Acessibilidade / Reportar erro

O palco na cidade: as resenhas teatrais do Prager Tagblatt na produção de Alfred Döblin

The stage in the city: the Prager Tagblatt theater reviews in Alfred Döblin’s work

Resumo:

Este artigo tem como objetivo apresentar as resenhas teatrais de Alfred Döblin, escritas para o jornal Prager Tagblatt, entre os anos 1921 e 1924, e reunidas posteriormente sob o título de Ein Kerl muß eine Meinung haben. Partindo sobretudo da primeira resenha, “Theater in Berlin”, pretendemos indicar a sua relevância no conjunto da obra de Alfred Döblin e destacar como as transformações urbanas e os acontecimentos sociais são incorporados textualmente. Procuraremos, também, demonstrar que essas resenhas constituem uma oportunidade para identificar elementos menos conhecidos pelo público brasileiro acerca da cena teatral berlinense daqueles anos, bem como para se observar o desdobramento de aspectos recorrentes da teoria de Döblin – a exemplo da questão do naturalismo – em sua crítica teatral.

Palavras-chave:
Alfred Döblin; teatro; República de Weimar; resenha teatral

Abstract:

This article aims to present Alfred Döblin’s theater reviews, written for the Prager Tagblatt newspaper between 1921 and 1924, and later published in book form under the title Ein Kerl muß eine Meinung haben. Focusing primarily on the first review, “Theater in Berlin,” we intend to indicate the relevance of these writings to Alfred Döblin’s oeuvre as a whole, highlighting how urban transformations and social events are incorporated textually. We will also try to demonstrate that these reviews provide an opportunity to identify elements less known to the Brazilian public regarding the Berlin theater scene of those years, as well as observe the unfolding of recurrent aspects of Döblin’s theory – such as the question of naturalism – in his theater criticism.

Keywords:
Alfred Döblin; theater; Weimar Republic; theater review

Zusammenfassung:

Ziel dieses Artikels ist es, die Theaterrezensionen Alfred Döblins – zwischen 1921 und 1924 für die Zeitung Prager Tagblatt geschrieben und später unter dem Titel Ein Kerl muß eine Meinung haben zusammengetragen – zu präsentieren. Ausgehend vor allem von der ersten Rezension, „Theater in Berlin”, beabsichtigen wir, die Relevanz dieser Schriften innerhalb des Gesamtwerks Alfred Döblins aufzuzeigen und hervorzuheben, wie Veränderungen des städtischen Raums und gesellschaftliche Ereignisse in die Texte miteinbezogen wurden. Weiterhin streben wir an zu zeigen, dass die Rezensionen die Möglichkeit bieten, verschiedene, dem brasilianischen Publikum weniger bekannte Aspekte der Berliner Theaterszene dieser Jahre zu identifizieren, sowie die Erläuterung von in der Theorie Döblins wiederkehrenden Konzepten – am Beispiel der Debatte um Naturalismus – in seiner Theaterkritik zu beobachten.

Stichwörter:
Alfred Döblin; theater; Weimarer Republik; Theaterrezension

If the city is the world which man created, it is the world in which he is henceforth condemned to live. Thus, indirectly, and without any clear sense of the nature of his task, in making the city man has remade himself.

Park ( 1967PARK, Robert E. The city as a social laboratory. In: PARK, Robert E. On Social Control and Collective Behavior. Chicago: University of Chicago Press, 1967.: 3)

Quando aceitou, em 1921, o convite para escrever sobre as encenações teatrais em Berlim, Alfred Döblin talvez não tenha imaginado que publicaria oitenta e oito textos, ao longo de quatro anos, no jornal Prager Tagblatt. Talvez os/as leitores/as de sua primeira resenha, “Theater in Berlin” [“Teatro em Berlim”], também tenham duvidado que o autor tivesse disposição para levar por muito tempo a tarefa, ao se depararem com a afirmação de que ele, na verdade, não pretendia “escrever sobre teatro” (1981: 15DÖBLIN, Alfred. Theater in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 15-17.). De fato, quem aguardava uma descrição detalhada ou crítica de alguma encenação, certamente concluiu decepcionado a leitura da primeira resenha de sua autoria publicada no jornal de Praga. O motivo reside no fato de que “Theater in Berlin”, além de se dedicar à descrição aparentemente despropositada de uma rua berlinense, começa com uma provocação:

Eu realmente não pretendo escrever sobre teatro. Não sei o que poderia me motivar a escrever sobre teatro. Na rua em que moro, há, de uma esquina até a outra, e só contando um dos lados, quarenta estabelecimentos comerciais ⎼ esses são lojas; já nos primeiros andares, há de tudo, e, nos porões, nem tudo é perfeito. 2 2 Tradução nossa do original: “Ich habe wirklich nicht vor, über Theater zu schreiben. Ich wüßte nicht, was mich bewegen könnte, über Theater zu schreiben. In der Straße, in der ich wohne, gibt es von einer Ecke zur andern bloß auf einer Seite vierzig Geschäfte – das sind die Ladengeschäfte, im ersten Stock ist auch allerhand, und die Keller sind nicht einwandfrei” (1981: 15).

Ruas, esquinas e lojas da cidade reaparecerão em outras resenhas, mas o que neste primeiro texto poderia sugerir uma postura de desdém, revela, na verdade, as características de um projeto estético que já vinha se configurando há mais de uma década. São traços que transparecem, de modos distintos, em praticamente todos os textos publicados por Döblin no jornal Prager Tagblatt, nos quais a aproximação aos palcos se dará, como veremos, por meio de muitos desvios e com muitas ressalvas .

A postura provocativa que o autor adota logo de início sugere descaso, certa desconfiança, e não dá pistas para seu público perceber que esta não era, contudo, a primeira vez que Döblin se dedicava ao teatro. Já nos anos em que seus escritos apareceram com frequência na revista Der Sturm, ele resenhara peças de seus contemporâneos e acompanhara com interesse a cena teatral. Em artigo para a revista Der Neue Weg (editada na época por Herwarth Walden), Döblin refletiu sobre o desenvolvimento ⎼ ou, em suas palavras, “regeneração” (1985: 63DÖBLIN, Alfred. Das Recht auf Rhetorik. In: DÖBLIN, Alfred. Kleine Schriften I. Olten und Freiburg i.B.: Walter-Verlag, 1985, p. 62-63.) ⎼ do teatro como gênero. Para quem está habituado às reflexões posteriores de Döblin sobre o romance, soa familiar, por exemplo, a crítica feita por ele à dramaturgia contemporânea, na qual identificava “a ação como a ruína do teatro” 3 3 Tradução nossa do original: “Die Spannung als der Verderb des Theaters”. Em “Observações sobre o romance”, de 1917, Döblin se revolta, de modo similar, contra a incorporação, na estrutura da épica, de aspectos que lhe seriam alheios e potencialmente nocivos: “O romance não tem nada a ver com a ação. (...) A simplificação do romance, no sentido da ação progressiva, está ligada à incapacidade de leitura do público, cultivada de modo refinado. (...) É o completo fracasso do romance” (2017: 94). (1985: 63DÖBLIN, Alfred. Das Recht auf Rhetorik. In: DÖBLIN, Alfred. Kleine Schriften I. Olten und Freiburg i.B.: Walter-Verlag, 1985, p. 62-63.). Além disso, embora tenha concentrado a maior parte de seus esforços na produção de contos e romances e na reflexão sobre a forma da narrativa, Döblin já se havia aventurado pela escrita dramática, com a peça Lydia und Mäxchen, concluída no ano de 1905. Apesar de a publicação dessa primeira peça ter passado praticamente despercebida ( Büchel, Sahner 2016BÜCHEL, Johanna; SAHNER, Simon. Dramen, Hörspiel, Drehbücher und Filmskripte. In: BECKER, Sabina (ed.). Döblin-Handbuch. Stuttgart: J. B. Metzler Verlag, 2016, p. 211-243.: 212), Döblin ainda publicou, em 1909, o drama Comteß Mizzi; nos anos de 1920, Lusitania, Die Nonnen von Menade; e, na década de 1930, Die Ehe e Das Wasser ⎼ esta última, uma peça didática. 4 4 Todas essas peças podem ser encontradas na seguinte edição: Döblin, Drama, Hörspiel, Film, 2016. Pode-se verificar, portanto, que o interesse por teatro, conquanto menos intenso, não deveria ser descrito como algo ocasional nessas primeiras décadas da produção de Döblin.

Este artigo parte do pressuposto de que suas reflexões sobre o tema, tal como se configuram nas resenhas teatrais do Prager Tagblatt, representam um momento importante, não apenas dentro de sua própria produção mas também para a compreensão de sua época. A partir de trechos da primeira resenha e de fragmentos selecionados de resenhas subsequentes, pretendemos apresentar esse conjunto de textos e indicar como a atenção à vida urbana se revela e se desdobra nas análises e discussões desenvolvidas pelo autor. Consideradas pela crítica especializada uma contribuição relevante “para o panorama da crítica teatral contemporânea” ( Grevel 2003GREVEL, Liselotte. „Mensch, det is knorke“ – oder: Kunst ist nicht heilig. Alfred Döblin als Kunst- und Theaterkritiker. In: MAILLARD, Christine; MOMBERT, Monique (org.). Internationales Alfred-Döblin-Kolloquium. Bern: Peter Lang, 2003, p. 77-95.: 78), as resenhas constituem uma oportunidade para entrarmos em contato com elementos menos conhecidos pelo público brasileiro acerca da cena teatral daqueles anos. Nelas, podemos também observar de que modo alguns aspectos recorrentes e importantes da teoria de Döblin contribuem para e podem ser iluminados por análises e comentários sobre o universo dos palcos berlinenses.

1 “ Business é business e, por isso, teatro e quitanda” 5 5 „Business ist business und daher Theater und Gemüsegeschäft.” (1981: 17)

Em 1921, o Prager Tagblatt – jornal de língua alemã, publicado na capital da Tchecoslováquia – procurou um correspondente capaz de oferecer um panorama da vida teatral de Berlim ⎼ uma das grandes capitais culturais da Europa da época. Nos primeiros anos da República de Weimar , quando o governo nacional assumiu a administração de centenas de casas de espetáculos e estabeleceu um sistema de subsídio teatral, os palcos haviam se convertido em um laboratório efervescente, com encenações de peças conhecidas e estreias ( Becker 2018BECKER, Sabina. Experiment Weimar. Eine Kulturgeschichte Deutschlands 1918-1933. Darmstadt: WGB Academic, 2018.: 420). Com as numerosas salas e a proliferação de novas produções e companhias, o teatro se tornou o centro da vida cultural dos anos 1920. 6 6 Christopher Balme avalia que o fim da censura (ainda que com algumas restrições), no início da República de Weimar, foi fundamental para a redefinição do papel do teatro e sua posição no centro de debate público daqueles anos: “The sudden removal of theatrical censorship created a situation whereby the theatre became an embattled public forum in which the fissures and tensions of a fractured society reflecting its class distinctions, ethnic and religious differences and myriad political divisions were played out” (2014: 145). Para termos a dimensão da dinâmica que essa esfera cultural adquiriu, entre 1928 e 1929, havia 222 companhias de teatro no país, das quais 157 recebiam subsídio público ( Führer 2001FÜHRER, Karl Christian. German Cultural Life and the Crisis of National Identity during the Depression, 1929-1933. German Studies Review, v. 24, n. 3, 2001, p. 461-486.: 462). Se mesmo pequenas cidades podiam contar com teatros públicos e companhias itinerantes – também subsidiadas –, Berlim esbanjava uma enorme oferta de peças todas as noites. Compreensível, portanto, que o jornal de Praga tenha decidido dedicar espaço para apresentar essa cena artística. Além de possuir, como já comentamos, obras dramáticas e de ser autor de reflexões sobre encenações e peças de seus contemporâneos, Döblin era um escritor publicado pela editora S. Fischer – o que lhe garantia renome ( Sander 2016SANDER, Gabriele. Döblin als Essayist. In: BECKER, Sabina (ed.). Döblin-Handbuch. Stuttgart: J. B. Metzler Verlag, 2016, p. 255-264.: 259) e o recomendava para a tarefa. Que ele pareça, portanto, tão reticente em seu primeiro texto para o jornal de Praga, causa certa estranheza:

Um costume curioso dos jornais, escrever sobre teatro. Escrever oficialmente. Tanto faz se na seção de notícias ou na de entretenimento. Os anúncios vêm ao final, nenhum redator os escreve; anúncios sobre coisas importantes, importantíssimas, como margarinas, botões, roldanas, suspensórios – os jornais aceitam, condescendentemente, o que quer que os comerciantes ofereçam; ninguém liga para eles; e, por isso, ainda pagarão caro. 7 7 Tradução nossa do original: „Eine tolle Sitte der Zeitungen, über Theater zu schreiben. Offiziell zu schreiben. Gleichviel ob über oder unter dem Strich. Inserate stehen hinten, kein Redakteur schreibt sie; die Inserate über die hochwichtigen, höchstwichtigen Dinge wie Margarine, Hosenknöpfe, Flaschenzüge, den Herkuleshosenträger lassen sich die Zeitungen von den Kaufleuten gnädigst überreichen; kein Hund kräht nach ihnen; bezahlen müssen sie noch teuer dafür” (1981: 16).

