Acessibilidade / Reportar erro

Variabilidade in vitro, in vivo e molecular de isolados de Cercospora coffeicola

In vitro, in vivo and molecular variability of Cercospora coffeicola isolates

Resumos

Neste estudo, sete isolados de Cercospora coffeicola, agente causal da cercosporiose em cafeeiros, foram estudados com relação ao crescimento micelial em diferentes temperaturas, comparação das sequências das regiões ITS1 e ITS2 do DNA ribossômico e de parte do gene da calmodulina, e com relação à patogenicidade a oito cultivares de cafeeiro (Catuaí Vermelho IAC 81, Catuaí S H3, Tupi IAC 1669 - 33, Tupi RN IAC 1669 - 13, Icatu Vermelho IAC 4045, Ouro Verde IAC H 5010-5, Geisha IAC 1137 e Mundo Novo IAC 376-4). As temperaturas de maior crescimento micelial foram de 23,8, 23,7 e 23,9ºC para os isolados IBLF277 (Franca, SP), IBLF280 (São Sebastião do Paraíso, MG) e IBLF379 (São João do Manhuaçu, MG), respectivamente; de 24,6ºC e de 25,1ºC para os isolados IBL199 (Patos de Minas, MG) e IBLF270 (Boa Esperança, MG); e de 27,6 e 27,8ºC, para os isolados IBLF004 (Campinas, SP) e IBLF206 (Patrocínio, MG). Na análise filogenética os isolados IBLF270 e IBLF379 formaram um subgrupo único, mas as sequências do gene da calmodulina de todos os isolados apresentaram 100% de identidade. Os isolados IBLF277, IBLF270, IBLF379 e IBLF199 foram os mais patogênicos às mudas de cafeeiro das diferentes cultivares. A cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5 foi a mais resistente à cercosporiose e as cultivares Geisha IAC 1137, Mundo Novo IAC 376-4 e Tupi IAC 1669-33 as mais suscetíveis, entretanto, no segundo experimento, houve interação entre cultivares e isolados.

Coffea arabica; cercosporiose; mancha de olho pardo; resistência; variabilidade genética


Seven isolates of Cercospora coffeicola, the etiological agent of brown eye spot in coffee, were studied in relation to micelial growth at different temperatures, sequences of the ITS1 and ITS2 ribossomic DNA regions and of part of the calmodulin gene, and pathogenicity to seedlings of eight coffee cultivars (Catuaí Vermelho IAC 81, Catuaí S H3, Tupi IAC 1669 - 33, Tupi RN IAC 1669 - 13, Icatu Vermelho IAC 4045, Ouro Verde IAC H 5010-5, Geisha IAC 1137 and Mundo Novo IAC 376-4). The temperatures that promoted the highest micelial growth varied among isolates: 23,8, 23,7 and 23,9ºC for isolates IBLF277, IBLF280 and IBLF379; 24,6ºC to 25,1ºC for isolates IBL199 and IBLF270; and 27,6 and 27,8ºC for isolates IBLF004 and IBLF206. In the phylogenetic analysis, isolates IBLF270 and IBLF379 were separated in a subgroup, but the sequences of part of the calmodulin gene of all isolates showed 100% identity. The most pathogenic isolates for all coffee cultivars were IBLF277, IBLF270, IBLF379 and IBLF199. The cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5 was the most resistant to brown eye spot and the cultivars Geisha IAC 1137, Mundo Novo IAC 376-4 and Tupi IAC 1669-33 were the most susceptible, but in the second experiment there was interaction between cultivars and isolates.

Coffea arabica; cercosporiosis; brown eye spot; resistance; genetic variability


ARTIGO RESEARCH ARTICLE

Variabilidade in vitro, in vivo e molecular de isolados de Cercospora coffeicola

In vitro, in vivo and molecular variability of Cercospora coffeicola isolates

Raphaela Dell' AcquaI; Elaine Spindola MantovaniII; Masako T. BraghiniII; Claudio Marcelo G. OliveiraI; Ricardo HarakavaI; Abikeyla S. RobainaI; Marcos Rafael PetekIII ; Flávia R. A. PatricioI

IInstituto Biológico, 13012-970, Campinas, SP, Brasil

IIInstituto Agronômico, 13001-970, Campinas, SP, Brasil

IIIEmbrapa Transferência Tecnologia, Escritório de Negócios de Londrina, 86001-970, Londrina, PR, Brasil

RESUMO

Neste estudo, sete isolados de Cercospora coffeicola, agente causal da cercosporiose em cafeeiros, foram estudados com relação ao crescimento micelial em diferentes temperaturas, comparação das sequências das regiões ITS1 e ITS2 do DNA ribossômico e de parte do gene da calmodulina, e com relação à patogenicidade a oito cultivares de cafeeiro (Catuaí Vermelho IAC 81, Catuaí SH3, Tupi IAC 1669 - 33, Tupi RN IAC 1669 - 13, Icatu Vermelho IAC 4045, Ouro Verde IAC H 5010-5, Geisha IAC 1137 e Mundo Novo IAC 376-4). As temperaturas de maior crescimento micelial foram de 23,8, 23,7 e 23,9ºC para os isolados IBLF277 (Franca, SP), IBLF280 (São Sebastião do Paraíso, MG) e IBLF379 (São João do Manhuaçu, MG), respectivamente; de 24,6ºC e de 25,1ºC para os isolados IBL199 (Patos de Minas, MG) e IBLF270 (Boa Esperança, MG); e de 27,6 e 27,8ºC, para os isolados IBLF004 (Campinas, SP) e IBLF206 (Patrocínio, MG). Na análise filogenética os isolados IBLF270 e IBLF379 formaram um subgrupo único, mas as sequências do gene da calmodulina de todos os isolados apresentaram 100% de identidade. Os isolados IBLF277, IBLF270, IBLF379 e IBLF199 foram os mais patogênicos às mudas de cafeeiro das diferentes cultivares. A cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5 foi a mais resistente à cercosporiose e as cultivares Geisha IAC 1137, Mundo Novo IAC 376-4 e Tupi IAC 1669-33 as mais suscetíveis, entretanto, no segundo experimento, houve interação entre cultivares e isolados.

Palavras-chave: Coffea arabica, cercosporiose, mancha de olho pardo, resistência, variabilidade genética.

ABSTRACT

Seven isolates of Cercospora coffeicola, the etiological agent of brown eye spot in coffee, were studied in relation to micelial growth at different temperatures, sequences of the ITS1 and ITS2 ribossomic DNA regions and of part of the calmodulin gene, and pathogenicity to seedlings of eight coffee cultivars (Catuaí Vermelho IAC 81, Catuaí SH3, Tupi IAC 1669 - 33, Tupi RN IAC 1669 - 13, Icatu Vermelho IAC 4045, Ouro Verde IAC H 5010-5, Geisha IAC 1137 and Mundo Novo IAC 376-4). The temperatures that promoted the highest micelial growth varied among isolates: 23,8, 23,7 and 23,9ºC for isolates IBLF277, IBLF280 and IBLF379; 24,6ºC to 25,1ºC for isolates IBL199 and IBLF270; and 27,6 and 27,8ºC for isolates IBLF004 and IBLF206. In the phylogenetic analysis, isolates IBLF270 and IBLF379 were separated in a subgroup, but the sequences of part of the calmodulin gene of all isolates showed 100% identity. The most pathogenic isolates for all coffee cultivars were IBLF277, IBLF270, IBLF379 and IBLF199. The cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5 was the most resistant to brown eye spot and the cultivars Geisha IAC 1137, Mundo Novo IAC 376-4 and Tupi IAC 1669-33 were the most susceptible, but in the second experiment there was interaction between cultivars and isolates.

