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As prescrições de Fernando Mendes para a Água de Inglaterra

Fernando Mendes’ prescriptions for English Water

Resumo

A Água de Inglaterra foi um dos medicamentos mais populares na terapêutica do paludismo em diversos países europeus entre a segunda metade do século XVII e princípios do século XIX. Em Portugal, a sua introdução deveu-se ao rei D. Pedro II e ao médico português Fernando Mendes, autor do primeiro texto em língua portuguesa a divulgar esse preparado. Tal escrito, junto de uma receita da Água de Inglaterra e algumas instruções para o seu emprego, foi publicado na obra “Correção dos abusos” (Azevedo, 1690Azevedo, F. M. (1690). Correcçam dos abusos. Officina de Manoel Lopes Ferreira.), sob o título de “Instruções a quem houver de usar da água de Fernão Mendes, Médico da Câmara de suas Majestades Britânicas”. Com o intuito de facilitar o acesso a esse conjunto documental e torná-lo mais conhecido, este artigo traz uma edição atualizada, acompanhada de um pequeno estudo introdutório, desses três escritos em língua portuguesa sobre a denominada água inglesa.

Palavras-chave
Água de Inglaterra; Fernando Mendes; Portugal; Século XVII

Abstract

“English Water” was one of the most popular treatments for malaria in several European countries from the mid-seventeenth century to the early 1800s. It was introduced to Portugal via Dom Pedro II and the Portuguese doctor Fernando Mendes, who wrote the first text published in Portuguese to mention this preparation. This text, together with a recipe for English Water and some instructions for its use, appeared in “Correção dos Abusos [Correction of Abuses]” (Azevedo, 1690Azevedo, F. M. (1690). Correcçam dos abusos. Officina de Manoel Lopes Ferreira.), under the title “Instructions for those who must use the water of Fernão Mendes, Chamber Physician to their British Majesties”. This article presents an updated edition of this set of documents in order to facilitate access and expand knowledge of this resource, along with a small introductory study of these three writings in Portuguese on English Water.

Keywords
English Water; Fernando Mendes; Portugal; Seventeenth century

UM MEDICAMENTO INGLÊS FEITO POR E PARA PORTUGUESES

Em Portugal de 1681, às mãos do rei D. Pedro II (1648-1706) chegou um pequeno folheto enviado da Inglaterra: as “Reflexões sobre a virtude da água” (Figura 1). Redigida em língua portuguesa, tal publicação buscava elucidar as “muitas prerrogativas e vantagens” de um medicamento – então de composição secreta1 1 Entre os séculos XVII e XVIII, os remédios secretos eram aqueles cujos autores e fabricantes escondiam do público as suas composições. A princípio, isso ocorria porque seus produtores eram estranhos à profissão farmacêutica. Com o passar do tempo, porém, mesmo os licenciados na arte de formular usaram o segredo como uma estratégia de divulgação (Dias, 2007, p. 287). – no tratamento do paludismo2 2 Doença causada pelo parasita Plasmodium, transmitida pela picada de mosquitos infectados e sensível às características geográficas e climáticas do meio. Atualmente, é chamada de malária. . De acordo com o autor das “Reflexões”, se fosse comparado a todos os outros que vinham sendo empregados contra o paludismo, esse era um “remédio, primeiro, mais geral, segundo, mais eficaz, terceiro, menos molesto e quarto, mais seguro” (Mendes, 1690Mendes, F. (1690). Instrucçoens a quem houver de usar da agoa de Fernam Mendes, Medico da Camera de Suas Majestades Britannicas. In F. M. Azevedo, Correcçam dos abusos (pp. 287-293). Officina de Manoel Lopes Ferreira., pp. 289-290).

Figura 1
“Reflexões sobre a virtude da água”.

O panfleto era assinado pelo médico Fernando Mendes (1645-1724). Nascido na cidade portuguesa de Trancoso, na região da Beira Alta, no ano de 1645, Mendes era de origem judaica e, provavelmente, como uma forma de fugir da Inquisição em seu país, optou por estudar na França (Saldanha, 1970Saldanha, A. (1970). Memórias da Academia das ciências de Lisboa. Academia das Ciências de Lisboa.). Em julho de 1666, matriculou-se na Faculdade de Medicina de Montpellier, onde obteve o grau de bacharel, licenciado e doutor em medicina. Três anos depois de concluir os seus estudos, Mendes deixou a cidade francesa e mudou-se para Londres, onde permaneceu até o seu falecimento – em 26 de dezembro de 1724. Na Inglaterra, o português foi médico das majestades britânicas, particularmente da rainha D. Catarina de Bragança (1638-1705), filha do rei português D. João IV (1604-1656)3 3 Primeiro rei da Casa de Bragança, depois da Guerra de Restauração; tal guerra foi uma série de confrontos armados entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela, ocorridos durante 28 anos, cujo objetivo era separar as coroas ibéricas, que estavam unidas desde 1580, com a Dinastia Filipina, e pôr fim à monarquia dualista. e irmã de D. Pedro II, para quem as ditas “Reflexões sobre a virtude da água” teriam sido remetidas (Dias, 2012Dias, J. P. S. (2012). A água de Inglaterra. Caleidoscópio., p. 18).