O primeiro aspecto a chamar a atenção de quem decide ler o volume Ein Kerl muß eine Meinung haben – no qual foram reunidas, em 1976, 8 8 A primeira edição dessa coleção de resenhas, realizada também por Manfred Beyer, foi publicada em 1974 e recebeu o nome de Griffe ins Leben ( Prangel 1987: 5). as resenhas escritas para o Prager Tagblatt – é a forma heterogênea dos textos que o compõem, com elaborações imprevisíveis e associações repentinas. Embora algumas detenham-se exclusivamente sobre encenações teatrais, 9 9 É o caso, por exemplo, de “Eine neue Operette” ( 1981: 21-23). estas não são a regra. Como podemos observar logo no início de “Theater in Berlin”, a vida urbana age como um campo magnético que prende a atenção do autor e o obrigará, em diversos momentos, a deter-se sobre ela. Não é incomum que boa parte das linhas das resenhas sejam dedicadas a descrever e comentar o percurso que leva o autor pelas ruas de Berlim até as portas do teatro. Esses desvios textuais, em sua recorrência, tornam-se uma das marcas de sua escrita para o Prager Tagblatt.

A forma irregular, repleta de veredas e interrupções, condiz bem com uma perspectiva pouco convencional, adotada por Döblin, em relação ao gênero da resenha. Além da estrutura sintática e do estilo do texto, no qual a crítica especializada notou a influência de Karl Kraus ( Sander 2016SANDER, Gabriele. Döblin als Essayist. In: BECKER, Sabina (ed.). Döblin-Handbuch. Stuttgart: J. B. Metzler Verlag, 2016, p. 255-264.: 258), as escolhas vocabulares, feitas pelo autor, concordam com o tom dominante dos textos. Como veremos, termos rebaixados e comezinhos se combinam com um uso pontual de expressões dialetais, responsáveis por conferir uma fisionomia textual que ora ressalta a atmosfera urbana, ora cria um efeito de distanciamento. Como observou Manfred Beyer, editor do volume Ein Kerl…, o estilo “displicente” [ salopp] era também um modo de expressar a repulsa à linguagem “burguesa da crítica de arte” (1981BEYER, Manfred. Zu dieser Ausgabe. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 267-268.: 267). Por um lado, há, portanto, elementos linguísticos que frustram as expectativas convencionais associadas à ideia de uma resenha teatral. Por outro, embora esses aspectos lexicais e sintáticos criem um efeito de tensão na leitura, a singularidade do estilo dessas resenhas deriva, sobretudo, da tendência à reflexão sobre temas aparentemente alheios ao universo teatral.

Um dos resultados da tendência reflexiva é uma expansão forçada dos limites do gênero, que abre mão da especificidade de um objeto definido ⎼ a peça ou a encenação ⎼ para se tornar espaço de uma crítica de amplo escopo. Isso pode ser observado já nessa primeira resenha, na qual, atraído pelos elementos que constituem a cidade ⎼ também ela em expansão ⎼, o autor parece mergulhar em aspectos cotidianos banais, aqueles que menos pareceriam apropriados a um texto dedicado ao teatro. Após descrever a impressão geral acerca da rua e dos estabelecimentos aos quais pouca atenção é, de praxe, dedicada, Döblin irá ponderar sobre o anonimato a que são relegadas as pessoas encarregadas das tarefas do cotidiano comum de uma grande cidade:

Nem uma palavra sobre essas criaturas nobres, capacitadas, esforçadas, inteligentes, em anáguas e calças, que se dedicam da manhã até a noite a prover coisas que são o sustento de seu entorno. Nem uma palavra sobre a moça de dedos grossos que ordenha a vaca, arrastando a banqueta três vezes por dia, assoando o nariz ⎼ os dois dedos do meio servem para isso ⎼, ela pressiona o leite branco e brilhante, xii, xii , no balde. Para as dúzias de crianças que correm por aqui e não a conhecem, para os sessenta frequentadores da cafeteria que se sentem constrangidos com essa moça por seu jeito caipira, porque se entregam ao método artificial do lenço. Quantos seres sem nome. O acendedor de lampiões, o operário da fábrica de gás, o gari. 10 10 Tradução nossa do original: „Kein Wort über diese edlen, tüchtigen, arbeitsamen, klugen Geschöpfe in Unterrock und Hose, die sich vom Morgen bis zum Abend dazu hergeben, die erhaltenden Dinge für ihre Umwelt bereitzustellen. Kein Wort von der Kuhmagd mit den dicken Fingern, die sich täglich dreimal den Schemel heranschiebt, die Nase schneuzt – zwei Mittelfinger sind dafür bestimmt –, die weiße schimmernde Milch, strull, strull, in den Eimer preßt. Für zwei Dutzend Kinder, die hier herumlaufen und sie nicht kennen, für sechzig Kaffeehausbesucher, die sich dieser Dame wegen ihrer ländlichen Aufmachung schämen und weil sie selbst der unnatürlichen Methode des Taschentuchs frönen. Wie viel namenlose gute Geister gibt es. Der Laternenanzünder, der Gasarbeiter, der Straßenfeger” (1981: 15).

O efeito prosaico do uso da onomatopeia (“strull”) reforça o argumento da passagem, cujo tom varia entre elevado e irônico. Ao mesmo tempo que reconhece a importância do ofício da trabalhadora que ordenha a vaca, há uma mistura de autenticidade e leve ironia na menção à grossura dos seus dedos e ao hábito de usá-los para assoar o nariz. A ironia, contudo, não parece dirigida à trabalhadora, mas, sim, ao público leitor, cuja sensibilidade Döblin procura abalar. Se a descrição dos sons e das ações (como o arrastar da banqueta) carrega, por um lado, algo de rude, por outro, Döblin preserva um gesto próprio do ato do trabalho, demonstrando que só a objetividade sem concessões seria apropriada ao tema. Essa é uma operação que tem por finalidade, por meio da aproximação bruta, sustentar a dignidade do trabalho e, simultaneamente, questionar os interesses do público que o lê. Não se trata, entretanto, de negar a importância do universo do teatro, mas, sim, de questionar a pressuposta soberania deste diante das questões corriqueiras da vida cotidiana. Há, em sua postura, um claro repúdio à distinção convencional entre os assuntos dignos de serem abordados por um “crítico de arte” e aqueles, mais rebaixados, que não pertenceriam à mesma esfera de valor:

Se o teatro cruzar meu caminho, também falarei sobre teatro. Assim como sobre as outras lojas de sabonetes. O teatro não é mais importante, tampouco mais insignificante, do que uma quitanda. No que depender de mim, cada nabo terá o que merece. 11 11 Tradução nossa do original: „Wenn mir Theater über den Weg kommt, will ich auch über Theater sprechen. Ebenso über die anderen Seifenladen. Das Theater ist nicht wichtiger, aber nicht belangloser als ein Gemüsegeschäft. Bei mir soll jede Kohlrübe zu ihrem Recht kommen” (1981: 17).

Distanciando-se do objeto ‒ a peça ou a encenação ‒ que deveria, convencionalmente, ser projetado no primeiro plano do texto, Döblin rompe o pacto que esperamos estabelecer ao nos dedicarmos à leitura de uma resenha. No sentido contrário da especialização e da seriedade normalmente associadas à posição de um crítico teatral, 12 12 Como observa Wulf Köpke: “Ele [Döblin] atacou não apenas a instituição do teatro socialmente dominante e subvencionado pelo Estado mas também a instituição do crítico de teatro ‘profissional’”. Do original: „Er [Döblin] attackierte nicht nur die Institution des gesellschaftlich dominierenden öffentlich subventionierten Theaters, sondern zugleich die Institution der ‚offiziellen’ Theaterkritik” (2007: 66). o autor destacava o fato de o teatro estar inserido na paisagem prosaica do espaço urbano e não ter, por isso, mais ou menos importância do que outros elementos que a compõem e que dominam o texto.

2 A construção do espaço

O interesse pelo espaço e pela dinâmica da vida na metrópole comparece, de modos diversos, na obra de Döblin desde seus primeiros escritos. Embora a referência mais explícita ao tema seja localizada pela crítica no romance Berlin Alexanderplatz, de 1929, é possível reconhecer, no arco dos primeiros vinte anos de sua produção, uma atenção continuada, embora de intensidade irregular, às novas configurações e desafios ocasionados pelo desenvolvimento urbano. Um desenvolvimento profundamente relacionado ao adensamento das grandes cidades, mas que não se restringe a ele. De fato, ao fenômeno da constituição das metrópoles na virada do século XX estão associados tanto um processo de complexificação da infraestrutura urbana quanto da vida política e cultural ( Becker 1993BECKER, Sabina. Urbanität und Moderne. Studien zur Großstadtwahrnehmung in der deutschen Literatur 1900-1930. St. Ingbert: Röhrig, 1993.: 31-32). Como observaram já os primeiros estudiosos que se dedicaram ao fenômeno da metrópole no início do século XX ( Simmel 2005SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito (1903). Mana, v. 11, n. 2, p. 577-591, 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-93132005000200010 (23/11/2022).
https://doi.org/10.1590/S0104-9313200500...
; Park 1915PARK, Robert E. The City: Suggestions for the Investigation of Human Behavior in the City Environment. American Journal of Sociology, v. 20, n. 5,1915, p. 577-612.), as transformações na estrutura física e social do espaço produziam efeitos passíveis de serem notados não só na malha das interações sociais mas também nos dispositivos de percepção da realidade e na própria constituição da esfera subjetiva. Se esse processo deixou marcas diversas em toda literatura das primeiras décadas do século XX (as quais podem expressar-se igualmente como rejeição desse mesmo processo), em particular na obra de Döblin, é possível reconhecer que estas se deram, em alguns escritos, a partir de uma apropriação intencional e uma reflexão estética. Como observou Gabriele ( Sander 1998SANDER, Gabriele. Erläuterungen und Dokumente. Alfred Döblin: Berlin Alexanderplatz. Stuttgart: Reclam, 1998.: 76),

Muito antes de Döblin começar a redação de Berlin Alexanderplatz, o autor retratou, em diversas obras, a cidade de Berlim, que gerou o espaço e a atmosfera de fundo de muitos de seus escritos em prosa. Já em Modern. Ein Bild aus der Gegenwart (data do manuscrito: 6/10/1896) ⎼ escrito durante seus anos escolares ⎼ pode-se reconhecer o flâneur. 13 13 Tradução nossa do original: „Lange bevor Döblin mit der Niederschrift von Berlin Alexanderplatz begann, hatte der Autor in verschiedenen Werken die Stadt Berlin porträtiert, die den räumlich-atmosphärischen Hintergrund vieler seiner Prosaarbeiten bildete. Bereits in Döblins noch zur Schülerzeit entstandenen Text Modern. Ein Bild aus der Gegenwart (Manuskriptdatierung: 6.10.1896) ist der Flaneur erkennbar”.

