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Impactos das Mudanças Climáticas no Armazenamento e Produção de Água em Ambiente Subtropical: Modelagem Hidrológica e Análise de Incertezas

Climate Change Impacts on Storage and Water Yield in Subtropical Environment: Hydrological Modeling and Uncertainty Analysis

Resumo

Impactos causados pelas mudanças climáticas nos processos de armazenamento e geração de escoamento em bacias subtropicais ainda são pouco explorados e parcialmente descritos. O HBV-Light, modelo concentrado, conceitual e simplificado, foi aplicado com o objetivo de analisar a dinâmica do armazenamento e produção de água na bacia hidrográfica do rio Pequeno, PR frente as mudanças climáticas. Os cenários climáticos A2 e B2, definidos pelo IPCC SRES foram utilizados para simulação no período 2071-2100, sendo comparados com dados do período de referência (1981-2010). O modelo foi calibrado com dados diários, apresentando bom ajuste (NSE ≥ 0,7) nos períodos de calibração e validação. As faixas de incerteza obtidas na modelagem foram substancialmente inferiores ao incremento nos processos de armazenamento e produção de água proporcionado pelas mudanças climáticas. Os resultados apontam um incremento significativo no armazenamento de água nos aquíferos raso e profundo. Considerando a diminuição do déficit de armazenamento nestes reservatórios para os cenários, resulta-se em um maior volume de água disponível para ser escoada superficialmente. Como consequência, há incremento na geração de escoamento superficial e subsuperficial para os cenários simulados, possibilitando a inferência de uma mudança de mecanismo predominante na geração de escoamento da bacia.

Palavras-chave:
HBV-Light; mudanças climáticas; modelagem hidrológica; Monte Carlo

Abstract

Impacts of climate change scenarios on water storage and streamflow generation processes in subtropical catchments are partially described and understood. The hydrologic conceptual model HBV-Light was applied to understand storage dynamic and water yield caused by climate changes and the modelling uncertainty at the Pequeno River Catchment, PR. Climate change scenarios A2 and B2 from IPCC-SRES were used to simulate catchment behaviour over the period 2071-2100 and were compared to baseline period (1981-2010). Daily data were used for the calibration period and provided a good model fit (NSE ≥ 0,7) for calibration and validation periods. The uncertainty ranges were substantially lower than the increase in storage variation and water yield induced by climate change scenarios. The results showed a significant increase in soil water storage on and groundwater. However the water deficit in soil and groudwater for A2 and B2 is lower, a greater volume of water avaliable to become runoff is expected. The results indicated an increase on overland and subsurface flow for the scenarios, demonstrating a possible change on the streamflow generation processes in Pequeno River Cathcment.

Keywords:
HBV-Light; climate change; hydrological modelling; Monte Carlo

Introdução

Em virtude das alterações observadas nas variáveis climáticas nas últimas décadas, determinar o impacto destas mudanças no balanço hídrico tornou-se um pré-requisito para a gestão e o planejamento dos recursos hídricos (Gadeke et al., 2013). Diversos estudos têm confirmado a hipótese de que os processos hidrológicos possuem um alto grau de sensibilidade frente a alterações ocasionadas pelas mudanças climáticas (i.e. alterações na temperatura, precipitação, evapotransipiração e incremento de CO2 na atmosfera), em diversas regiões (p.ex. Hagg et al., 2007HAGG, W., BRAUN, L.N., KUHN, M., NESGAARD, T.I. Modelling of hydrological response to climate change in glacierized Central Asian catchments. Journal of Hydrology, 332(1), 40-53, 2007.; Steele-Dunne et al., 2008; Driessen et al., 2010DRIESSEN, T.L.A., HURKMANS, R.T.W.L., TERINK, W., HAZENBERG, P., TORFS, P.J.J.F., UIJLENHOET, R. The hydrological response of the Ourthe catchment to climate change as modelled by the HBV model. Hydrology and Earth System Sciences, 14(4), 651-665, 2010.; Uhlenbrook et al., 2010UHLENBROOK, S., MOHAMED, Y., GRAGNE, A.S. Analyzing catchment behavior through catchment modeling in the Gilgel Abay, Upper Blue Nile River Basin, Ethiopia. Hydrology and Earth System Sciences, 14(10), 2153-2165, 2010.; Nóbrega et al., 2011NÓBREGA, M.T., COLLISCHON, W., TUCCI, C.E.M., PAZ, A.R. Uncertainty in climate change impacts on water resources in the Rio Grande Basin, Brazil. Hydrology and Earth System Sciences, 15(2), 585-595, 2011.; Casimiro et al., 2011CASIMIRO, L., SVEN, W., LABAT, D., GUYOT, J.L., ARDOIN-BARDIN, S. Assessment of climate change impacts on the hydrology of the Peruvian Amazon-Andes basin. Hydrological Processes, 25(24), 3721-3734, 2011.). Em ambiente subtropical, evidenciam-se alterações significativas na dinâmica do regime pluviométrico (Campos et al., 2011CAMPOS, C.G.C., MALANDRIN, D., MARENGO, J.A.M., BRAGA, H.J., PANDOLFO, C., MASSIGNAM, A. Análises dos Padrões Climáticos Futuros de Precipitação na Região Sul do Brasil. In: XVII Congresso Brasileiro de Agrometeorologia, 2011, Guarapari - ES. Anais.: XVII Congresso Brasileiro de Agrometeorologia, 2011.), vazões (Bravo et al., 2013BRAVO, J.M.; COLLISCHONN, W.; DA PAZ, A.R.; ALLASIA, D.; DOMECQ, F. Impact of projected climate change on hydrologic regime of the Upper Paraguay River basin. Climatic Change, p.1-15, 2013.; Perazzoli et al., 2013PERAZZOLI, M., PINHEIRO, A., KAUFMANN, V. Assessing the impact of climate change scenarios on water resources in southern Brazil. Hydrological Sciences Journal, 58(1), 77-87, 2013.) e sedimentos (Iensen et al., 2014IENSEN, I.R.R., SCHULTZ, G.B., SANTOS, I. Simulation of hydrosedimentological impacts caused by climate change in the Apucaraninha River watershed, southern Brazil. Sediment Dynamics from the Summit to the Sea (Proceedings of a symposium held in New Orleans, Louisiana, USA, 11-14 December 2014) (IAHS Publ. 367, 2014), 2014.) frente aos cenários de mudanças climáticas.

