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Centro de materiais e esterilização: riscos psicossociais relacionados à organização prescrita do trabalho da enfermagem

RESUMO

Objetivo:

O objetivo do estudo é investigar as características da organização do trabalho no Centro de Materiais e Esterilização e analisar se os trabalhadores de enfermagem estão submetidos a riscos psicossociais.

Método:

Estudo misto, realizado entre novembro de 2017 e julho de 2019 com os trabalhadores de enfermagem do centro de materiais e esterilização de um hospital universitário. A amostra da etapa quantitativa foi composta por 36 trabalhadores que responderam à Escala de Organização Prescrita do Trabalho e realizou-se análise estatística. A coleta das informações qualitativas ocorreu por entrevista coletiva com 19 integrantes da equipe de enfermagem.

Resultados:

Dos 36 trabalhadores, 68,3% eram do sexo feminino, 69,4% com idade superior a 45 anos e 75% da amostra avaliou como médio o risco psicossocial, com surgimento de duas categorias. Os aspectos relacionados ao prazer no trabalho foram a importância da unidade, cuidado indireto ao paciente, reconhecimento profissional e trabalho em equipe. Os geradores de sofrimento foram a falta de recursos humanos, insumos, manutenção, comunicação e desvalorização da unidade.

Conclusão:

O predomínio de riscos psicossociais médios indicou a necessidade de ações que visem melhorias nos processos de trabalho.

Palavras-chave:
Enfermagem; Saúde do trabalhador; Esterilização; Serviços de enfermagem

ABSTRACT

Objective:

The aim of this study is to investigate the characteristics of work-flow organization of the Central Sterile Services Department and analyze whether nursing workers are subject to psychosocial risks.

Method:

Mixed study, carried out between November 2017 and July 2019 with nursing workers of the Department of Central Sterile Services of a university hospital. Sampling for the quantitative stage of this study consisted of 36 professionals who have filled the Prescribed Work Organization Scale form, followed by statistical analysis. Qualitative sampling was obtained through collective interview with 19 members of the nursing team.

Results:

Of the 36 nursing workers, 68.3% were female, 69.4% were over 45 years of age and 75% of the professionals assessed reported as being exposed to a medium psychosocial risk with the emergence of two categories. The aspects related to pleasure at work were highlighted as being the importance of the unit, indirect patient care, professional recognition, and teamwork. The main reported suffering triggers were the lack of human resources, supplies, maintenance, communication, and the devaluation of the unit.

Conclusion:

The prevalence of medium psychosocial risks indicated the need for actions aiming at improving work processes.

Keywords:
Nursing; Occupational health; Sterilization; Nursing services

RESUMEN

Objetivo:

El objetivo del estudio es investigar las características de la organización del trabajo en el Central de Equipos y Esterilización y analizar si los trabajadores de enfermería están sujetos a riesgos psicosociales.

Método:

Estudio mixto, realizado entre noviembre de 2017 y julio de 2019 con trabajadores de enfermería del centro de materiales y esterilización de un hospital universitario. La muestra de la etapa cuantitativa estuvo conformada por 36 trabajadores que respondieron la Escala de Organización Laboral Prescrita y se realizó análisis estadístico. La recolección de información cualitativa se produjo a través de una entrevista colectiva con 19 integrantes del equipo de enfermería.

Resultados:

De los 36 trabajadores, el 68,3% eran mujeres, el 69,4% tenían más de 45 años y el 75% de la muestra evaluó el riesgo psicosocial como medio, con la aparición de dos categorías. Los aspectos relacionados con el placer en el trabajo fueron la importancia de la unidad, la atención indirecta al paciente, el reconocimiento profesional y el trabajo en equipo. Los generadores de sufrimiento fueron la falta de recursos humanos, suministros, mantenimiento, comunicación y devaluación de la unidad.

Conclusión:

El predominio de riesgos psicosociales medios indicó la necesidad de acciones dirigidas a mejorar los procesos de trabajo.

Palabras clave:
Enfermería; Salud laboral; Esterilización; Servicios de enfermería