Key words:Coffea arabica, cercosporiosis, brown eye spot, resistance, genetic variability.

INTRODUÇÃO

A cercosporiose, também conhecida como mancha-de-olho-pardo, é uma doença destrutiva do cafeeiro, causada por Cercospora coffeicola Berk. & Cooke, que está presente em todas as regiões produtoras de café do Brasil (Godoy et al., 1997). O patógeno causa lesões em folhas que resultam em desfolha, e lesões em frutos que prejudicam a qualidade da bebida (Godoy et al., 1997; Zambolim et al., 2005). Nos últimos anos a importância da cercosporiose tem aumentado, especialmente nas regiões de expansão da cafeicultura, como no cerrado (Carvalho et al., 2002), na cafeicultura irrigada, e em café orgânico (Santos et al., 2008).

O controle da cercosporiose no campo é obtido com o manejo adequado das adubações durante o ciclo da cultura (Zambolim et al., 2005) e a utilização de fungicidas (Thomaziello et al., 2000). Estudos sobre a resistência de cultivares de cafeeiro à cercosporiose foram realizados por alguns autores (Fernandes et al., 1990; Araujo Netto et al., 1978, Patricio et al., 2010), e devem ser continuados, especialmente considerando que esta é uma medida de controle econômica e ambientalmente segura. Para a realização destes estudos é preciso conhecer a variabilidade das populações de C. coffeicola presentes nas áreas produtoras de café do Brasil.

Poucos estudos foram realizados visando caracterizar e estudar a variabilidade de isolados de C. coffeicola, talvez pelo fato de o patógeno apresentar crescimento lento e a esporulação em meio de cultura ser escassa. Echandi (1959) observou maior esporulação nas temperaturas de 18 a 30ºC e maior crescimento micelial na temperatura de 24ºC, para dois isolados de C. coffeicola, e na temperatura de 30ºC, para um isolado. Souza (2007) também observou variabilidade no crescimento micelial de 59 isolados de C. coffeicola nas temperaturas de 18, 22 e 26ºC, dividindo-os em grupos de acordo com a taxa de crescimento em cada temperatura, mas observou que os grupos não estavam relacionados aos níveis de produção de cercosporina, aos períodos latente e de incubação e à origem ou ao sistema de cultivo das lavouras das quais os isolados haviam sido obtidos. As temperaturas mais favoráveis ao crescimento de fitopatógenos podem estar relacionadas às melhores condições para infecção, como observado para Cercospora asparagi (Cooperman & Jenkins, 1986), e podem ser utilizadas, em conjunto com outras técnicas, para caracterizar populações de espécies de Cercospora (Groenenwald et al., 2005).

Várias técnicas têm sido utilizadas para a caracterização de isolados de Cercospora. Almeida et al. (2005) utilizaram a técnica de RAPD, sequências de regiões ITS1 e ITS2, teor de cercosporina e virulência a cultivares de soja para caracterizar isolados de C. kikuchii. A análise de RAPD agrupou os isolados em sete grupos que, entretanto, não tinham relação com a origem e o teor de cercosporina dos isolados. Lombardi (2002) caracterizou isolados de C. coffeicola em termos morfológicos, patogênicos e moleculares (também utilizando RAPD). Com relação à caracterização morfológica, os isolados exibiram grande variabilidade e foram divididos em três grupos. Com relação à patogenicidade a mudas de Catuaí Amarelo também verificou-se a formação de três grupos, e com relação à RAPD a formação de quatro grupos. Entretanto, não houve relação entre os grupos formados pelo uso de cada técnica. Para diferenciar espécies de Cercospora associadas à cercosporiose do aipo e da beterraba, que são morfologicamente muito semelhantes, Groenenwald et al. (2005) utilizaram a técnica de AFLP, crescimento micelial em diferentes temperaturas e sequenciamento das regiões ITS1 e ITS2, incluindo o gene 5.8S, parte dos genes da actina, do fator de translongação e elongação (EF) 1-α, da calmodulina e da histona. Nesse estudo a comparação das sequências do gene da calmodulina foi a que permitiu diferenciar as espécies C. beticola e C. apii. As sequências das regiões ITS1 e ITS2 foram usadas por outros autores para caracterizar populações de C. kikuchii (Almeida et al., 2005), diferenciar espécies de Cercospora associadas a um mesmo patossistema, de C. zea-maydis associado a mancha cinzenta de milho (Wang et al., 1998), e para estudos de análise filogenética do gênero Cercospora (Goodwin et al., 2001).

Estudos de caracterização de isolados de C. coffeicola são relevantes para o desenvolvimento de cultivares resistentes e fornecem subsídios para o manejo da cercosporiose, porém são trabalhosos, especialmente considerando-se as características de crescimento deste fungo em meio de cultura. Por estas razões, no presente estudo objetivou-se caracterizar sete isolados de C. coffeicola provenientes de regiões produtoras de café dos Estados de São Paulo e Minas Gerais com relação ao crescimento micelial em diferentes temperaturas e patogenicidade a plantas de nove cultivares de cafeeiro. Além disso, visando dar subsídios à caracterização genética dos isolados, as regiões ITS1 e ITS2 do DNA ribossômico (rDNA) e de parte do gene da calmodulina foram amplificadas, sequenciadas e as relações filogenéticas estudadas.