Enquanto as alterações nas águas superficiais, provocadas pelas mudanças no comportamento das variáveis climatológicas, são evidenciadas e descritas (Jyrkama & Sykes, 2007JYRKAMA, M. I., SYKES, J.F. The impact of climate change on spatially varying groundwater recharge in the grand river watershed (Ontario). Journal of Hydrology, 338(3), 237-250, 2007.), a relação entre a alteração destas variáveis e os processos de armazenamento e geração de escoamento em bacias subtropicais ainda é parcialmente desconhecida e pouco explorada. Desta maneira, torna-se relevante o conhecimento dos possíveis impactos relacionados aos cenários de mudanças climática no armazenamento e produção de água a partir da modelagem da dinâmica dos reservatórios no solo e aquíferos raso e profundo.

Modelos do tipo chuva vazão são amplamente utilizados para predizer os possíveis efeitos das mudanças climáticas nos processos hidrológicos. Desta maneira, o HBV-Light (Seibert, 2005SEIBERT, J. HBV light version 2 User’s manual. Stockholm University-available at http://goo.gl/POGBTc., 2005
http://goo.gl/POGBTc...
), modelo concentrado, conceitual e simplificado, configura-se como ferramenta para analisar a dinâmica dos reservatórios (de solo e rocha) nas bacias hidrográficas considerando a vantagem de ser um modelo de simples formulação e aplicação, com potencial de ser utilizado com fins didáticos (Seibert & Vis, 2012). Em função disso o HBV-Light tem sido aplicado para diferentes propósitos em distintos regimes climáticos, como por exemplo, simulação de longas séries de vazão (Seibert et al., 2000), previsões estocásticas frente a cenários de mudanças climáticas (Bergstrom et al., 2000; Steele-Dunne et al., 2008; Driessen et al., 2010DRIESSEN, T.L.A., HURKMANS, R.T.W.L., TERINK, W., HAZENBERG, P., TORFS, P.J.J.F., UIJLENHOET, R. The hydrological response of the Ourthe catchment to climate change as modelled by the HBV model. Hydrology and Earth System Sciences, 14(4), 651-665, 2010.; Eregno et al, 2013EREGNO, F.W., XU, C.Y., KITTEROD, N.O. Modeling hydrological impacts of climate change in different climatic zones. International Journal of Climate Change Strategies and Management, 5(3), 344-365, 2013.; Gädeke et al., 2013), estudo da dinâmica de processos hidrológicos em geral (Uhlenbrook et al., 2010UHLENBROOK, S., MOHAMED, Y., GRAGNE, A.S. Analyzing catchment behavior through catchment modeling in the Gilgel Abay, Upper Blue Nile River Basin, Ethiopia. Hydrology and Earth System Sciences, 14(10), 2153-2165, 2010.) e para reconstrução de séries naturais de vazão em bacias utilizadas para geração de energia elétrica (Geris et al., 2014GERIS, J., TETZLAFF, D., SEIBERT, J., VIS, M., SOULSBY, C. CONCEPTUAL Modelling to Assess Hydrological Impacts and Evaluate Environmental Flow Scenarios in Montane River Systems Regulated for Hydropower. River Research and Applications, 2014.).

Considerando ainda a possibilidade de aplicação do modelo em clima subtropical, este artigo aplica pioneiramente o modelo HBV-Light para compreender o impacto das mudanças climáticas na dinâmica dos reservatórios, armazenamento e produção de água na bacia hidrográfica do rio Pequeno, PR. Para efeitos comparativos e avaliação dos efeitos das mudanças climáticas no comportamento hidrológico, o modelo foi utilizado considerando como período de referência de 1981-2010 e os cenários de mudanças climáticas A2 e B2 (período 2071-2100).

Materiais e métodos

Área de Estudo

A bacia hidrográfica do rio Pequeno localiza-se no estado do Paraná (Figura 1), drenando uma área de 104,8 km² e apresenta altitudes variando de 870m a 1.274m acima do nível do mar. O rio Pequeno é um rio de 5ª ordem na classificação hierárquica de Strahler e a densidade de drenagem é de 4,74 km/km², ambos os valores referentes à escala 1:10.000.

