mais grossas, sem babaçu de grande porte, sendo mais biodiversa. Por outro lado, a dominância do babaçu é notável no Centro São Domingo e em uma das parcelas da Mata da Galinha. Até o final da década de 1990, a Mata da Galinha era reserva florestal respeitada, onde as quebradeiras de coco babaçu coletavam amêndoas. Porém, com a pressão demográfica, as regras sociais vigentes para o uso de produtos da floresta foram negligenciadas, como restrições de volume e frequência de uso por espécie, necessidade de permissão dos mais velhos, cuidados de controle do fogo e períodos específicos de coleta, entre outros. Os intensos debates sobre maior controle social não evitaram uma emenda nas normas de uso, que resultaram no enfraquecimento do equilíbrio ambiental.

ABUNDÂNCIA DO BABAÇU

As reservas florestais, a princípio, contam com maior número de indivíduos e maior diversidade de espécies (Tabela 2). No entanto, em algumas reservas onde a ação humana foi mais frequente, o percentual de palmeiras é maior, como na reserva do Olho d’Água dos Grilos, Centro do Chiquim e Centro São Domingo, que apresentaram 70%, 83% e 96% dos indivíduos arbóreos como sendo palmeiras babaçu. Assim, a cobertura florestal do quilombo precisa ser mais bem analisada para avaliar sua conservação ambiental, uma vez que este se encontra em área antes coberta por floresta ombrófila. Apenas a Serra da Pedreira no Mundego apresentou composição mais equilibrada, com 97% dos indivíduos de outras 66 espécies que não o babaçu.

Tabela 2
Abundância do babaçu nas parcelas de estudo, Monte Alegre, Maranhão.

DISTRIBUIÇÃO DE INDIVÍDUOS EM CINCO ESTÁGIOS DO CICLO DE VIDA DO BABAÇU

A presença das palmeiras de babaçu é importante devido à modalidade de uso da terra, a não supressão da regeneração e, sobretudo, ao extrativismo praticado pelas quebradeiras de coco babaçu. No entanto, esta ocorrência deve ser avaliada em conjunto com sua produtividade e seu equilíbrio entre os diversos estágios do ciclo de vida da palmeira (Santos, 2017Santos, A. M. D. (2017). Dinâmica de população e distribuição espacial da palmeira babaçu (Attalea speciosa Mart. ex Spreng.) no Projeto de Assentamento Benfica, Itupiranga, Pará [Tese de doutorado, Universidade Federal Rural da Amazônia].). Neste estudo, registrou-se a frequência de indivíduos nas fases juvenil e adulta da palmeira, reconhecidas localmente como pindova, palmiteiro, capote, palmeira feita e coringa6 6 Embora com variações, a serem melhor especificadas, entre os povoados em área de ocorrência de babaçuais, de maneira geral, o termo ‘pindova’ se refere desde o estágio de plântula, com o limbo de todas as folhas não dividido, até indivíduos jovens com pelo menos uma folha com limbo dividido ou em processo de divisão, mas nenhum pecíolo superior a 200 cm de comprimento (acima da superfície do solo); ‘palmiteiro’ corresponde ao estágio juvenil, em que o tecido meristemático na altura da inserção das folhas se torna avolumado acima do solo (eventualmente é extraído o meristema foliar comestível, daí a denominação palmiteiro); ‘capoteiro’ ao estágio juvenil de indivíduos no qual o caule lenhoso torna-se presente acima do solo, mas envolto de bainhas foliares e sem presença de órgãos florais; ‘palmeira feita’ a todo estágio reprodutivo, desde quando lança seu primeiro cacho de frutos até quando para de produzir; e ‘coringa’ ao estágio de senescência, quando reduz e chega a parar de produzir frutos e o tronco se alonga e afila, até morrer (Santos, 2017). (Figura 4). Em cada parcela do inventário, as palmeiras foram categorizadas pelos quilombolas, também medidas e contabilizadas. No gráfico, as cores representam os estágios da palmeira encontrados, e as barras representam o número encontrado por hectare naquela localidade. Apenas as pindovas, cujo número é bastante superior em relação a outros estágios, foram representadas pela linha.