INTRODUÇÃO

Ao longo da história da humanidade, o trabalho assumiu diferentes significados de acordo com o contexto da época. Sob a óptica da Psicodinâmica do Trabalho, o trabalho é compreendido como uma via de construção da identidade do sujeito11. Duarte FS, Mendes AMB. Da escravidão à servidão voluntária: perspectivas para a clínica psicodinâmica do trabalho no Brasil. Farol. 2015 [cited 2020 Out 29];2(3):71-134. Available from: https://revistas.face.ufmg.br/index.php/farol/article/view/2579
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. Trata-se de um ambiente que possibilita a construção das relações sociais, nas quais ocorre a colocação e o reconhecimento social. Deste modo, o trabalho se configura como um aspecto central na saúde mental dos indivíduos, podendo ser compreendido tanto como uma fonte de prazer e realização, ao mobilizar a subjetividade e permitir o uso da inteligência e criatividade, quanto motivo de sofrimento, quando há frustração e alienação do trabalhador22. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho - contribuições da psicodinâmica do trabalho [Tese]. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília; 2013. [cited 2020 Out 29]. Available from: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15420
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Ao mesmo tempo em que a atividade laboral assume uma posição tão importante na vida do indivíduo, também pode oferecer riscos de adoecimento ao trabalhador. A Organização Mundial da Saúde e a Organização Mundial do Trabalho definem riscos psicossociais como as interações com diferentes aspectos do trabalho que podem, por meio de percepções e experiências do trabalhador, influenciarem em seu desempenho, satisfação e saúde. Deste modo, os riscos psicossociais são aspectos ligados ao trabalho capazes de provocar danos à saúde mental e física dos trabalhadores33. Forastieri V. Prevention of psychosocial risks and work-related stress. International Journal of Labour Research. 2016 [cited 2020 Out 29];8(1-2):11-33. Available from: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_dialogue/---actrav/documents/publication/wcms_551796.pdf
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Os riscos psicossociais podem ser divididos em dois grupos: os que estão ligados ao conteúdo do trabalho e os que estão relacionados ao contexto do trabalho. No conteúdo de trabalho são compreendidos aspectos como ritmo de trabalho, modelo de organização das tarefas, horário de trabalho e adequação do ambiente e dos equipamentos utilizados, incluindo-se manutenção e disponibilidade de materiais. Já o contexto do trabalho abrange aspectos como a cultura organizacional, as relações interpessoais, a participação nas decisões e no controle do trabalho e a interface entre trabalho e casa22. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho - contribuições da psicodinâmica do trabalho [Tese]. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília; 2013. [cited 2020 Out 29]. Available from: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15420
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Um aspecto que contribui diretamente para o desenvolvimento de riscos psicossociais é o modo como o trabalho é imposto ao trabalhador22. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho - contribuições da psicodinâmica do trabalho [Tese]. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília; 2013. [cited 2020 Out 29]. Available from: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15420
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-33. Forastieri V. Prevention of psychosocial risks and work-related stress. International Journal of Labour Research. 2016 [cited 2020 Out 29];8(1-2):11-33. Available from: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_dialogue/---actrav/documents/publication/wcms_551796.pdf
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, assim como o estilo de gestão adotado e a relação com o sofrimento, que poderá resultar em danos físicos, psicológicos ou sociais. A organização prescrita do trabalho se trata da conjuntura na qual se dará a atividade laboral. Nesse cenário, se incluem os instrumentos utilizados para a realização do trabalho, protocolos, velocidade e tempo de execução de cada tarefa, normas operacionais, divisão de tarefas e de responsabilidades, assim como o estabelecimento de hierarquia e supervisão22. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho - contribuições da psicodinâmica do trabalho [Tese]. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília; 2013. [cited 2020 Out 29]. Available from: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15420
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. Contudo, na prática diária, a organização prescrita do trabalho não é capaz de planejar o manejo de situações inesperadas, o que afasta o trabalho real do trabalho prescrito, ocasionando uma brecha que será vivenciada pelo trabalhador como uma oportunidade de superação e prazer, ou então, como um sofrimento11. Duarte FS, Mendes AMB. Da escravidão à servidão voluntária: perspectivas para a clínica psicodinâmica do trabalho no Brasil. Farol. 2015 [cited 2020 Out 29];2(3):71-134. Available from: https://revistas.face.ufmg.br/index.php/farol/article/view/2579
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-22. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho - contribuições da psicodinâmica do trabalho [Tese]. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília; 2013. [cited 2020 Out 29]. Available from: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15420
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. Nesse sentido, o sofrimento antecede aos riscos psicossociais e as estratégias adotadas para o seu enfrentamento são fundamentais na prevenção de adoecimentos, sendo dependentes da organização do trabalho. É deste modo que a organização prescrita do trabalho influencia diretamente nos riscos psicossociais, sendo uma faceta importante a considerar na saúde do trabalhador22. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho - contribuições da psicodinâmica do trabalho [Tese]. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília; 2013. [cited 2020 Out 29]. Available from: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15420
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Para a aproximação do trabalho real do prescrito, é primordial que a avaliação do ambiente seja realizada pelos próprios trabalhadores, o que se constitui num desafio para lideranças e gestores11. Duarte FS, Mendes AMB. Da escravidão à servidão voluntária: perspectivas para a clínica psicodinâmica do trabalho no Brasil. Farol. 2015 [cited 2020 Out 29];2(3):71-134. Available from: https://revistas.face.ufmg.br/index.php/farol/article/view/2579
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. Consequentemente, essa avaliação do ambiente também contribui para a preservação da saúde e do bem-estar no trabalho na medida em que permite o planejamento de ações focadas nas necessidades indicadas pelos trabalhadores22. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho - contribuições da psicodinâmica do trabalho [Tese]. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília; 2013. [cited 2020 Out 29]. Available from: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15420
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. É nesse contexto que surgem escalas capazes de avaliar diferentes aspectos do trabalho. A escala de Organização Prescrita do Trabalho (EOPT) possibilita avaliar as representações que os trabalhadores possuem dos elementos que compõem a organização prescrita do seu trabalho22. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho - contribuições da psicodinâmica do trabalho [Tese]. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília; 2013. [cited 2020 Out 29]. Available from: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15420
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No tocante às profissões ligadas à saúde, a enfermagem corresponde a maior categoria profissional atuante nos serviços de saúde do país44. Conselho Federal de Enfermagem; Fundação Oswaldo Cruz. Perfil da Enfermagem no Brasil: relatório final. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2017. [cited 2020 Out 29]. Available from: http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem/pdfs/relatoriofinal.pdf
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. No ambiente hospitalar, pode-se dizer que o processo de trabalho da enfermagem abrange atividades como a assistência direta e indireta ao paciente, administração de recursos e atividades de ensino e pesquisa55. Ferreira VHS, Teixeira VM, Giacomini MA, Alves LR, Gleriano JS, Chaves LDP. Contributions and challenges of hospital nursing management: scientific evidence. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40:e20180291. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180291
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. A organização hospitalar visa a assistência a pacientes com condições de saúde cada vez mais críticas66. Scozzafave MCS, Leal LA, Soares MI, Henriques SH. Psychosocial risks related to the nurse in the psychiatric hospital and management strategies. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):834-40. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0311
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, sendo a enfermagem fundamental para o funcionamento dessas instituições, visto que seu desígnio principal é o planejamento e execução do cuidado.

O avanço tecnológico levou à evolução dos procedimentos, sobretudo anestésico-cirúrgicos, oportunizando o surgimento de áreas nas quais são requeridos conhecimentos cada vez mais específicos da enfermagem77. Martins RC, Trevilato DD, Jost MT, Caregnato RCA. Nursing performance in robotic surgeries: integrative review. Rev Bras Enferm. 2019;72(3):795-800. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0426
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, como o Centro de Materiais e Esterilização (CME).

