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NOTAS SOBRE O OLVIDO

NOTES ON OBLIVION

Resumo

Este artigo explora a questão do olvido na tradição ocidental de um modo geral e, em particular, em três romances de Machado de Assis (Memórias póstumas de Brás Cubas, Memorial de Aires e Dom Casmurro). Nessa exploração, são evocadas a Eneida e A divina comédia, bem como algumas peças de Shakespeare, as Christian Morals, de Sir Thomas Browne, e um ensaio de Charles Lamb, este vitimado pelo esquecimento, talvez deliberado, do escritor brasileiro.

Palavras-chave:
olvido; Shakespeare; Thomas Browne; Charles Lamb; ficção machadiana

Abstract

This article explores the tradition of oblivion in Western culture in general, and particularly in three novels by Machado de Assis (The Posthumous Memoirs of Brás Cubas, Counselor Ayres' Memorial and Dom Casmurro). In doing so, it evokes the Aeneid and The Divine Comedy, as well as some Shakespearean plays, Sir Thomas Browne's Christian Morals and one essay by Charles Lamb, the latter being a victim of the Brazilian author's own, perhaps deliberate, forgetfulness.

Keywords:
oblivion; Shakespeare; Thomas Browne, Charles Lamb, Machado de Assis' fiction

Para Marcelo Diego

Brás Cubas dá ao capítulo CXXXV de suas memórias póstumas o título de "Oblivion". A essa altura da narração, chega ele aos cinquenta anos de idade e reflete sobre a velhice:

Cinquenta anos! Não é ainda a invalidez, mas já não é a frescura. Venham mais dez, e eu entenderei o que um inglês dizia, entenderei que "cousa é não achar já quem se lembre de meus pais, e de que modo me há de encarar o próprio ESQUECIMENTO".

Vai em versaletes esse nome. OBLIVION! (ASSIS, on-lineASSIS, Machado de. Romances e contos em hipertexto. Disponível em: <Disponível em: machadodeassis.net >. Acesso em: 18 jul. 2022.
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)1 1 Cito pela edição eletrônica disponível em <www.machadodeassis.net>. Acesso em: 18 jul. 2022.

Menciona vagamente "um inglês" que dizia que em pouco tempo já não haveria quem se lembrasse de seus pais e pouco depois seria apagado pelo completo olvido. O inglês que disse a frase é Sir Thomas Browne (1605-1682), autor versado em muitos assuntos, inclusive ciência em geral, medicina, religião e ocultismo, cujas obras revelam grande curiosidade pela natureza, sob a influência do método científico e do empirismo de Francis Bacon (1561-1626). Frequentemente descritos como melancólicos, seus escritos são também apreciados pela inteligência e pelo estilo refinado. Médico formado pela Universidade de Leiden, intelectual polivalente e contraditório,2 2 Ao mesmo tempo que era um seguidor de Bacon e seu método indutivo, pedra de toque da ciência moderna, Browne dizia acreditar em feitiçaria, como era comum no século XVII. dono de uma prosa que se poderia chamar de barroca, Browne escreveu, provavelmente na década de 1670, com o propósito de deixar aos filhos conselhos e orientações morais, a obra Christian Morals, publicada postumamente, em 1716.

Os estudiosos de Machado de Assis devem a elucidação dessa referência tão vaga a Benjamin Woodbridge Jr., antigo professor da Universidade da Califórnia, Berkeley, que, em 1954, publicou em Modern Language Notes um curto e despretensioso artigo intitulado "Sir Thomas Browne, Lamb, and Machado de Assis".3 3 O artigo foi traduzido e publicado em Machado de Assis em Linha, v. 7, n. 13, jun. 2014, na seção da revista dedicada à divulgação de artigos da tradição crítica machadiana. Com muita razão, Woodbridge argumenta, porém, que a fonte de Machado não seria diretamente Browne, de quem não há evidências de que teria conhecimento, mas Charles Lamb (1775-1834). Este, sim, era bem conhecido por nosso autor, que, como indica Woodbridge, o reconhece, pela voz de Brás Cubas, numa nota inserida na primeira edição em livro de Memórias póstumas, em 1881, como modelo, ao lado de Sterne e Xavier de Maistre, para a "forma livre" que adota no romance. "Em edições posteriores", informa-nos o autor do artigo, "Machado omitiu o nome de Lamb; mas o testemunho de 1881 sugere que Elia estava fresco em sua mente na época em que compunha o livro" (WOODBRIDGE JR., 2014WOODBRIDGE JR., Benjamin. Sir Thomas Browne, Lamb e Machado de Assis. Machado de Assis em Linha, São Paulo, v. 7, n. 13, p. 1-4, jun. 2014. Tradução de Marta de Senna. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/mael/a/gF9QPDqV5BbzFTjk88St4qf/?lang=pt >. Acesso em: 18 jul. 2022.
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, p. 4).4 4 Woodbridge remete a Eugênio Gomes (Espelho contra espelho) ao mencionar a nota "Ao leitor", assinada por Brás Cubas, na primeira edição em livro do romance.