Modern. Ein Bild aus der Gegenwart foi escrito em 1896 e publicado apenas após a morte de Döblin. O texto permaneceu incompleto e, apesar de ser muito diferente do que o autor desenvolveria posteriormente em termos de estilo, já apresenta elementos que antecipam, por exemplo, um ponto de vista interessado pela dinâmica dos transeuntes que cruzam os espaços públicos da cidade. O texto começa com uma descrição do movimento nas ruas de Berlim, mas a atenção do narrador se dirige sobretudo às pessoas que transitam por elas, enquanto a paisagem urbana se concretiza pela indicação de nomes de regiões e ruas da cidade, sem que haja um mergulho descritivo. A alternância rápida de foco em Modern, aliada às frases curtas, gera um efeito de velocidade que impregna suas primeiras páginas. Embora o estilo dessa obra ainda não seja homogêneo, já se pode entrever alguns processos técnicos que serão desenvolvidos e apurados mais adiante.

A cidade perde a sua centralidade nas obras ficcionais subsequentes de Döblin ( Sander 1998SANDER, Gabriele. Erläuterungen und Dokumente. Alfred Döblin: Berlin Alexanderplatz. Stuttgart: Reclam, 1998.: 77) para reaparecer, pouco antes da primeira guerra, em alguns contos (“Von der himmlischen Gnade”, “Der Kaplan” e “Die Nachtwandlerin” 14 14 Como observa Klaus Müller-Salget, especificamente sobre “Der Kaplan”, a representação da metrópole, em comparação ao que se verá em Berlin Alexanderplatz, é ainda sutil e “impressionista” (1972: 62). ), e, com mais relevância, em Wadzeks Kampf mit der Dampfturbine ‒ romance escrito na segunda metade de 1914, mas publicado apenas em 1918. Neste último, que tanto impressionou Bertolt Brecht, a figuração do espaço urbano pode ser considerada ⎼ se comparada ao que veremos em Berlin Alexanderplatz ⎼ ainda literariamente mais convencional, de modo que a cidade não adquire autonomia narrativa (Stancic 2016STANCIC, Mirjana. Wadzeks Kampf mit der Dampfturbine. Roman (1915). In: BECKER, Sabina (ed.). Döblin-Handbuch. Stuttgart: J. B. Metzler Verlag, 2016, p. 52-60.: 56). Contudo, ainda que Berlim não tenha ganhado centralidade temática e sintática na construção dessas obras, o próprio autor pondera que o desenvolvimento de seu percurso estético está intrinsecamente associado à experiência da urbanização, pois seu “pensamento e obra de natureza intelectual pertencem, de forma explícita ou não, a Berlim”. 15 15 Tradução nossa do original: „mein Denken und Arbeiten geistiger Art gehört, ob ausgesprochen oder nicht ausgesprochen zu Berlin” ( 1978: 214).

O que podemos concluir até aqui, portanto, é que, até os anos 1920, o interesse pela dinâmica da vida urbana sempre se insinuou na obra de Döblin. De modo mais ou menos explícito, embora não seja possível identificar um “protagonismo” do espaço, essa dinâmica desponta e chama atenção em diferentes momentos de sua escrita ficcional. Contudo, curiosamente, em sua vasta produção teórica, Döblin não desenvolveu reflexões acerca dos problemas específicos impostos à representação literária pelo processo de urbanização. O que podemos observar em seus escritos não ficcionais é a predominância de considerações e proposições sobre estilo, categorias do gênero e técnica literária, interrogando sempre o sentido da mobilização desses elementos em relação à situação contemporânea, o que acentua os dilemas da vida social de sua época e o impacto do desenvolvimento, por exemplo, da imprensa periódica na prosa. De todo modo, não identificamos considerações específicas acerca de articulações entre a composição artística e as transformações urbanas até a década de 1920 ‒ algo que veremos se concretizar em alguns momentos particulares das resenhas.

3 O espaço em seu tempo

Se, em sua primeira resenha, Döblin já indicava que os habitantes e aspectos banais da vida urbana possuíam, para ele, tanta importância quanto os acontecimentos do universo teatral de Berlim, essa aparente provocação se revelará, nas páginas das resenhas seguintes, uma linha condutora. Como já indicamos a partir dos trechos anteriormente comentados, os dados do cotidiano de Berlim aparecem, muitas vezes, desvinculados de qualquer análise sobre peças e encenações. A estes são dedicadas inúmeras passagens que mesclam descrições de acontecimentos e breves reflexões sobre as condições de percepção da realidade nessa nova estrutura espacial.

Quem vira da Leipzigerstraße para a região sul da Friedrichstraße tem diante de si um espetáculo potente e vigoroso: o metropolitano, que atravessa Berlim do Norte ao Sul, está sendo coberto, os pesados tetos de concreto estão sendo fechados, os cabos, inseridos, colocados, a nova rua está sendo preparada sobre a ferrovia submersa no chão. 16 16 Tradução nossa do original: „Biegt man von der Leipziger Straße in die südliche Friedrichstraße ein, so hat man vor sich ein mächtiges, kraftvolles Schauspiel: Die Untergrundbahn, die Berlin von Norden nach Süden durchfährt, wird gedeckt, die schweren Betondecken werden geschlossen, die Kabel eingeführt, aufgelegt, die neue Straße wird hergerichtet über der bodenversenkten Bahn” (1981: 23).

Alguns trechos, como o destacado, permitem-nos observar, ao lado de Döblin, as transformações da metrópole que, recentemente, havia passado por um processo de incorporação de pequenos municípios vizinhos. A Lei da Grande Berlim, que regulamentou a fusão dessas regiões, foi aprovada em 1920 e era consequência de uma demanda do fim do século XIX. O projeto pretendia ampliar o perímetro urbano por meio da anexação de regiões circundantes e um de seus objetivos era amenizar os efeitos da densidade populacional, agravada especialmente após 1870, quando teve início o período de acelerada industrialização e uma intensa afluência de trabalhadores das áreas rurais para Berlim ( Reulecke 1977REULECKE, Jürgen. Population Growth and Urbanization in Germany in the 19th Century. Urbanism Past & Present, n. 4, p. 21-32, 1977. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/44403540 (21/12/2022).
http://www.jstor.org/stable/44403540...
: 27). Em 1920, depois da incorporação das áreas vizinhas, Berlim se tornou, com quase quatro milhões de habitantes, a terceira maior metrópole do mundo, atrás apenas de Londres e Nova York. A anexação não afetou a metrópole apenas em termos numéricos, com o aumento artificial da população, mas também proporcionou a criação de um sistema integrado de infraestrutura. Em outros termos, a transformação objetiva da estrutura urbana teve efeitos tanto na experiência do espaço quanto nas relações que se organizam a partir dela, com inúmeras consequências que aparecerão em resenhas de Döblin.

Mal conseguimos nos convencer a ir ao teatro. Os teatros funcionam. Afinal, Berlim é tão grande que em uma região – como em Lichtenberg em 1919 – podem acontecer revoltas e batalhas nas ruas, enquanto a outra vive, pulsa e se diverte como se nada houvesse. [...]

Rua sombria, cá estou de novo. Ilumine-se novamente. (Mas a rua não é lugar de apelos líricos. No caminho para casa, juntei-me a um tumulto de pessoas na praça Strausberger; lá elas arrombaram e saquearam uma confecção). 17 17 Tradução nossa do original: „Man kann es kaum über sich bringen, ins Theater zu gehen. Die Theater spielen. Berlin ist schließlich so groß, daß in der einen Gegend – wie 1919 in Lichtenberg – Aufruhr und Straßenkampf sein kann, während die andere lebt, treibt, sich vergnügt wie sonst. […] Trübe Straβe, da bin ich wieder. Werde wieder hell. (Aber die Straβe ist nicht für lyrische Anrufe. Beim Heimgang kam ich in einen Auflauf am Strausberger Platz; da knackten sie und plünderten ein Konfektionsgeschäft)” (1981: 218-220).

Esses dois trechos da mesma resenha, publicada em 1923, indicam experiências de dissociação. No primeiro, a cidade parece ganhar autonomia em relação ao sujeito do texto: as diferentes regiões da cidade pulsam em ritmos diversos, e o indivíduo que por ela circula não é mais capaz de apreendê-la como uma totalidade. Ao mencionar a data de 1919 e a região de Lichtenberg, Döblin faz referência a algo que estava ainda fresco na memória de grande parte do público leitor que certamente acompanhava os acontecimentos da jovem república alemã: em março daquele ano, teve início uma greve geral de ampla adesão. Foi em meio à greve de março que ocorreram os embates mais violentos do período da Revolução Alemã de 1918-1919. Apesar da gravidade dos enfrentamentos, Döblin sugere que a extensão da metrópole permite que as diferentes regiões vivam realidades praticamente diferentes, fragmentando a experiência social. Anos mais tarde, em um texto autobiográfico, o autor descreveu os acontecimentos daquele mês e relatou a morte de sua irmã Meta, atingida por estilhaços de uma granada ao sair para buscar leite. Ao retomar esses eventos, Döblin resgatou a percepção sobre a fragmentação da experiência, enfatizando que, enquanto muitos eram fuzilados em um cemitério da Möllendorffstraße, havia bailes e dançava-se alegremente em outras regiões de Berlim (1998: 42DÖBLIN, Alfred. Erster Rückblick. In: DÖBLIN, Alfred. Im Buch. Zu Haus. Auf der Straße. Marbach: Deutsche Schillergesellschaft, 1998, p. 5-126.).

A percepção de que havia uma apreensão fragmentada da realidade já vinha sendo discutida desde o início do século XX, a partir dos primeiros textos que tentaram compreender como o fenômeno da metrópole operou um conjunto de transformações sistemáticas na vivência subjetiva do espaço e do tempo. Willy Hellpach, por exemplo, ao procurar definir, em 1902, algumas das particularidades dessa nova estrutura social, identificou a fragmentação como uma das características mais distintivas da metrópole: avessa à observação estática, a grande cidade não se deixava captar como totalidade, mas apenas como pedaços atomizados em movimento ( Becker 1993BECKER, Sabina. Urbanität und Moderne. Studien zur Großstadtwahrnehmung in der deutschen Literatur 1900-1930. St. Ingbert: Röhrig, 1993.: 45). Essa fragmentação da experiência e a constante mobilidade do espaço como objeto, que se transforma constantemente, parecem também indicar uma espécie de esgarçamento da vida comunitária. Se o indivíduo não é mais capaz de saber pelo que passa seu vizinho, como estabelecer parâmetros de uma vida comum?

Döblin tematizou explicitamente esse problema, que o levou à questão mais propriamente artística, presente no segundo excerto do trecho anteriormente destacado: como elaborar uma representação literária dessa nova configuração urbana, que rejeita a possibilidade de totalização pela subjetividade de um narrador ou de um “eu lírico” 18 18 Cf. citação anterior: “Mas a rua não é lugar de apelos líricos” (1981: 220). ? Em primeiro lugar, na medida em que condiciona a fragmentação da apreensão da realidade, o espaço não pode mais ser representado como mero pano de fundo para o desenvolvimento do indivíduo. Na frase seguinte da mesma passagem (“No caminho para casa, juntei-me a um tumulto…”), o espaço se impõe como movimento e recusa o olhar estático do narrador. Nessa medida, o texto de Döblin corrobora, mais uma vez, concepções correntes nos estudos da época sobre a metrópole, segundo os quais o movimento permanente ( Becker 1993BECKER, Sabina. Urbanität und Moderne. Studien zur Großstadtwahrnehmung in der deutschen Literatur 1900-1930. St. Ingbert: Röhrig, 1993.: 49) determinava as relações entre indivíduo e espaço.