As áreas com maiores declividades estão localizadas na porção nordeste da bacia, normalmente superiores a 20° de inclinação, com vertentes curtas e vales encaixados, na intersecção das unidades geomorfológicas da Serra do Mar com a área de planalto com solos rasos e/ou medianamente profundos, com horizontes pouco desenvolvidos e bem drenados. Na porção centro-oeste da bacia hidrográfica encontram-se áreas de relevo suave, com a ocorrência de amplas colinas arredondadas e solos não-hidromórficos e largas planícies fluviais no baixo curso do rio Pequeno, sujeitas a inundação periódica ou permanente com solos de origem hidromórficas pouco evoluídos.

Figura 1
Localização e hipsometria da bacia do rio Pequeno, PR.

Modelo HBV-Light

O modelo HBV-Light (Seibert, 2005SEIBERT, J. HBV light version 2 User’s manual. Stockholm University-available at http://goo.gl/POGBTc., 2005
http://goo.gl/POGBTc...
) é um modelo concentrado, conceitual e simplificado do tipo chuva-vazão, continuação do projeto HBV-6 Model (Bergstöm, 1992), desenvolvido pelo SMHI (Swedish Meteorological and Hydrological Institute).

O HBV-Light permite simulações da produção de água na escala temporal diária, utilizando como dados de entrada a precipitação (mm/dia), temperatura (°C) e evapotranspiração potencial (mm/dia). O modelo é dividido em quatro algoritmos principais: neve, solo, aquífero e propagação de vazão. As rotinas de simulação de precipitação nival foram desconsideradas na simulação e do equacionamento do modelo apresentado na sequência.

Inicialmente a precipitação é dividida em duas frações: uma vai fazer parte dos processos de água no solo, alimentando por sua vez o reservatório do solo e outra irá participar dos processos hidrológicos que irão realizar a recarga do aquífero, sendo que esta relação ocorre de acordo com a capacidade máxima do reservatório do solo (SM - mm) e o valor máximo de armazenamento de umidade no solo (FC - mm), conforme a equação 1:

Q r P ( t ) = ( SM ( t ) FC ) BETA (1)

onde Qr é a vazão de recarga do aquífero, P(t) é a precipitação em um determinado tempo (t) e BETA (adimensional) é um parâmetro do modelo que representa o coeficiente empírico relacionado a forma da recessão.

A evapotranspiração real será igual a potencial se a relação SM/FC é superior ao valor de LP (limite superior de umidade do solo, no qual a evapotranspiração real é igual a potencial) (equação 2), enquanto um decaimento linear é utilizado quando a relação SM/FC é inferior ao LP.

E r =E p min ( SM ( t ) FC LP ,1 ) (2)

O escoamento originado nos reservatórios dos aquíferos é computado como sendo a soma de três equações lineares (equação 3), onde o primeiro termo indica o escoamento gerado pelo aquífero profundo, o segundo termo indica o escoamento do aquífero raso e o terceiro termo indica o escoamento superficial. Sendo que os armazenamentos dependem se o valor de SUZ (capacidade máxima de armazenamento do aquífero raso) está acima do limite superior de UZL (parâmetro que indica o limite superior de armazenamento na camada superior do solo - mm).

Q GW =K 2 SLZ+K 1 SUZ+K 0 max (SUZ-UZL ,0) (3)

onde Q GW é o escoamento total dos aquíferos, K 0 , K 1 e K 2 são os parâmetros relacionados a recessão do hidrograma, podendo ser obtidos a partir das declividades do ajuste linear de ln(Q) (mm/dia) em função do tempo (dia), SUZ (mm) e SLZ (mm) são as capacidades máximas de armazenamento dos aquíferos raso e profundo, respectivamente e UZL (mm) é o limiar do reservatório do aquífero raso.

Desta forma, a rotina de simulação da dinâmica do aquífero conta com três parâmetros relacionados a recessão do hidrograma (K 0 , K 1 e K 2 ), um limiar UZL para determinar se a contribuição do reservatório SUZ ocorre para o aquífero raso ou escoamento superficial e uma taxa de percolação constante (PERC) (Abebe et al., 2010). PERC (mm/dia) define a taxa máxima de percolação do aquífero raso para o aquífero profundo.

De maneira geral, para o HBV-Light, a geração de escoamento no aquífero na bacia hidrográfica está relacionada a três condições: (I) SUZ não possui limite superior, (II) a vazão gerada pelo aquífero profundo não pode exceder PERC e (III) SLZ não pode ser superior a relação de PERC/K 2 .

A Figura 2 apresenta o fluxograma e os processos envolvidos considerando o reservatório do aquífero na simulação da produção de água no modelo.

Por fim, para obter a vazão simulada (mm/dia), o escoamento gerado nos reservatórios da bacia para um determinado intervalo é distribuído para os dias seguintes, sendo esta transformação baseada em uma função triangular definida pelo parâmetro MAXBAS (dias), que irá determinar a propagação de escoamento, conforme equações 4 e 5:

Q sim (t) = i=1 MAXBAS c (i) Q GW (t-i+1) (4)

em que

c (i) = i-1 i 2 MAXBAS - | u- MAXBAS 2 | 4 MAXBAS 2 du (5)

Figura 2
Fluxograma simplificado de funcionamento do HBV-Light, excluindo a rotina de armazenamento de água no solo (adaptado de Seibert, 2005SEIBERT, J. HBV light version 2 User’s manual. Stockholm University-available at http://goo.gl/POGBTc., 2005
http://goo.gl/POGBTc...
).