O propósito do pequeno artigo do professor de Berkeley é demonstrar que Lamb era autor conhecido de Machado para além da menção apontada por Eugênio Gomes em "O lapso", conto de Histórias sem data (1884),5 5 Não deixa de ser curioso o fato de que o conto gira em torno do esquecimento, ou, mais precisamente, da perda temporária de memória de uma das personagens, que perde a noção do que seja "pagar" e de ideias correlatas, e vai acumulando dívidas, até ser curado pelo médico holandês, dr. Jeremias Halma, que nunca tem coragem de cobrar-lhe o tratamento. cujo narrador chama Lamb de "fino ensaísta" e menciona as duas raças de homens descritas por Elia (pseudônimo do autor inglês) num ensaio de 1820, publicado em The London Magazine e, em livro (Essays of Elia), em 1823. O que Woodbridge não podia saber àquela altura (1954) e que reforçaria o seu argumento é que Machado tinha em sua biblioteca Essais choisis, de Lamb, traduzidos do inglês e acompanhados de um estudo sobre o humor e uma notícia literária sobre o autor, por Louis Dépret, publicados em Paris em 1880 (antes portanto da primeira edição em livro das Memórias póstumas). Somente com a publicação, em 1961, de "La Bibliothèque de Machado de Assis", de Jean-Michel Massa, na Revista do Livro, essa informação ficou acessível (cf. MASSA, 1961MASSA. Jean-Michel. La Bibliothèque de Machado de Assis. Revista do Livro (órgão do Instituto Nacional do Livro, Ministério da Educação e Cultura), Rio de Janeiro, ano 6, v. 6, n. 21-22, p. 195-238, mar./jun. 1961. Republicado em tradução de Claudia Maria Pereira de Almeida em JOBIM, José Luís (Org.). A biblioteca de Machado de Assis. Rio de Janeiro: ABL; Topbooks, 2001. p. 21-90.). Quanto a mim, concordando com Woodbridge que Machado certamente tomou conhecimento de Browne por meio de Lamb, que o cita explicitamente, o que me interessa na verdade são dois outros aspectos.

O primeiro é a maneira oblíqua e dissimulada (para usar dois adjetivos caros ao nosso Bruxo) pela qual Brás Cubas cita indeterminadamente "um inglês", levando o leitor a supor, no tom casual de Brás, que narra a própria vida, e nele, Machado, o autor empírico do livro, uma erudição que na verdade não têm: a menção seria tão óbvia (assim Brás e Machado parecem querer fazer crer ao leitor), que dispensaria a explicitação do nome do "inglês". O recurso à citação/alusão como dispositivo narrativo a serviço da ficção que constrói, como tenho tentado demonstrar em vários estudos já publicados, funciona aqui, por um lado, para caracterizar a personalidade do fátuo e presunçoso Brás Cubas; por outro, diz muito sobre o autor que não apenas omite o nome do "inglês", espicaçando a curiosidade do leitor, como também apaga, em edições posteriores à primeira em livro do romance, o vestígio que poderia levar o leitor curioso a identificá-lo. O segundo aspecto é exatamente a supressão do nome de Lamb da "lista" de autores que lhe serviriam de modelo, a partir já da segunda edição em livro das Memórias póstumas. Fosse por que razão fosse, o Machado de 1882 não reconheceria em Lamb a mesma estatura que identificava em Sterne, em De Maistre (em flagrante erro de avaliação literária) ou em Garrett, e prefere omitir-lhe o nome. Ou porque o achasse menos digno de figurar na linhagem de que ele próprio descende, porque, afinal, Lamb não foi jamais um ficcionista relevante; ou porque quisesse fazer supor que sua fonte era Browne, autor do século XVII, pouco ou nada lido entre nós, o que seria um "enobrecimento" não apenas da fonte, mas, consequentemente, dele mesmo - o fato é que Machado de Assis, ao suprimir o nome de Charles Lamb, desinveste-o de qualquer ancestralidade em relação ao que sabia ser, pelo menos até então, a sua obra maior. Lamb é submetido ao olvido, quando, de fato, não poderia nem deveria sê-lo, no capítulo intitulado precisamente OBLIVION, em versalete, como Lamb insere o termo em seu ensaio e como não figura, ainda segundo Benjamin Woodbridge, em nenhuma das edições de Christian Morals. Em Lamb, sob o pseudônimo de Elia:

I am arrived at that point of life, at which a man may account it a blessing, as it is a singularity, if he have either of his parents surviving. I have not that felicity ¬ and sometimes think feelingly of a passage in Browne's Christian Morals, where he speaks of a man that hath lived sixty or seventy years in the world. "In such a compass of time," he says, "a man may have a close apprehension what it is to be forgotten, when he hath lived to find none who could remember his father, or scarcely the friends of his youth, and may sensibly see with what a face in no long time OBLIVION will look upon himself." (LAMB, on-lineLAMB, Charles. My relations. Essays of Elia [1823]. Disponível em: <Disponível em: https://www.angelfire.com/nv/mf/elia1/relation.htm >. Acesso em: 18 jul. 2022.
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).

Em Browne:

In seventy or eighty years a Man may have a deep Gust of the World, Know what it is, what it can afford, and what 'tis to have been a Man. […] He may have a close apprehension what it is to be forgotten, while he hath lived to find none who could remember his Father, or scarce the friends of his youth, and may sensibly see with what a face in no long time oblivion will look upon himself. (BROWNE, on-lineBROWNE, Thomas. Christian Morals [1716]. Disponível em: <Disponível em: https://penelope.uchicago.edu/cmorals/cmorals3.xhtml >. Acesso em: 18 jul. 2022.
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).6 6 John Woodbridge comenta a diminuição da idade do homem sobre quem se faz a reflexão, de Browne (setenta ou oitenta anos) para Lamb, que, talvez por citar de memória, fala em sessenta ou setenta anos, para Machado-Brás Cubas, que faz a reflexão ao completar cinquenta anos.

A supressão do nome de Lamb, porém, pode ter outra explicação, se admitirmos a hipótese de que entre a primeira e a segunda edição em livro das Memórias póstumas de Brás Cubas Machado tivesse conhecido o texto de Sir Thomas Browne (o que jamais poderemos afirmar, tampouco negar) e vislumbrasse maior afinidade das "rabugens de pessimismo" de Brás com o tom solene e grave de Christian Morals do que com a leveza dos ensaios de Elia, ligeiros, para consumo fácil dos leitores do London Magazine. No "Prólogo da quarta edição" (a terceira em livro, de 1899), o escritor afirma haver na alma do livro, "por mais risonho que pareça, um sentimento amargo e áspero, que está longe de vir de seus modelos [Sterne, De Maistre e Garrett]. É taça que pode ter lavores de igual escola, mas leva outro vinho". Não seria essa "aspereza" congênere da prosa difícil, barroca de Browne? Não estaria nesse mesmo Browne, hipoteticamente conhecido por Machado, a descrição do fim da vida de Brás? Deixo ao eventual leitor deste artigo a continuação da passagem de Christian Morals que Lamb/Elia não cita, decerto porque soturna, a qual me parece cair como uma luva no fim melancólico e solitário de Brás Cubas:

His Progeny may never be his Posterity; he may go out of the World less related than he came into it, and considering the frequent mortality in Friends and Relations, in such a Term of Time, he may pass away divers years in sorrow and black habits, and leave none to mourn for himself (BROWNE, on-lineBROWNE, Thomas. Christian Morals [1716]. Disponível em: <Disponível em: https://penelope.uchicago.edu/cmorals/cmorals3.xhtml >. Acesso em: 18 jul. 2022.
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).