Na Real Câmara Britânica, Fernando Mendes trabalhou com muitos dos considerados melhores médicos, cirurgiões e boticários europeus daquele tempo. Um dos mais conhecidos deles, certamente, foi o boticário Robert Talbor (1642-1681), famoso por tratar as febres intermitentes do monarca inglês Carlos II (1630-1685) com uma composição secreta. Tal boticário era natural de Cambridge e por lá exerceu o seu ofício após completar os seus estudos de aprendiz; sua ambição, porém, pelo que temos notícias, ia muito além do exercício de boticário: era investigar a natureza e encontrar a cura para as doenças (Keeble, 1997Keeble, T. W. (1997). A cure for the ague: the contribution of Robert Talbor (1642-81). Journal of the Royal Society of Medicine, 90(5), 285-290. http://doi.org/10.1177/014107689709000517
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, p. 287). Em 1668, Talbor se estabeleceu em Essex, um distrito costeiro de baixa altitude na Inglaterra, onde o paludismo era endêmico, e desenvolveu, por meio de experiência e observação, um remédio eficaz no seu tratamento (Siegel & Poynter, 1962Siegel, R. E., & Poynter, F. N. L. (1962). Robert Talbor, Charles II and cinchona. A contemporary document. Medical History, 6(1), 82-85. https://doi.org/10.1017/S0025727300026892
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, p. 82). Mais tarde – e já trazendo numerosos sucessos terapêuticos em sua carreira –, um paciente apresentou-o a Carlos II, que há tempos sofria de febres intermitentes consistentes ao paludismo; por meio do seu preparado secreto, Talbor conseguiu tratar o rei, e este, em agradecimento, nomeou-o médico da sua Real Câmara em 27 de julho de 1672.

Depois desse episódio, o boticário de Cambridge passou a ser identificado como um grande especialista em doenças febrífugas, sendo requisitado por muitos nobres europeus. Ainda que sempre os atendesse, Talbor jamais divulgou os ingredientes ou a posologia de sua composição (Dias, 2012Dias, J. P. S. (2012). A água de Inglaterra. Caleidoscópio., pp. 19-20). No seu estudo sobre as possíveis causas e curas das febres intermitentes, “Pyretologia, a rational account of the cause & cure of agues with their signes diagnostick & prognostick”, por exemplo, nenhuma receita foi registrada; apenas informou-se que “. . . este específico é uma preparação a partir de quatro vegetais, sendo dois estrangeiros, e os outros nacionais” (Talbor, 1672Talbor, R. (1672). Pyretologia, a rational account of the cause & cure of agues with their signes diagnostick & prognostick. R. Robinson., p. 43). Por volta de meados do século XVII, e diante de uma grande insistência dos franceses, Talbor vendeu a receita ao rei Luís XIV para que o medicamento fosse empregado no reino francês, mas exigiu-lhe que ela fosse divulgada somente após a sua morte – fato que se concretizou em 1682.

A publicação da receita coube ao cirurgião do rei francês e diretor da Académie des Nouvelles Découvertes de Médecine, Nicolas Blégny (1652-1722), por meio da obra “Le remede anglois pour la guerison des fièvres”4 4 No mesmo ano, de acordo com Dias (2012, p. 19), foi publicada a tradução inglesa: Blégny (1682). . Descobria-se, assim, que se tratava de um medicamento à base de quina. Tal substância, utilizada pelos indígenas que estavam sob o domínio espanhol, era retirada da casca de uma árvore que se encontrava “nas cabeceiras do Amazonas, ou por todo o seu distrito” (Daniel, 2004Daniel, J. (2004). Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Contraponto., p. 567), e mostrava-se eficiente contra os sintomas de febres intermitentes, sobretudo as terçãs – fato que a fez ser levada à Europa pelos padres jesuítas ainda na primeira metade do século XVII.

Os europeus, a princípio, sabiam muito pouco sobre a manipulação e a administração da quina, por isso ela demorou para ser mais bem aproveitada (Oliveira & Szczerbowski, 2009Oliveira, A. R. M., & Szczerbowski, D. (2009). Quinina: 470 anos de história, controvérsias e desenvolvimento. Química Nova, 32(7), 1971-1974. https://doi.org/10.1590/S0100-40422009000700048
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, p. 1971). Especificamente no mundo lusitano, embora o seu valor medicinal fosse largamente conhecido, a quina sofria “incúria e negligência” pelos portugueses da região do Amazonas (Daniel, 2004Daniel, J. (2004). Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Contraponto., p. 567). Além disso, entre os médicos do século XVII e início do XVIII, o fármaco se via em grandes suspeitas entre os médicos de países protestantes, a ponto de receber muitas críticas em obras médico-farmacêuticas daquela época e de ganhar a alcunha de “pós dos jesuítas” – o que, possivelmente, poderia justificar a atitude de Talbor de manter a receita em segredo (Sneader, 2005Sneader, W. (2005). Drug discovery: a history. John Wiley & Sons Ltd., p. 35).

A respeito dessa suspeição, Francisco de Mello Franco (1757-1822)5 5 Filho de João de Mello Franco e D. Anna Caldeira, Francisco de Mello Franco nasceu em Paracatu, na província de Minas Gerais, em 17 de setembro de 1757, sendo o mais velho de onze irmãos. Com apenas doze anos de idade, ele deixou a sua terra natal e se encaminhou para o seminário de São Joaquim, na corte, para fazer os seus estudos preparatórios. Dali, partiu para Lisboa, a fim de aperfeiçoar os estudos preliminares, acompanhado de Paulo Fernandes Viana, um jovem brasileiro que também ia estudar na Europa e com quem manteve uma grande amizade. Em seguida, matriculou-se no curso de Medicina da Universidade de Coimbra e tornou-se médico de muito prestígio em Portugal; foi autor de várias obras, como “Tratado da educação physica dos meninos para uso da nação portuguesa” (Franco, 1790) e “Elementos de Hygiene, ou dictames theoreticos, e practicos para conservar a saude e prolongar a vida” (Franco, 1814). Voltou ao Brasil em 1817, acompanhando a futura princesa Leopoldina, da qual foi médico até falecer, em 1822. lembrou, em seu “Ensaio sobre as febres com observações analyticas acerca da topographia, clima, e demais particularidades, que influem caracter das febres do Rio de Janeiro”, que, mesmo após ser “conhecida na Europa” e considerada “o único remédio seguro, de que se vale a Medicina para combater e destruir todas as qualidades de febres intermitentes”6 6 Embora tenha sido redigido em 1821, o livro foi publicado somente em 1829 (M. Silva, 1999, p. 81). , a “Casca Peruviana, ou Quina”, continuou a ser alvo de opiniões contrárias. Desde a revelação do segredo do medicamento de Robert Talbor, entretanto, “todos os clínicos se [deram] as mãos em confessar, que a Quina [era] um dos poucos remédios superiores que a Medicina maneja[va] com mais segurança e utilidade”, sendo indispensável contra as febres intermitentes (Mello, 1829Mello, F. M. (1829). Ensaio sobre as febres com observações analyticas acerca da topographia, clima, e demais particularidades, que influem caracter das febres do Rio de Janeiro. Typografia da Mesma Academia., pp. 111-122).