Calibração e Validação do Modelo

O período de referência simulado compreende 33 anos (01/01/1977 até 31/12/2010), sendo que os três anos iniciais da série foram utilizados para o aquecimento do modelo. Este período é necessário para que os reservatórios contemplados nas simulações tenham seus volumes adequados a realidade temporal. O restante da série foi dividido em períodos de igual duração para as etapas de calibração e validação (split-sample test).

O equacionamento do HBV-Light permite relacionar a estimativa de alguns parâmetros com dados reais observados na bacia a ser simulada. Desta maneira, conforme exposto em Seibert (2005SEIBERT, J. HBV light version 2 User’s manual. Stockholm University-available at http://goo.gl/POGBTc., 2005
http://goo.gl/POGBTc...
), a equação 3 permite, a partir da análise do comportamento das recessões (ln(Q)), estimar os parâmetros relacionados a simulação do comportamento dos aquíferos.

Assim, partir da disposição de ln(Q) no tempo é possível avaliar as declividades do escoamento (Q p , Q i e Q r ) em momentos diferentes obtendo valores dos parâmetros K 0 , K 1 e K 2 (Figura 3), conforme equações 6, 7 e 8.

Q p = K 0 + K 1 + K 2 (6)

Q i = K 1 + K 2 (7)

Q r = K 2 (8)

onde Q p é correspondente à declividade da vazão de pico (mm), terço superior da curva; Q i é correspondente à declividade da vazão entre o pico e a recessão (mm), terço médio da curva; Q r é correspondente à declividade da vazão na recessão (mm).

Figura 3
Diagrama conceitual para obtenção dos parâmetros K 0 , K 1 e K 2

Adicionalmente, a partir das mudanças nas declividades de ln(Q) pode-se estimar também as alturas que correspondem a UZL e PERC, considerando que:

Q ( T 1 ) = P E R C + K 1 U Z L (9)

Q ( T 2 ) = P E R C (10)

O esquema conceitual demonstrado na Figura 3, foi aplicado a 40 recessões dispostas ao longo da série do período de referência. Os coeficientes angulares das retas foram ajustados pelo método dos mínimos quadrados dos desvios e, a partir das equações 6 a 10, obtiveram-se os parâmetros K 0 , K 1 , K 2 , UZL e PERC, relacionados ao comportamento dos aquíferos da bacia. Desta maneira, considerou-se como o intervalo de calibração automática o intervalo de confiança de 95% com relação à média obtida dos parâmetros K 0 , K 1 , K 2 , UZL e PERC para as 40 recessões (Tabela 1).

Os intervalos de calibração dos parâmetros FC, LP, BETA e MAXBAS foram obtidos a partir da literatura (Seibert, 1997SEIBERT, J. Estimation of Parameter Uncertainty in the HBV Model. Nordic Hydrology, 28(4/5), 247-262, 1997; Seibert, 2000; e Seibert & Vis, 2012) e posteriormente adequados à bacia do rio Pequeno (Tabela 1).

Tabela 1
Definição dos parâmetros do modelo, unidades e intervalo de calibração.

A calibração foi realizada de maneira automatizada pelo método de Monte Carlo (MMC). O MMC é um algoritmo utilizado para calibração de modelos hidrológicos de forma simples e eficaz a partir da geração de conjuntos de parâmetros selecionados aleatoriamente dentro de intervalos de valores pré-definidos pelo usuário (Seibert & Vis, 2012SEIBERT, J., VIS, M.J.P. Teaching hydrological modeling with a user-friendly catchment-runoff-model software package. Hydrology and Earth System Sciences, 16(9), 3315-3325, 2012.). Desta maneira, o modelo foi calibrado (período de 01/01/1981 a 31/12/1995) utilizando 500.000 iterações de conjuntos de parâmetros definidos aleatoriamente dentro dos intervalos de calibração especificados na Tabela 1.

Destas iterações, somente aquelas com NSE (coeficiente de Nash-Sutcliffe) igual ou superior a 0,7 foram avaliadas no período de validação. O NSE, proposto por Nash & Sutcliffe (1970), é um método estatístico utilizado para avaliar a qualidade das simulações. Seus valores variam de -∞ a 1, sendo que 1 indicaria um ajuste perfeito. Em geral, as simulações de vazão podem ser consideradas satisfatórias se NSE > 0,5 (Moriasi et al., 2007). Logo, optou-se por um valor de NSE superior ao recomendado, proporcionando a diminuição do número de conjunto de parâmetros utilizados para o estabelecimento da faixa de incertezas.

Como forma de avaliar a incerteza da modelagem, optou-se pela definição e posterior comparação de duas faixas de incerteza. Para cada intervalo diário do período de referência se obteve uma faixa de valores entre os percentis 10% e 90% das vazões geradas pelos conjuntos de parâmetros cujos ajustes NSE são superiores a 0,7. Da mesma maneira, para cada intervalo diário dos cenários avaliados se obteve uma faixa de valores entre os percentis 10% e 90% das vazões geradas pelos mesmos conjuntos de parâmetros utilizados no período de referência. A adoção da faixa de incerteza desconsiderando os valores extremos (Q p (10-90)) permite eliminar valores discrepantes da análise sem, no entanto, reduzir drasticamente a amostra.