A questão do olvido parece ainda assombrar Machado de Assis no seu último romance, Memorial de Aires, agora com recurso a uma citação francesa: "Les morts vont vite", que abre a entrada de 23 de maio de 1888 no diário do conselheiro, referindo-se a uma personagem incidental, o leiloeiro Fernandes, cuja morte Aires registrara pouco antes, na anotação de 21 de maio. Ele e mana Rita assistem da janela da casa de Aires na rua do Catete ao cortejo fúnebre do finado, contam os carros que o compõem, sinal do prestígio do defunto. O apontamento do dia 22 de maio não toca no leiloeiro, voltando-se para o núcleo central da trama - se é que se pode falar em "trama" nesse romance rarefeito -, os Aguiares, que acabam de receber de Portugal carta do afilhado Tristão, o qual durante anos parecia tê-los esquecido. Diga-se de passagem, esse olvido fora penoso, especialmente para dona Carmo, que agora se revela toda indulgência, toda compreensão, toda perdão para o afilhado/filho postiço. Ao abrir a anotação de 23 de maio, Aires se vale de uma frase em francês, "Les morts vont vite", como a desculpar-se pela indiferença em relação ao leiloeiro morto. A frase não está aí por acaso. Se nos lembrarmos da análise estrutural da narrativa, empreendida por Roland Barthes nos anos de 1960, a identificaremos facilmente como um "índice" barthesiano, uma pista para algo que voltará a aflorar no récit.

Trata-se de um ditado francês, registrado desde o século XVIII (cf. LACERDA, R.; LACERDA, H.; ABREU, 2003LACERDA, Roberto Cortes de; LACERDA, Helena da Rosa Cortes de; ABREU, Estela dos Santos. Dicionário de provérbios: francês, português, inglês. 2 ed. revista e ampliada. São Paulo: Editora Unesp, 2003., p. 323) e celebrizado na tradução francesa da balada fantástica "Lenore" (ou "Leonore"), de Gottfried Bürger, escrita em 1773 e publicada pela primeira vez em 1774.7 7 Para Arthur Chuquet (1909, p. 225), "Lénore" é "la meilleure ballade de l'Allemagne et [...] cria le genre". O tradutor foi o atormentado poeta Gérard de Nerval, que dela publicou uma versão em prosa em 1829 e, no ano seguinte, uma em verso, mantendo em ambas o ritmo acelerado, a atmosfera onírica e dando ao refrão a forma que o consagrou: "Les morts vont vite". É possível que o tradutor tivesse na memória o ditado corrente na França desde o século XVIII, pois em alemão o verbo utilizado não é exatamente "ir", mas "cavalgar", muito mais pertinente no contexto do poema: "die Todten reiten schnell". Machado faz da frase uma apropriação por assim dizer profana, prática, "prosaica", longe da atmosfera fantasmagórica do poema. Esse modo de apropriar o texto alheio é bem comum no nosso autor, quase sempre visando ao cômico. Aqui, talvez seja um indício de que Machado conhecia o ditado e não as peças literárias no original alemão e em tradução francesa. O fato é que a citação é despida de qualquer caráter lúgubre e emocional, tão ao gosto do Sturm und Drang, de que Bürger é considerado um precursor. Aqui os mortos vão depressa porque são rapidamente esquecidos: do leiloeiro Fernandes ao finado marido de Fidélia, de Memorial de Aires. Contrariando o propósito de não voltar a casar-se, explicitado no início do romance, Fidélia bem depressa se enamora de Tristão. Sempre pressuroso, o "estribeiro OBLIVION" pega Fidélia pela mão e a conduz em breve tempo a novas núpcias: "les morts vont vite", há de lembrar o leitor.

Mas Machado faz um double twist de estontear: distancia-se da solenidade com que Thomas Browne trata o olvido e aproxima-se da leveza dos Essays of Elia. Na entrada de 30 de agosto de 1889, a penúltima do Memorial, Aires estende sobre a própria velhice, à de Aguiar e Carmo, e à do desembargador Campos, tio de Fidélia, o mesmo manto do olvido com que se cobrem os mortos: "Desembargador, se os mortos vão depressa, os velhos ainda vão mais depressa que os mortos... Viva a mocidade!" (ASSIS, on-lineASSIS, Machado de. Romances e contos em hipertexto. Disponível em: <Disponível em: machadodeassis.net >. Acesso em: 18 jul. 2022.
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). E acrescenta, como que para nos assegurar de que, se há alguma ironia, não há amargura na observação:

Campos não me entendeu, nem logo, nem completamente. Tive então de lhe dizer que aludia ao marido defunto, e aos dous velhos deixados pelos dous moços, e concluí que a mocidade tem o direito de viver e amar, e separar-se alegremente do extinto e do caduco. Não concordou - o que mostra que ainda então não me entendeu completamente. (ASSIS, on-lineASSIS, Machado de. Romances e contos em hipertexto. Disponível em: <Disponível em: machadodeassis.net >. Acesso em: 18 jul. 2022.
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).