Apesar dos cuidados de Robert Talbor para a manutenção do segredo, na corte inglesa, devido aos contínuos tratamentos do monarca Carlos II, ela já era conhecida por muitos dos profissionais da Real Câmara das Majestades Britânicas. Entre aqueles que dominavam a sua fórmula e a preparação estava Fernando Mendes; este, como mencionado, era o médico particular de D. Catarina de Bragança, cujo irmão, D. Pedro II, conforme uma série de escritos da segunda metade do século XVII, também sofria de paludismo7 7 Segundo José Pedro Sousa Dias, a partir de uma petição da época, “ao paludismo de D. Pedro não eram seguramente alheias as frequentes estadias na Quinta de Pancas, situada perto de Alcochete, na mesma zona onde um século mais tarde o capitalista Jácome Ratton teria a empresa agrícola Da Barroca de Alva, e onde os sítios eram ‘tão doentes de Sezões, por efeito maligno das águas estagnadas’ que ‘se não conhece indivíduo algum, que aí nascesse e persistisse chegasse à idade de poder dar sucessão” (Dias, 2012, p. 22). .

Na sessão de 16 de dezembro 1663, por exemplo, quando o então príncipe herdeiro D. Pedro tinha apenas quinze anos, a Academia dos Singulares de Lisboa celebrou as suas melhoras de um ataque de febres palustres com um soneto de autoria do poeta boticário António Serrão de Castro (1610-1685).

Padece a Primavera em suas flores Rigorosos assaltos de um Estio Padecestes, Senhor, em vosso brio, De uma febre cruel, cruéis rigores, Sente também o Estio em seus ardores, Que tenha o Outono nele senhoril; Sentistes nesse mal calor, e frio, Que também contra o Sol sobem vapores. Triunfa do Outono o Inverno rigoroso, E quando do Verão se desespera, Torna outra vez alegre, e deleitoso. Vencestes cruel mal, doença fera, Porque vejais mil vezes vitorioso Estio, Outono, Inverno e Primavera (Castro, 1692Castro, A. S. (1692). Soneto. In Academias dos Singulares de Lisboa. Dedicadas a Apollo (1ª parte, pp. 137-138). Na Officina de Manoel Lopes Ferreyra, e à sua custa impresso., pp. 137-138).

Possivelmente, os consecutivos padecimentos de D. Pedro II fizeram o medicamento inglês, originalmente elaborado pelo boticário Robert Talbor, chegar ao seu conhecimento, acompanhado do primeiro registro em língua portuguesa sobre a sua administração, as “Reflexões sobre a virtude da água”, assinadas por Fernando Mendes (Dias, 2012Dias, J. P. S. (2012). A água de Inglaterra. Caleidoscópio., p. 22). Em relação à chegada desse remédio a terras lusitanas, João Curvo Semedo (1635-1719) registrou, na sua “Polyanthea medicinal” (Semedo, 1697Semedo, J. C. (1697). Polyanthea medicinal. Officina de Miguel Deslandes.), que o segredo da “água das sezões” do “Doutor Fernão Mendes” foi obtido por D. Pedro II para o “bem dos seus vassalos” (Semedo, 1697Semedo, J. C. (1697). Polyanthea medicinal. Officina de Miguel Deslandes., s/p), embora ele tivesse um interesse particular na composição. Pouco mais tarde, o boticário Manoel Rodrigues Coelho (1687-1752), em suas instruções para a feitura e o uso da água inglesa, comentou que este era “o decantadíssimo remédio” que:

. . . há tantos anos é celebrado, e que atualmente se usa com excesso neste Reino, para benefício do qual atendeu a piedade do esclarecido Monarca, o senhor Rei D. Pedro II, que tanta glória haja, comprando ao seu autor o segredo dela, com o seu uso, para a fazer pública como fez . . .

(Coelho, 1735Coelho, M. R. (1735). Pharmacopea tubalense e chimico-galenica. Officina de Antonio de Sousa da Sylva., p. 756).

Os registros da época não confirmam se a introdução do medicamento em Portugal deveu-se à compra ou ao ganho da receita por D. Pedro II. É indiscutível, porém, que as “Reflexões...” de Fernando Mendes foram remetidas ao monarca português em 14 de abril de 1681, com a seguinte anotação:

Tendo, pois, este remédio tantas vantagens sobre quantos até agora se têm descoberto e, consequentemente, tendo as prerrogativas, que se requerem em um completo remédio, que é de curar com brevidade, com segurança e com suavidade, espero logre também a fortuna da benigna aceitação de S. Alteza, a cujos pés ofereço humildemente a receita

(Mendes, 1690Mendes, F. (1690). Instrucçoens a quem houver de usar da agoa de Fernam Mendes, Medico da Camera de Suas Majestades Britannicas. In F. M. Azevedo, Correcçam dos abusos (pp. 287-293). Officina de Manoel Lopes Ferreira., p. 292).

Daí, a água inglesa foi largamente utilizada pelos portugueses, principalmente entre a segunda metade do século XVII até as décadas iniciais do século XIX, quando foi substituída por medicamentos produzidos já com as substâncias ativas retiradas da casca da cinchona, isto é, com os alcaloides denominados quinina e cinchonina – ambas isoladas pela primeira vez em 1820 pelo farmacêutico francês Joseph Bienaimé Caventou. Nesse tempo, a água de Inglaterra foi um dos mais popularizados remédios de composição secreta em território lusitano e seus domínios.