Figura 4
Distribuição de indivíduos em cinco classes de tamanho (estágios do ciclo de vida) do babaçu, parcelas de estudo, Quilombo de Olho d’Água dos Grilos.

Um número excessivo de pindovas pode indicar desequilíbrio, pois uma população juvenil homogênea alta (chegando até 3 mil indivíduos por hectare) sinaliza a dificuldade de outras espécies emergirem, indicando menos biodiversidade e completa remoção da cobertura florestal, ocorrendo regeneração natural com mais de 90% de predominância do babaçu. Ressalta-se que tal dinâmica de uso da terra e pousio contribui para o aumento de florestas homogêneas e adensadas com babaçu, com dominância que impede a regeneração das espécies arbóreas. Em áreas de pastagem, o controle das pindovas é bastante oneroso, havendo quem use herbicida para eliminá-las, potencialmente agravando impactos ambientais.

DIVERSIDADE DE ESPÉCIES

Nem sempre o número de indivíduos presentes numa área é suficiente para refletir a biodiversidade nela existente (Tabela 3). Outro parâmetro para analisar a conservação é a diversidade de espécies nas diversas categorias de cobertura do solo. A exploração excessiva da comunidade arbórea altera a riqueza de espécies e causa o aumento da população juvenil de babaçu, pois, após o corte raso e/ou queimadas, a espécie predomina na regeneração, o que é comprovado pela alta densidade de indivíduos jovens (pindova, capoteiro e palmiteiro), enquanto as formas adultas (palmeira-feita e coringa) são praticamente inexistentes, fora das chamadas reservas florestais.

Tabela 3
Diversidade de espécies nas parcelas de estudo, Monte Alegre, Maranhão.

Supõe-se que essas novas formações de floresta adensada de babaçu terão uma dinâmica sucessional muito longa, na qual a competição entre indivíduos tenderá à redução progressiva temporal da densidade populacional e proporcionará maior eficiência ecológia da floresta, assim como a produção de frutos de babaçu. No entanto, sugere-se a pesquisa via monitoramento desses adensamentos de babaçu, assim como a aplicação de tratamentos silviculturais para acelerar o estágio sucessional de estabilidade da floresta de babaçu, assim como ainda observado nas reservas das florestas remanescentes originais, onde o corte raso não ocorreu, que é o caso da Serra da Pedreira, Mata da Galinha, Povoado Morros (Piçarreira) e Olho d’Água dos Grilos. Nessas formações, além de maior diversidade, elas apresentaram espécies florestais típicas de florestas conservadas, enquanto nas áreas em regeneração após o uso agropecuário, com supressão total da vegetação nativa, as espécies regenerantes são predominantemente semiperenes do grupo das colonizadoras de áreas abertas, exemplificadas pelas invasoras de pastagem.

Na Mata da Galinha, uma das reservas florestais mais importantes do quilombo, ainda foi possível identificar uma média de 12,3 espécies por parcela de 200 m2 (Tabela 3). No entanto, quando parte desta área foi convertida para pasto, apenas cinco espécies foram registradas, sendo que, dessas, duas são invasoras de pastagem – Varronia multispicata (Cham.) Borhidi. e Vernonanthura brasiliana (L.) H.Rob. Uma vez derrubada a mata para cultivo de roça, após seis anos, a vegetação sob regeneração natural atingiu oito espécies, observando-se sempre a forte predominância do babaçu, que consistia em 73,3% dos indivíduos da floresta amostrada (Tabela 2).

A Serra da Pedreira, local sagrado aos quilombolas, abriga hoje 66 espécies detectadas, enquanto o babaçu ocorre em menor dominância (2,9% dos indivíduos da floresta; Tabela 2). Porém, com o loteamento da terra, esta área já se encontrava cercada e sujeita às decisões de apenas uma família, fugindo ao controle social que a manteve conservada durante mais de um século.