O CME é conceituado como uma unidade funcional na qual se processam produtos para saúde (PPS) com o objetivo de atender os serviços de saúde. Suas atividades compreendem a recepção, limpeza, inspeção, preparo, desinfecção, esterilização e armazenamento de artigos destinados à saúde88. Ministério da Saúde (BR). Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução nº. 15, de 15 de março de 2012. Dispõe sobre requisitos de boas práticas para o processamento de produtos para saúde e dá outras providências. Diário Oficial União; 2012. [cited 2020 Out 29] mar 19;149(54 Seção 1):43-46. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=19/03/2012&jornal=1&pagina=46&totalArquivos=128
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. O processo de trabalho no CME caracteriza-se pela especificidade das atividades desenvolvidas, o que demanda aquisição contínua de conhecimentos e habilidades que atendam a evolução tecnológica dos PPS. Também se destaca pelo cuidado indireto ao paciente, visto que garante a qualidade e segurança de PPS que serão utilizados nas áreas cirúrgicas, ambulatoriais e de internação99. Bugs TV, Rigo DFH, Bohrer CD, Borges F, Marques LGS, Vasconcelos RO, et al. Profile of the nursing staff and perceptions of the work performed in a materials center. Rev Min Enferm. 2017;21:e-996. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20170006
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Em se tratando de riscos psicossociais enfrentados pela enfermagem em diversos campos de atuação, pode-se destacar a falta de manutenção de equipamentos, problemas de relacionamento entre os trabalhadores, problemas de comunicação, escassez de recursos humanos, ritmo de trabalho acelerado, aumento da carga de trabalho e ambiente físico inadequado66. Scozzafave MCS, Leal LA, Soares MI, Henriques SH. Psychosocial risks related to the nurse in the psychiatric hospital and management strategies. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):834-40. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0311
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-1010. Duarte MLC, Glanzner CH, Pereira LP. Work in hospital emergency: suffering and defensive nursing care strategies. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39: e2017-0255. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2017-0255
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. No CME, estudos demonstram que os principais fatores que colocam em risco a saúde e segurança dos trabalhadores são o contato com produtos químicos e agentes biológicos, o esforço físico repetitivo e a permanência em ambiente com temperatura e ruídos elevados1111. Costa CCP, Souza NVDO, Silva PAS, Oliveira EB, Vieira MLC. O trabalho na central de material: repercussões para a saúde dos trabalhadores de enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2015;23(4):533-39. doi: https://doi.org/10.12957/reuerj.2015.15934
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-1212. Mendes C, Sousa M, Lança AC, Ferreira A, Paixão S. Riscos ocupacionais nas centrais de esterilização hospitalares. In: Neves MC, Camarada M, Leal A, Silva M, Onofre C, Morgado H, et al, editores. Vertentes e desafios da segurança. 8. ed. Leiria: ASVDS; 2018. p. 135-40. [cited 2020 Out 29]. Available from: http://hdl.handle.net/10400.26/28167
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Com base nos preceitos descritos e na questão norteadora: o trabalho no CME oferece riscos psicossociais aos seus trabalhadores? O objetivo deste estudo foi investigar as características da organização do trabalho no Centro de Materiais e Esterilização e analisar se os trabalhadores de enfermagem estão submetidos a riscos psicossociais.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal e descritivo, no qual foi utilizado o método misto sequencial. Inicialmente coletou-se um amplo volume de dados numéricos primários que tiveram a compreensão aprofundada por meio de técnicas qualitativas. A combinação dos dados se deu por conexão, sendo a abordagem quantitativa sobreposta a qualitativa1313. Oliveira JLC, Magalhães AMM, Matsuda LM. Mixed methods in nursing research: application possibilities according to Creswell. Texto Contexto Enferm. 2018;27(2):e0560017. doi: https://doi.org/10.1590/0104-070720180000560017
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. Para tanto, utilizou-se a Psicodinâmica do Trabalho como referencial teórico e metodológico na aplicação das etapas quantitativa e qualitativa11. Duarte FS, Mendes AMB. Da escravidão à servidão voluntária: perspectivas para a clínica psicodinâmica do trabalho no Brasil. Farol. 2015 [cited 2020 Out 29];2(3):71-134. Available from: https://revistas.face.ufmg.br/index.php/farol/article/view/2579
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A população deste estudo constituiu-se por 83 trabalhadores, incluindo enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem atuantes no CME de um hospital público e universitário de grande porte de uma capital brasileira. A amostra foi composta por 36 trabalhadores, selecionados aleatoriamente por meio de sorteio. Foi possível estimar os riscos psicossociais relacionados à organização prescrita do trabalho com margem de erro absoluta de 17% para um nível de confiança de 95%.

Na etapa quantitativa, os critérios de inclusão foram: possuir vínculo empregatício efetivo com o hospital e atuar como enfermeiro, técnico e/ou auxiliar de enfermagem, possuir mais de seis meses de atuação no Centro de Materiais e Esterilização nos turnos manhã, tarde, noite (no setor são três noites, denominadas Noite I, II e III), intermediário e final de semana. Esses dois últimos agrupados com a nomenclatura outros. Os critérios de exclusão foram: possuir vínculo por contrato temporário, estar afastado, em férias ou outra licença por qualquer motivo no momento da coleta de dados, possuir tempo inferior a seis meses na atual função e setor.

Na etapa qualitativa, foram incluídos todos os trabalhadores de enfermagem que aceitaram participar da entrevista coletiva e que estiveram presentes na unidade no horário previamente divulgado, trata-se de uma amostra por conveniência.

A coleta de dados quantitativa foi realizada no período entre novembro de 2017 e janeiro de 2018. A coleta de informações qualitativas foi realizada em julho de 2019. O instrumento utilizado para a coleta dos dados quantitativos foi a Escala de Organização Prescrita do Trabalho (EOPT)22. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho - contribuições da psicodinâmica do trabalho [Tese]. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília; 2013. [cited 2020 Out 29]. Available from: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15420
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. A EOPT é composta por 19 sentenças positivas que avaliam a organização do trabalho, as condições de trabalho e as relações socioprofissionais. Essas 19 afirmações foram avaliadas pelo trabalhador por meio de uma escala tipo Likert de cinco pontos (nunca, raramente, às vezes, frequentemente e sempre). A média dos escores de cada afirmação foi classificada de acordo com os seguintes parâmetros: entre 1 e 2,29 - alto risco psicossocial; entre 2,3 e 3,69 - risco psicossocial médio e; entre 3,7 e 5 - baixo risco psicossocial. O desvio-padrão considerou o ponto médio, ou seja, 3 da escala de frequência do tipo Likert. Além da EOPT, os trabalhadores também responderam a um questionário sociodemográfico que visou a obtenção de informações sobre hábitos, condições de saúde e afastamentos do trabalho.

Os dados foram organizados em planilha e analisados estatisticamente pelo softwareStatisticalPackage for the Social Sciences (SPSS 22.0) utilizando medidas de tendência central (frequência simples, frequência relativa, frequência absoluta, média ou mediana, máximo e mínimo) e medidas de dispersão (desvio-padrão e quartis). A análise de variância (ANOVA) foi utilizada para comparação entre os grupos e foi utilizado o T-Test para identificar significância das diferenças (p <0,05).

A entrevista foi previamente agendada e divulgada por meio da distribuição de cartazes no Centro de Materiais e Esterilização. Participaram 19 trabalhadores, sendo um enfermeiro e 18 técnicos e auxiliares de enfermagem.

A entrevista foi realizada no CME com duração aproximada de 2 horas (1 hora de apresentação dos dados e 1 hora de entrevista propriamente dita), sem prejuízo do trabalho por organização prévia do setor. Inicialmente, os dados quantitativos estatisticamente tratados foram apresentados por meio da utilização de recurso audiovisual. Após, os trabalhadores foram convidados a falar sobre sua percepção em relação às condições de trabalho no CME, para tanto, foram realizadas as seguintes questões: 1) O que mais traz satisfação ao realizar seu trabalho? 2) Quais são as principais dificuldades no seu dia a dia de trabalho? 3) O que você faz para lidar com elas?

A entrevista foi conduzida por um pesquisador e outros dois realizaram as anotações de campo. As falas dos participantes foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra, sendo assegurada a veracidade dos dados. Encerrou-se a entrevista coletiva após validação das informações e saturação dos dados que ocorreu por repetição dos temas.