Em Portugal, especificamente, diante de toda essa popularidade, a água também foi comercializada por outros preparadores de remédios. Durante a década de 1730, Jacob de Castro Sarmento (1690-1762) – um outro médico português residente na Inglaterra –, aproveitando-se da morte de Mendes, ocorrida em 1724, começou a fabricar e exportar uma água inglesa para a sua terra natal. De fato, tal foi a sua atuação no comércio do medicamento inglês que o nome de Fernando Mendes foi praticamente apagado junto da opinião pública como o verdadeiro autor da água de Inglaterra. Além disso, entre fins do século XVIII e início do XIX, o boticário André Lopes de Castro – sobrinho-neto de Sarmento – assumiu os negócios da água inglesa em Portugal, tirando qualquer possibilidade de os herdeiros de Fernando Mendes terem algum sucesso com o medicamento.

Enfim, como vimos, contados nove anos da chegada das “Reflexões...” a Portugal, elas foram publicadas na póstuma segunda edição da primeira parte da “Correção dos Abusos” (1690) – obra organizada pelo Frei Manuel de Azevedo8 8 Físico-mor da Armada espanhola e carmelita descalço desde 1649. Faleceu em Lisboa em 1672, nove anos antes da publicação da segunda edição do seu “Correção dos abusos” (Dias, 2012, p. 23). – sob o título de “Instruções a quem houver de usar da água de Fernão Mendes, Médico da Câmara de Suas Majestades Britânicas” (Mendes, 1690Mendes, F. (1690). Instrucçoens a quem houver de usar da agoa de Fernam Mendes, Medico da Camera de Suas Majestades Britannicas. In F. M. Azevedo, Correcçam dos abusos (pp. 287-293). Officina de Manoel Lopes Ferreira.) (Figura 2). Nessa publicação, foram elencados os cinco conselhos para um melhor uso do medicamento, as mencionadas “Reflexões...” e, ainda, uma receita para a preparação da ‘verdadeira’ água inglesa (Figura 3). São, pois, justamente essas “Instruções...” que foram aqui transcritas e podem ser consultadas a seguir em uma edição modernizada, contando com uma revisão ortográfica e atualização gramatical.

Figura 2
Instruções a quem houver de usar da água de Fernão Mendes, Médico da Câmara de Suas Majestades Britânicas.
Figura 3
Receita da verdadeira água inglesa.

TRANSCRIÇÃO DO DOCUMENTO

Instruções a quem houver de usar da água de Fernando Mendes, Médico da Câmera de Suas Majestades Britânicas

Para que faça o pretendido efeito, se devem advertir cinco coisas: a primeira, conhecer a que doenças é útil; a segunda, em que sujeitos; a terceira, com que preparação; a quarta, com que método; a quinta, com que regime.

1º Em todas as febres intermitentes que começam com frio, a que se segue o calor, é remédio tão eficaz, que passa a ser quase infalível, particularmente nas quotidianas, terçãs e quartãs, tanto simples como dobres9 9 “Fazer curvar; duplicar; crescer outro tanto; repetir”; “dobrar” (Machado, 2015, p. 183). , multíplices, inveteradas ou recentes, sós ou complicadas com outras enfermidades. Nas febres erráticas, e que não observam tipo certo, nas éticas, que degeneraram de sezões, e nas malignas, que ou são intermitentes ou procederam de intermitentes. É proveitosa nas cólicas biliosas e outras doenças procedidas de humor colérico.

2º Pode-se dar a sujeitos de qualquer idade, desde um ano até velhice decrépita; em ambos os sexos, em mulheres que têm atualmente, ou esperam, o menstruo e a prenhez, e as paridas; em toda a variedade de temperamentos e climas; em qualquer tempo e a qualquer hora, por ser remédio que, sem incômodo da natureza, purifica o sangue pelas vias mais competentes, que são as da urina. Isto se vê nas mesmas urinas, que não somente as provoca em quantidade, senão também de vermelhas que eram, as expele turvas ao princípio e logo (depois de purificado o sangue) de cor e consistência natural; sem que com essa evacuação o sangue se esquente, sofra a natureza algum abalo ou as forças dispêndio, porque antes as acrescenta, tira a sede, excita a fome, fortifica o estômago e dá vigor a todas as operações naturais.

3º A preparação que deve preceder é pouco considerável e menos molesta. Se o doente é demasiado sanguíneo, ou esquentado, se sangrará uma vez ou duas, no braço ou no pé, conforme o requerer o sujeito. Se for mulher, a quem sem ocasião de prenhez se retiver o seu costume, no pé, procurando, contudo, desopilá-la, para que fique livre de recaída, à qual por esta causa está sujeita. Se é demasiadamente dureiro10 10 “Dureiro de ventre. Aquele em que se retarda a câmara”; “dureiro” (Bluteau, 1728, p. 314). , tomará, antes de principiar a beber da água, uma ou duas ajudas de cozimento ordinário refrescativo, com duas onças de lambedor11 11 “Composição farmacêutica, de mediana consistência, entre xarope e a dos julepos eletuários moles, assim chamada, porque o enfermo que o deixar ir deslizando-se pouco e pouco pela garganta não o bebe propriamente, mas em certo modo lambe-o”; “lambedor” (Bluteau, 1728, p. 26). de violas e uma onça de polpa de canafístula12 12 “É uma grande árvore, que dá um fruto de mesmo nome, da feição de uma cana, do comprimento do braço e alguma coisa mais grossa, que o dedo polegar, quase redonda, ou cilíndrica, cuja casca consta de dois folhelhos, tão juntos, que para os dividir, é necessário quebrá-los; e de espaço em espaço se divide a sua concavidade em umas casinhas, cheias de uma polpa líquida, negra, e doce, como açúcar, que serve para purgar o estômago de humores coléricos”; “canafistula” (Bluteau, 1728, p. 90). ; se por falta de forças, ou de vontade, não quiser ou não puder sangrar-se, nem tomar as ajudas, sem esses preparativos poderá sarar.