MATERIAL E MÉTODOS

Isolados de C. coffeicola

Sete isolados de C. coffeicola foram obtidos de lesões de folhas de cafeeiros coletadas em diferentes regiões produtoras de cafeeiros dos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Os isolados e seus respectivos municípios de origem foram IBLF004 (Campinas, SP) obtido da cultivar Tupi; IBLF199 (Patos de Minas, MG), obtido da cultivar Catuaí; IBLF206 (Patrocínio, MG), obtido da cultivar Acaiá; IBLF270 (Boa Esperança, MG), obtido da cultivar Catuaí; IBLF277 (Franca, SP), da cultivar Mundo Novo; IBLF280 (São Sebastião do Paraíso, MG) e IBLF379 (São João do Manhuaçú, MG). Para os dois últimos isolados não foi registrada a cultivar. Os isolados foram obtidos nos anos de 2007 e 2008, com exceção do isolado IBLF004, obtido em 2002. Os isolados foram mantidos a 8 ºC, sendo preservados pelo método de preservação em água (Castellani) até sua utilização, quando foram repicados para o meio de cultura V-8. Foram obtidas culturas monospóricas dos isolados por meio de diluição seriada de suspensões de conídios de C. coffeicola. As suspensões de cada isolado foram preparadas a partir de culturas em meio V-8 e mantidas a temperatura ambiente de laboratório por cinco dias, sob regime de 12 h de luz fluorescente por 12 h de escuro. Em cada placa, aproximadamente 15 mL de água destilada esterilizada foram vertidos, sendo as culturas raspadas com pincel de cerdas macias e filtradas em gaze para o preparo de suspensões de concentração de 105 conídios de C. coffeicola por mL. Essas suspensões passaram por diluição seriada até 102 ou 101 conídios de C. coffeicola por mL, sendo 0,5 mL das suspensões distribuídas em placas de Petri contendo ágar-água, tendo permanecido em BOD a 25ºC. As placas foram examinadas em microscópio estereoscópio diariamente até a observação de crescimento micelial característico de C. coffeicola, aproximadamente 4 a 5 dias após o plaqueamento. Uma colônia de cada isolado foi transferida para meio V-8, sendo considerada monospórica.

Crescimento dos isolados em diferentes temperaturas

O crescimento dos isolados foi estimado pelo diâmetro de colônias crescidas em meio de cultura V-8, em placas de Petri de 6 cm de diâmetro. No centro de cada placa foi colocado um disco de micélio (0,5 cm de diâmetro) de cada isolado de C. coffeicola, retirado de colônias mantidas em V-8, com 10 dias de idade. As placas foram mantidas em BODs a 15, 20, 25 ou 30ºC, no escuro, sendo o diâmetro das colônias medido 12 dias após o início do experimento.

Caracterização molecular dos isolados

Para a extração do DNA genômico dos sete isolados de C. coffeicola, utilizaram-se culturas monospóricas que cresceram em placas de Petri contendo meio V-8 por 10 dias a 25ºC. Neste estudo também foi incluído um isolado de C. sorghi, obtido de lesões de folhas de milho, como padrão de outra espécie, cuja cultura também cresceu por 10 dias em meio de cultura V-8. O micélio do fungo foi retirado da placa por meio de um estilete esterilizado, obtendo-se aproximadamente 200 a 400 mg de micélio. O DNA foi extraído utilizando-se o Kit Ultra Clean Plant DNA extraction (MoBio Inc), de acordo com as instruções do fabricante.

As regiões ITS1 e ITS2, incluindo o gene 5.8S, compreendidas entre os genes 18S e 28S do rDNA, foram amplificadas com os primers ITS1 (5'-TCC GTA GGT GAA CCT GCG G-3') e ITS2 (5'-GCT GCG TTC TTC ATC GAT GC-3'), segundo metodologia sugerida por Groenewald et al. (2005). O gene da calmodulina foi amplificado com auxílio dos primers CAL-228F: 5'-GAG TTC AAG GAG GCC TTC TCC C-3' e CAL-737R: 5'-CAT CTT TCT GGC CAT CAT GG-3'. Todos os produtos da amplificação foram submetidos a eletroforese em gel de agarose (1,3%), corados com brometo de etídio e visualizados em fonte de luz UV. As condições de amplificação utilizadas tanto para as regiões ITS1 e ITS2 como para o gene calmodulina encontram-se em Groenewald et al. (2005).

Os sequenciamentos obtidos no presente trabalho foram realizados no Laboratório de Bioquímica Fitopatológica do Instituto Biológico, SP, de acordo com a metodologia descrita por Oliveira et al. (2009). As sequências obtidas foram alinhadas e comparadas com auxílio do programa BioEdit Sequence Alignment Editor com a finalidade de identificar polimorfismos nas sequências nucleotídicas As sequências consenso para cada uma das regiões estudas foram comparadas às sequências de outras espécies de fungos depositadas no GenBank (www.ncbi.nlm.nih.gov) para a identificação de similaridade genética utilizando-se o programa BLASTN 2.2.19+ (Zhang et al., 2000).

As análises filogenéticas foram feitas com o programa TREE-PUZZLE (Strimmer & Von Haeseler, 1996) e com os aplicativos do programa PHYLIP (Felsenstein & Churchill, 1996). O programa TREE-PUZZLE estimou os seguintes parâmetros: taxa esperada de transição/transversão (Ts/Tv) e o parâmetro alfa associado à distribuição gama. A árvore filogenética de máxima verossimilhança foi estimada com o aplicativo PHYLIP DNAML, sendo que as análises de bootstrap foram feitas a partir de 1000 repetições utilizando-se os aplicativos PHYLIP SEQBOOT e CONSENSE.

O modelo original de substituição selecionado para as análises filogenéticas foi o F84+G+I, de acordo com o programa DNAML dentro do pacote PHYLIP. Cercospora kalmine foi selecionado como "outgroup" por apresentar maior distância genética entre as sequencias estudadas.

Inoculação dos isolados em cultivares de café

A patogenicidade dos isolados a diferentes cultivares de cafeeiro foi avaliada em dois experimentos. Para ambos os experimentos os isolados cresceram por 10 dias em meio de cultura V-8, a 25ºC, sob fotoperíodo de 12 h de luz por 12 h de escuro. Foi então preparada uma suspensão de conídios de cada isolado. Em cada placa, aproximadamente 15 mL de água destilada foram vertidos sobre a superfície da colônia, que foi raspada com pincel de cerdas macias para liberação dos conídios. As suspensões foram filtradas em gaze e ajustadas para a concentração de 104 conídios de C. coffeicola por mL de suspensão.

As mudas utilizadas encontravam-se com 6 pares de folhas verdadeiras e foram preparadas simultaneamente em casa-de-vegetação, com irrigação manual e isoladas de outros cafeeiros. Os recipientes plásticos usados para a produção das mudas mediam 17 cm de comprimento por 6 cm de largura, e continham um litro de substrato preparado de acordo com as recomendações técnicas (Thomaziello et al., 2000). Não foi realizada a aplicação de defensivos antes e durante a realização dos experimentos.

Neste estudo foram inoculadas mudas de oito cultivares de cafeeiro: Catuaí Vermelho IAC-81, Mundo Novo IAC 376-4, cujas características agronômicas encontram-se descritas em Fazuolli et al. (1999), entre as mais plantadas cultivares de cafeeiro do Brasil; Icatu Vermelho IAC 4045, que tem resistência parcial à ferrugem, e cujas características agronômicas também estão em Fazuolli et al. (1999); Ouro Verde IAC H 5010-5 (material de porte baixo resultante de cruzamento entre linhagens de Mundo Novo e Catuai), Tupi RN IAC 16691669-13 (material com resistência à ferrugem, que está em implantação em diversas regiões) e Tupi IAC 16691669-33 (material com resistência à ferrugem e a nematóides), cujas características agronômicas encontram-se descritas em Aguiar et al. (2004); Catuaí SH3, cultivar com características agronômicas de Catuaí Vermelho, porém com o gene SH3, que confere resistência à ferrugem (Fazuoli et al., 2005); e Geisha IAC 1137, cultivar em desenvolvimento no IAC, portadora do gene de resistência à ferrugem SH1, com boas características agronômicas e que pode ter bebida de melhor qualidade (Carvalho et al., 1989).