Cenários de Mudanças Climáticas: A2 e B2

Para avaliar a dinâmica de armazenamento e produção de água na bacia, dois cenários de mudanças climáticas (A2 e B2) definidos pelo IPCC SRES (2007) foram utilizados para simulação com o HBV-Light. Os dados dos cenários de mudanças climáticas para o período 2071-2100 para a bacia do rio Pequeno foram fornecidos pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE). Os cenários foram gerados para a América do Sul, conforme descrito em Marengo et al., (2009MARENGO, J.A., JONES, R., ALVES, L.M., VALVERDE, M.C. Future change of temperature and precipitation extremes in South America as derived from the PRECIS regional climate modeling system. International Journal of Climatology, 29(15), 2241-2255, 2009.) e Campos et al., (2011CAMPOS, C.G.C., MALANDRIN, D., MARENGO, J.A.M., BRAGA, H.J., PANDOLFO, C., MASSIGNAM, A. Análises dos Padrões Climáticos Futuros de Precipitação na Região Sul do Brasil. In: XVII Congresso Brasileiro de Agrometeorologia, 2011, Guarapari - ES. Anais.: XVII Congresso Brasileiro de Agrometeorologia, 2011.).

O cenário A2 é considerado pessimista em função das altas taxas emissão de gases de efeito estufa (GEE) e estima-se ainda um aumento médio na temperatura global de 2°C - 5,4°C por volta de 2100 (Nakicenovic & Swart, 2000NAKICENOVIC, N., SWART, R. Special Report on Emissions Scenarios, Edited by Nebojsa Nakicenovic and Robert Swart, 612p. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1, 2000.). Por outro lado, o cenário B2 é considerado otimista em função da diminuição das emissões de GEE na atmosfera. Comparativamente, o cenário B2 apresenta um aumento médio na temperatura global entre 1,4°C - 3,8°C (Nakicenovic & Swart, 2000).

Resultados e Discussão

Calibração, Validação e Análise de Incertezas

A aplicação do MMC nos intervalos de calibração apresentados na Tabela 1 resultou em 1.592 (0,32% do total) conjuntos de parâmetros com NSE > 0.7. Estes conjuntos de parâmetros foram utilizados para a validação do modelo (período 01/01/1996 a 31/12/2010). Destaca-se que todos os conjuntos de parâmetros obtidos no período de calibração foram testados durante o período de validação, obtendo um NSE > 0,7. Desta maneira, obteve-se 1.592 conjuntos de parâmetros validados para a série (Tabela 2).

Tabela 2
Critérios de performance dos conjuntos de parâmetros com NSE > 0,7.

A Figura 4a apresenta a disposição geral permanência das vazões das faixas de incerteza Q p (10-90) do período de referência e dos cenários. A Figura 4b apresenta em maior detalhe as faixas de incerteza em condições de vazões baixas (permanências a partir de 80%).

Em um contexto geral, nota-se variação significativa nos escoamentos obtidos. O limite inferior da faixa de incerteza dos escoamentos simulados para os cenários A2 e B2 suplanta o limite superior da faixa de incerteza do período de referência em aproximadamente 95% do tempo (Figura 4).

Os resultados obtidos com as simulações para os cenários mencionados apresentam, de maneira generalizada, variações maiores do que aquelas observadas nos períodos de referência. Desta forma, a avaliação das mudanças preconizadas nos cenários A2 e B2 com o modelo HBV apresenta-se factível, pois as variações decorrentes das mudanças climáticas aqui avaliadas se mostram mais significativas do que a incerteza da modelagem relacionada ao período de referência.

Figura 4
Curvas de permanência e intersecção das vazões das faixas de incerteza do período de referência e dos cenários avaliados.

Análise dos Cenários de Mudanças Climáticas

A Tabela 3 apresenta o resumo de algumas variáveis meteorológicas utilizadas como dados de entrada para a simulação com o HBV-Light, além de apresentar um comparativo de vazões entre o período base (1981-2010) simulado e os cenários A2 (2071 - 2100) e B2 (2071 - 2100). De maneira geral, nota-se um incremento positivo nos valores de precipitação média anual e número de dias chuvosos por ano. Ademais, as médias diárias para os cenários A2 (7,2 ± 14,6 mm/dia) e B2 (7,0 ± 14,0 mm/dia) são superiores à média diária do período 1981 - 2010 (4,1 ± 10,6 mm/dia).

Neste sentido, conforme indicado em Marengo et al., (2009MARENGO, J.A., JONES, R., ALVES, L.M., VALVERDE, M.C. Future change of temperature and precipitation extremes in South America as derived from the PRECIS regional climate modeling system. International Journal of Climatology, 29(15), 2241-2255, 2009.), Campos et al., (2011CAMPOS, C.G.C., MALANDRIN, D., MARENGO, J.A.M., BRAGA, H.J., PANDOLFO, C., MASSIGNAM, A. Análises dos Padrões Climáticos Futuros de Precipitação na Região Sul do Brasil. In: XVII Congresso Brasileiro de Agrometeorologia, 2011, Guarapari - ES. Anais.: XVII Congresso Brasileiro de Agrometeorologia, 2011.) e Marengo et al., (2013), para algumas localidades da região Sul e Sudeste do Brasil observa-se um aumento de frequência de eventos pluviométricos para os dois cenários considerados. Além disso, ao comparar o período de referência utilizado com os cenários, notam-se incrementos positivos nos totais anuais médios de evapotranspiração potencial e na temperatura média.