CENÁRIOS FUTUROS DA VEGETAÇÃO ARBÓREA NO TERRITÓRIO QUILOMBOLA

Para a análise de cenários futuros, foram utilizadas imagens Landsat 8, de outubro de 2018, delimitadas pelo perímetro do atual PA. Após a identificação das áreas de referência, como as localmente designadas de reservas florestais, dos principais cursos d’água, de desmatamentos mais graves e estradas, foi apresentada em assembleia da Associação Unidos Venceremos a noção de área de preservação permanente (APP) (por relevo e por margem de curso d’água) e reserva legal que, de acordo com o Código Florestal, estabelecido pela Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, nessa região deve ser de 35% da área total do estabelecimento. Foram discutidos dois cenários, considerando a proposta de loteamento e a manutenção do uso comum em território quilombola.

CENÁRIO SOB LOTEAMENTO

Um agrimensor credenciado, mas não autorizado pelo INCRA, foi contratado pelos loteadores para projetar e delimitar lotes na área do PA. De acordo com esta proposta, seriam delimitados 77 lotes individuais, com área média de cerca 27 ha. A área restante, de cerca de 840 ha, permaneceria sob reserva para uso comum. A Figura 5 apresenta a sobreposição ao território quilombola da grade de loteamento proposta pelo grupo favorável à privatização das terras. Com base na Figura 5, os quilombolas e seus colaboradores discutiram as implicações sobre a conservação dos babaçuais e das capoeiras.

Figura 5
Projeto de loteamento elaborado por agrimensor contratado pela Associação Novo Tempo, sobreposto ao território quilombola Monte Alegre-Olho D’Água dos Grilos. Imagem Aster/Topodata disponibilizada por DPI-INPE (2018). Geoprocessada para obtenção do modelo de elevação do terreno. Escala 1/500. Color. Sobreposta por malha hidrográfica extraída por geoprocessamento.

As principais reflexões foram de que, se cada família cultivasse sua roça ou pasto em um lote, conforme delimitado, as poucas matas restantes seriam fragmentadas muito mais rapidamente do que o processo em curso. Além disso, considerou-se que vários lotes propostos são inviáveis, com APP de relevo e de curso d’água que impedem qualquer atividade produtiva; enquanto outros estão em áreas já bastante degradadas. Em termos de recursos de uso comum, foi discutido que os babaçuais poderiam ser privatizados pelo pretenso dono de lote.

Ressalta-se que, no último levantamento do INCRA, foram identificadas 218 famílias: 101 famílias com autoatribuição quilombola; e 117 que não se identificam como quilombolas, das quais 55 famílias de agricultores familiares em Relação de Beneficiários do INCRA, e 62 famílias de agricultores familiares sem cadastro nessa relação. Portanto, caso o loteamento ilegal fosse levado a cabo em 77 lotes, 141 famílias estariam sem acesso a terra, visto que a reserva legal exigida para a região seria de pelo menos 35% da área do PA MA-OG.

CENÁRIO SOB TERRITÓRIO QUILOMBOLA

Para discutir o cenário futuro da conservação de babaçuais e formações florestais, os quilombolas devem considerar as forças econômicas e sociais que sustentam a expansão da pecuária no município e entorno. Em todo o estado do Maranhão, é observada uma tendência progressiva de redução da cobertura florestal a partir da década de 1970, assim como a crescente expansão das pastagens. Porém, é interessante notar como as chamadas ‘terras de preto’, atualmente quilombos, mostraram-se lócus de conservação ambiental, conforme exemplificado nesse PA coletivo (PA MA-OG).