No primeiro experimento foram inoculadas mudas de sete cultivares: Catuaí Vermelho IAC-81, Mundo Novo IAC 376-4, Icatu Vermelho IAC 4045, Ouro Verde IAC H 5010-5, Tupi RN IAC 16691669-13, Tupi IAC 16691669-33, Catuaí SH3 e Geisha IAC 1137. Os isolados testados foram IBLF004 (Campinas), IBLF199 (Patos de Minas), IBLF270 (Boa Esperança) e IBLF280 (S.S. Paraíso), porque para esse experimento os demais isolados não esporularam satisfatoriamente. As suspensões de cada isolado foram aplicadas por meio de pulverizador manual até o ponto de escorrimento em ambas as faces das folhas. Avaliou-se a incidência da cercosporiose aos 23, 30, 38 e 45 dias após a inoculação. Nas mesmas datas foi avaliada a severidade por meio da escala de notas (1 a 6) desenvolvida por Oliveira et al. (2001). Com base nas avaliações da incidência e da severidade da doença, foi calculada a área abaixo da curva de progresso da incidência (AACPI) e a área abaixo da curva de progresso da severidade (AACPS), calculada com base nas notas obtidas nas avaliações. Para o cálculo dessas variáveis foi utilizada a fórmula: AACPD={Ó[Yi + Yi+1/2](ti+1- t1)} sendo Yi e Yi+1 valores de severidade ou incidência observados em duas avaliações consecutivas e ti e ti+1 o intervalo entre as avaliações, para cada intervalo entre as quatro avaliações (Torres & Ventura, 1991).

As mesmas cultivares do experimento anterior foram utilizadas no segundo experimento, sendo incluída ainda a cultivar Mundo Novo IAC 376-4. Os sete isolados testados foram IBLF004, IBLF199, IBLF206, IBLF270, IBLF277, IBLF280 e IBLF379. O preparo de suspensões de inóculo e a inoculação transcorreram como no primeiro experimento. Também foi avaliada a incidência e a severidade (escala de notas 1-6) da cercosporiose aos 25, 33, 40 e 48 dias após a inoculação. Assim como no experimento anterior, com base nas avaliações realizadas foram calculadas a AACPI e a AACPS.

Análises estatísticas

O experimento de crescimento micelial foi realizado em delineamento inteiramente casualizado com quatro repetições, sendo cada repetição representada por uma placa de Petri. Os dados foram submetidos à análise de variância, sendo as médias de crescimento micelial de cada isolado em cada temperatura ajustadas a uma equação quadrática e as temperaturas de maior crescimento calculadas pela derivada da equação de cada isolado. As médias de crescimento micelial de cada isolado nas temperaturas de 15, 20, 25 e 30ºC foram comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.

O primeiro experimento com mudas de cafeeiro foi realizado em esquema fatorial 4 (isolados) x 7 (cultivares), em delineamento inteiramente casualizado com cinco repetições, sendo cada repetição representada por uma muda de cafeeiro contendo quatro pares de folhas verdadeiras.

O segundo experimento foi realizado em esquema fatorial 7 (isolados) x 8 (cultivares), em delineamento inteiramente casualizado com cinco repetições, sendo cada repetição representada por uma muda de cafeeiro contendo seis pares de folhas verdadeiras. Em ambos os experimentos as variáveis incidência e severidade de todas as avaliações e a AACPI e AACPS foram submetidas à análise de variância e as médias foram comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.

RESULTADOS

Crescimento micelial dos isolados em diferentes temperaturas

O crescimento micelial dos isolados nas quatro temperaturas avaliadas e o ajuste dos dados em equações de regressão quadrática podem ser observados na Figura 1. Todas as análises de regressão quadrática foram significativas, sendo p>F=0,00258 para IBLF004, p>F=0,00001 para IBLF199, p>F=0,00002 para IBLF206, p>F=0,00179 para IBLF270, p>F=0,00001 para IBLF277, p>F=0,00001 para IBLF280 e p>F=0,00002 para IBLF379. As temperaturas de maior crescimento micelial, calculadas por meio da derivada da regressão quadrática, foram de 23,8, 23,7 e 23,9ºC para os isolados IBLF277, IBLF280 e IBLF379, respectivamente; de 24,6 e de 25,1ºC para os isolados IBL199 e IBLF270, respectivamente; e de 27,6 e 27,8ºC para os isolados IBLF004 e IBLF206, respectivamente.


A 15ºC apenas o isolado IBLF004 apresentou menor crescimento micelial que os demais. A 20ºC o isolado IBLF379 teve o maior crescimento micelial, tendo crescimento semelhante ao dos isolados IBLF199, IBLF270, IBLF277 e IBLF280, que não diferiram entre si e foram semelhantes ao isolado IBLF206. O isolado IBLF004 teve menor crescimento micelial nessa temperatura que os demais. Na temperatura de 25ºC, os isolados IBLF206 e IBLF379 foram os que apresentaram maior crescimento micelial e não diferiram dos isolados IBLF199, IBLF270, IBLF277 e IBLF280, que não diferiram entre si e não diferiram do isolado IBLF004, que apresentou menor crescimento. A 30ºC o isolado IBLF206 teve maior crescimento micelial, mas diferiu do isolado IBLF270, que não diferiu dos isolados IBLF199, IBLF379 e IBLF004. Estes isolados não diferiram dos isolados IBLF277 e IBLF280, com menor crescimento micelial a 30ºC (Tabela 1).

Caracterização molecular dos isolados

As sequências das regiões ITS1 e ITS2, incluindo o gene 5.8S rDNA, dos isolados de C. coffeicola estudados (número de acesso no GenBank, de HM210793 a HM210800) apresentaram o mesmo comprimento de 462 pares de bases (pb). Visando uniformizar um ponto comum de início e fim entre o múltiplo alinhamento das sequências, incluindo a espécie outgroup (C. kalmiae) e as demais sequências de outras espécies de Cercospora obtidas no GenBank, excluiu-se o excesso de nucleotídeos de ambas extremidades 5' e 3'. Assim, obteve-se uma sequência consenso de 458 caracteres, dos quais 397 (86,7%) foram constantes (Figura 2). A frequência média de nucleotídeos entre as espécies de Cercospora estudadas foi similar: 25,7% (T), 20,8% (A), 26,6% (G) e 27,0% (C).