Utilizou-se a técnica de análise de conteúdo do tipo temática para tratamento das informações qualitativas obtidas, para tanto se seguiu três etapas: pré-análise do conteúdo obtido, exploração do material e categorização das falas e, por último, tratamento e interpretação dos dados qualitativos obtidos1414. Minayo MCS, Guerriero ICZ. Reflexividade como éthos da pesquisa qualitativa. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(4):1103-12. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232014194.18912013
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. A análise e discussão dos resultados quanti-qualitativos obtidos foram realizadas à luz da Psicodinâmica do Trabalho proposta por Dejours11. Duarte FS, Mendes AMB. Da escravidão à servidão voluntária: perspectivas para a clínica psicodinâmica do trabalho no Brasil. Farol. 2015 [cited 2020 Out 29];2(3):71-134. Available from: https://revistas.face.ufmg.br/index.php/farol/article/view/2579
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-22. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho - contribuições da psicodinâmica do trabalho [Tese]. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília; 2013. [cited 2020 Out 29]. Available from: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15420
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, na qual emergiram duas categorias temáticas: prazer no trabalho do CME e sofrimento relacionado ao trabalho no CME.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, nº CAAE:65993517.9.0000.5327. Foram seguidos os preceitos éticos constantes na Resolução 466/2012. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias nas duas etapas da pesquisa. Para garantir o anonimato dos participantes na apresentação das falas foi empregada a codificação “Enf” para as falas do enfermeiro e a codificação “TE” para os técnicos de enfermagem, seguido do número que indica a ordem de fala do trabalhador na entrevista.

RESULTADOS

Dos 36 trabalhadores da equipe de enfermagem do CME que responderam à EOPT, a maioria era do sexo feminino, representando 63,8% (n=23) da amostra, e com idade superior a 45 anos (n=25, 69,4%). A faixa etária predominante entre os trabalhadores foi entre 46 e 55 anos (n=13, 37,1%), seguida por trabalhadores com idades entre 36 e 45 anos (n=9, 25,7%) e por trabalhadores com mais de 60 anos (n=9, 25,7%), somente quatro trabalhadores tinham 35 anos ou menos (11,4%). Auxiliares e técnicos de enfermagem compuseram a maior parte da amostra (n= 31, 86,1%), seguidos pelos enfermeiros (n=5, 13,9%).

Em relação ao tempo de atuação, 36,1% (n=13) dos trabalhadores possuíam mais de 20 anos de contratação e 33,3% (n=12) dos trabalhadores possuíam tempo de atuação entre 10 a 20 anos. Considerando o trabalho no CME, 34,3% (n=12) dos trabalhadores estavam entre 10 e 20 anos no cargo e 31,4% (n=11) estavam nesse cargo há mais de 20 anos, o que caracteriza uma amostra experiente na unidade.

Quanto aos hábitos relacionados à saúde, a maioria dos trabalhadores (n=35, 97,2%) realizou o exame médico no último ano, 11,1% (n=4) referiram tabagismo, 25,7% (n=9) relataram que não dormem bem e 38,9% (n=14) informaram que não realizam atividades físicas regularmente.

Na tabela 1, apresentam-se os itens que compõem a Escala de Organização Prescrita do Trabalho, assim como seus respectivos escores médios (Média), desvio-padrão (DP) e o nível de risco psicossocial que representam.

Tabela 1 -
Média, desvio padrão e indicação de risco dos escores dos itens da Escala de Organização Prescrita do Trabalho respondidos pelos trabalhadores do CME. Porto Alegre - 2017-2018 (n=36)

Para 75% (n=27) dos trabalhadores, o escore médio de suas respostas aos 19 itens da tabela indicou risco psicossocial médio ligado à organização prescrita do trabalho. Para o restante dos trabalhadores (n=9, 25%), o escore médio dos itens indicou baixo risco psicossocial. Nenhum trabalhador apresentou média total da escala sugestiva de risco psicossocial alto relacionado ao trabalho.

Buscando uma melhor compreensão tanto dos processos de trabalho quanto dos riscos psicossociais vivenciados, os dados foram validados e discutidos com a equipe de enfermagem do CME durante a entrevista. Nos relatos, os trabalhadores mencionaram tanto sua identificação e prazer com o trabalho realizado, como também apontaram aspectos relacionados à organização do trabalho que dificultam o cotidiano laboral, gerando sofrimento. A partir da análise dos relatos à luz do referencial da Psicodinâmica do Trabalho11. Duarte FS, Mendes AMB. Da escravidão à servidão voluntária: perspectivas para a clínica psicodinâmica do trabalho no Brasil. Farol. 2015 [cited 2020 Out 29];2(3):71-134. Available from: https://revistas.face.ufmg.br/index.php/farol/article/view/2579
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-22. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho - contribuições da psicodinâmica do trabalho [Tese]. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília; 2013. [cited 2020 Out 29]. Available from: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15420
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, apresentam-se duas categorias temáticas: prazer no trabalho do Centro de Materiais e Esterilização e sofrimento relacionado ao trabalho no Centro de Materiais e Esterilização.

Prazer no trabalho do Centro de Materiais e Esterilização

Nessa categoria descrevem-se os principais motivos de prazer apontados pelos trabalhadores do CME: identificação da importância da unidade para o hospital, cuidado indireto ao paciente, reconhecimento de seu trabalho, trabalho em equipe e confiança em suas habilidades pessoais empregadas na realização das tarefas.

A minha satisfação de trabalhar no CME é uma realização em trabalhar no lugar onde eu considero que seja o coração de um hospital [...] se o CME não funciona, o hospital não funciona, em lugar nenhum aqui dentro. [...] eu valorizo muito o que eu faço, e gosto muito do que faço. (TE6)

O que mais me traz satisfação ao realizar meu trabalho é saber a finalização que ele vai causar. O nosso trabalho aqui no CME, seja um pacote de sondagem vesical, eu sei que vai ter utilidade muito grande lá no final do processo, que é realizar uma sondagem vesical no paciente que está com incontinência [...] isso é o que me traz satisfação, saber que eu comecei e sei onde vai acabar. (TE3)

Nas declarações acima, verifica-se o entendimento da importância do trabalho no CME, que se constitui como aspecto chave para o funcionamento da instituição de saúde. E por meio dele, se realiza o cuidado indireto ao paciente, proporcionando prazer aos trabalhadores ao se identificarem com suas atividades.

O reconhecimento do seu trabalho por parte de colegas e chefias também é apresentado como um aspecto benéfico para os trabalhadores, que expressam seu desejo de serem incentivados:

Que o reconhecimento do trabalho, o incentivo, até mesmo por um tapinha nas costas e um elogio, eu acho que isso aí é muito importante, porque faz com que tu se comprometa cada vez mais e dê um bom resultado. (TE1)

Outro aspecto benéfico apontado sobre o trabalho no CME diz respeito à avaliação do trabalhador em relação ao trabalho em equipe, o que contribui para sua autoconfiança na capacidade de realizar as tarefas propostas.