Tabela 3
Dados climáticos.

Dinâmica dos Reservatórios, Armazenamentos e Mecanismos de Geração de Escoamento

Com relação ao escoamento proveniente do aquífero superior, verifica-se que seus valores médios apresentaram-se como sendo aproximadamente três vezes superior aos verificados no período de referência. O escoamento oriundo do aquífero inferior, por sua vez, apresenta um incremento menos significativo na comparação entre os cenários e o período de referência, de aproximadamente 25% (Tabela 4).

A Figura 5 apresenta os gráficos comparativos para as curvas de permanência e dos valores de escoamento simulado gerado superficialmente e pelos aquíferos raso (armazenamento superior) e profundo (armazenamento inferior) para o período de referência com os valores simuladas nos cenários A2 e B2 em escala mensal.

Com relação as curvas de permanência e médias mensais de escoamento superficial (Figura 5a), observa-se um incremento positivo na magnitude e frequência para os dois cenários simulados. Neste sentido, as características da bacia do rio Pequeno fazem com que a geração de escoamento superficial seja elevada, dada presença de amplas áreas saturadas que apresentam comportamento dinâmico durante e entre eventos pluviométricos (Santos & Kobiyama, 2008SANTOS, I., KOBIYAMA, M. Aplicação do TOPMODEL para determinação de áreas saturadas da bacia do rio Pequeno, São José dos Pinhais, PR, Brasil. Ambiente & Água-An Interdisciplinary Journal of Applied Science, 3(2), 77-89, 2008.), considerando 17% (área mínima saturada) a 38% (área máxima saturada) da área total da bacia como geradora de escoamento superficial (Siefert & Santos, 2015SIEFERT, C.A.C.; SANTOS, I. Identificação de áreas hidrologicamente sensíveis por meio de modelagem hidrológica e da distribuição espacial de solos e vegetação em ambientes hidromórficos. Revista Sociedade & Natureza, 2015.). Essa característica é corroborada pelos resultados da separação de escoamento realizado pelo HBV-Light, onde devido ao reduzido déficit de saturação do solo na bacia, durante aproximadamente 60% do tempo total do período de referência simulado gera-se escoamento superficial na bacia do rio Pequeno (Figuras 5a e 5b). Em geral, para os cenários simulados se espera um aumento na quantidade e persistência da geração de escoamento superficial na bacia do rio Pequeno.

Nos cenários simulados se nota que a geração de escoamento superficial é, em altura média mensal, cerca de 3,5 vezes superior nos cenários (0,08 mm/mês e 0,07 mm/mês, para os cenários A2 e B2, respectivamente) em relação ao período de referência (0,025 mm/mês). As maiores diferenças médias mensais são observadas nos meses de Outubro (+400%) a Janeiro (+280%), apresentando uma tendência climaticamente definida sazonalmente para os dois cenários (Figura 5b), a exemplo dos escoamentos totais simulados para o cenário A2 e da geração de escoamento simulada para aquífero raso (Figuras 5c e 5d).

Com a mudança do comportamento das precipitações, infere-se uma mudança nos mecanismos de geração de escoamento predominantes na região. Em síntese, no período de referência, o escoamento superficial simulado se mostra presente em 60% do tempo, e seu volume corresponde a aproximadamente 30% do total escoado no período. Paralelamente, o armazenamento superior simulado pelo modelo, que pode ser interpretado como a porção de água escoada na bacia que provém do volume armazenado no solo, ocorre em 70% do tempo, correspondendo a aproximadamente 15% do volume total escoado no período de referência.

Tabela 4
Valores simulados de escoamento e incrementos observados nos reservatórios STZ, SUZ e SLZ para o período de referência e os cenários A2 e B2.

Figura 5
Médias mensais e curvas de permanência dos escoamentos simulados gerados superficialmente (QSTZ) e pelos aquíferos raso (QSUZ) e profundo (QSLZ) para o período de referência e cenários A2 e B2.

Como a geração de escoamento superficial na bacia do rio Pequeno é alterada devido as mudanças climáticas, a dinâmica da água no solo (aquífero raso) e aquífero profundo também possuirão comportamento distinto nos cenários em comparação com o período de referência simulado (QSUZ médio mensal = 0,012 mm/dia; QSLZ médio mensal = 0,038 mm/dia). Neste sentido, estima-se incrementos positivos de aproximadamente 150% e 50% em média para os cenários A2 (QSUZ médio mensal = 0,037 mm/dia; QSLZ médio mensal = 0,047 mm/dia) e B2 (QSUZ médio mensal = 0,034 mm/dia; QSLZ médio mensal = 0,047 mm/dia), considerando os escoamentos médios mensais gerados pelos aquíferos raso (Figuras 5c e 5d) e profundo (Figuras 5e e 5f).