Pela análise filogenética baseada nas sequências das regiões ITS1 e ITS2 (Figura 3), observou-se que as relações entre as espécies de Cercospora foram pouco definidas, uma vez que houve pequeno suporte estatístico para separar claramente as espécies. No entanto, os isolados provenientes de cafezais de São Paulo e Minas Gerais foram separados em dois subgrupos distintos, com valor de bootstrap igual a 64. A árvore filogenética consenso produziu um subgrupo compreendendo: IBLF004 (Campinas, SP), IBLF199 (Patos de Minas, MG), IBLF206 (Patrocínio, MG), IBLF277 (Franca, SP) e IBLF280 (São Sebastião do Paraíso, MG), assim como de C. sorghi var. maydis, isolado de plantas de milho, todos agrupados a C. fukushiana, e outro subgrupo formado pelos isolados IBLF270 (Boa Esperança, MG) e IBLF379 (S. J. Manhuaçú, MG), geneticamente próximos a C. punctiformis e C. coffeicola. Ressalte-se que dentro de cada um desses subgrupos as sequências apresentaram-se praticamente idênticas, enquanto que os dois subgrupos foram separados entre si por apenas 2 pb.


Inoculação dos isolados em cultivares de cafeeiro

No primeiro experimento não houve interação entre os fatores analisados (P>F=0,9505), mas ambos os fatores foram significativos (P>F=0,0001 para o fator isolado e P>F=0,0001 para cultivar). O tratamento com o isolado IBLF199 (Patos de Minas) teve a maior incidência da doença aos 38 dias após a inoculação (68,1 %), seguido pelos isolados IBLF270 (Boa Esperança) e IBLF280 (São Sebastião do Paraíso) (54,2% e 43,4% aos 38 dias após a inoculação). Os isolados IBLF199 e IBLF270 tiveram os maiores níveis de AACPI (2088,1 e 1906,5), severidade (2,0 e 1,9) e AACPS (61,8 e 61,0) do experimento, seguidos pelo isolado IBLF280 (com 1413,5; 1,6 e 51,1 de AACPI, severidade e AACPS, respectivamente). O isolado IBLF004 (Campinas) foi menos patogênico que os demais, com incidência e severidade de 17,1% e 1,2 respectivamente, aos 38 dias após a inoculação (Tabela 2).

Neste experimento as cultivares Catuaí Vermelho IAC 81, Catuaí SH3 e Ouro Verde IAC H 5010-5 foram mais resistentes à cercosporiose (Tabela 2), com incidência de 29,7, 29,8 e 35,1%; severidade de 1,3, 1,4 e 1,5; AACPI de 889,2, 1002,1 e 1188,5; e AACPS de 43,2, 44,9 e 47,4, respectivamente (Tabela 2). As cultivares Geisha IAC 1137, Icatu Vermelho IAC 4045 e Tupi IAC 1669-33 foram as mais suscetíveis, com incidência de 67,9, 59,8 e 46,0% e severidade de 2,2, 1,9 e 1,6, respectivamente, aos 38 dias após a inoculação (Tabela 2).

No segundo experimento não houve interação entre os fatores para as variáveis incidência (P>F=0,37224) e severidade (P>F=0,25934), mas ambos os fatores foram significativos (P>F=0,00006 e 0,00004 para isolado e cultivar, respectivamente, para incidência e P>F=0,00001 e 0,00001 para isolado e cultivar, respectivamente, para severidade). Porém, para as variáveis AACPI e AACPS, que avaliaram a epidemia como um todo, verificou-se interação entre os fatores, com P>F=0,02082 para AACPDI e P>F=0,00018 para AACPDS, indicando que, considerando a epidemia como um todo, os isolados tiveram diferente comportamento quando inoculados nas oito cultivares de cafeeiro.

Com relação à incidência da doença, assim como no primeiro experimento, os isolados IBLF270 (Boa Esperança) e IBLF199 (Patos de Minas) se mantiveram entre os isolados mais patogênicos, com incidência e severidade aos 40 dias após a inoculação, de 92,4% e 2,46 e 84,8% e 2,20, respectivamente. Entretanto, os isolados IBLF277 (Franca) e IBLF379 (S. J. Manhuaçú), foram ainda mais patogênicos, com 91,2 e 91,6% de incidência e 2,55 e 2,51 de severidade, respectivamente, aos 40 dias após a inoculação. O isolado IBLF206 (Patrocínio) apresentou os menores valores de incidência e severidade da doença (69,3% e 1,93), seguido pelos isolados IBLF004 (Campinas) e IBLF280 (S.S. Paraíso), com 74,1 e 79,9% de incidencia e 2,06 e 2,13 de severidade, respectivamente (Tabela 3).

A cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5 teve a menor incidência e severidade da doença no segundo experimento (67,5% de incidência e 1,92 de severidade), e não diferiu da cultivar Catuaí SH3, com incidência de 76,2% e severidade de 2,09, aos 40 dias após a inoculação. As cultivares Geisha IAC 1137, Tupi IAC 1669 - 33 e Mundo Novo IAC 376-4 foram as mais suscetíveis à cercosporiose, não tendo diferido entre si com relação à incidência da doença, aos 40 dias após a inoculação. Essas cultivares também não diferiram das cultivares Icatu Vermelho IAC 4045 e Catuaí Vermelho IAC 81. A cultivar Geisha IAC 1137 teve a severidade mais elevada do experimento, com 2,62 e diferiu da cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5 (Tabela 3).

Com relação à AACPI o isolado IBLF004 não mostrou diferente patogenicidade nas cultivares inoculadas (Tabela 4). O isolado IBLF199 foi mais patogênico na cultivar Mundo Novo IAC 376-4, que não diferiu das cultivares Tupi IAC 1669-33, Tupi RN IAC 1669-13 e Geisha IAC1137. Este isolado foi menos patogênico na cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5. O isolado IBLF206 foi mais patogênico na cultivar Tupi RN IAC 1669-13, que não diferiu das cultivares Tupi IAC 1669-33, Geisha IAC1137 e Mundo Novo IAC 376-4. Este isolado foi menos patogênico nas cultivares Ouro Verde IAC H 5010-5, Catuaí Vermelho IAC81 e Catuaí SH3. O isolado IBLF270 foi mais patogênico na cultivar Tupi RN IAC 1669-13, não diferindo das cultivares Mundo Novo IAC 376-4, Catuaí Vermelho IAC81, Tupi RN IAC 1669-13, Icatu Vermelho IAC 4045, Geisha IAC1137 e Mundo Novo IAC 376-4. Este isolado foi menos patogênico para a cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5. O isolado IBLF277 foi mais patogênico nas cultivares Tupi IAC 1669-33, Tupi RN IAC 1669-13, que diferiram da cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5. O isolado IBLF280 foi mais patogênico na cultivar Geisha IAC1137 e menos patogênico na cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5, que diferiu das demais cultivares. O isolado IBLF379 foi mais patogênico na cultivar Geisha IAC1137, e diferiu das cultivares Ouro Verde IAC H 5010-5 e Catuaí SH3 (Tabela 4).