O esquecimento, figurado na mitologia greco-latina como Letes, um dos cinco rios do Hades, vem ressoando na literatura ocidental desde a Antiguidade Clássica, sendo visto como uma espécie de mal necessário: para que as almas que já expiaram suas faltas possam voltar a habitar o mundo dos vivos, precisam esquecer o que viveram, as faltas cometidas. Virgílio é explícito no livro VI da Eneida, quando Eneias tem permissão para visitar o Hades, onde conversa com o pai, Anquises. Diante do espetáculo de inúmeras almas que vêm pressurosas beber das águas de um rio, Eneias indaga:

Que rio este é, que gente em cópia tanta

Lhe enche as ribas? "Aos corpos destinados,

Disse o padre, almas são que eterno olvido

N'água leteia descuidosa bebem.

[...] (VIRGÍLIO, on-lineVIRGÍLIO. Eneida. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Disponível em: <Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/eneida.html#6 >. Acesso em: 22 jul. 2022.
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/enei...
, v. 732-735).8 8 Valho-me da edição on-line da tradução de Manuel Odorico Mendes, originalmente publicada em 1854, conhecida como Eneida brasileira, que Machado de Assis tinha em sua biblioteca. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/eneida.html#6>. Acesso em: 22 jul. 2022. No original latino, a pergunta está nos versos 711-712. Para o texto latino, valho-me da edição Loeb Classical Library.

O herói se espanta: "Pois é crível, meu pai, que almas sublimes/ Aos tardos corpos, ressurgindo, voltem?/ Oh! desejo de vida insano e triste!" (VIRGÍLIO, on-lineVIRGÍLIO. Eneida. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Disponível em: <Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/eneida.html#6 >. Acesso em: 22 jul. 2022.
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/enei...
, v. 739-741; no original, v. 719-721). E logo Anquises passa a explicar ao filho o processo de expurgo dos delitos cometidos em vida, que dura "mil anos":

Voltos mil anos, as convoca em turmas

Ao rio um deus; por que elas, do passado

Esquecidas, rever a esfera queiram,

E entrar de novo nas prisões corpóreas."

[...] (VIRGÍLIO, on-lineVIRGÍLIO. Eneida. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Disponível em: <Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/eneida.html#6 >. Acesso em: 22 jul. 2022.
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/enei...
, v. 769-762; no original, v. 748-751).

A tradução brasileira não dá conta tão bem quanto as duas para a língua inglesa, que consultei on-line, da ideia do resgate da vida na terra por obra do esquecimento. A primeira é a clássica tradução de Dryden (1697), da qual transcrevo a passagem que interessa:

But, when a thousand rolling years are past,

(So long their punishments and penance last,)

Whole droves of minds are, by the driving god,

Compell'd to drink the deep Lethaean flood,

In large forgetful draughts to steep the cares

Of their past labours, and their irksome years,

That, unrememb'ring of its former pain,

The soul may suffer mortal flesh again. […] (VIRGIL, on-lineVIRGIL. The Aeneid. Tradução de John Dryden. Disponível em: <Disponível em: http://classics.mit.edu/Virgil/aeneid.6.vi.html >. Acesso em: 22 jul. 2022.
http://classics.mit.edu/Virgil/aeneid.6....
).9 9 A edição eletrônica que utilizo, a qual não assinala a numeração dos versos, está disponível em <http://classics.mit.edu/Virgil/aeneid.6.vi.html>. Acesso em: 22 jul. 2022.

A segunda é de Theodore C. Williams, publicada em Boston em 1910:

At last, when the millennial aeon strikes,

God calls them forth to yon Lethaean stream,

In numerous host, that thence, oblivious all,

They may behold once more the vaulted sky,

And willingly to shapes of flesh return. […] (VIRGIL, on-line______. Aeneid. Tradução de Theodore C. Williams. Disponível em: <http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.02.0054%3Abook%3D6%3Acard%3D724>. Acesso em: 22 jul. 2022.
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text...
, 747-751).10 10 A tradução on-line que da qual extraio esses cinco versos está disponível em: <http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.02.0054%3Abook%3D6%3Acard%3D724>. Acesso em: 22 jul. 2022.

Em ambas, bem como no original, ressalta-se o caráter purificador do esquecimento, algo que, na vida após a morte, o indivíduo deseja, algo a que aspira como prêmio por ter-se genuinamente arrependido dos erros cometidos na vida terrena.