A gente recebe ajuda uns dos outros. Sabe? Tipo assim, todo mundo se ajuda. Então eu acho que eu me sinto bem também por isso. A gente vive muito aqui com as pessoas, todos os dias a gente está aqui. Então é bem importante a relação. (TE4)

Essa autoconfiança na realização das tarefas está descrita no item 19, que obteve escore de 3,89 (risco psicossocial baixo) e diz respeito às condições necessárias para alcançar os resultados esperados para as tarefas propostas. Esses resultados indicam que os trabalhadores reconhecem sua capacidade de cumprir suas tarefas e se sentem satisfeitos com suas avaliações, conforme representado na fala abaixo:

Fui muito bem recebida e pra mim foi muito fácil desempenhar todas as tarefas que até agora foram propostas. E eu estou bem feliz. (TE5)

Apesar de se sentirem satisfeitos com suas atividades profissionais no CME, os trabalhadores também apontaram aspectos que dificultam o cotidiano laboral, gerando sofrimento relacionado ao trabalho.

Sofrimento relacionado ao trabalho no Centro de Materiais e Esterilização

Nessa categoria apresentam-se as maiores causas de sofrimento descritas pelos trabalhadores da enfermagem: falta de recursos humanos para a realização do trabalho, falta de insumos, problemas na manutenção de equipamentos, falhas na comunicação e a percepção de desvalorização do trabalho realizado no CME por colegas de outras unidades.

Um dos itens da escala com maior risco psicossocial foi o 1, que versa sobre a adequação do número de funcionários para a execução das tarefas, com escore de 2,75 (risco psicossocial médio). A porcentagem de trabalhadores que passaram por afastamento do trabalho no último ano foi de 44,4% (n=36), destes, 5,6% (n=36) passaram por três ou mais afastamentos. Esse quadro é evidenciado na fala:

Porque sempre alguém que se machuca ou está de atestado por causa do trabalho, porque é pesado, não é uma coisa simples. [...] É contato com muito produto químico também. (Enf)

Foi encontrada uma relação estatisticamente positiva entre um maior número de afastamentos com um maior risco psicossocial relacionado à organização prescrita do trabalho. Esse maior risco psicossocial é demonstrado por meio de um menor escore na escala. Considerando o último ano e dividindo-se os trabalhadores em três grupos: trabalhadores que não se afastaram, trabalhadores que se afastaram até três vezes e trabalhadores que tiveram mais de três afastamentos, identificou-se que o primeiro grupo teve escore médio da escala de 3,57, o segundo grupo obteve escore de 3,25 e o terceiro de 2,73. Ou seja, houve diferença estatística entre o escore do primeiro e do segundo grupo (p=0,044) e entre o escore do primeiro e terceiro grupo de trabalhadores (p=0,015). Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre o segundo e terceiro grupo de trabalhadores. Deste modo, evidencia-se que um maior número de afastamentos está ligado a um menor escore na escala e, portanto, a maiores riscos psicossociais vivenciados e relacionados à organização prescrita do trabalho.

Outras dificuldades relatadas estão ligadas às condições físicas do trabalho, que além do espaço físico, são constituídas pelos elementos estruturais que possibilitam a realização das tarefas, como a disposição de insumos, a qualidade e a manutenção dos maquinários utilizados. O item da escala com o menor escore (2,72, risco psicossocial médio) foi o 3, que diz respeito ao espaço físico disponível para a realização do trabalho. Já o item 4, que trata sobre a adequação dos equipamentos para a realização das tarefas, apresentou escore de 3,29 (risco psicossocial médio). Essas adversidades encontradas nas condições físicas de trabalho ficam claras nas falas dos trabalhadores, que salientam como a manutenção dos equipamentos afeta diretamente a organização do trabalho.

Eu digo que a principal dificuldade é faltar material para realizar o trabalho ou ter alguma máquina estragada, que não dá andamento nas coisas. (TE7)

Já a falta de materiais, tratada pelo item 2 da EOPT, obteve escore de risco médio (3,08), sendo apontada como outro empecilho na realização das tarefas. A indisponibilidade temporária dos equipamentos em manutenção impacta no processo laboral, visto que quando o equipamento retorna ao funcionamento, se fazem necessárias alterações no ritmo de trabalho para que as tarefas do turno possam ser concluídas a tempo. O item 12, que fala sobre a adequação do ritmo de trabalho, apresentou escore de 3,08, sendo considerado um risco médio.

A falta de equipamentos e insumos necessários para a realização das tarefas se traduz numa situação não prevista na organização do trabalho para o CME. Essa quebra da organização, aliada às cobranças, acabam por gerar sofrimento no trabalhador.

No final de semana estavam três autoclaves em pane. Uma pequena funcionando, a menor que tinha, e uma média. [...] pra botar ela em funcionamento demorou mais de um turno de trabalho. Praticamente a manhã toda não funcionou, a tarde toda, só funcionou de madrugada. (TE8)

Os equipamentos toda hora quebrados, parados, isso têm dificultado muito o nosso comprometimento com o trabalho. Tu chega, começa a fazer, e daqui a pouco pára tudo! O telefone tocando toda hora, cadê o material? Por que não desceu? Dá a impressão para quem está de fora de que a gente não está produzindo. Só que na verdade foge da nossa alçada. (TE3)

Eu acho que atualmente a gente tem tido uma cobrança de carga de trabalho bem maior e essa falta de manutenção dos equipamentos e os insumos para realização do trabalho que aumentou, diminuíram. Aí a gente tem se sentido bem perdido. (TE3)

Além das condições físicas de trabalho, a EOPT também avalia a comunicação entre os trabalhadores e as relações socioprofissionais. Itens considerados tão importantes quanto os equipamentos, conforme evidenciado na fala:

Não adianta nos trazer equipamento de primeiro mundo, material novo, etc e etc, se não for melhorado essa comunicação que está ocorrendo. (TE3)

É importante essa técnica profissional que a gente tem que saber, mas é muito importante também ter pessoas que nos ajudam a desenvolver esse trabalho com mais segurança. (TE7)

Uma comunicação efetiva entre os trabalhadores é de extrema importância, tanto para a realização do trabalho quanto para a manutenção do bem-estar individual e laboral. O item 10, que discorre sobre a comunicação entre os funcionários obteve escore de 3,47 (risco médio). No entanto, as maiores dificuldades de comunicação apontadas pelos trabalhadores do CME dizem respeito a outras unidades, sobretudo o Bloco Cirúrgico (BC). A comunicação não assertiva e o desconhecimento dos processos de trabalho entre as unidades gera impactos negativos, levando ao aumento do risco psicossocial e ao desgaste dos trabalhadores.

A gente já tinha conversado em ter uma integração com os técnicos do bloco, pra eles virem conhecer o CME, pra eles verem como funciona o CME. Porque a maioria não sabe, eles não têm ideia.(TE10)

Eles ficam falando outros nomes, não sabem como solicitar o material […] Você chegar num ambiente cheio de problemas, pessoas desmotivadas... acho que está todo mundo aqui porque gosta, senão já tinham pegado a bolsa e já tinham ido embora, porque não é fácil. (Enf)

Várias vezes que eu tenho ficado lá atrás, e os materiais somem, daí a gente procura, e está lá embaixo o material. Mas ninguém liga para dizer que está lá, para dar um retorno. (TE11)

Ainda em relação à comunicação, o item 8 obteve escore de 3,5, o que indica que a comunicação entre chefia e subordinado representa um risco psicossocial médio. Nesse item se inclui as cobranças realizadas, o que também repercute no sentimento de descontentamento do trabalhador frente às adversidades vivenciadas no cotidiano laboral.