Assim como observado para AACPI, para a AACPS não houve diferença na reação das cultivares quando inoculadas com o isolado IBLF004, o menos patogênico do experimento (Tabela 5). O isolado IBLF199 foi mais patogênico à cultivar Mundo Novo IAC 376-4 e menos patogênico para a cultivar Catuaí SH3. O isolado IBLF206 foi mais patogênico para a cultivar Tupi RN IAC 1669-13 e menos patogênico para as cultivares Catuai SH3 e Ouro Verde IAC H 5010-5. O isolado IBLF270 foi mais patogênico para as cultivares Tupi IAC 1669-33 e Tupi RN IAC 1669-13 e menos patogênico para a cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5. O isolado IBLF 277 foi patogênico a todas as cultivares e menos patogênico à cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5. O isolado IBLF280 foi mais patogênico à cultivar Geisha IAC 1137 e menos patogênico à cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5. O isolado IBLF379 foi mais patogênico à cultivar Geisha IAC 1137 e menos patogênico às cultivares Tupi IAC 1669-33 e Ouro Verde IAC H 5010-5.

DISCUSSÃO

No presente estudo os isolados IBLF004 e IBLF206 tiveram as maiores temperaturas ótimas de crescimento micelial, 27,6 e 27,8ºC, respectivamente, os isolados IBLF277, IBLF280 e IBLF379, as menores temperaturas (23,7 a 23,9ºC) e os isolados IBL199 e IBLF270 temperaturas intermediárias (24,6 e 25,1ºC). Estes resultados são semelhantes aos obtidos por Echandi (1959) e Souza (2007) para C. coffeicola. Echandi (1959) observou o maior crescimento micelial de três isolados de C. coffeicola na temperatura de 24ºC e, assim como no presente estudo, redução no crescimento do fungo na temperatura de 30 ºC. Souza (2007), ao estudar 59 isolados de C. coffeicola, observou maior crescimento a 26ºC do que a 18 ou 22ºC. Temperaturas semelhantes foram observadas para outras espécies de Cercospora. Para C. beticola e C. apii, a temperatura ideal de crescimento foi de 27ºC (Groenewald et al., 2005) e para C. sojina a temperatura de maior crescimento foi de 25ºC (Cruz & Dorrance, 2009).

Neste estudo os isolados quase não diferiram quanto ao crescimento nas temperatura de 15ºC e 25 ºC, mas apresentaram maiores divergências nas taxas de crescimento nas temperaturas de 20 e 30ºC. Resultados semelhantes foram obtidos por Souza (2007), ao verificar em 59 isolados de C. coffeicola, que havia a formação de grupos de isolados com maior crescimento em cada temperatura estudada, sendo maior o número de grupos nas temperaturas de 22ºC e 26ºC do que a 18ºC.

A relação entre a temperatura em que ocorre o maior crescimento do patógeno e as condições ideais para a infecção ainda não foi estabelecida para o patossistema C. coffeicola e cafeeiro. Entretanto, a temperatura de maior crescimento do patógeno pode estar relacionada à temperatura de maior severidade de ocorrência da cercosporiose, como observado para outros patossistemas semelhantes. No estudo de Cooperman & Jenkins (1986), as temperaturas mais favoráveis ao crescimento de fitopatógeno semelhante, C. asparagi em aipo, estavam relacionadas às melhores condições para a infecção. Também para C. beticola em beterraba, estudos mostraram que a temperatura ideal para esporulação, germinação de conídios e infecção é de 25ºC (Franc, 2010), semelhante à temperatura ideal de crescimento do patógeno em meio de cultura (27ºC) (Groenewald et al., 2005).

O crescimento micelial em diferentes temperaturas também pode ser utilizado para caracterizar populações de patógenos. Em um estudo com isolados do complexo C. apii, associado à cercosporiose em beterraba e aipo, uma nova espécie encontrada apresentava menor crescimento micelial em todas as temperaturas estudadas, além de um ótimo de temperatura mais baixo (24ºC) que as espécies C. beticola e C. apii (27ºC) (Groenewald et al., 2005). Neste estudo os isolados de maior temperatura de crescimento micelial IBLF004 e IBLF206 também foram menos patogênicos à quase todas as cultivares estudadas (Tabelas 2, 3, 4 e 5). Os isolados de menor temperatura ideal de crescimento micelial, IBLF277, IBLF280 e IBLF379, estiveram entre os mais patogênicos, embora o isolado IBLF270 também apresentasse moderada a elevada patogenicidade, mas um ótimo de crescimento micelial a 25,1ºC. As informações obtidas neste estudo, entretanto, não permitem inferir se ocorre mais de uma espécie de Cercospora associada à cercosporiose do cafeeiro, mas sugere-se que o assunto seja investigado futuramente.

Os isolados estudados foram separados em dois grupos distintos, com relação às regiões amplificadas ITS1 e ITS2, estando os isolados IBL270 e IBLF379 em um grupo e os isolados IBLF004, IBLF199, IBLF206, IBLF277 e IBLF280 em outro. Esses agrupamentos não puderam ser relacionados à temperatura ótima para o crescimento micelial dos isolados. Os isolados IBL270 e IBLF379 tiveram um ótimo de crescimento a 23,9 e 25,1ºC, respectivamente, e os do outro grupo temperaturas que variaram de 23,7 a 27,6ºC. Os isolados separados no primeiro grupo estiveram entre os mais patogênicos no segundo experimento. No segundo grupo foram encontrados isolados desde muito patogênicos (IBLF277) a pouco patogênicos, como IBLF004.

Os loci ITS (ITS1, gene 5,8S rRNA e ITS2) podem não ser os mais adequados para o estudo de C. coffeicola e até mesmo de outras espécies de Cercospora. Goodwin et al. (2001) verificaram elevada identidade de nucleotídeos dos loci ITS de nove espécies de Cercospora, indicando que os isolados estudados têm uma origem comum, provavelmente recente, talvez monofilética, razão pela qual as sequências dessa região são tão parecidas para as espécies do gênero Cercospora, inclusive entre os diversos isolados de C. coffeicola incluídos no presente estudo. Embora Goodwin et al. (2001) tenham relatado que sequências das regiões ITS de isolados de Cercospora que diferem por dois ou mais nucleotídeos podem ser consideradas espécies distintas, seria prematuro afirmar que os isolados de cafezais incluídos no presente estudo constituem espécies distintas de C. coffeicola. Além disso, o sequenciamento de parte do gene da calmodulina revelou que as sequências dos isolados estudados apresentaram 100% de identidade. No estudo de Groenewald et al. (2005), as diferenças entre as sequências de parte do gene da calmodulina foram as mais relevantes para diferenciar espécies de C. beticola e C. apii associadas à cercosporiose em aipo em beterraba, embora esses autores também tenham amplificado as regiões ITS1 e ITS2, parte do gene da actina, parte do gene de fator de translação e elongação e parte do gene da histona H3.