Para aprofundar a análise do contraste entre o cenário sob PA coletivo e as alternativas para cenários futuros, foi utilizada uma série de mapas da cobertura vegetal, em sequência temporal, no perímetro do atual PA MA-OG, com dados do Projeto MapBiomas (2020)Projeto MapBiomas. (2020). Coleção 5.0 da série anual de mapas de cobertura e uso de solo do Brasil. https://plataforma.brasil.mapbiomas.org/
https://plataforma.brasil.mapbiomas.org/...
. Análises desses mapas foram realizadas comparando o ano de 1985, pouco antes da criação do assentamento coletivo, com a atualidade (2020). Naquele ano, mais de 98% da área de assentamento foi classificada como floresta, nesse caso, englobando florestas primárias e secundárias, com forte dominância de palmeiras. Após duas décadas, em 2005, a cobertura florestal era ainda superior a 95%. A partir daquele ano, observa-se forte expansão da atividade pecuária. Em 2015, a área coberta por pastagens superou 34%, índice que se manteve desde então.

Embora indique tendências inequívocas de degradação florestal e ameaças à conservação dos babaçuais, tal índice resulta em dados muito inferiores aos observados no entorno. Nos municípios de São Luís Gonzaga do Maranhão e Lima Campos, a cobertura florestal em 1985 era de 60%, índice que foi reduzido a 39% e 48%, respectivamente, no ano de 2020, quando a área com pastagens alcançou 60%, em São Luís Gonzaga, e 50%, em Lima Campos. Contudo, a partir dos dados do inventário, os quilombolas constataram que, mesmo sob o PA na modalidade coletiva, não se garantiu suficientemente a conservação das reservas florestais e dos babaçuais.

CONCLUSÕES

A avaliação da vegetação arbórea inventariada no quilombo de MA-OG confirmou um cenário presente passível de contraste com o cenário passado, delineado na memória oral dos quilombolas, e com cenários projetados para o futuro, considerando-se as alternativas que vislumbram: sob loteamento e sob território quilombola.

Décadas de políticas econômicas desenvolvimentistas, mesmo com o conhecimento de regras de uso comum manejado sob controle dos anciãos e o PA na modalidade coletiva, não evitaram o cenário captado pelo inventário realizado em 2018. O desafio da privatização, apresentado por agentes favoráveis ao loteamento das terras atualmente sob PA, em modalidade coletiva, só será vencido se Estado e sociedade reconhecerem os direitos específicos já garantidos aos quilombolas. Por outro lado, o inventário mostra a necessidade de os quilombolas, enquanto tomadores de decisão sobre seu território, melhor qualificarem a distinção entre uso coletivo e uso comum, e reforçarem a ideia do comum manejado.

Portanto, verifica-se que, no contexto do Estado e da sociedade brasileira das últimas três décadas, a formalização como assentamento coletivo em 1986 não bastou para a conservação dos babaçuais. Com a análise do inventário, à luz da história, conclui-se que os direitos territoriais garantidos na Constituição de 1988 só serão efetivamente realizados se Estado e sociedade reconhecerem o direito dos próprios quilombolas de renovarem a institucionalização de sua tradição nos comuns, conforme preconizado na ‘teoria dos comuns manejados’ (Ostrom, 2009Ostrom, E. (2009). A general framework for analyzing sustainability of social-ecological systems. Science, 325(5939), 419-422. http://dx.doi.org/10.1126/science.1172133
https://doi.org/10.1126/science.1172133...
).

Embora imagens obtidas por sensoriamento remoto indiquem cobertura florestal ainda muito superior aos 35% requeridos pelo Código Florestal (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012Lei nº 12.651 (2012, maio 25). Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nºs 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nºs 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
), o inventário permitiu identificar vegetação arbórea em ecossistemas bastante alterados, fragmentados e pouco diversos.

Em termos ecológicos e ambientais, qualquer aumento em área de pastagens e mesmo a manutenção das pastagens extensivas existentes resultariam em comprometimento do ecossistema em questão. A falta de controle do fogo também pode ser identificada como uma das causas da vulnerabilidade ambiental. Tal fato foi evidenciado na reserva Olho D’Água dos Grilos, caracterizada pela presença excessiva da espécie pioneira mutamba-branca (Trema micrantha (L.) Blume), que ocupou o ambiente pós-ocorrência do fogo, fato ainda visível durante o inventário.