Por que vocês falam tanto do bloco? É o que mais nos cobra né? Sempre uso um exemplo assim: se tu manda um pacote com uma data alterada, a enfermeira de lá já pega e já diz olha aqui [...] Já para tudo aqui no CME, fazem uma reunião[...] Quando sobe uma lâmina de bisturi num cabo, se tu reclama, morre aqui. (TE8)

Por meio das falas também foi possível identificar a importância do alinhamento da organização do trabalho na prevenção de erros, assim como a necessidade de capacitações e principalmente de uma melhor comunicação entre os pares.

Aparece o erro e já querem crucificar a enfermeira, o técnico. Ninguém quer enxergar o processo, o porquê aconteceu. É uma máquina que não funciona, é todo um processo manual que eu dependo muito da pessoa que está ali, dela conhecer bem o que ela está fazendo [...] mas assim, é um erro que aconteceu já desde o recebimento, que às vezes a gente faz coisa que nem é padronizado [...] Mas aí se aparece o erro, ninguém pergunta se estão todos preparados, como é que está o treinamento. (Enf)

A respeito da fala da enfermeira, o item 11 obteve escore de 3,72 (risco psicossocial baixo) indicando que há certa clareza das informações necessárias para a execução das tarefas. A instituição ao qual o CME estudado pertence possui uma comissão que busca criar e aperfeiçoar protocolos operacionais, os quais são amplamente divulgados.

Outro fator de sofrimento para os trabalhadores do CME é a compreensão de que o setor se trata de uma área para trabalhadores com dificuldades ou restrições, o que é demonstrado abaixo:

O CME é visto como uma coisa não importante, onde os técnicos não têm habilidade e por isso estão no CME. A pessoa tem incapacidade de trabalhar? Joga no CME. A pessoa não pode trabalhar mais em um setor? Vai para o CME, entendeu? (TE5)

A percepção descrita no relato acima de que os trabalhadores do CME são desvalorizados perante os trabalhadores de outras unidades confere um fator gerador de sofrimento, pois embora o CME seja um setor especializado, isso é pouco reconhecido.

DISCUSSÃO

A enfermagem brasileira apresenta um perfil predominantemente feminino, conforme levantamento realizado em 2017, 85,1% dos profissionais que compõem as equipes de enfermagem são do sexo feminino44. Conselho Federal de Enfermagem; Fundação Oswaldo Cruz. Perfil da Enfermagem no Brasil: relatório final. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2017. [cited 2020 Out 29]. Available from: http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem/pdfs/relatoriofinal.pdf
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. Essa tendência conserva-se quando se trata dos trabalhadores do CME, no qual a presença feminina varia entre 54,1%1515. Nazareth JCF, Almeida Neto OP, Silva MR, Rodrigues LR, Pedrosa LAK. Quality of life related work of nursing professionals in sterilization material center. Biosci J. 2018 [cited 2020 Out 29];34(4):1083-92. Available from: http://www.seer.ufu.br/index.php/biosciencejournal/article/view/38940/22685
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e 93,75%99. Bugs TV, Rigo DFH, Bohrer CD, Borges F, Marques LGS, Vasconcelos RO, et al. Profile of the nursing staff and perceptions of the work performed in a materials center. Rev Min Enferm. 2017;21:e-996. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20170006
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na literatura. Em relação à idade dos trabalhadores, a faixa etária predominante é entre 25 e 35 anos1616. Costa CCP, Souza NVDO, Pires AS. Profile of workers of a material and sterilization: an analysis of social and professional characteristics. J Res Fundam Care Online. 2016;8(1):3633-45. doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i1.3633-3645
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. Nos estudos consultados, a maior parte dos trabalhadores do CME trabalha na área entre um e 10 anos, com porcentagens variando entre 43,75%99. Bugs TV, Rigo DFH, Bohrer CD, Borges F, Marques LGS, Vasconcelos RO, et al. Profile of the nursing staff and perceptions of the work performed in a materials center. Rev Min Enferm. 2017;21:e-996. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20170006
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e 64,71%1616. Costa CCP, Souza NVDO, Pires AS. Profile of workers of a material and sterilization: an analysis of social and professional characteristics. J Res Fundam Care Online. 2016;8(1):3633-45. doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i1.3633-3645
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Em relação aos 19 itens avaliados pela EOPT, nenhum obteve média indicativa de risco psicossocial alto e 6 dos itens analisados apresentaram riscos psicossociais baixos, o que se trata de um resultado positivo demonstrado pelos dados. Aspectos relacionados à organização do trabalho identificados como riscos psicossociais baixos devem ser mantidos e potencializados no ambiente de trabalho. Contudo, a presença de 13 itens indicativos de riscos psicossociais médios requerem atenção dos gestores, visto que indicam uma situação limite e demandam intervenções a curto ou médio prazo que visem atenuar ou eliminar as causas desses riscos22. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho - contribuições da psicodinâmica do trabalho [Tese]. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília; 2013. [cited 2020 Out 29]. Available from: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15420
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Como visto, o espaço de trabalho é vivenciado tanto como um local de prazer quanto de sofrimento. O principal motivo de satisfação dos trabalhadores do CME foi a compreensão da importância estratégica da unidade no funcionamento das instituições de saúde. O CME é a unidade responsável por realizar a recepção, limpeza, desinfecção, esterilização, testes microbiológicos, armazenamento e distribuição de produtos para a saúde (PPS) a todas as unidades que prestam atendimento direto aos pacientes99. Bugs TV, Rigo DFH, Bohrer CD, Borges F, Marques LGS, Vasconcelos RO, et al. Profile of the nursing staff and perceptions of the work performed in a materials center. Rev Min Enferm. 2017;21:e-996. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20170006
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Outro fator de satisfação para os trabalhadores foi o cuidado indireto ao paciente, visto que é no CME que se inicia o processo do cuidado por meio da garantia da qualidade do material processado, evitando a ocorrência de eventos adversos como infecções relacionadas à assistência à saúde. Deste modo, a eficiência e a qualidade do funcionamento do setor refletem diretamente no atendimento prestado aos pacientes99. Bugs TV, Rigo DFH, Bohrer CD, Borges F, Marques LGS, Vasconcelos RO, et al. Profile of the nursing staff and perceptions of the work performed in a materials center. Rev Min Enferm. 2017;21:e-996. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20170006
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, proporcionando aos trabalhadores um sentimento de reconhecimento do trabalho realizado.