Antes, havia apenas uma tensão em Berlim. Agora, houve a primeira explosão, e ainda não acabou. A segunda-feira, com o fabuloso – supostamente mal calculado – preço do pão a 140 bilhões, equivalentes a 1,40 marco de ouro, foi o estímulo que deflagrou a tensão. (...) Ao meio-dia eu estava na Alexanderplatz, a um minuto de distância do local do tumulto e – não notei nada! Tudo estava e corria bem. Em Berlim as coisas são, como em uma verdadeira metrópole, localizadas e mal ecoam. 19 19 Tradução nossa do original: „Erst war nur eine Spannung in Berlin. Jetzt ist der erste Ausbruch da und noch nicht vorbei. Der Montag mit dem fabelhaften – angeblich falsch errechneten – Brotpreis von 140 Milliarden, gleich 1,40 Goldmark, war der Reiz zur Auslösung der Spannung. (...) Ich war Mittag auf dem Alexanderplatz, eine Minute von den Orten des Tumults entfernt, und bemerkte – nichts! Es lief und ging alles friedlich. In Berlin ist wie in einer wirklichen Groβstadt alles lokalisiert und klingt kaum weiter” (1981: 220).

A passagem destacada, retirada de uma resenha de 1923, refere-se ao dia em que o bairro berlinense Scheunenviertel, de população majoritariamente judia, sofreu um ataque antissemita, motivado, em parte, pela inflação. Nesse trecho, além de adotar um ponto de vista situado em meio à movimentação, Döblin volta a enfatizar a atomização da experiência, sugerindo os impactos para a possibilidade de experiência coletiva. São reflexões que Döblin já vinha abordando, em textos mais longos, desde o fim da Primeira Guerra Mundial, sob o pseudônimo de Linke Poot, e nos quais podemos notar como certos aspectos das resenhas teatrais começaram a se desenvolver alguns anos antes ⎼ aspectos estes que serão decisivos para a análise que fará das peças resenhadas.

4 O espaço da arte

A partir de junho de 1919, na Neue Rundschau, periódico da editora de Samuel Fischer, Döblin publicou uma série de artigos que, três anos mais tarde, foram parcialmente reunidos sob o título Der deutsche Maskenball. A revista literária concedia a Döblin tempo e espaço para elaborar textos relativamente longos, cujo tema principal eram os acontecimentos políticos dos primeiros anos após o fim da Primeira Guerra Mundial. Sua forma, que combinava relato, reportagem, comentários políticos e reflexões pessoais, fez com que os textos fossem bem recebidos por seus contemporâneos ( Köpke 2003KÖPKE, Wulf. The critical reception of Alfred Döblin’s major novels. New York: Camden House, 2003.: 16,17). Há neles traços satíricos e ácidos, que serão a marca dessa série, além de trechos claramente experimentais. O artigo que abre o livro, “Canibalismo”, começa com o seguinte comentário:

Recentemente, não se sabe bem onde, um mineiro abateu uma criancinha, vendeu os músculos como carne de carneiro, e uma parte também veio para Berlim, para o horror de todos os leitores que comem carneiro.

Um caso similar se tornou famoso na Antiguidade e deu ensejo às tragédias mais loucas. Agora, chega a Berlim muita carne como se fosse de carneiro. A escassez de carne resultou em certa magnanimidade e generosidade em assuntos zoológicos, o juízo se turva, a fome é saciada. 20 20 Tradução nossa do original: „Ein Bergmann hat neulich irgendwo ein junges Kind geschlachtet, die Muskulatur als Hammelfleisch verkauft, ein Teil davon ist auch nach Berlin gekommen, zum Entsetzen aller Hammel essenden Leser. Ein ähnlicher Vorfall ist im Altertum bekannt geworden und hat hier zu den tollsten Tragödien Anlaß gegeben. Nun kommt viel Hammelfleisch nach Berlin, das keins ist. Die Fleischnot hat eine gewisse Großartigkeit und Weitherzigkeit in zoologischen Dingen im Gefolge gehabt, das Urteil trübt sich, der Hunger wird gestillt.” (1972: 10 )

A escassez de alimentos que assolou os anos de guerra e do pós-guerra, as anedotas urbanas, a referência à obra de Kleist e os comentários sobre canibalismo são elementos mobilizados para armar a moldura do tema central, que já comentamos em suas resenhas ao jornal de Praga: o massacre da Greve Geral de março de 1919. O estilo mordaz de Linke Poot transparece desde as primeiras linhas e será um dos aspectos mais marcantes dessas reflexões, nas quais ponderações acerca do desenvolvimento contemporâneo de movimentos artísticos se misturam a comentários políticos como indício de uma desorientação social que, para Linke Poot, parece determinar esses anos:

Eu roubo, tu surrupias alimentos, ele contrabandeia, nós cobramos excessivamente por moradias, vós... Dizem que o governo não presta para nada. Um governo que se preocupa até com a diversão do povo. Que compreendeu tão rapidamente a tarefa de um governo de verdade: promover o esclarecimento do povo com piadas do fundo do baú. E isso não é nada?

O movimento dadaísta se diferencia do governo alemão na medida em que o governo faz cartazes de suas ideias divertidas, enquanto o movimento dadaísta faz livrinhos muito mais bonitos e apropriados com elas. São páginas vermelhas, verdes, azuis, de diferentes espessuras, também as fontes mudam em um mesmo poema ou ensaio, para nos entreter. A “Anthologie Dada”, de Tristan Tzara, tem também a vantagem de que, quem não quiser tê-la, não precisa comprá-la, e não arrisca ganhar uma coronhada por isso. 21 21 Tradução nossa do original: „Ich stehle, du schiebst Lebensmittel, er handelt Schleich, wir wuchern Wohnungen, ihr ⎼. Man sagt, die Regierung taugt nichts. Eine Regierung, die sogar für Volksbelustigung sorgt. Die so rasch den Beruf einer wahren Regierung erfaßt hat, Volksaufklärung mit antiquarischen Witzen zu treiben. Und das ist nichts? Die Dadabewegung unterscheidet sich darin von der deutschen Regierung, daß die Regierung ihre kurzweiligen Einfälle plakatiert, die Dadabewegung aber viel schönere kleine zweckentsprechende Hefte mit Bildern daraus macht. Es sind rote, grüne, blaue Seiten, von verschiedener Dicke, auch die Typen im einzelnen Gedicht und Essay wechseln, um uns zu unterhalten. Die «Anthologie Dada» von Tristan Tzara hat auch den Vorteil, daß, wer sie nicht haben will, sie nicht zu kaufen braucht, ohne einen Kolbenschlag zu riskieren” (1972: 33).

A partir dos trechos destacados, gostaríamos de evidenciar a atenção que Döblin dedicava à dinâmica urbana e como articulou o relato de acontecimentos políticos a reflexões sobre a esfera da arte, de modo a demonstrar que esse conjunto de temas já aparecia em sua produção após o fim da Primeira Guerra Mundial. Ocorre que, em 1921, ao se tornar colaborador do Prager Tagblatt, Döblin não fora convidado como folhetinista, mas, sim, como resenhista teatral. O que observamos, entretanto, é que esse eixo de preocupações persiste, e a reflexão acerca da experiência subjetiva frente à expansão urbana marcou várias de suas resenhas no Prager Tagblatt. Há, nessa postura, o gesto contrariado de quem acredita não ser possível separar arte e vida e entende que a verdadeira compreensão da situação artística depende de um olhar desperto para o seu tempo histórico.

Nessa medida, se a transformação da estrutura da metrópole deixa seus rastros no texto, isso ocorre não apenas na forma de descrições objetivas mas também como dado que impacta a análise crítica das peças. Os efeitos produzidos por essas ruas nada passivas, que atravessam também o espaço do teatro, orientam o olhar do crítico acerca das peças e montagens que ele verá. A partir de um mergulho no cotidiano da cidade, o autor irá analisar o sentido do que será apresentado sobre os palcos. Por isso, encontramos, repetidas vezes, comentários sobre a sensação de incoerência vivenciada por ele ao notar que, ao mesmo tempo que Berlim passava por um período social tão turbulento e incerto, ele teria de se debruçar sobre encenações que pareciam não conseguir se comunicar com o momento presente: “Toda a Berlim literária e artística está presente nessa estreia. Uma visão bonita e interessante, mas um pensamento desconfortável: nas redondezas fica a Invalidenstraße; como alguém pode agora festejar, atuar”. 22 22 Tradução nossa do original: „Das ganze literarische um künstlerische Berlin findet sich bei dieser Premiere ein. Ein schöner und interessanter Anblick, aber unheimlich der Gedanke: in der Nähe ist die Invalidenstraβe; wie kann man jetzt feiern, spielen” (1981: 221). A crítica à desconexão entre a esfera cultural e os acontecimentos sociais encontra eco em formulações teóricas elaboradas por Döblin em escritos de 1910 a 1920 acerca da necessidade de restabelecer a reverberação da arte na vida cotidiana.

A articulação realizada nessas resenhas, entre os acontecimentos políticos e as análises das encenações, dialoga com e ilumina as reflexões teóricas elaboradas nos ensaios da década anterior. Os textos do Prager Tagblatt podem mostrar-se janelas privilegiadas para discutir a trajetória crítica e literária de Döblin sem, contudo, perder sua importância como documentos do mundo teatral daqueles anos. Mesmo na primeira resenha ⎼ sobre a qual já comentamos e na qual Döblin não se detém sobre qualquer encenação ⎼, Döblin faz uma breve menção a dois diretores teatrais:

Mas, em Berlim, há um diretor teatral, ou dois, que, acredito, são irmãos e têm um estilo com o qual os críticos da cidade não concordam. Supostamente, certo dia, os estranhos gêmeos disseram o seguinte: o que significa a crítica? O que é uma estreia de sucesso? E sucesso de público? Vá a uma reunião política e veja de que é feito o sucesso. 23 23 Tradução nossa do original: „In Berlin gibt es aber einen Bühnendirektor, oder zwei, die, glaub ich, Brüder sind und eine Direktion haben, über welche die Kritiker der Stadt nicht erbaut sind. Eines Tages soll das merkwürdige Zwillingspaar folgendes gesagt haben: ‚Was heißt Kritik? Was ist ein Premierenerfolg? Überhaupt Publikumserfolg? Man gehe in eine Volksversammlung und sehe, wie Erfolg gemacht wird’” (1981: 16-17).