A conservação das reservas florestais, aliada à sua distribuição ampla em todo o território quilombola, tem importância e é necessária para a restauração íntegra da diversidade de espécies, a qual vem sendo reduzida devido ao desmatamento e à exploração predatória.

Em termos sociais e institucionais, certamente as recomendações propostas por Ostrom (2009)Ostrom, E. (2009). A general framework for analyzing sustainability of social-ecological systems. Science, 325(5939), 419-422. http://dx.doi.org/10.1126/science.1172133
https://doi.org/10.1126/science.1172133...
estão longe de ser cumpridas em MA-OG. Contudo, como a própria autora alerta, esses princípios gerais não eliminam a necessidade de se refletir, em cada caso, quais as regras a priorizar, a combinar, a relativizar e, sobretudo, como estabelecer as condições básicas para cumpri-las.

Em teoria, em MA-OG, assim como em todo o arco de desmatamento que corrói o bioma amazônico, ao não se encontrarem essas condições básicas, a conservação dos comuns estaria fadada à tragédia. Paradoxalmente, a tragédia não ocorreria devido aos comuns, mas, ao contrário, devido à violação aos comuns. Empiricamente, no entanto, é significativo que, a despeito da falta de condições institucionais, quilombolas e pesquisadores estejam engajados em pesquisa-ação, na contínua busca de reflexão e prática do uso comum manejado.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às famílias quilombolas de Monte Alegre e Olho d’Água dos Grilos, à Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Remanescentes de Quilombo Data Monte Alegre Unidos Venceremos, à Comunidade Quilombola da Associação de Trabalhadores Rurais da Gleba Olho D’Água dos Grilos, ao Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, à Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão e à Secretaria de Agricultura Familiar do Estado do Maranhão.