Já a cooperação mútua entre os trabalhadores também foi apontada como um aspecto que facilita o trabalho e propicia à saúde, refletindo a importância do trabalho em equipe. A união de habilidades de diferentes trabalhadores em prol de um objetivo almejado, o respeito e o estímulo à criatividade no ambiente laboral são considerados motivos de satisfação1111. Costa CCP, Souza NVDO, Silva PAS, Oliveira EB, Vieira MLC. O trabalho na central de material: repercussões para a saúde dos trabalhadores de enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2015;23(4):533-39. doi: https://doi.org/10.12957/reuerj.2015.15934
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, propiciando confiança aos trabalhadores na realização de atividades especializadas.

Apesar da satisfação dos trabalhadores, alguns aspectos foram apontados como geradores de sofrimento no cotidiano laboral. Quando a vivência do trabalho real se afasta do trabalho prescrito, como nas ocasiões em que faltam recursos ou equipamentos ou quando há dificuldades de comunicação, o trabalhador vivencia uma lacuna, uma situação que não estava prevista em suas normas de trabalho, o que pode ser tornar tanto uma oportunidade de superação e prazer, quanto uma fonte de sofrimento22. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho - contribuições da psicodinâmica do trabalho [Tese]. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília; 2013. [cited 2020 Out 29]. Available from: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15420
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. Deste modo, o desenvolvimento do sofrimento não está condicionado somente às condições laborais, mas também se relaciona à capacidade do trabalhador em se adaptar às exigências de caráter psicológico que parecem abusivas ou insuperáveis. Influenciando a dimensão psíquica do trabalhador, o sofrimento afeta a capacidade criativa e dificulta a concentração, o que diminui a habilidade de elaborar soluções e reflete na redução da satisfação em trabalhar e ser útil. O desenvolvimento de doenças como enxaqueca, hipertensão e úlceras gástricas pode ser desencadeado pela repercussão do desgaste psicossocial, o que alerta para a necessidade de ações que visem a promoção da saúde dos trabalhadores1111. Costa CCP, Souza NVDO, Silva PAS, Oliveira EB, Vieira MLC. O trabalho na central de material: repercussões para a saúde dos trabalhadores de enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2015;23(4):533-39. doi: https://doi.org/10.12957/reuerj.2015.15934
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Os aspectos do trabalho apontados pelos trabalhadores como geradores de sofrimento e, portanto, como maiores riscos psicossociais, estão relacionados à escassez de recursos humanos e de materiais necessários para a realização do trabalho. O número insuficiente de trabalhadores resulta em sobrecarga na distribuição de tarefas, levando ao esgotamento físico e mental da equipe e uma consequente queda no rendimento1111. Costa CCP, Souza NVDO, Silva PAS, Oliveira EB, Vieira MLC. O trabalho na central de material: repercussões para a saúde dos trabalhadores de enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2015;23(4):533-39. doi: https://doi.org/10.12957/reuerj.2015.15934
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Fatores capazes de gerar estresse nos trabalhadores estão contemplados nos riscos psicossociais, que abrangem dimensões físicas, psicológicas e sociais da organização do trabalho33. Forastieri V. Prevention of psychosocial risks and work-related stress. International Journal of Labour Research. 2016 [cited 2020 Out 29];8(1-2):11-33. Available from: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_dialogue/---actrav/documents/publication/wcms_551796.pdf
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. Deste modo, a existência de aspectos relacionados ao trabalho que geram risco de danos físicos aos trabalhadores também são avaliados dentro dos riscos psicossociais. As consequências dos riscos psicossociais incluem aumento do absenteísmo e presenteísmo, quedas na produtividade dos trabalhadores e elevação dos custos econômicos33. Forastieri V. Prevention of psychosocial risks and work-related stress. International Journal of Labour Research. 2016 [cited 2020 Out 29];8(1-2):11-33. Available from: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_dialogue/---actrav/documents/publication/wcms_551796.pdf
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A falta de materiais e a limitações dos recursos físicos também restringem o processo de trabalho99. Bugs TV, Rigo DFH, Bohrer CD, Borges F, Marques LGS, Vasconcelos RO, et al. Profile of the nursing staff and perceptions of the work performed in a materials center. Rev Min Enferm. 2017;21:e-996. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20170006
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. A disponibilidade de materiais se trata de algo tão essencial para o trabalhador, que a obtenção de insumos para a realização das tarefas prescritas chegou a ser apontada como um fator de satisfação por trabalhadores do CME de um hospital universitário1111. Costa CCP, Souza NVDO, Silva PAS, Oliveira EB, Vieira MLC. O trabalho na central de material: repercussões para a saúde dos trabalhadores de enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2015;23(4):533-39. doi: https://doi.org/10.12957/reuerj.2015.15934
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. Contudo, destaca-se que segundo a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº. 63 de 2011, é dever dos estabelecimentos de saúde proverem recursos e infraestrutura que possibilitem a realização das tarefas pelos trabalhadores, assim como capacitação antes do início das atividades e de forma permanente e continuada. Essas capacitações deverão incluir dados sobre riscos potenciais à saúde do trabalhador, utilização de equipamentos de proteção individuais e medidas que minimizem a exposição a agentes perniciosos1717. Ministério da Saúde (BR). Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução nº. 63, de 25 de novembro de 2011. Dispõe sobre os Requisitos de Boas Práticas de Funcionamento para os Serviços de Saúde. Diário Oficial União; 2011 nov 28.;148(227 Seção 1):44-46. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=28/11/2011&jornal=1&pagina=44&totalArquivos=128 [cited 2020 Out 29]
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Outros riscos para saúde e segurança relatados pelos trabalhadores do estão relacionados ao contato com produtos químicos como agentes de limpeza e desinfecção, contato com agentes biológicos potencialmente contaminantes decorrentes dos materiais sujos, esforço físico, desconforto postural e à sobrecarga de trabalho1212. Mendes C, Sousa M, Lança AC, Ferreira A, Paixão S. Riscos ocupacionais nas centrais de esterilização hospitalares. In: Neves MC, Camarada M, Leal A, Silva M, Onofre C, Morgado H, et al, editores. Vertentes e desafios da segurança. 8. ed. Leiria: ASVDS; 2018. p. 135-40. [cited 2020 Out 29]. Available from: http://hdl.handle.net/10400.26/28167
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. A literatura refere que as características do trabalho na área ocasionam uma sobrecarga no carregamento de peso, visto que materiais como caixas de instrumentais cirúrgicos são pesados e a manipulação desses materiais é constante. Se realizadas com posturas inadequadas, atividades que demandam força física intensa e esforço repetitivo podem ocasionar o desenvolvimento ou agravos de lesões osteomusculares1111. Costa CCP, Souza NVDO, Silva PAS, Oliveira EB, Vieira MLC. O trabalho na central de material: repercussões para a saúde dos trabalhadores de enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2015;23(4):533-39. doi: https://doi.org/10.12957/reuerj.2015.15934
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Em relação ao espaço físico do CME, destacam-se aspectos críticos como o ambiente térmico e a produção de ruídos. O calor é amplamente utilizado em ações de limpeza, desinfecção e esterilização de materiais. Diversos equipamentos, como autoclaves e lavadoras ultrassônicas, são considerados fortes geradores de calor, o que eleva a temperatura do ambiente e causa desconforto aos trabalhadores. Os equipamentos utilizados no CME também produzem ruídos em níveis elevados, o que pode provocar danos à saúde a curto, médio ou longo prazo1212. Mendes C, Sousa M, Lança AC, Ferreira A, Paixão S. Riscos ocupacionais nas centrais de esterilização hospitalares. In: Neves MC, Camarada M, Leal A, Silva M, Onofre C, Morgado H, et al, editores. Vertentes e desafios da segurança. 8. ed. Leiria: ASVDS; 2018. p. 135-40. [cited 2020 Out 29]. Available from: http://hdl.handle.net/10400.26/28167
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Outro fator gerador de sofrimento mencionado pelos trabalhadores diz respeito às dificuldades de comunicação. A comunicação efetiva abrange a capacidade de transmitir, receber e interpretar informações de modo claro e respeitoso, utilizando-se de linguagem objetiva e não acusatória1818. Moreira FTLS, Callou RCM, Albuquerque GA, Oliveira RM. Effective communication strategies for managing disruptive behaviors and promoting patient safety. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40(esp):e20180308. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180308
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. A comunicação é essencial para o cuidado, se constituindo como o alicerce das relações interpessoais e oportuniza o trabalho em equipe, à medida que organiza as habilidades individuais em ações que resultam em um objetivo comum.