Embora não seja um trecho longo, ele apresenta uma série de aspectos que serão retomados ao longo da coletânea. O primeiro deles é a repetição do tom de indiferença em relação ao teatro que, aqui, aparece na omissão intencional do nome dos diretores citados. É muito provável que o autor esteja referindo-se aos irmãos Rotter, diretores e produtores de teatro ⎼ que serão, em resenhas posteriores, nomeados. Famosos desde os primeiros anos da República de Weimar, os irmãos Fritz e Alfred Rotter (originalmente, de sobrenome “Schaie”) tiveram uma carreira próspera, produziram diversas peças e encenaram textos aclamados pela crítica, mas conquistaram fama com peças consideradas “populares”. Em suas muitas casas de espetáculos, foram encenadas obras que tiveram êxito com o público, e não há uma opereta de sucesso da época que não tenha passado pelo palco dos dois irmãos. 24 24 Apesar do sucesso que haviam conquistado, já nos anos 1920, os irmãos precisaram enfrentar o recrudescimento do antissemitismo. Alfred Rotter e sua esposa, Gertrud Rotter, faleceram enquanto tentavam fugir de uma emboscada realizada por nazistas, em Liechtenstein, em 1933. Embora Fritz tenha conseguido escapar, ele foi preso, anos depois, em Colmar, onde faleceu, em 1939. A trajetória dos irmãos Rotter é iluminadora para se compreender certos elementos da cena teatral e do antissemitismo em Berlim. Cf. Kamber ( 2020). O fato de terem conseguido manter-se ativos, ainda que de forma irregular, nos anos profundamente instáveis da República de Weimar, bem como de terem superado falências e continuado no ramo, era uma enorme prova da tenacidade e da habilidade dos Rotter. Não é à toa que Döblin faça questão de frisar que os críticos teatrais da época não estariam de acordo com a produção dos irmãos: grande parte de seu repertório, desdenhado como popular, costumava ser desaprovado pela crítica especializada. 25 25 Em sua biografia sobre os irmãos, Peter Kamber cita o relato de Ernst Josef Aufricht, que, em 1931, ao encenar peças de Ernst Toller e Bertolt Brecht, enfrentava um fracasso completo de bilheteria. Para evitar que o teatro permanecesse vazio, Aufricht oferecera ingressos de cortesia para sindicatos e organizações de trabalhadores sem, contudo, conquistar o público. Segundo o diretor, foi então que um conhecido o alertou para o fato de que, se quisesse descobrir pelo que os trabalhadores e desempregados se interessavam, deveria ir ao teatro Plaza, locado pelos irmãos Rotter, assistir a uma de suas operetas (2020: 19). Os irmãos tiveram seus maiores êxitos no fim da década de 1920 e começo de 1930.

Além de dados históricos similares que as resenhas hoje nos permitem recuperar, cumpre notar um segundo aspecto: o modo como Döblin, ao se apropriar da citação dos irmãos, associa arte e política. Se podemos notar aqui certa ironia do autor em relação à predisposição popularesca do repertório dos irmãos Rotter, é preciso observar que, intencionalmente, sugere duas questões fundamentais que marcarão toda a discussão sobre os anos 1920, a saber, a estetização da política e a politização do teatro. Ademais, não se deve extrair da sugestão de Döblin uma possível postura elitista. Pelo contrário, Döblin sustentará, de modo recorrente, uma rejeição do papel tradicional da crítica, dos lugares-comuns e das convenções estabelecidas do gênero, sobretudo no que diz respeito ao elitismo. Isso pode ser constatado ao observarmos, por exemplo, os comentários feitos contra a obra de escritores considerados, então, canônicos. Além de se contrapor ao culto de clássicos, como J. W. Goethe, Döblin criticava escritores como Gerhart Hauptmann, um dos nomes mais festejados da literatura alemã nos anos da República de Weimar:

Neste ano, 1922, o teatro e sua imprensa ecoaram com alarde o aniversário de Hauptmann. Não se ouve sequer uma voz crítica em toda a nação, com exceção da direita radical – para a qual o autor não era ou não é suficientemente “nacional” –, e da extrema esquerda – para a qual ele não é suficientemente pacifista, ou nem mesmo isso. Hauptmann tem seus aduladores. E como a Alemanha seria possível sem aduladores? 26 26 Tradução nossa do original: „In diesem Jahr, 1922, tönt das Theater und seine Presse wider vom Lärm des Hauptmann-Jubiläums. Keine kritische Stimme hört man im Reich, es sei denn von rechtsradikaler Seite, denen der Autor nicht ‚national’ genug war oder ist, oder von sehr linker Seite, denen er nicht genug Pazifist oder noch weniger ist. Hauptmann hat seine Byzantiner. Und wie wäre Deutschland möglich ohne Byzantiner” (1981: 104-105).

É digna de nota a posição crítica assumida nesta e em outras resenhas: Hauptmann era considerado um dos grandes nomes do naturalismo alemão, e Döblin, desde seus primeiros escritos teóricos, associa os termos “naturalismo” e “naturalista” ao seu próprio programa estético. 27 27 Em sua carta aberta a Marinetti, de 1912, Döblin dirá: “Naturalismo, Naturalismo; ainda não somos naturalistas o suficiente” (2017: 85). Em 1913, ele reforça mais uma vez: “O naturalismo não é um ‘Ismo’ histórico, mas um aguaceiro que sempre cai sobre a arte, e que deve continuar caindo” (Tradução de Cornelsen 2001: 200). Do original: „Der Naturalismus ist kein historischer Ismus, sondern das Sturzbad, das immer wieder über die Kunst hereinbricht und hereinbrechen muβ” (1963: 18). Uma associação que, conforme pondera Elcio Cornelsen, não representa uma apropriação anacrônica, mas, sim, a tentativa de estabelecer uma “continuidade de fundamentos estéticos naturalistas, os quais são, em parte, complementados por outros fundamentos e, em parte, modificados” (2001: 200). 28 28 Cf. Döblin ( 2000: 66, 67). Nos anos 1920, contudo, Döblin avaliava que Hauptmann havia se afastado de seu impulso inicial, perdido sua disposição naturalista. Na resenha anteriormente destacada, de setembro de 1922, ele aproveitou o ensejo das comemorações de 60 anos de Hauptmann para criticá-lo e contrapô-lo a Arno Holz, cuja obra Döblin considerava injustamente desprezada.

Autor do texto teórico naturalista mais importante em língua alemã ( Kindt, Köppe 2008KINDT, Tom; KÖPPE, Tilmann. Zurück zur Kultur. Alfred Döblins Naturalisierung des Naturalismus. In: BECKER, Sabina; KRAUSE, Robert (org.). Internationales Alfred-Döblin-Kolloquium. Bern: Peter Lang, 2008, p. 27-40.: 31), Holz foi apresentado a Döblin em 1904, no “Verein für Kunst”, organizado por Herwarth Walden. Os laços entre ambos, no entanto, estreitaram-se apenas nos anos 1920 ( Prangel 1987PRANGEL, Matthias. Alfred Döblin. 2., neubearbt. Aufl. Stuttgart: Metzler, 1987.: 21), e Holz se tornou uma referência cada vez mais constante nos escritos teóricos de Döblin. Embora o naturalista não seja citado nominalmente, pode-se notar a proximidade entre sua teoria e as reflexões de Döblin já em um texto de 1913, “An Romanautoren und ihre Kritiker. Berliner Programm” ( Cornelsen 2001CORNELSEN, E. L. O conceito de Kinostil e o princípio da montagem no romance Berlim Alexanderplatz, de Alfred Döblin. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 8, 2001, p. 194-210. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/17886 (29/11/2022).
https://periodicos.ufmg.br/index.php/ale...
: 200-201), assim como em “Bekenntnis zum Naturalismus” (1920). Em 1920, ele passou a constar nos escritos de Döblin e aparecerá nas resenhas do Prager Tagblatt, sendo a primeira menção de 03 de fevereiro de 1922. 29 29 A resenha em questão é “Zwischen Kälte und Nächstenliebe”, na qual compara, mais uma vez, Holz e Gerhart Hauptmann, para descrédito deste ( Döblin 1981: 48). Foi, contudo, na comemoração ao jubileu de 60 anos de Hauptmann, que Döblin decidiu dedicar mais atenção para discutir o que ele considerava ser uma das principais características da obra de Holz:

Há muitas décadas, ninguém sabe tanto sobre a língua alemã quanto Arno Holz. O que ele cria com a língua não tem precedente. Ele, um homem de sessenta anos, parece-me mais próximo dos mestres da pintura moderna, que, ao refletirem criticamente sobre seu material, a cor, começando por Cézanne, abrem e abriram um novo caminho. 30 30 Tradução nossa do original: „Es weiß seit langen Jahrzehnten niemand so viel wie Arno Holz, was die deutsche Sprache ist. Die Dinge, die er mit [ihr] gestaltet, sind beispiellos. Er, der Sechzigjährige, steht meinem Gefühl nach am nächsten den starken Meistern in der modernen Malerei, die kritisch sich zurückbesinnend auf ihr Element, die Farbe, mit Cézanne beginnend einen neuen Weg öffnen und geöffnet haben” (1981: 106).

É por meio desse intenso trabalho com a linguagem, característica fundamental da poética de Holz, 31 31 “O que, sem dúvida, caracteriza o papel de Holz como precursor da poesia de vanguarda produzida a partir da segunda década do século XX na Alemanha é a priorização da linguagem como instância poética fundamental.” ( Mello 2022: 35) que ele se mantém, como diz Döblin, um “poeta vivo” (1981: 105). Não se trata da defesa prescritiva de um modo específico de fazer artístico, mas, sim, do reconhecimento de um objetivo comum: a busca por uma comunicação entre as esferas da arte e da vida. 32 32 “Embora aspectos de sua posição poética tenham sido alterados no decorrer dos anos, ele se manteve de tal modo fiel à ideia de tarefa da arte ─ que é desenvolvida de modo exemplar no manifesto de Holz –, à ideia de que a arte e também a poesia devem ser aproximar da natureza.” ( Kindt, Köppe 2008: 32) Embora tenha escrito uma série de ensaios programáticos sobre literatura, Döblin sempre preservou o conceito de autonomia criadora. Ainda que, em ensaios sobre prosa dos anos 1910, tenha insistido na primazia da forma do relato, ele sustentava a necessidade de cada artista encontrar a solução poética para os problemas impostos pela obra. E, na década de 1920, Döblin parecia ainda mais avesso a qualquer imposição ou regra técnica: 33 33 “Mas nunca esqueça que não existe arte, e sim artistas, que cada qual cresce a seu modo, que cada um deve agir com cautela em relação ao outro. [...] Não há uma medida literária e artigos universais.” (2017: 91) (será que deveria haver um ponto final aqui?)

Nenhum poeta é obrigado a refinar a linguagem; ninguém foi tão desleixado linguisticamente quanto Dostoievski, e ele coloca décadas artísticas inteiras no bolso. [...] Talvez digam que me esquivei do assunto principal: a relação com o material (a tinta, a tela, a palavra). Cada trabalhador deve definir a questão por si mesmo.” 34 34 Tradução nossa do original: „kein Dichter hat die Sprache zu verfeinern; es war niemand sprachlich so schlampsig wie Dostojewski und er steckt ganze Jahrzehnte Kunst in die Tasche. [...] Wahrscheinlich sagt man mir jetzt, ich habe an der Hauptsache, der Stellung zum Material (Farbe, Leinwand, Wort) vorbeigeredet. Die Dinge muß jeder Arbeitende mit sich selbst abmachen” ( Döblin 2000: 67).

Tais comentários sobre a poética de Holz, assim como as críticas a Hauptmann, contribuem para a compreensão do desenvolvimento do projeto estético de Döblin. As formulações por vezes vagas que Döblin apresenta em suas resenhas teatrais ganham maior solidez quando são examinadas em relação a outros textos críticos e elaborações ficcionais. A ideia de “proximidade da vida”, por exemplo, surge em formulações diversas, mas semelhantes, em textos teóricos publicados nas décadas de 1910 e 1920. Assim como afirmou, em carta aberta a Marinetti, de 1912, que o elemento comum entre a sua obra e a do italiano ─ apesar das divergências ─ seria o desejo de aproximar-se da vida (2017: 87DÖBLIN, Alfred. Técnica verbal futurista (Trad. Alceu João Gregory). In: SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de (org.). A construção da obra épica e outros ensaios. Florianópolis: Editora da UFSC, 2017, p. 83-91.), também em 1922, ele irá enfatizar a necessidade de deixar brotar, da obra, a vida, para que a arte seja capaz de expressar o que é o ser humano (2000: 67). De modo semelhante, é possível observar, na resenha dedicada a Tambores na noite, a articulação entre essa proposição teórica de Döblin e a sua crítica teatral. Primeira peça encenada de Bertolt Brecht, 35 35 Embora os diários de Brecht indiquem que ele leu o romance Wadzeks Kampf mit der Dampfturbine ainda em 1920, os dois autores conheceram-se apenas em 1922 (Stancic 2016: 53, 54). Tambores estreou em Munique, em setembro de 1922, e, no mesmo ano, foi levada ao palco do Deutsches Theater, em Berlim. Döblin avalia, em sua resenha, que a obra teria um traço distintivo, digno de nota: a expressão direta da “brutalidade” e da “indignação”. Seu modo de representação, que mobiliza diferentes estilos, conseguiria carregar os dilemas da atualidade para a cena, e Döblin elogiou a capacidade da peça de, como indica o título da resenha, “capturar a vida”: 36 36 „Griffe ins Leben” (1981: 137).