  • 1
    O termo quilombola pode ser entendido como autodesignação de sujeitos coletivos remanescentes de grupos de africanos escravizados e seus descendentes, que resistiram à escravidão, constituindo territórios próprios. No entanto, quilombo é, sobretudo, um conceito ou campo conceitual sociologicamente construído, que concorre, seja na academia, seja nos movimentos sociais, com definições jurídico-formais historicamente engessadas. Para a compreensão do conceito, há que se partir de situações empíricas, geradas por aqueles que assumem essa identidade para assegurar o direito a seus territórios e à relação particular com os recursos naturais (Almeida, 2011Almeida, A. W. B. D. (2011). Quilombolas e novas etnias. UEA Edições.). Quilombo é uma categoria em disputa, “não apenas em função de seu caráter polissêmico, aberto, com grandes variações empíricas de ocorrência no tempo e no espaço. Mas uma disputa em torno de como o plano analítico se conecta com os planos político e normativo” (Arruti, 2008Arruti, J. M. (2008). Quilombos. In O. Pinho (Org.), Raça: perspectivas antropológicas (pp. 315-316). ABA/Ed. Unicamp/EDUFBA., pp. 315-316).
  • 2
    De acordo com a FAO (2000)Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO). (2000). FRA 2000 on definitions of forest and forest change. FAO. http://www.fao.org/3/ad665e/ad665e03.htm#P183_8898
    http://www.fao.org/3/ad665e/ad665e03.htm...
    , florestas são terras com mais de 0,5 hectare, com uma cobertura de dossel superior a dez por cento, que não estão primariamente sob uso agrícola ou urbano. As florestas são determinadas pela presença de árvores e pela ausência de outros usos predominantes do solo. As árvores devem atingir uma altura mínima de 5 m in situ. Estão incluídas neste conceito as áreas reflorestadas que ainda não atingiram cobertura de dossel de dez por cento ou altura das árvores de 5 m, assim como as áreas temporariamente sem estoque, resultantes de intervenção humana ou causas naturais, que devem se regenerar. O termo exclui árvores plantadas principalmente para produção agrícola, por exemplo, em plantações de espécies frutíferas e sistemas agroflorestais.
  • 3
    Até fevereiro de 2022, os registros do INCRA atestavam que o quilombo de Santa Maria dos Pinheiros, em Itapecuru-Mirim, obteve titulação prévia, através de Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (art. 24, INCRA, 2009Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). (2009). Instrução Normativa 57, de 20 de outubro 2009. Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e o Decreto n° 4.887, de 20 de novembro de 2003. https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/IN572009.pdf
    https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File...
    ) e os outros três obtiveram titulação parcial da área (INCRA, 2009Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). (2009). Instrução Normativa 57, de 20 de outubro 2009. Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e o Decreto n° 4.887, de 20 de novembro de 2003. https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/IN572009.pdf
    https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File...
    ).
  • 4
    Para identificar e delimitar terras como território quilombola, a Instrução Normativa do INCRA nº 57/2009, que regulamenta o Decreto nº 4.887/2003, exige, dentre um conjunto de quesitos, a descrição das condições ambientais em um relatório antropológico, que constará entre as peças do RTID requerido (INCRA, 2009Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). (2009). Instrução Normativa 57, de 20 de outubro 2009. Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e o Decreto n° 4.887, de 20 de novembro de 2003. https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/IN572009.pdf
    https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File...
    ).
  • 5
    No mapa de Curt Nimuendajú, registra-se que os Tupinambás foram observados na ilha de São Luís em 1560; enquanto os Kreyê estariam no vale do Mearim no século XVIII (IBGE, 1981Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (1981). Mapa etno-histórico de Curt Nimuendaju (1. ed.). Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/Fundação Nacional Pró-Memória.).
  • 6
    Embora com variações, a serem melhor especificadas, entre os povoados em área de ocorrência de babaçuais, de maneira geral, o termo ‘pindova’ se refere desde o estágio de plântula, com o limbo de todas as folhas não dividido, até indivíduos jovens com pelo menos uma folha com limbo dividido ou em processo de divisão, mas nenhum pecíolo superior a 200 cm de comprimento (acima da superfície do solo); ‘palmiteiro’ corresponde ao estágio juvenil, em que o tecido meristemático na altura da inserção das folhas se torna avolumado acima do solo (eventualmente é extraído o meristema foliar comestível, daí a denominação palmiteiro); ‘capoteiro’ ao estágio juvenil de indivíduos no qual o caule lenhoso torna-se presente acima do solo, mas envolto de bainhas foliares e sem presença de órgãos florais; ‘palmeira feita’ a todo estágio reprodutivo, desde quando lança seu primeiro cacho de frutos até quando para de produzir; e ‘coringa’ ao estágio de senescência, quando reduz e chega a parar de produzir frutos e o tronco se alonga e afila, até morrer (Santos, 2017Santos, A. M. D. (2017). Dinâmica de população e distribuição espacial da palmeira babaçu (Attalea speciosa Mart. ex Spreng.) no Projeto de Assentamento Benfica, Itupiranga, Pará [Tese de doutorado, Universidade Federal Rural da Amazônia].).
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Apêndice

Apêndice
Diversidade de espécies amostradas pelo método de parcelas alocadas nas diferentes categorias vegetacionais (pasto sujo, capoeira e reserva florestal) no quilombo de Monte Alegre-Olho d’Água dos Grilos, Maranhão. Legendas: MG = Mata da Galinha; AF = área de agricultura familiar; CSD = Centro São Domingo; ODG = Olho d’Água dos Grilos; CC = Centro Chiquim; PMP = Povoado Morros (Piçarreira); SPM = Serra da Pedreira/Mundego.

Editado por

Responsabilidade editorial: Richard Pace

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2022
  • Aceito
    08 Fev 2023
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