4º Depois da preparação referida, começará a beber da água com tal método que o dia da maleita beba três ou quatro copos de seis ou oito onças cada um, a saber: em jejum, no tempo de frio e na continuação e despedida da febre, advertindo que em exceder o referido, ou seja, na quantidade ou na frequência, não há perigo, antes será mais breve a cura. No dia da folga, basta metade da quantidade limitada, continuando, desta maneira, até que falte a sezão e se acabe a redoma.

Nas crianças, se diminui a quantidade à proporção da idade.

Para tirar o dissabor da água, pode, depois de a beber, mastigar e engolir um bocado de pão, ou beber um trago da água da fonte.

5º O regimento será, no dia da maleita, caldos de galinha, ou de franga, de endívia, alface, ou borragens13 13 “Erva conhecida. Lança de sua raiz umas folhas largas, quase redondas, peludas, alguma coisa picantes e ásperas ao tato. O talo tenro, oco, ramoso, inclinado para a terra; sustenta na sua sumidade umas flores azuis, ou púrpuras e algumas vezes brancas, com alguma semelhança de pua de espora. As sementes são negras e se parecem com cabeças de víbora. A flor é uma das três flores cordiais. Condensando com seu suco glutinoso os sais dos humores, abranda suas asperezas e as do sangue”; “borragem” (Bluteau, 1728, p. 164). , tisana de cevada14 14 “Hoje é uma beberagem medicinal, que se faz com água, cevada mondada e alcaçuz, servidos no mesmo vaso. Às vezes, se lhe acrescentam tâmaras, figos etc.”; “tisana” (Bluteau, 1728, p. 177). com pouco ou nenhum açúcar. No dia da folga, pode também comer aves cozidas e assadas, com tal moderação que não embarace o estômago. Sua bebida ordinária será água cozida com cevada, ou escorcioneira15 15 “Erva com talo redondo e oco, que dá folhas muito compridas, e na sumidade das asteas uns ramalhetes de flores azuis ou amarelas. . . . é soberano remédio contra a peçonha do sapo”; “escorcioneira” (Bluteau, 1728, p. 220). ; se é fraco de estômago, pouca canela, ou uma parte de vinho e três de água. Não coma coisas agras, nem doces, nem leite ou coisa de laticínio por algumas semanas. Não tome purga, pílulas, nem ajudas ou remédio algum purgativo depois da cura.

Se observar o referido (que é bem fácil), espero não padecerá o enfermo mais moléstia que a de uma só sezão, contando do dia que começar a beber da água. Mas advirto, que ainda que há de faltar a sezão, primeiro que se acabe a redoma, deve-a beber toda, porque como este remédio obra purificando o sangue, convém purificá-lo de sorte com a quantidade referida, que não fiquem relíquias do humor que viciem o resto e produzam com o tempo alguma repetição.

Reflexões sobre a virtude da água

A água contra as sezões tem muitas prerrogativas e vantagens sobre todos os remédios que até agora se têm descoberto, porque é remédio, primeiro, mais geral, segundo, mais eficaz, terceiro, menos molesto, e quarto, mais seguro.

Primeiro: é mais geral porque primeiro se dá com a mesma eficácia em todos os climas, em ambos os sexos, em todas as idades, em todo tempo e a toda a hora. Segundo, porque não há doença complicada com as que se especificaram na receita que o contraindique. Terceiro, porque não somente cura toda a sorte de quotidianas, terçãs, quartãs simples, dobles e multíplices e complicadas (como se têm dito), senão também muitas outras a saber. Quarto, as erráticas que não observam tipo certo. Quinto, as héticas que degeneram das sezões. E sexto, as malignas, que ou são intermitentes ou procederam de intermitentes. Quanto às héticas, é de notar que há uma sorte de sezões, muito frequentes por estas partes do Norte, as quais, depois de muitos acessos de frio e febre, vão insensivelmente perdendo o frio, até ficarem só com os crescimentos de calor. Estes continuam, muitas vezes, diminuindo na violência o que vão crescendo na duração, até que, com o tempo, alteram a massa do sangue, consomem as carnes e se convertem em héticas. Nestas, pois, (e não nas que não principiaram por intermitentes) ainda que tenha já a doença mudado a face, tenho experimentado muitas vezes eficacíssimo este remédio; e, ultimamente, em um doente, a quem um importuno estilicídio16 16 “Doença, espécie de defluxo, em que acode gota a gota ao nariz uma aguadilha”; “estillicídio” (A. Silva, 1789, p. 776). salgado havia chagado os bofes, provocando a tosse contínua, escarros de sangue e outros sintomas de confirmado tísico, o qual em quinze dias se livrou de todos eles, recuperando em poucos meses suas carnes e perfeita saúde, por muitos anos antes perdida. Enquanto ao outro caso já mencionado das malignas, é de advertir serem, muitas vezes, tão violentos os primeiros ímpetos das sezões, particularmente em sujeitos mal-humorados, que logo na inconstância e desigualdade do pulso, negrura da língua, no delírio, na cardialgia17 17 “Palavra da medicina. Deriva-se do grego Cardia, que quer dizer ‘Coração’ e de Algima, que quer dizer ‘Dor’. Nem por isso Cardialgia na sua comua acepção quer dizer ‘Dor do coração’, mas é sintoma e dor da boca do estômago, a que os antigos chamavam Cardia. . .”; “cardualgia” (Bluteau, 1728, p. 143). , nas inquietações e semelhantes sintomas, indicam que ou são efetivamente ou hão de tornar-se muito em breve malignas. Esta lamentável catástrofe, que só nesta cidade tem causado muitas mil mortes o ano passado e foi epidemia pela maior parte do Norte, tem fácil e infalível remédio nesta água; porque se se bebe no princípio, prevê e impede a malignidade; se depois dela formada, a cura. Além dessas doenças, a tenho experimentado proveitosa em cólicas biliosas e outras enfermidades procedidas de cólera; porém, não faço delas particular menção, por esperar primeiro que se confirmem com mais experiências.