Essa combinação de forma naturalista, paródia, uma lírica da indignação (ao lado de certo pacifismo) caracteriza uma longa lista de peças de jovens autores. (...) Essas peças possuem, todas, uma tarefa: trazer o sangue, a sujeira, o presente para o palco; abalar o romantismo morno dos poetas humanistas, dos anciões celebrados e de seu público. Elas são boas porque são necessárias. Boas sem restrições. Elas trazem o material. (...) Gostaria, ademais, de observar que mesmo os jovens autores não estão de todo livres, aqui e ali, de romantismo – Brecht incluso.

[...] A lua sobre a cena ilumina, avermelhada, ato após ato. Ainda não é um sol, mas é melhor do que o lampião de papel de antigamente. Avante, caros rapazes! 37 37 Tradução nossa do original: „Diese Vermengung von naturalistischer Formung, Persiflage, Lyrik der Empörung (dabei etwas Pazifismus) charakterisiert eine ganze Reihe von Stücken junger Autoren.(...) Diese Stücke haben alle eine Aufgabe: Blut, Mist, Gegenwart auf die Bühne zu bringen, die laue Romantik der humanistischen Dichter, der Jubiläumsgreise und ihres Publikums zu stürzen. Sie sind darum gut, weil notwendig. Ohne Einschränkung gut. Sie bringen das Material (...) Ich möchte im übrigen bemerken, daß die Jungen Autoren selbst hie und da von Romantik nicht ganz frei sind, Brecht eingeschlossen. (...) Rot leuchtet Akt um Akt der Mond über der Szene. Es ist noch keine Sonne, aber es ist besser als der Papierlampion der Alten. Vorwarts, liebe Jungs!” (1981: 139).

Assim como podemos entender melhor o sentido e a dimensão dos termos utilizados por Döblin recorrendo ao arcabouço de sua produção teórica, a leitura das resenhas pode nos mostrar de que modo proposições como a de proximidade da “vida vivida” ( Döblin 2017aDÖBLIN, Alfred. Observações sobre o romance (Trad. Alceu João Gregory). In: SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de (org.). A construção da obra épica e outros ensaios. Florianópolis: Editora da UFSC, 2017, p. 93-98.: 96) – que podem parecer, à primeira vista, abstratas, desprovidas de perspectiva histórica – estão enraizadas no chão de sua cidade, de seu tempo.

5 Os caminhos da cidade

Ao encerrar sua primeira resenha no Prager Tagblatt, Döblin não garante que falará, nos próximos textos, sobre teatro; ele afirma, ao contrário, que relatará “sua caminhada”. 38 38 „Ich werde von meiner Wanderung berichten” (1981: 17). Conforme procuramos demonstrar, quem acompanha seus passos, encontra, nas resenhas, um material vasto para compreender mais sobre o teatro berlinense e sua época. Além disso, tem a oportunidade de testemunhar como eram sentidas as transformações sociais pelas quais a cidade de Berlim passava e observar aspectos importantes sobre a teoria estética do autor. Com a articulação entre os temas, as abordagens e a mobilidade ─ tanto do narrador quanto do texto ─, Döblin faz com que suas resenhas se tornem crítica política, projeto artístico e testemunho de uma época: “Essa criatividade tem origem na resistência às normas recebidas da instituição do Bildungstheater, e pretendia retirar o teatro de sua condição de monumento estéril e aproximá-lo novamente da vida, das pessoas”. 39 39 Tradução nossa do original: „Diese Kreativität entstand im Widerstand gegen die überkommenen Normen der Institution Bildungstheater und richtete sich darauf, das Theater aus steriler Denkmalhaftigkeit wieder ins Leben, an die Menschen heran zu führen” ( Köpke 2007: 79).

O visível ceticismo que Döblin demonstra em relação à “instituição da arte” 40 40 “O artista deve se afastar da arte.” [„ Der Künstler muß heraus aus der Kunst.”] ( Döblin 2000: 67) Esse era um mote recorrente em suas reflexões. Algo similar pode ser lido, por exemplo, no ensaio “Observações sobre o romance”, de 1917: “Essa proximidade com a informação cotidiana desacredita o romance, torna-o, para alguns, o gênero mais rebaixado. Isso não deve incomodar o escritor épico. Que ele despreze a arte. Que tire do aparente prejuízo da sua posição uma vantagem. [...] O discurso simples, narrativo, configurador, é uma dádiva divina, da qual ele não deve abrir mão. [...] Já é um erro, se o estilo se fizer notar.” (2017: 96, 97). ( Souza 2017SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de. Apresentação: Alfred Döblin, um perfil. In: SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de (org.). A construção da obra épica e outros ensaios. Florianópolis: Editora da UFSC, 2017, p. 93-98.: 32) está associado, nas resenhas teatrais, a essa rejeição à desconexão entre a esfera da arte e a vida cotidiana. Assim como pretendia, por meio da sua produção literária, “captar os mistérios da vida, do mundo” ( Souza 2017SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de. Apresentação: Alfred Döblin, um perfil. In: SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de (org.). A construção da obra épica e outros ensaios. Florianópolis: Editora da UFSC, 2017, p. 93-98.: 32), Döblin cobrava dos artistas o mesmo mergulho nas correntezas de seu tempo, e é isso que o/a leitor/a de suas resenhas pode descobrir enquanto caminha, ao seu lado, pelas ruas de Berlim.

Referências bibliográficas

  • BALME, Christopher. The Theatrical Public Sphere. Cambridge: CUP, 2014.
  • BECKER, Sabina. Urbanität und Moderne. Studien zur Großstadtwahrnehmung in der deutschen Literatur 1900-1930. St. Ingbert: Röhrig, 1993.
  • BECKER, Sabina. Experiment Weimar. Eine Kulturgeschichte Deutschlands 1918-1933. Darmstadt: WGB Academic, 2018.
  • BEYER, Manfred. Zu dieser Ausgabe. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 267-268.
  • BÜCHEL, Johanna; SAHNER, Simon. Dramen, Hörspiel, Drehbücher und Filmskripte. In: BECKER, Sabina (ed.). Döblin-Handbuch. Stuttgart: J. B. Metzler Verlag, 2016, p. 211-243.
  • CORNELSEN, E. L. O conceito de Kinostil e o princípio da montagem no romance Berlim Alexanderplatz, de Alfred Döblin. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 8, 2001, p. 194-210. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/17886 (29/11/2022).
    » https://periodicos.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/17886
  • DÖBLIN, Alfred. An Romanautoren und ihre Kritiker. In: DÖBLIN, Alfred. Aufsätze zur Literatur. Olten: Walter-Verlag, 1963, p. 15-19.
  • DÖBLIN, Alfred. Bemerkungen zum Roman. In: DÖBLIN, Alfred. Aufsätze zur Literatur. Olten: Walter-Verlag, 1963, p. 19-23.
  • DÖBLIN, Alfred. Dionysus. In: DÖBLIN, Alfred. Der deutsche Maskenball von Linke Poot und Wissen und Verändern! Olten und Freiburg im Breisgau: Walter-Verlag, 1972, p. 27.
  • DÖBLIN, Alfred. Kannibalisches. In: DÖBLIN, Alfred. Der deutsche Maskenball von Linke Poot und Wissen und Verändern! Olten und Freiburg im Breisgau: Walter-Verlag, 1972, p. 10.
  • DÖBLIN, Alfred. Der richtige Berliner. In: Meyer, Josten (org.) Alfred Döblin 1878-1978. Eine Ausstellung des Deutschen Literaturarchivs im Schiller-Nationalmuseum Marbach am Neckar. Marbach am Neckar: Dt. Schillerges, 1978, p. 214.
  • DÖBLIN, Alfred. Der „Hahnenkampf“ von Lautensack und anderes. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 23-26.
  • DÖBLIN, Alfred. Die Spannung in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 217-220.
  • DÖBLIN, Alfred. Eine neue Operette. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 21-23.
  • DÖBLIN, Alfred. Griffe ins Leben. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 137-139.
  • DÖBLIN, Alfred. Regie in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 17-21.
  • DÖBLIN, Alfred. Theater in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 15-17.
  • DÖBLIN, Alfred. Das Recht auf Rhetorik. In: DÖBLIN, Alfred. Kleine Schriften I. Olten und Freiburg i.B.: Walter-Verlag, 1985, p. 62-63.
  • DÖBLIN, Alfred. Drama, Hörspiel, Film. München: DTV, 1988.
  • DÖBLIN, Alfred. Erster Rückblick. In: DÖBLIN, Alfred. Im Buch. Zu Haus. Auf der Straße. Marbach: Deutsche Schillergesellschaft, 1998, p. 5-126.
  • DÖBLIN, Alfred. Ein neuer Naturalismus? Eine Rundfrage des Kunstblatts [1922]. In: BECKER, Sabina. Neue Sachlichkeit. Band 2: Quellen und Dokumente. Köln: Böhlau Verlag, 2000, p. 66-67.
  • DÖBLIN, Alfred. Observações sobre o romance (Trad. Alceu João Gregory). In: SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de (org.). A construção da obra épica e outros ensaios. Florianópolis: Editora da UFSC, 2017, p. 93-98.
  • DÖBLIN, Alfred. Técnica verbal futurista (Trad. Alceu João Gregory). In: SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de (org.). A construção da obra épica e outros ensaios. Florianópolis: Editora da UFSC, 2017, p. 83-91.
  • FÜHRER, Karl Christian. German Cultural Life and the Crisis of National Identity during the Depression, 1929-1933. German Studies Review, v. 24, n. 3, 2001, p. 461-486.
  • GREVEL, Liselotte. „Mensch, det is knorke“ – oder: Kunst ist nicht heilig. Alfred Döblin als Kunst- und Theaterkritiker. In: MAILLARD, Christine; MOMBERT, Monique (org.). Internationales Alfred-Döblin-Kolloquium. Bern: Peter Lang, 2003, p. 77-95.
  • KAMBER, Peter. Fritz und Alfred Rotter: Ein Leben zwischen Theaterglanz und Tod im Exil. Leipzig: Henschel Verlag, 2020.
  • KINDT, Tom; KÖPPE, Tilmann. Zurück zur Kultur. Alfred Döblins Naturalisierung des Naturalismus. In: BECKER, Sabina; KRAUSE, Robert (org.). Internationales Alfred-Döblin-Kolloquium. Bern: Peter Lang, 2008, p. 27-40.
  • KÖPKE, Wulf. The critical reception of Alfred Döblin’s major novels. New York: Camden House, 2003.
  • KÖPKE, Wulf. Döblins Theaterprovokationen. In: WOLF, Yvonne. Internationales Alfred-Döblin-Kolloquium. Mainz 2005. Bern: Peter Lang, 2007, p. 65-80.
  • MELLO, Simone Homem de. Phantasus: poema-non-plus-ultra de Arno Holz. São Paulo: Perspectiva, 2022.
  • MÜLLER-SALGET, Klaus. Alfred Döblin. Werk und Entwicklung. Bonn: Bouvier Verlag, 1972.
  • PARK, Robert E. The City: Suggestions for the Investigation of Human Behavior in the City Environment. American Journal of Sociology, v. 20, n. 5,1915, p. 577-612.
  • PARK, Robert E. The city as a social laboratory. In: PARK, Robert E. On Social Control and Collective Behavior. Chicago: University of Chicago Press, 1967.
  • PRANGEL, Matthias. Alfred Döblin. 2., neubearbt. Aufl. Stuttgart: Metzler, 1987.
  • REULECKE, Jürgen. Population Growth and Urbanization in Germany in the 19th Century. Urbanism Past & Present, n. 4, p. 21-32, 1977. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/44403540 (21/12/2022).
    » http://www.jstor.org/stable/44403540
  • SANDER, Gabriele. Erläuterungen und Dokumente. Alfred Döblin: Berlin Alexanderplatz. Stuttgart: Reclam, 1998.
  • SANDER, Gabriele. Döblin als Essayist. In: BECKER, Sabina (ed.). Döblin-Handbuch. Stuttgart: J. B. Metzler Verlag, 2016, p. 255-264.
  • SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito (1903). Mana, v. 11, n. 2, p. 577-591, 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-93132005000200010 (23/11/2022).
    » https://doi.org/10.1590/S0104-93132005000200010
  • SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de. Apresentação: Alfred Döblin, um perfil. In: SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de (org.). A construção da obra épica e outros ensaios. Florianópolis: Editora da UFSC, 2017, p. 93-98.
  • STANCIC, Mirjana. Wadzeks Kampf mit der Dampfturbine. Roman (1915). In: BECKER, Sabina (ed.). Döblin-Handbuch. Stuttgart: J. B. Metzler Verlag, 2016, p. 52-60.