Explica-se esta relação como função da diferença do armazenamento disponível nos aquíferos superior e inferior entre o período de referência simulado, e os períodos simulados com os cenários A2 e B2. Nota-se que, a despeito das vazões mínimas, de maneira geral há um incremento da permanência das alturas escoadas do aquífero profundo simulado pelo modelo. Desta forma, este reservatório tende a ter déficit de armazenamento menor durante os cenários do que no período de referência. Assim, o volume livre disponível para a entrada de água é menor, o que faz com que maior volume de água esteja disponível para o reservatório superior. Esta tendência de menor déficit de armazenamento, verificada no aquífero profundo, se repete na dinâmica do aquífero raso, e, desta forma, maior volume está disponível para escoar superficialmente.

Portanto, é possível interpretar que as mudanças no regime de precipitações e evapotranspirações pressupostas pelos cenários A2 e B2 impõem, como consequência, uma mudança na dinâmica dos armazenamentos e reservatórios na bacia do rio Pequeno.

Considerando as alterações evidenciadas nos regimes de armazenamento da bacia do rio Pequeno em função da ocorrência de novos padrões de intensidade e frequência dos eventos de precipitação, espera-se ainda que os processos hidrológicos que controlam a geração de vazão na bacia também sofram alterações significativas em magnitude e frequência (Tabela 5).

Tabela 5
Vazões de referência.

Detalhadamente, com relação as vazões de referência Q80%, Q85%, Q90%, Q95% e Q98%, observa-se um aumento na ordem de 55% a 60% para os cenários A2 e B2 comparados as vazões no período simulado de 1981 - 2010. Este comportamento não segue a tendência geral de diminuição das vazões médias e mínimas para rios brasileiros nos cenários considerados (i.e.Schaeffer et al., 2008SCHAEFFER, R., SZKLO, A.S., LUCENA, A.F.P., SOUZA, R.P., BORBA, B.S.M.C., COSTA, I.V.L., PEREIRA, A., CUNHA, S.H.F. Mudanças Climáticas e segurança energética no Brasil, Relatório Final, PPE/COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, 2008.; Montenegro & Ragab, 2010MONTENEGRO, A., RAGAB, R. Hydrological response of a Brazilian semi‐arid catchment to different land use and climate change scenarios: a modelling study. Hydrological Processes, 24(19), 2705-2723, 2010.; Perazzoli et al., 2013PERAZZOLI, M., PINHEIRO, A., KAUFMANN, V. Assessing the impact of climate change scenarios on water resources in southern Brazil. Hydrological Sciences Journal, 58(1), 77-87, 2013.; Iensen et al., 2014IENSEN, I.R.R., SCHULTZ, G.B., SANTOS, I. Simulation of hydrosedimentological impacts caused by climate change in the Apucaraninha River watershed, southern Brazil. Sediment Dynamics from the Summit to the Sea (Proceedings of a symposium held in New Orleans, Louisiana, USA, 11-14 December 2014) (IAHS Publ. 367, 2014), 2014.). Entretanto, Mello et al., (2008MELLO, E.L., OLIVEIRA, F.A., PRUSKI, F.F., FIGUEIREDO, J.C. Efeito das mudanças climáticas na disponibilidade hídrica da bacia hidrográfica do Rio Paracatu. Engenharia Agrícola, 28(4), p.635-644, 2008.), ao analisar a tendência dos cenários de mudanças climáticas por meio de modelagem do processo chuva-vazão comparados aos dados de 21 estações fluviométricas inseridas na bacia do rio Porecatu (Médio São Francisco), identificaram uma tendência de acréscimo nas vazões mínimas para o cenário A2. Embora em região climaticamente distinta, os resultados obtidos por Mello et al., (2008) e os obtidos pela aplicação do HBV-Light para a bacia do rio Pequeno para os cenários A2 e B2 permitem inferir que, embora se note uma tendência geral de diminuição das vazões médias, algumas regiões específicas apresentam comportamento hidrológico distinto frente as mudanças climáticas.

A Figura 6 apresenta um gráfico comparativo, em escala mensal, dos valores de escoamento simulado para o período de referência com os valores de escoamento simulados nos cenários A2 e B2.

Para o cenário A2, em geral, obteve-se incremento positivo no escoamento médio mensal. Nota-se ainda que, em algumas situações, os valores médios de meses associados ao período Outono - Inverno apresentaram incremento negativo, entretanto este comportamento não pode ser considerado padrão para o cenário simulado ocorrendo devido a períodos de estiagens ou diminuição pontual dos totais pluviométricos mensais. Já os meses do período Primavera - Verão apresentam uma tendência geral de incremento dos valores médios superior ao restante do ano, em torno de 300% superiores ao período de referência. Comparativamente, os resultados apresentados em Mello et al., (2008MELLO, E.L., OLIVEIRA, F.A., PRUSKI, F.F., FIGUEIREDO, J.C. Efeito das mudanças climáticas na disponibilidade hídrica da bacia hidrográfica do Rio Paracatu. Engenharia Agrícola, 28(4), p.635-644, 2008.) indicam um acréscimo nas vazões mínimas de 30% a 131% no cenário A2. Estes resultados são esperados, haja vista a variação das médias anuais, intensidade e distribuição mensal da precipitação apresentadas na Tabela 3.