Segundo: é mais eficaz que qualquer outro remédio porque passa a ser infalível, achando-se apenas, entre mil experiências, uma frustrada; muitas, sim, com grandíssimo sucesso, em que muitos outros remédios e, particularmente os pós de quinaquina, se reconheceram inúteis e nocivos.

Terceiro: é menos molesto porque, sendo preceito geral da medicina não se darem específicos sem que se preceda a preparação universal, com este remédio, são escusados preparativos, de que tiram os doentes muitas conveniências, sendo a primeira livrarem-se daquela molesta e dissaborosa série de xaropes, apósimas18 18 “Medicamento. Cozimento de vegetais, ou suas partes, dulcificado e clarificado”; “apósima” (A. Silva, 1789, p. 157). , purgas, sangrias, vômitos e semelhantes remédios, que antes dos específicos e depois costumam dar-se. A segunda, abreviar a cura, podendo tomar o remédio logo no primeiro dia e ficar são ao terceiro. A terceira, não dissipar as forças com a continuação do mal, porque com as evacuações de remédios, por meio dos quais os espíritos se mortificam, a convalescença se retarda e a vida se encurta. A quarta, às vezes o doente é incapaz dos tais preparativos, ou seja, por causa da antipatia e aversão natural, ou por causa da díade, ou por respeito de alguma circunstância [como em mulheres prenhes e paridas], ou por causa de alguma doença, que se não compadeça com os tais preparativos, como o pleuris, que não sofre purga; a hidropisia confirmada, que não consente sangria, nos quais casos e infinitos outros, em que é impraticável a preparação, pereceriam os doentes por falta de remédio, mas com o da água sem preparativo algum o recebem com a mesma eficácia.

Quarto: é mais seguro que quantos se têm descoberto. Não falarei no específico de Montano19 19 Não foi identificado. , nem no antifebril de Crollii20 20 Oswaldi Crollii (1563-1609), ou Oswald Croll, foi um médico, químico e farmacêutico alemão. Defensor da alquimia e do uso da química na medicina, Crollii foi professor na Universidade de Marburg, em Hesse, na Alemanha, e autor de diversos estudos sobre a química e a alquimia. Ver, por exemplo, Crollii (1635). e semelhantes, porque, ainda que seguros, são ineficazes; nem tampouco no Gilla de Paracelso21 21 Paracelso passou a designar o Sal de Caparrosa, atualmente denominado sulfato de ferro, por Theophrastro de Gilla (Semedo, 1697, p. 808). , no Antipirético de Poterio22 22 Medicamento de segredo febrífugo elaborado por Petrus Poterium (1581-?), médico e químico francês. Entre suas obras, destaca-se Poterium (1624). , na água bendita de Rulando23 23 Medicamento preparado à base de antimônio pelo alquimista Martim Rulando (1532-1602). Segundo Semedo (1697, p. 10), denominava-se bendito para referir-se à santidade do medicamento. , nem no febrífugo de Riverio24 24 Lazare Rivière (1589-1655) foi um médico e químico francês. , porque, ainda que curem algumas vezes as sezões, como se compõem de certos venenos domados, obram com violência e desluzem as boas curas com o número das ruins. Só direi dos pós que, por serem mais seguros e eficazes, são reprovados de muitos doutores por sua extraordinária adstrição, com a qual retêm o humor morboso e fazem a cura pouco firme e arriscada. Mas, nesta água, nem a suavidade e a brandura da operação lhe diminuem a eficácia, nem a brevidade da cura é sujeita a risco, porque combate e mortifica aquele inimigo intestino, a cólera causada das sezões, de tal sorte que, quem puser em um copo de vinho um pouco de cólera ou fel de boy (em falta do de homem), e lhe lançar desta água, verá como, em um instante, lhe muda a cor, a consistência e a virtude. Depois de vencida e mortificada, assim a cólera a expele, como tenho dito, pelas vias mais competentes, que são as da urina, porque as excita copiosamente e, de coradas que eram, com o tal humor as expele turvas ao princípio e logo naturais, sinal indubitável de estar purificada a massa do sangue e as sezões não só suprimidas, senão curadas.

Tendo, pois, este remédio tantas vantagens sobre quantos até agora se têm descoberto e, consequentemente, tendo as prerrogativas, que se requerem em um completo remédio, que é de curar com brevidade, com segurança e com suavidade, espero logre também a fortuna da benigna aceitação de S. Alteza, a cujos pés ofereço humildemente a receita.

Londres, a 14 de abril de 1681.

Fernando Mendes.

Receita verdadeira da água Inglesa

Tomarão duas onças de quinaquina boa feita em pó, de fel da terra em pó três oitavas, de erva bicha em pó duas oitavas, tudo muito sutil e peneirado por peneira fina. Este pó se lance em vaso vidrado no fundo, e, ao depois, ponham a ferver em um tacho, ou no que quiserem, canada e meia de vinho de rum, ou em seu lugar de vinho de enforcado da Beira, ou do vinho mais frouxo que se achar, e, assim fervendo, o lancem sobre todos os pós, que estarão no vaso vidrado e mexam por algum espaço com um pau de tamargueira e, ao depois, o abafem até o segundo dia.

Tomarão duas raízes de espargo, duas de língua de vaca, duas de tanchagem, uma mal cheia grande de cevada, ferva-se tudo em dez quartilhos de água até que se gastem oito, e os dois que ficam assim bem quentes se deitarão sobre o vinho, que se mexerá por algum tempo, e ao depois deitarão no mesmo vaso três partes de ânime branco, ou de laca, advertindo que se vá mexendo as mais vezes, que for possível, e tendo o vaso mui bem tapado depois que se mexer. É necessário estar de infusão quatro dias e quatro noites e, passado este tempo, está capaz para se tomar esta água, que se coará por pano muito tapado e dobrado quatro vezes. Remédio é tão eficaz que é infalível para todo o gênero de febres, terçãs simples, dobres, quotidianas, quartãs, em todas as cidades, e em ambos os sexos, mulheres menstruadas, atualmente prenhes e paridas.