Financiamento:

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Processo n. 2021/04960-5.

  • Financiamento:

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Processo n. 2021/04960-5.
  • 2
    Tradução nossa do original: “Ich habe wirklich nicht vor, über Theater zu schreiben. Ich wüßte nicht, was mich bewegen könnte, über Theater zu schreiben. In der Straße, in der ich wohne, gibt es von einer Ecke zur andern bloß auf einer Seite vierzig Geschäfte – das sind die Ladengeschäfte, im ersten Stock ist auch allerhand, und die Keller sind nicht einwandfrei” (1981: 15DÖBLIN, Alfred. Theater in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 15-17.).
  • 3
    Tradução nossa do original: “Die Spannung als der Verderb des Theaters”. Em “Observações sobre o romance”, de 1917, Döblin se revolta, de modo similar, contra a incorporação, na estrutura da épica, de aspectos que lhe seriam alheios e potencialmente nocivos: “O romance não tem nada a ver com a ação. (...) A simplificação do romance, no sentido da ação progressiva, está ligada à incapacidade de leitura do público, cultivada de modo refinado. (...) É o completo fracasso do romance” (2017: 94DÖBLIN, Alfred. Observações sobre o romance (Trad. Alceu João Gregory). In: SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de (org.). A construção da obra épica e outros ensaios. Florianópolis: Editora da UFSC, 2017, p. 93-98.).
  • 4
    Todas essas peças podem ser encontradas na seguinte edição: Döblin, Drama, Hörspiel, Film, 2016DÖBLIN, Alfred. Drama, Hörspiel, Film. München: DTV, 1988..
  • 5
    „Business ist business und daher Theater und Gemüsegeschäft.” (1981: 17DÖBLIN, Alfred. Regie in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 17-21.)
  • 6
    Christopher Balme avalia que o fim da censura (ainda que com algumas restrições), no início da República de Weimar, foi fundamental para a redefinição do papel do teatro e sua posição no centro de debate público daqueles anos: “The sudden removal of theatrical censorship created a situation whereby the theatre became an embattled public forum in which the fissures and tensions of a fractured society reflecting its class distinctions, ethnic and religious differences and myriad political divisions were played out” (2014BALME, Christopher. The Theatrical Public Sphere. Cambridge: CUP, 2014.: 145).
  • 7
    Tradução nossa do original: „Eine tolle Sitte der Zeitungen, über Theater zu schreiben. Offiziell zu schreiben. Gleichviel ob über oder unter dem Strich. Inserate stehen hinten, kein Redakteur schreibt sie; die Inserate über die hochwichtigen, höchstwichtigen Dinge wie Margarine, Hosenknöpfe, Flaschenzüge, den Herkuleshosenträger lassen sich die Zeitungen von den Kaufleuten gnädigst überreichen; kein Hund kräht nach ihnen; bezahlen müssen sie noch teuer dafür” (1981: 16DÖBLIN, Alfred. Theater in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 15-17.).
  • 8
    A primeira edição dessa coleção de resenhas, realizada também por Manfred Beyer, foi publicada em 1974 e recebeu o nome de Griffe ins Leben ( Prangel 1987PRANGEL, Matthias. Alfred Döblin. 2., neubearbt. Aufl. Stuttgart: Metzler, 1987.: 5).
  • 9
    É o caso, por exemplo, de “Eine neue Operette” ( 1981DÖBLIN, Alfred. Eine neue Operette. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 21-23.: 21-23).
  • 10
    Tradução nossa do original: „Kein Wort über diese edlen, tüchtigen, arbeitsamen, klugen Geschöpfe in Unterrock und Hose, die sich vom Morgen bis zum Abend dazu hergeben, die erhaltenden Dinge für ihre Umwelt bereitzustellen. Kein Wort von der Kuhmagd mit den dicken Fingern, die sich täglich dreimal den Schemel heranschiebt, die Nase schneuzt – zwei Mittelfinger sind dafür bestimmt –, die weiße schimmernde Milch, strull, strull, in den Eimer preßt. Für zwei Dutzend Kinder, die hier herumlaufen und sie nicht kennen, für sechzig Kaffeehausbesucher, die sich dieser Dame wegen ihrer ländlichen Aufmachung schämen und weil sie selbst der unnatürlichen Methode des Taschentuchs frönen. Wie viel namenlose gute Geister gibt es. Der Laternenanzünder, der Gasarbeiter, der Straßenfeger” (1981: 15DÖBLIN, Alfred. Theater in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 15-17.).
  • 11
    Tradução nossa do original: „Wenn mir Theater über den Weg kommt, will ich auch über Theater sprechen. Ebenso über die anderen Seifenladen. Das Theater ist nicht wichtiger, aber nicht belangloser als ein Gemüsegeschäft. Bei mir soll jede Kohlrübe zu ihrem Recht kommen” (1981: 17DÖBLIN, Alfred. Theater in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 15-17.).
  • 12
    Como observa Wulf Köpke: “Ele [Döblin] atacou não apenas a instituição do teatro socialmente dominante e subvencionado pelo Estado mas também a instituição do crítico de teatro ‘profissional’”. Do original: „Er [Döblin] attackierte nicht nur die Institution des gesellschaftlich dominierenden öffentlich subventionierten Theaters, sondern zugleich die Institution der ‚offiziellen’ Theaterkritik” (2007: 66).
  • 13
    Tradução nossa do original: „Lange bevor Döblin mit der Niederschrift von Berlin Alexanderplatz begann, hatte der Autor in verschiedenen Werken die Stadt Berlin porträtiert, die den räumlich-atmosphärischen Hintergrund vieler seiner Prosaarbeiten bildete. Bereits in Döblins noch zur Schülerzeit entstandenen Text Modern. Ein Bild aus der Gegenwart (Manuskriptdatierung: 6.10.1896) ist der Flaneur erkennbar”.
  • 14
    Como observa Klaus Müller-Salget, especificamente sobre “Der Kaplan”, a representação da metrópole, em comparação ao que se verá em Berlin Alexanderplatz, é ainda sutil e “impressionista” (1972: 62MÜLLER-SALGET, Klaus. Alfred Döblin. Werk und Entwicklung. Bonn: Bouvier Verlag, 1972.).
  • 15
    Tradução nossa do original: „mein Denken und Arbeiten geistiger Art gehört, ob ausgesprochen oder nicht ausgesprochen zu Berlin” ( 1978DÖBLIN, Alfred. Der richtige Berliner. In: Meyer, Josten (org.) Alfred Döblin 1878-1978. Eine Ausstellung des Deutschen Literaturarchivs im Schiller-Nationalmuseum Marbach am Neckar. Marbach am Neckar: Dt. Schillerges, 1978, p. 214.: 214).
  • 16
    Tradução nossa do original: „Biegt man von der Leipziger Straße in die südliche Friedrichstraße ein, so hat man vor sich ein mächtiges, kraftvolles Schauspiel: Die Untergrundbahn, die Berlin von Norden nach Süden durchfährt, wird gedeckt, die schweren Betondecken werden geschlossen, die Kabel eingeführt, aufgelegt, die neue Straße wird hergerichtet über der bodenversenkten Bahn” (1981: 23DÖBLIN, Alfred. Der „Hahnenkampf“ von Lautensack und anderes. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 23-26.).
  • 17
    Tradução nossa do original: „Man kann es kaum über sich bringen, ins Theater zu gehen. Die Theater spielen. Berlin ist schließlich so groß, daß in der einen Gegend – wie 1919 in Lichtenberg – Aufruhr und Straßenkampf sein kann, während die andere lebt, treibt, sich vergnügt wie sonst. […] Trübe Straβe, da bin ich wieder. Werde wieder hell. (Aber die Straβe ist nicht für lyrische Anrufe. Beim Heimgang kam ich in einen Auflauf am Strausberger Platz; da knackten sie und plünderten ein Konfektionsgeschäft)” (1981: 218-220DÖBLIN, Alfred. Die Spannung in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 217-220.).
  • 18
    Cf. citação anterior: “Mas a rua não é lugar de apelos líricos” (1981: 220DÖBLIN, Alfred. Die Spannung in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 217-220.).
  • 19
    Tradução nossa do original: „Erst war nur eine Spannung in Berlin. Jetzt ist der erste Ausbruch da und noch nicht vorbei. Der Montag mit dem fabelhaften – angeblich falsch errechneten – Brotpreis von 140 Milliarden, gleich 1,40 Goldmark, war der Reiz zur Auslösung der Spannung. (...) Ich war Mittag auf dem Alexanderplatz, eine Minute von den Orten des Tumults entfernt, und bemerkte – nichts! Es lief und ging alles friedlich. In Berlin ist wie in einer wirklichen Groβstadt alles lokalisiert und klingt kaum weiter” (1981: 220DÖBLIN, Alfred. Die Spannung in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 217-220.).
  • 20
    Tradução nossa do original: „Ein Bergmann hat neulich irgendwo ein junges Kind geschlachtet, die Muskulatur als Hammelfleisch verkauft, ein Teil davon ist auch nach Berlin gekommen, zum Entsetzen aller Hammel essenden Leser. Ein ähnlicher Vorfall ist im Altertum bekannt geworden und hat hier zu den tollsten Tragödien Anlaß gegeben. Nun kommt viel Hammelfleisch nach Berlin, das keins ist. Die Fleischnot hat eine gewisse Großartigkeit und Weitherzigkeit in zoologischen Dingen im Gefolge gehabt, das Urteil trübt sich, der Hunger wird gestillt.” (1972: 10DÖBLIN, Alfred. Kannibalisches. In: DÖBLIN, Alfred. Der deutsche Maskenball von Linke Poot und Wissen und Verändern! Olten und Freiburg im Breisgau: Walter-Verlag, 1972, p. 10. )
  • 21
    Tradução nossa do original: „Ich stehle, du schiebst Lebensmittel, er handelt Schleich, wir wuchern Wohnungen, ihr ⎼. Man sagt, die Regierung taugt nichts. Eine Regierung, die sogar für Volksbelustigung sorgt. Die so rasch den Beruf einer wahren Regierung erfaßt hat, Volksaufklärung mit antiquarischen Witzen zu treiben. Und das ist nichts? Die Dadabewegung unterscheidet sich darin von der deutschen Regierung, daß die Regierung ihre kurzweiligen Einfälle plakatiert, die Dadabewegung aber viel schönere kleine zweckentsprechende Hefte mit Bildern daraus macht. Es sind rote, grüne, blaue Seiten, von verschiedener Dicke, auch die Typen im einzelnen Gedicht und Essay wechseln, um uns zu unterhalten. Die «Anthologie Dada» von Tristan Tzara hat auch den Vorteil, daß, wer sie nicht haben will, sie nicht zu kaufen braucht, ohne einen Kolbenschlag zu riskieren” (1972: 33DÖBLIN, Alfred. Dionysus. In: DÖBLIN, Alfred. Der deutsche Maskenball von Linke Poot und Wissen und Verändern! Olten und Freiburg im Breisgau: Walter-Verlag, 1972, p. 27.).
  • 22