Estudos futuros de populações de C. coffeicola provavelmente envolverão a integração das informações genéticas entre as sequências de várias regiões do DNA (Multilocus Sequence Typing - MLST), conforme preconizado por Groenewald et al. (2010) para a taxonomia de espécies de Cercospora, e deverão ser realizados com maior número de isolados. Segundo Groenewald et al. (2010) a técnica de MLST pode ser usada para genotipagem e se baseia em sequências de DNA de genes que estão sob pressão de seleção estável ("housekeeping genes"). A técnica foi inicialmente descrita para a genotipagem de bactérias, mas tem se tornado muito popular para fungos, pois pode ser facilmente reproduzida em diferentes laboratórios e os dados podem ser disponibilizados em bancos de dados públicos (Groenenvald et al., 2010). Esses autores só conseguiram estudar a filogenia de 14 espécies de Cercospora ao combinar 10 árvores filogenéticas obtidas de partes das regiões ITS1 e ITS2, de partes dos genes da actina, do fator de translação e elongação, da calmodulina e da histona H3.

No presente estudo, as cultivares Catuaí Vermelho IAC 81 e Catuaí SH3 comportaram-se como moderadamente suscetíveis à cercosporiose. Essa reação à doença era esperada, pois em estudos anteriores, cultivares do grupo Catuaí, Catuaí Vermelho e Catuaí Amarelo (Araújo Netto et al., 1976), Catuaí Vermelho IAC 144 (Fernandes et al., 1990; Patrício et al., 2010) e Catuaí Amarelo IAC 62 (Patrício et al., 2010), comportaram-se como moderadamente suscetíveis à cercosporiose. As cultivares do grupo Catuaí são muito cultivadas em todo o Brasil. A cultivar Catuaí SH3, que está em fase final de melhoramento, é um material muito promissor para a cafeicultura por apresentar resistência à ferrugem (Fazuoli et al., 2005), e seu comportamento em relação à cercosporiose não havia sido estudado anteriormente.

As cultivares Tupi IAC 1669-33 e Tupi RN IAC 1669-13 (com resistência a nematoides) foram suscetíveis à cercosporiose no presente estudo. Diferentemente do observado neste trabalho, a cultivar Tupi IAC 1669-33 foi relativamente resistente à cercosporiose em estudo anterior (Patricio et al., 2010). Isto pode ter ocorrido porque outros isolados foram utilizados naquele estudo, que talvez tenham sido menos patogênicos para esta cultivar.

A cultivar Icatu Vermelho IAC 4045 comportou-se como suscetível à cercosporiose em ambos os experimentos realizados, sendo no primeiro experimento mais suscetível que as cultivares Catuaí Vermelho IAC 81, Catuaí SH3 e Ouro Verde IAC H 5010-5. A mesma tendência foi observada em estudo anterior com esta mesma cultivar (Patricio et al., 2010). A cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5 apresentou severidade da doença mais baixa que a das cultivares Geisha IAC 1137, Tupi IAC 1669-33 e Icatu Vermelho IAC 4045 no primeiro experimento e que as cultivares Mundo Novo IAC 376-4, Geisha IAC 1137, Tupi IAC 1669-33, Tupi RN IAC 1669 - 13 e Icatu Vermelho IAC 4045 no segundo ensaio. Resultado semelhante foi observado por Patricio et al. (2010) em estudo anterior. É interessante ainda observar que esta cultivar teve menor incidência e severidade da cercosporiose quando inoculada com todos os isolados testados.

As cultivares Geisha IAC 1137 e Mundo Novo IAC 376-4 comportaram-se como suscetíveis ou muito suscetíveis à cercosporiose no presente estudo. O comportamento da cultivar Mundo Novo IAC 376-4 é semelhante ao observado no estudo de Patricio et al. (2010), no qual também essa cultivar esteve entre as mais suscetíveis à cercosporiose. A cultivar Geisha IAC 1137 comportou-se como bastante suscetível neste estudo. Esta informação é importante porque essa cultivar é considerada relevante nos programas de melhoramento do IAC, especialmente pelo fato de ter potencial para a produção de café de bebida especial e porque, por possuir o gene SH1, também tem resistência à mancha aureolada, causada por Pseudomonas syringae pv. garcae (Fazuoli et al., 2005).

No primeiro experimento os isolados IBLF199 e IBLF270 foram mais patogênicos que os demais. No segundo experimento os isolados IBLF277, IBLF270 e IBLF280 tiveram maiores níveis de incidência da cercosporiose que os demais isolados. Lombardi (2002) também observou diferenças na patogenicidade de 49 isolados de C. coffeicola inoculados em mudas de cafeeiro, da cultivar Catuaí Amarelo, separando-os em três grupos, com base na severidade da doença.

Neste estudo, assim como em experimentos anteriores (Fernandes et al., 1990; Araujo Netto et al., 1978, Patricio et al., 2010), não foi observada resistência completa à cercosporiose em cultivares de cafeeiro, supondo-se que se trata de uma resistência quantitativa. Entretanto, o fato de que no segundo experimento tenha ocorrido interação entre isolados e cultivares para as variáveis AACPI e AACPS, levanta a dúvida se também há genes de resistência qualitativa envolvidos na resistência à cercosporiose. Para outro patossistema semelhante, também não foi observada resistência completa a C. kikuchii em soja, mas diferenças em virulência e agressividade de isolados (Cai et al., 2009). Naquele estudo, 18 isolados foram agrupados em três grupos de virulência, sendo os isolados do grupo I mais agressivos a duas cultivares de soja (HBK R5588 e AG5701), os isolados dos grupos II e III mais agressivos ainda na cultivar HBK R5588 e o isolado do grupo III menos agressivo na cultivar cv. SS RT 6299N, o que não ocorreu com os outros isolados. Para C. sojina em soja, as raças são bem conhecidas e cultivares diferenciais foram estabelecidos, podendo-se monitorar a frequência de raças em determinados locais, como recentemente realizado em Ohio, EUA (Cruz & Dorrace, 2009). Para o patossistema C. coffeicola em cafeeiro ainda não se sabe que tipo de resistência ocorre, especialmente porque os estudos de resistência ainda são escassos, e não foram realizados estudos de herança da resistência. Além disso, não se sabe se apenas uma espécie de Cercospora está associada a esse patossistema, até porque o estudo de Martins et al. (2008), que detectaram 28 grupos de compatibilidade vegetativa (VCGs) em 90 isolados de C. coffeicola, indica que pode haver grande variabilidade genética em populações de C. coffeicola.

AGRADECIMENTOS

Ao programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PIBIC/CNPq do Instituto Biológico pela concessão de bolsa de Iniciação Científica a Abikeyla S. Robaina.