O Regimento será não comer doce nem azedo por vinte dias, e não purgar nos primeiros quarenta dias depois de tomar a água, bebendo sempre água de cevada ou de escorcioneira por água de regimento.

É bom estar primeiro sangrado e purgado, ou descarregado por ajudas, primeiro que se tome a água inglesa.

  • 1
    Entre os séculos XVII e XVIII, os remédios secretos eram aqueles cujos autores e fabricantes escondiam do público as suas composições. A princípio, isso ocorria porque seus produtores eram estranhos à profissão farmacêutica. Com o passar do tempo, porém, mesmo os licenciados na arte de formular usaram o segredo como uma estratégia de divulgação (Dias, 2007Dias, J. P. S. (2007). Droguistas, boticários e segredistas. FCG; FCT., p. 287).
  • 2
    Doença causada pelo parasita Plasmodium, transmitida pela picada de mosquitos infectados e sensível às características geográficas e climáticas do meio. Atualmente, é chamada de malária.
  • 3
    Primeiro rei da Casa de Bragança, depois da Guerra de Restauração; tal guerra foi uma série de confrontos armados entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela, ocorridos durante 28 anos, cujo objetivo era separar as coroas ibéricas, que estavam unidas desde 1580, com a Dinastia Filipina, e pôr fim à monarquia dualista.
  • 4
    No mesmo ano, de acordo com Dias (2012, p. 19)Dias, J. P. S. (2012). A água de Inglaterra. Caleidoscópio., foi publicada a tradução inglesa: Blégny (1682)Blégny, N. (1682). The English remedy: or, Talbor’s wonderful secret, for cureing of agues and feavers. J. Walls for Kos. Hindmarsh..
  • 5
    Filho de João de Mello Franco e D. Anna Caldeira, Francisco de Mello Franco nasceu em Paracatu, na província de Minas Gerais, em 17 de setembro de 1757, sendo o mais velho de onze irmãos. Com apenas doze anos de idade, ele deixou a sua terra natal e se encaminhou para o seminário de São Joaquim, na corte, para fazer os seus estudos preparatórios. Dali, partiu para Lisboa, a fim de aperfeiçoar os estudos preliminares, acompanhado de Paulo Fernandes Viana, um jovem brasileiro que também ia estudar na Europa e com quem manteve uma grande amizade. Em seguida, matriculou-se no curso de Medicina da Universidade de Coimbra e tornou-se médico de muito prestígio em Portugal; foi autor de várias obras, como “Tratado da educação physica dos meninos para uso da nação portuguesa” (Franco, 1790Franco, F. M. (1790). Tratado da educação physica dos meninos para uso da nação portuguesa, Academia Real das Sciencias.) e “Elementos de Hygiene, ou dictames theoreticos, e practicos para conservar a saude e prolongar a vida” (Franco, 1814Franco, F. M. (1814). Elementos de hygiene, ou dictames theoreticos, e practicos para conservar a saude, e prolongar a vida. Typographia da Academia.). Voltou ao Brasil em 1817, acompanhando a futura princesa Leopoldina, da qual foi médico até falecer, em 1822.
  • 6
    Embora tenha sido redigido em 1821, o livro foi publicado somente em 1829 (M. Silva, 1999Silva, M. B. N. (1999). A cultura luso-brasileira: da reforma da universidade à independência do Brasil. Editorial Estampa., p. 81).
  • 7
    Segundo José Pedro Sousa Dias, a partir de uma petição da época, “ao paludismo de D. Pedro não eram seguramente alheias as frequentes estadias na Quinta de Pancas, situada perto de Alcochete, na mesma zona onde um século mais tarde o capitalista Jácome Ratton teria a empresa agrícola Da Barroca de Alva, e onde os sítios eram ‘tão doentes de Sezões, por efeito maligno das águas estagnadas’ que ‘se não conhece indivíduo algum, que aí nascesse e persistisse chegasse à idade de poder dar sucessão” (Dias, 2012Dias, J. P. S. (2012). A água de Inglaterra. Caleidoscópio., p. 22).
  • 8
    Físico-mor da Armada espanhola e carmelita descalço desde 1649. Faleceu em Lisboa em 1672, nove anos antes da publicação da segunda edição do seu “Correção dos abusos” (Dias, 2012Dias, J. P. S. (2012). A água de Inglaterra. Caleidoscópio., p. 23).
  • 9
    “Fazer curvar; duplicar; crescer outro tanto; repetir”; “dobrar” (Machado, 2015Machado, J. B. (2015). Dicionário dos primeiros livros impressos em língua portuguesa (Vol. II, D-H). Edições Vercial., p. 183).
  • 10
    “Dureiro de ventre. Aquele em que se retarda a câmara”; “dureiro” (Bluteau, 1728Bluteau, R. (1728). Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botânico, brasilico, comico, critico, chimico, dogmatico, dialectico, dendrologico, ecclesiastico, etymologico, economico, florifero, forense, fructifero... autorizado com exemplos dos melhores escritores portugueses, e latinos... (Vol. I, II, III, V e VIII). Collegio das Artes da Companhia de Jesus., p. 314).
  • 11
    “Composição farmacêutica, de mediana consistência, entre xarope e a dos julepos eletuários moles, assim chamada, porque o enfermo que o deixar ir deslizando-se pouco e pouco pela garganta não o bebe propriamente, mas em certo modo lambe-o”; “lambedor” (Bluteau, 1728Bluteau, R. (1728). Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botânico, brasilico, comico, critico, chimico, dogmatico, dialectico, dendrologico, ecclesiastico, etymologico, economico, florifero, forense, fructifero... autorizado com exemplos dos melhores escritores portugueses, e latinos... (Vol. I, II, III, V e VIII). Collegio das Artes da Companhia de Jesus., p. 26).
  • 12