Os escoamentos médios anuais dos cenários A2 e B2 são, respectivamente, 56% e 58% superiores ao período de referência. Entretanto, ao considerar as alterações na frequência e intensidade de precipitação para os dois cenários, as alterações nos regimes de vazões não são semelhantes entre si. Em relação ao escoamento médio, o cenário B2 também apresentou uma tendência de acréscimo em comparação ao período de referência, porém o incremento médio é inferior ao obtido no cenário A2 onde existe uma tendência climática definida a partir do incremento superior nos meses de verão (Figura 6).

Maiores diferenças entre os escoamentos médios mensais são observadas nos meses de Agosto (85% e 103%, para os cenários A2 e B2), Setembro (66% e 79%), Outubro (76% e 48%), Novembro (138% e 116%) e Dezembro (106% e 96%). Marengo et al., (2009MARENGO, J.A., JONES, R., ALVES, L.M., VALVERDE, M.C. Future change of temperature and precipitation extremes in South America as derived from the PRECIS regional climate modeling system. International Journal of Climatology, 29(15), 2241-2255, 2009.) ao avaliar índices de eventos extremos para os cenários de mudanças climáticas para a região Sul do Brasil e América do Sul, indicaram mudanças positivas significativas na frequência e intensidade da precipitação. Desta maneira, pode-se confirmar a hipótese de que o regime de vazões e escoamento da bacia hidrográfica do rio Pequeno sofrerá mudanças significativas no período 2070-2100 considerando os cenários de mudanças climáticas.

Figura 6
Variação entre os valores de escoamento médio mensal simulados para os 30 anos do período de referência e os cenários A2 e B2.

Avaliando os escoamentos simulados no período de referência e os cenários A2 e B2 e respectivos tempos de retorno (Tr), nota-se que para escoamentos com Tr inferior a 10 anos uma pequena diferença entre os valores do período de referência e dos cenários. Mudanças mais significativas são observadas considerando os valores de escoamento acima de 5mm/dia (Tr = 13,5 anos) em relação aos cenários A2 (Tr = 2,48 anos) e B2 (Tr = 2,8 anos), evidenciando uma alteração significativa nos volumes escoados na bacia do rio Pequeno. Para escoamentos com tempo de retorno entre 10 a 100 anos, a tendência observada é de que os valores simulados nos cenários A2 e B2 sejam duas vezes superiores ao período de referência. De maneira geral, espera-se que para os cenários as vazões extremas possuam probabilidade maior de recorrência, a exemplo das conclusões obtidas em Perazolli et al., (2013) para vazões com Tr superior a 50 anos. Espera-se ainda que no cenário B2 os eventos extremos para determinados Tr sejam mais severos se comparados com os eventos ocorridos no cenário A2.

Conclusões

Este trabalho teve como objetivo avaliar os possíveis impactos das mudanças climáticas nos processos de armazenamento e produção de água na bacia do rio Pequeno, inserida em clima subtropical. Foi utilizado o modelo hidrológico HBV-Light para simular a dinâmica e armazenamento nos aquíferos raso e profundo e produção de escoamento superficial para um período de referência e os cenários de mudanças climáticas A2 e B2.

O modelo apresentou ajuste aos valores de escoamento observado no período de referência. Embora seja um modelo empírico, a possibilidade de obtenção dos parâmetros relacionados as recessões do hidrograma por meio da análise das declividades de ln(Q) apresentou resultados coerentes com os dados observados durante a calibração pelo método de Monte Carlo e validação conforme observado nos critérios de análise de desempenho da modelagem (NSE > 0,7). Neste sentido, destaca-se a possibilidade de aplicação do HBV-Light as condições brasileiras e ambientes subtropicais.

A análise das incertezas da modelagem hidrológica possibilitou a avaliação das variações decorrentes da incerteza inerente ao método de simulação hidrológica utilizado frente as mudanças climáticas preconizadas pelos cenários utilizados. Conclui-se que, para os conjuntos de parâmetros que atenderam os critérios de análise de desempenho das simulações, as mudanças nos escoamentos simulados para os cenários são mais significativas do que a incerteza da modelagem para o período de referência.

Obteve-se incrementos médios positivos nos processos relacionados a produção e armazenamento de água na bacia do rio Pequeno para os dois cenários considerados. Considerando a dinâmica de armazenamento de água nos aquíferos raso e profundo, estimou-se que o incremento médio em relação ao período base é na ordem de 150% a 50%, respectivamente, para os cenários A2 e B2. Adicionalmente notou-se um incremento positivo na geração de escoamento superficial de cerca de 3,5 superior em relação as médias mensais simuladas para o período de referência.

Desta maneira, pode-se ainda inferir uma mudança significativa nos processos de armazenamento e produção de água na bacia do rio Pequeno, considerando a diminuição do déficit de armazenamento nestes reservatórios para os cenários, resultando em um maior volume de água disponível para ser escoada superficialmente.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Profª. Drª. Claudia Guimarães Camargo Campos (UDESC) e ao Prof. Dr. José Antonio. Marengo Orsini (INPE) por fornecerem os dados dos cenários de mudanças climáticas dentro do escopo do projeto CLIMASUL - Estudo de Mudanças Climáticas na Região Sul do Brasil e ao Eng. Edson Sakae Nagashima (Instituto das Águas do Paraná) pelo fornecimento das séries hidrológicas utilizadas. Os dois primeiros autores agradecem a CAPES pela concessão de bolsa de estudos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2017
  • Aceito
    07 Ago 2018
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