Em se tratando de Centro Cirúrgico, a necessidade de comunicação se intensifica, pois nessas unidades os processos de trabalho são complexos e interdisciplinares. Falhas na comunicação oral ou escrita podem resultar em equívocos, levando a eventos adversos para trabalhadores e pacientes. No entanto, quando efetiva, a comunicação caracteriza uma ótima ferramenta de gestão, atuando como um fator de segurança nos procedimentos anestésico-cirúrgicos1919. Martins FZ, Dall’Agnol CM. Surgical center: challenges and strategies for nurses in managerial activities. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(4):e56945. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.04.56945
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. Desse modo, a comunicação efetiva entre os trabalhadores e o estabelecimento de fluxos de trabalho entre o CME e outras unidades é imprescindível, não somente pelo equilíbrio e saúde do ambiente laboral, mas também pela segurança do paciente1818. Moreira FTLS, Callou RCM, Albuquerque GA, Oliveira RM. Effective communication strategies for managing disruptive behaviors and promoting patient safety. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40(esp):e20180308. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180308
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-1919. Martins FZ, Dall’Agnol CM. Surgical center: challenges and strategies for nurses in managerial activities. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(4):e56945. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.04.56945
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.

A percepção de desvalorização de outros setores em relação ao trabalho realizado no CME se configura como uma fonte de sofrimento comumente retratada99. Bugs TV, Rigo DFH, Bohrer CD, Borges F, Marques LGS, Vasconcelos RO, et al. Profile of the nursing staff and perceptions of the work performed in a materials center. Rev Min Enferm. 2017;21:e-996. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20170006
https://doi.org/10.5935/1415-2762.201700...
,1111. Costa CCP, Souza NVDO, Silva PAS, Oliveira EB, Vieira MLC. O trabalho na central de material: repercussões para a saúde dos trabalhadores de enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2015;23(4):533-39. doi: https://doi.org/10.12957/reuerj.2015.15934
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,2020. Spagnol CA, Colem NCS, Oliveira BKS, Pereira ADS, Silva RHL, Mussel IC, et al. Hot footbath therapy: taking care of the nursing at the centre for material and sterilization. Rev SOBECC. 2015;20(1):45-52. doi: https://doi.org/10.5327/Z1414-4425201500010007
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. Embora os trabalhadores reconheçam sua importância para o funcionamento dos serviços de saúde, percebem que muitas vezes o CME é referido como um local de menor complexidade, havendo diversos fatores que contribuem com esse estigma. Dentre eles, pode-se destacar a caracterização do trabalho como cuidado indireto ao paciente; a apresentação de semelhanças com o trabalho doméstico, historicamente desvalorizado; a realização das tarefas em área fechada e isolada de outras unidades; o histórico de realocação de funcionários com problemas de saúde e, por fim, a reduzida ênfase na formação profissional2020. Spagnol CA, Colem NCS, Oliveira BKS, Pereira ADS, Silva RHL, Mussel IC, et al. Hot footbath therapy: taking care of the nursing at the centre for material and sterilization. Rev SOBECC. 2015;20(1):45-52. doi: https://doi.org/10.5327/Z1414-4425201500010007
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Acredita-se que uma melhor compreensão dos processos de trabalho na área poderia contribuir para o reconhecimento e valorização do trabalho da enfermagem no CME e atenuar a insatisfação que os trabalhadores do CME sentem em relação ao desconhecimento que outras unidades têm sobre o setor. Essa compreensão, também contribui para a segurança do paciente e dos trabalhadores, visto que o alinhamento no fluxo de tarefas e uma comunicação efetiva são essenciais para o ajuste e bom funcionamento dos protocolos operacionais padronizados. Considera-se como possíveis limitações desse estudo o período de coleta de dados, bem como a realização em um único CME e em um único contexto.

CONCLUSÃO

O estudo permitiu conhecer as características do trabalho da equipe de enfermagem do CME, bem como os riscos psicossociais relacionados à organização prescrita do trabalho, identificando as vivências de prazer e sofrimento no espaço laboral.

A preocupação com a saúde dos trabalhadores precisa ocupar um papel fundamental nas instituições, que devem visar à avaliação das causas de adoecimento, intervindo antes que sejam necessárias ações curativas. A identificação dos aspectos positivos ou negativos da organização do trabalho auxilia os gestores a identificarem quais aspectos benéficos devem ser reforçados no cotidiano e quais aspectos necessitam de intervenção, prevenindo a exposição dos trabalhadores aos riscos psicossociais e ao adoecimento. Aos trabalhadores, cabe a participação na identificação dos riscos psicossociais e no estabelecimento de prioridades na intervenção, além do apoio na implementação de medidas preventivas coletivas e nas ações de conscientização.

Considerando a importância da temática e seus reflexos no cotidiano laboral, incentivam-se mais pesquisas na área. O Centro de Materiais e Esterilização caracteriza-se por uma unidade dinâmica que está em constante evolução tecnológica, assim sendo, o conhecimento especializado é capaz de repercutir de forma ímpar no cuidado ao paciente e na organização do trabalho da instituição de saúde.

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Editado por

Editor associado:

CarliseRigon Dalla Nora

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2020
  • Aceito
    06 Abr 2021
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