    “É uma grande árvore, que dá um fruto de mesmo nome, da feição de uma cana, do comprimento do braço e alguma coisa mais grossa, que o dedo polegar, quase redonda, ou cilíndrica, cuja casca consta de dois folhelhos, tão juntos, que para os dividir, é necessário quebrá-los; e de espaço em espaço se divide a sua concavidade em umas casinhas, cheias de uma polpa líquida, negra, e doce, como açúcar, que serve para purgar o estômago de humores coléricos”; “canafistula” (Bluteau, 1728Bluteau, R. (1728). Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botânico, brasilico, comico, critico, chimico, dogmatico, dialectico, dendrologico, ecclesiastico, etymologico, economico, florifero, forense, fructifero... autorizado com exemplos dos melhores escritores portugueses, e latinos... (Vol. I, II, III, V e VIII). Collegio das Artes da Companhia de Jesus., p. 90).
  • 13
    “Erva conhecida. Lança de sua raiz umas folhas largas, quase redondas, peludas, alguma coisa picantes e ásperas ao tato. O talo tenro, oco, ramoso, inclinado para a terra; sustenta na sua sumidade umas flores azuis, ou púrpuras e algumas vezes brancas, com alguma semelhança de pua de espora. As sementes são negras e se parecem com cabeças de víbora. A flor é uma das três flores cordiais. Condensando com seu suco glutinoso os sais dos humores, abranda suas asperezas e as do sangue”; “borragem” (Bluteau, 1728Bluteau, R. (1728). Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botânico, brasilico, comico, critico, chimico, dogmatico, dialectico, dendrologico, ecclesiastico, etymologico, economico, florifero, forense, fructifero... autorizado com exemplos dos melhores escritores portugueses, e latinos... (Vol. I, II, III, V e VIII). Collegio das Artes da Companhia de Jesus., p. 164).
  • 14
    “Hoje é uma beberagem medicinal, que se faz com água, cevada mondada e alcaçuz, servidos no mesmo vaso. Às vezes, se lhe acrescentam tâmaras, figos etc.”; “tisana” (Bluteau, 1728Bluteau, R. (1728). Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botânico, brasilico, comico, critico, chimico, dogmatico, dialectico, dendrologico, ecclesiastico, etymologico, economico, florifero, forense, fructifero... autorizado com exemplos dos melhores escritores portugueses, e latinos... (Vol. I, II, III, V e VIII). Collegio das Artes da Companhia de Jesus., p. 177).
  • 15
    “Erva com talo redondo e oco, que dá folhas muito compridas, e na sumidade das asteas uns ramalhetes de flores azuis ou amarelas. . . . é soberano remédio contra a peçonha do sapo”; “escorcioneira” (Bluteau, 1728Bluteau, R. (1728). Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botânico, brasilico, comico, critico, chimico, dogmatico, dialectico, dendrologico, ecclesiastico, etymologico, economico, florifero, forense, fructifero... autorizado com exemplos dos melhores escritores portugueses, e latinos... (Vol. I, II, III, V e VIII). Collegio das Artes da Companhia de Jesus., p. 220).
  • 16
    “Doença, espécie de defluxo, em que acode gota a gota ao nariz uma aguadilha”; “estillicídio” (A. Silva, 1789Silva, A. M. (1789). Diccionario da lingua portuguesa. Simão Tadeu Ferreira., p. 776).
  • 17
    “Palavra da medicina. Deriva-se do grego Cardia, que quer dizer ‘Coração’ e de Algima, que quer dizer ‘Dor’. Nem por isso Cardialgia na sua comua acepção quer dizer ‘Dor do coração’, mas é sintoma e dor da boca do estômago, a que os antigos chamavam Cardia. . .”; “cardualgia” (Bluteau, 1728Bluteau, R. (1728). Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botânico, brasilico, comico, critico, chimico, dogmatico, dialectico, dendrologico, ecclesiastico, etymologico, economico, florifero, forense, fructifero... autorizado com exemplos dos melhores escritores portugueses, e latinos... (Vol. I, II, III, V e VIII). Collegio das Artes da Companhia de Jesus., p. 143).
  • 18
    “Medicamento. Cozimento de vegetais, ou suas partes, dulcificado e clarificado”; “apósima” (A. Silva, 1789Silva, A. M. (1789). Diccionario da lingua portuguesa. Simão Tadeu Ferreira., p. 157).
  • 19
    Não foi identificado.
  • 20
    Oswaldi Crollii (1563-1609), ou Oswald Croll, foi um médico, químico e farmacêutico alemão. Defensor da alquimia e do uso da química na medicina, Crollii foi professor na Universidade de Marburg, em Hesse, na Alemanha, e autor de diversos estudos sobre a química e a alquimia. Ver, por exemplo, Crollii (1635)Crollii, O. (1635). Basilica chymica. Petri Chouët..
  • 21
    Paracelso passou a designar o Sal de Caparrosa, atualmente denominado sulfato de ferro, por Theophrastro de Gilla (Semedo, 1697Semedo, J. C. (1697). Polyanthea medicinal. Officina de Miguel Deslandes., p. 808).
  • 22
    Medicamento de segredo febrífugo elaborado por Petrus Poterium (1581-?)Poterium, P. (1624). Pharmacopoea spagirica. Smitz., médico e químico francês. Entre suas obras, destaca-se Poterium (1624)Poterium, P. (1624). Pharmacopoea spagirica. Smitz..
  • 23
    Medicamento preparado à base de antimônio pelo alquimista Martim Rulando (1532-1602). Segundo Semedo (1697, p. 10)Semedo, J. C. (1697). Polyanthea medicinal. Officina de Miguel Deslandes., denominava-se bendito para referir-se à santidade do medicamento.
  • 24
    Lazare Rivière (1589-1655) foi um médico e químico francês.

AGRADECIMENTOS

Este artigo é fruto da pesquisa desenvolvida pela autora em estágio de pós-doutoramento realizado junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de São Paulo e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (processo FAPESP 22/06767-0).

  • Peruchi, A. (2023). As prescrições de Fernando Mendes para a Água de Inglaterra Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 18(2), e20220061. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0061.

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Editado por

Responsabilidade editorial: Márcio Henrique Couto

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2022
  • Aceito
    10 Jan 2023
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