    Tradução nossa do original: „Das ganze literarische um künstlerische Berlin findet sich bei dieser Premiere ein. Ein schöner und interessanter Anblick, aber unheimlich der Gedanke: in der Nähe ist die Invalidenstraβe; wie kann man jetzt feiern, spielen” (1981: 221DÖBLIN, Alfred. Die Spannung in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 217-220.).
  • 23
    Tradução nossa do original: „In Berlin gibt es aber einen Bühnendirektor, oder zwei, die, glaub ich, Brüder sind und eine Direktion haben, über welche die Kritiker der Stadt nicht erbaut sind. Eines Tages soll das merkwürdige Zwillingspaar folgendes gesagt haben: ‚Was heißt Kritik? Was ist ein Premierenerfolg? Überhaupt Publikumserfolg? Man gehe in eine Volksversammlung und sehe, wie Erfolg gemacht wird’” (1981: 16-17DÖBLIN, Alfred. Theater in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 15-17.).
  • 24
    Apesar do sucesso que haviam conquistado, já nos anos 1920, os irmãos precisaram enfrentar o recrudescimento do antissemitismo. Alfred Rotter e sua esposa, Gertrud Rotter, faleceram enquanto tentavam fugir de uma emboscada realizada por nazistas, em Liechtenstein, em 1933. Embora Fritz tenha conseguido escapar, ele foi preso, anos depois, em Colmar, onde faleceu, em 1939. A trajetória dos irmãos Rotter é iluminadora para se compreender certos elementos da cena teatral e do antissemitismo em Berlim. Cf. Kamber ( 2020KAMBER, Peter. Fritz und Alfred Rotter: Ein Leben zwischen Theaterglanz und Tod im Exil. Leipzig: Henschel Verlag, 2020.).
  • 25
    Em sua biografia sobre os irmãos, Peter Kamber cita o relato de Ernst Josef Aufricht, que, em 1931, ao encenar peças de Ernst Toller e Bertolt Brecht, enfrentava um fracasso completo de bilheteria. Para evitar que o teatro permanecesse vazio, Aufricht oferecera ingressos de cortesia para sindicatos e organizações de trabalhadores sem, contudo, conquistar o público. Segundo o diretor, foi então que um conhecido o alertou para o fato de que, se quisesse descobrir pelo que os trabalhadores e desempregados se interessavam, deveria ir ao teatro Plaza, locado pelos irmãos Rotter, assistir a uma de suas operetas (2020: 19). Os irmãos tiveram seus maiores êxitos no fim da década de 1920 e começo de 1930.
  • 26
    Tradução nossa do original: „In diesem Jahr, 1922, tönt das Theater und seine Presse wider vom Lärm des Hauptmann-Jubiläums. Keine kritische Stimme hört man im Reich, es sei denn von rechtsradikaler Seite, denen der Autor nicht ‚national’ genug war oder ist, oder von sehr linker Seite, denen er nicht genug Pazifist oder noch weniger ist. Hauptmann hat seine Byzantiner. Und wie wäre Deutschland möglich ohne Byzantiner” (1981: 104-105).
  • 27
    Em sua carta aberta a Marinetti, de 1912, Döblin dirá: “Naturalismo, Naturalismo; ainda não somos naturalistas o suficiente” (2017: 85DÖBLIN, Alfred. Técnica verbal futurista (Trad. Alceu João Gregory). In: SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de (org.). A construção da obra épica e outros ensaios. Florianópolis: Editora da UFSC, 2017, p. 83-91.). Em 1913, ele reforça mais uma vez: “O naturalismo não é um ‘Ismo’ histórico, mas um aguaceiro que sempre cai sobre a arte, e que deve continuar caindo” (Tradução de Cornelsen 2001CORNELSEN, E. L. O conceito de Kinostil e o princípio da montagem no romance Berlim Alexanderplatz, de Alfred Döblin. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 8, 2001, p. 194-210. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/17886 (29/11/2022).
    https://periodicos.ufmg.br/index.php/ale...
    : 200). Do original: „Der Naturalismus ist kein historischer Ismus, sondern das Sturzbad, das immer wieder über die Kunst hereinbricht und hereinbrechen muβ” (1963DÖBLIN, Alfred. An Romanautoren und ihre Kritiker. In: DÖBLIN, Alfred. Aufsätze zur Literatur. Olten: Walter-Verlag, 1963, p. 15-19.: 18).
  • 28
    Cf. Döblin ( 2000DÖBLIN, Alfred. Ein neuer Naturalismus? Eine Rundfrage des Kunstblatts [1922]. In: BECKER, Sabina. Neue Sachlichkeit. Band 2: Quellen und Dokumente. Köln: Böhlau Verlag, 2000, p. 66-67.: 66, 67).
  • 29
    A resenha em questão é “Zwischen Kälte und Nächstenliebe”, na qual compara, mais uma vez, Holz e Gerhart Hauptmann, para descrédito deste ( Döblin 1981: 48).
  • 30
    Tradução nossa do original: „Es weiß seit langen Jahrzehnten niemand so viel wie Arno Holz, was die deutsche Sprache ist. Die Dinge, die er mit [ihr] gestaltet, sind beispiellos. Er, der Sechzigjährige, steht meinem Gefühl nach am nächsten den starken Meistern in der modernen Malerei, die kritisch sich zurückbesinnend auf ihr Element, die Farbe, mit Cézanne beginnend einen neuen Weg öffnen und geöffnet haben” (1981: 106).
  • 31
    “O que, sem dúvida, caracteriza o papel de Holz como precursor da poesia de vanguarda produzida a partir da segunda década do século XX na Alemanha é a priorização da linguagem como instância poética fundamental.” ( Mello 2022MELLO, Simone Homem de. Phantasus: poema-non-plus-ultra de Arno Holz. São Paulo: Perspectiva, 2022.: 35)
  • 32
    “Embora aspectos de sua posição poética tenham sido alterados no decorrer dos anos, ele se manteve de tal modo fiel à ideia de tarefa da arte ─ que é desenvolvida de modo exemplar no manifesto de Holz –, à ideia de que a arte e também a poesia devem ser aproximar da natureza.” ( Kindt, Köppe 2008KINDT, Tom; KÖPPE, Tilmann. Zurück zur Kultur. Alfred Döblins Naturalisierung des Naturalismus. In: BECKER, Sabina; KRAUSE, Robert (org.). Internationales Alfred-Döblin-Kolloquium. Bern: Peter Lang, 2008, p. 27-40.: 32)
  • 33
    “Mas nunca esqueça que não existe arte, e sim artistas, que cada qual cresce a seu modo, que cada um deve agir com cautela em relação ao outro. [...] Não há uma medida literária e artigos universais.” (2017: 91DÖBLIN, Alfred. Técnica verbal futurista (Trad. Alceu João Gregory). In: SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de (org.). A construção da obra épica e outros ensaios. Florianópolis: Editora da UFSC, 2017, p. 83-91.) (será que deveria haver um ponto final aqui?)
  • 34
    Tradução nossa do original: „kein Dichter hat die Sprache zu verfeinern; es war niemand sprachlich so schlampsig wie Dostojewski und er steckt ganze Jahrzehnte Kunst in die Tasche. [...] Wahrscheinlich sagt man mir jetzt, ich habe an der Hauptsache, der Stellung zum Material (Farbe, Leinwand, Wort) vorbeigeredet. Die Dinge muß jeder Arbeitende mit sich selbst abmachen” ( Döblin 2000DÖBLIN, Alfred. Ein neuer Naturalismus? Eine Rundfrage des Kunstblatts [1922]. In: BECKER, Sabina. Neue Sachlichkeit. Band 2: Quellen und Dokumente. Köln: Böhlau Verlag, 2000, p. 66-67.: 67).
  • 35
    Embora os diários de Brecht indiquem que ele leu o romance Wadzeks Kampf mit der Dampfturbine ainda em 1920, os dois autores conheceram-se apenas em 1922 (Stancic 2016STANCIC, Mirjana. Wadzeks Kampf mit der Dampfturbine. Roman (1915). In: BECKER, Sabina (ed.). Döblin-Handbuch. Stuttgart: J. B. Metzler Verlag, 2016, p. 52-60.: 53, 54).
  • 36
    „Griffe ins Leben” (1981: 137DÖBLIN, Alfred. Griffe ins Leben. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 137-139.).
  • 37
    Tradução nossa do original: „Diese Vermengung von naturalistischer Formung, Persiflage, Lyrik der Empörung (dabei etwas Pazifismus) charakterisiert eine ganze Reihe von Stücken junger Autoren.(...) Diese Stücke haben alle eine Aufgabe: Blut, Mist, Gegenwart auf die Bühne zu bringen, die laue Romantik der humanistischen Dichter, der Jubiläumsgreise und ihres Publikums zu stürzen. Sie sind darum gut, weil notwendig. Ohne Einschränkung gut. Sie bringen das Material (...) Ich möchte im übrigen bemerken, daß die Jungen Autoren selbst hie und da von Romantik nicht ganz frei sind, Brecht eingeschlossen. (...) Rot leuchtet Akt um Akt der Mond über der Szene. Es ist noch keine Sonne, aber es ist besser als der Papierlampion der Alten. Vorwarts, liebe Jungs!” (1981: 139DÖBLIN, Alfred. Griffe ins Leben. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 137-139.).
  • 38
    „Ich werde von meiner Wanderung berichten” (1981: 17DÖBLIN, Alfred. Theater in Berlin. In: DÖBLIN, Alfred. Ein Kerl muß eine Meinung haben. München: DTV, 1981, p. 15-17.).
  • 39
    Tradução nossa do original: „Diese Kreativität entstand im Widerstand gegen die überkommenen Normen der Institution Bildungstheater und richtete sich darauf, das Theater aus steriler Denkmalhaftigkeit wieder ins Leben, an die Menschen heran zu führen” ( Köpke 2007KÖPKE, Wulf. Döblins Theaterprovokationen. In: WOLF, Yvonne. Internationales Alfred-Döblin-Kolloquium. Mainz 2005. Bern: Peter Lang, 2007, p. 65-80.: 79).
  • 40
    “O artista deve se afastar da arte.” [„ Der Künstler muß heraus aus der Kunst.”] ( Döblin 2000DÖBLIN, Alfred. Ein neuer Naturalismus? Eine Rundfrage des Kunstblatts [1922]. In: BECKER, Sabina. Neue Sachlichkeit. Band 2: Quellen und Dokumente. Köln: Böhlau Verlag, 2000, p. 66-67.: 67) Esse era um mote recorrente em suas reflexões. Algo similar pode ser lido, por exemplo, no ensaio “Observações sobre o romance”, de 1917: “Essa proximidade com a informação cotidiana desacredita o romance, torna-o, para alguns, o gênero mais rebaixado. Isso não deve incomodar o escritor épico. Que ele despreze a arte. Que tire do aparente prejuízo da sua posição uma vantagem. [...] O discurso simples, narrativo, configurador, é uma dádiva divina, da qual ele não deve abrir mão. [...] Já é um erro, se o estilo se fizer notar.” (2017: 96, 97DÖBLIN, Alfred. Observações sobre o romance (Trad. Alceu João Gregory). In: SOUZA, Celeste H. M. Ribeiro de (org.). A construção da obra épica e outros ensaios. Florianópolis: Editora da UFSC, 2017, p. 93-98.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2023
  • Aceito
    18 Abr 2023
Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/; Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã Av. Prof. Luciano Gualberto, 403, 05508-900 São Paulo/SP/ Brasil, Tel.: (55 11)3091-5028 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: pandaemonium@usp.br