Recebido 14 Junho 2010

Aceito 5 Dezembro 2011

Editor de Seção: Eduardo S.G. Mizubuti

Autor para correspondência: Flávia R. A. Patricio, e-mail: flavia@biologico.sp.gov.br

  • Aguiar ATE, Guerreiro-Filho O, Maluf MP, Gallo PB, Fazuoli LC (2004) Caracterização de cultivares de Coffea arabica mediante utilização de descritores mínimos. Bragantia, Campinas 63:179-192.
  • Almeida AMR, Piuga FF, Marin SRR, Binneck E, Sartori F, Costamilan LM, Teixeira MRO, Lopes M (2005) Pathogenicity, molecular characterization, and cercosporin content of Brazilian isolates of Cercospora kikuchii. Fitopatologia Brasileira 30:594-602.
  • Araújo Netto K, Miguel AE, Ferreira AJ (1978) Comportamento de progênies de Catimor, Icatu, Catuaí e Mundo Novo e outras em relação à cercosporiose. Anais do 6ş Congresso Brasileiro de Pesquisas Cafeeiras, Ribeirão Preto SP. pp. 278-279.
  • Cai G, Schneider RW, Padgett GB (2009) Assessment of lineages of Cercospora kikuchii in Louisiana for aggressiveness and screening soybean cultivars for resistance to cercospora leaf blight. Plant Disease 93:868-874.
  • Carvalho VL, Cunha RL, Chalfoun SM (2002) Manejo ecológico das principais doenças do cafeeiro. Informe Agropecuário 23:101-114.
  • Carvalho VL, Fazuoli LC, Costa WM (1989) Melhoramento do cafeeiro: XLI. Produtividade do híbrido de timor, de seus derivados e de outras fontes de resistência a Hemileia vastatrix. Bragantia 48:73-86.
  • Cooperman CJ, Jenkins SF (1986) Conditions influencing growth sporulation of C. asparagi and Cercospora blight development in aspargus. Phytopathology 76:617-622.
  • Cruz CD, Dorrance AE (2009) Characterization and survival of Cercospora sojina in Ohio. Plant Health Progress doi:10.1094/PHP-2009-0512-03-RS.
  • Echandi E (1959) La chasparria de los cafetos causada por el hongo Cercospora coffeicola Berk. & Cooke. Turrialba 9:54-67.
  • Fazuoli LC, Oliveira ACB, Braghini MT, Silvarolla MB (2005) Identification and use of sources of durable resistance to coffee leaf rust at the IAC. In: Zambolim L, Zambolim EM, Várzea VM (Eds.) Durable resistance to coffee leaf rust. Viçosa MG: Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Fitopatologia, pp.137-185.
  • Fazuoli LC, Medina Filho HP, Guerreiro Filho O, Gonçalves W, Silvarolla MB, Lima MMA (1999) Coffee cultivars in Brazil. Association Scientifique International du Café - 18 éme Colloque. Helsinki, Finlândia.
  • Franc DF (2010) Ecology and Epidemiology of Cercospora beticola In: Lartey RT et al. (Eds.) Cercospora Leaf Spot of Sugar Beet and Related Species. Saint Paul MN. APS Press. pp. 7-19.
  • Felsentein J, Churchill, GA (1996) A hidden Markov model approach to variation among sites in rate of evolution. Molecular Biology and Evolution 13:93-104.
  • Fernandes ATF, Vale FXR, Peloso MC, Zambolim L, Maffia LA, Pereira AA, Chaves GM, Cruz Filho J (1990) Resistência de progênies de Catimor a diferentes isolados de Cercospora coffeicola Berk. & Look. Fitopatologia Brasileira 15:45-49.
  • Godoy CV, Bergamin Filho A, Salgado CL (1997) Doenças do cafeeiro. In: Kimati, H. et al. (Eds.) Manual de Fitopatologia, vol. 2: Doenças das plantas cultivadas, 3Ş edição. São Paulo SP. Ceres. pp. 184-200.
  • Groenewald M, Groenewald JZ, Crous PW (2005) Distinct species exist within the Cercospora apii morphotipe. Phytopathology 95:951-959.
  • Groenewald JZ, Groenewald M, Braun U, Crous PW (2010) Cercospora speciation and host range. In: Lartey RT et al. (Eds.) Cercospora Leaf Spot of Sugar Beet and Related Species. St. Paul MN. APS Press. pp. 21-37.
  • Goodwin SB, Dunkle LD, Zismann VL (2001) Phylogenetic analysis of Cercospora and Mycosphaerella based on the internal transcribed spacer region of ribosomal DNA. Phytopathology 91:648-658.
  • Lombardi APZ (2002) Caracterização patogênica, morfológica, fisiológica, molecular e sensibilidade a fungicidas de Cercospora coffeicola. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de São Paulo. Botucatu SP.
  • Martins RB, Maffia LA, Mizubuti SG (2008) Genetic variability of Cercospora coffeicola from organic and conventional coffee plantings, characterized by vegetative compatibility. Phytopathology 98:1205-1211.
  • Oliveira CA, Pozza EA, Oliveira VB, Santos RC, Chaves, ZM (2001) Escala diagramática para avaliação da severidade de cercosporiose em mudas de cafeeiro. II Simpósio de Pesquisa dos Cafés do Brasil, Vitória ES. pp. 1151-1154.
  • Oliveira CMG, Machado ACZ, Kubo RK, Harakava R (2009) Diagnose de Aphelenchoides fragariae e Pratylenchus spp. pela aplicação da tecnologia do código de barras do DNA. Nematologia Brasileira 33:218-225.
  • Patricio FRA, Braghini MT, Fazuoli, LC (2010) Resistência de plantas de Coffea arabica, C. canephora e híbridos interespecíficos à cercosporiose. Bragantia 69:883-890 .
  • Santos FS, Souza PE, Pozza EA, Miranda JC, Barreto SS, Theodoro VC (2008) Progresso da cercosporiose (Cercospora coffeicola Berk & Cooke) em cafeeiros sob cultivos orgânico e convencional. Summa Phytopathologica 34:48-54.
  • Souza AGC (2007) Variabilidade fisiológica de isolados de Cercospora coffeicola. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Viçosa. Viçosa MG.
  • Strimmer K, Von Haeseler A (1996) Quartet puzzling, a quartet maximum likelihood method for reconstructing tree topologies. Molecular Biology and Evolution 13:964-969.
  • Thomaziello RA, Fazuoli LC, Pezzopane JR, Fahl JI, Carelli MLC (2000) Café arabica: Cultura e técnicas de produção. Instituto Agronômico: Campinas SP. Boletim Técnico no. 187.
  • Torres JC, Ventura JA (1991) AACPD: Um programa para calcular a área e o volume abaixo da curva de progresso da doença. Fitopatologia Brasileira (Supl.) 16:52.
  • Zambolim L, Vale FXR, Zambolim EM (2005) Doenças do cafeeiro. In: Kimati H et al. (Eds.) Manual de Fitopatologia, vol. 2: Doenças das plantas cultivadas, 4Ş edição. São Paulo SP. Ceres. pp. 165-180.
  • Zhang Z, Schwartz S, Wagner L, Miller W (2000) A greedy algorithm for aligning DNA sequences. Journal of Computational Biology 7:203-14.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2012
  • Data do Fascículo
    Out 2011

Histórico

  • Aceito
    05 Dez 2011
  • Recebido
    14 Jun 2010
Sociedade Brasileira de Fitopatologia Sociedade Brasileira de Fitopatologia, SGAS 902 Edifício Athenas - Bl. B, Salas 102/103, 70390-020 Brasília - DF Brasil, Tel: (55 61) 3225-2421 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: sbfito@sbfito.com.br