Tal concepção, devidamente cristianizada, ainda se encontrará n'A divina comédia. No Purgatório, Dante (que mescla em si autor, narrador, eu lírico e personagem) é apresentado ao rio do olvido, agora dotado de outro poder restaurador: o de apagar a memória do pecado:

L'acqua che vedi non surge di vena

che ristori vapor che gel converta,

come fiume ch'acquista e perde lena;

ma esce di Fontana salda e certa,

che tanto dal voler di Dio riprende,

quant'ella versa da due parti aperta.

Da questa parte con virtú discende

che toglie altrui memoria del peccato;

da l'altra d'ogne ben fatto la rende.

Quinci Letè; cosi da l'altro lato

Eünoè si chiama [...] (ALIGHIERI, 2001______. A divina comédia. Tradução e notas de Italo Eugenio Mauro. São Paulo: Editora 34, 2001 [1998]., p. 187, Purgatório, XXVIII, v.121-131)

Na tradução de Italo Eugenio Mauro:

A água que vês não surge de nascente

que restaure vapor que o frio converta,

como rio que em seu curso apouque e aumente,

mas nasce de uma fonte firme e certa

que, quanto a graça de Deus lhe fornece,

tanto verte, pra dois lados aberta.

Para esta parte, co'a virtude desce

que cancela a memória do pecado,

noutra a das boas ações restabelece.

Este é o Letes, e o do outro lado

chama-se Eunoé [...] (ALIGHIERI, 2001______. A divina comédia. Tradução e notas de Italo Eugenio Mauro. São Paulo: Editora 34, 2001 [1998]., p. 187, v. 121-131)

Na tradução inglesa de que disponho, empreendida por C. H. Sisson e comentada por David Higgins, uma nota esclarece que "Eunoë [is] a name invented by Dante, based on Greek elements (lit. 'pleasant' and 'mind/memory') to suggest the function of its waters, which is to freshen the memory of good deeds, just as Lethes removes the memory of evil deeds" (ALIGHIERI, 1998ALIGHIERI, Dante. The Divine Comedy. Tradução de Charles. H. Sisson. Comentários de David Higgins. Oxford: Oxford University Press, 1998 [1980]. (Oxford World's Classics)., p. 639, grifo meu). No canto XXXI, já na presença de Beatriz, que o repreende por ter, desde a prematura morte dela dez anos antes, levado uma vida dissipada, o poeta-personagem admite com sinceridade toda a sua culpa e se arrepende genuinamente. Por isso merece ser mergulhado no Letes e esquecer todos os seus pecados. A mesma jovem, Matelda (um anjo?), que lhe mostrara o rio sagrado no canto XXVIII, o mergulha até o pescoço na corrente do esquecimento e o arrasta, enquanto ela própria desliza na superfície. Quase na outra margem, onde o aguarda Beatriz, Matelda o faz engolir um pouco da água, e o poeta está purificado para, guiado pela amada, entrar no Paraíso.

Quase três séculos mais tarde, passado o entusiasmo humanista do Quattrocento e do primeiro Cinquecento, vamos reencontrar o esquecimento na obra de Shakespeare, já não necessariamente figurado no Letes, embora seja este mencionado em seis de suas peças.11 11 De acordo com A Complete Concordance or Verbal Index to Words, Phrases, and Passages in the Dramatic Works of Shakespeare, de John Bartlett, são elas: Twelfth Night;Henry IV, Part 2; Richard III; Julius Caesar; Hamlet e Antony and Cleopatra. Quando dissociado da figura mitológica do rio que apaga redentoramente a memória de quem nele mergulha ou bebe de suas águas, o conceito de olvido adquire tons sombrios, maneiristas, eu ousaria dizer. Recuperado na obra de Browne, na de Lamb e na de Machado de Assis, o conceito verbalizado no substantivo oblivion é muito profundamente negativo, quanto mais não fosse pelos atributos que o qualificam. Opera-se uma espécie de inversão de eixo, e é como se nos movêssemos em sentido contrário: o olvido, antes buscado pelo indivíduo como forma de redenção, passa a ser uma ameaça que lhe é imposta de fora para dentro, pelo "outro", seja esse "outro" uma criatura humana, a distância, o tempo, a morte. E de seis peças em que Letes é referido, passamos a onze em que a ideia de olvido aflora, despojada de conotação positiva, das mitologias clássica ou cristã.12 12 Measure for Measure; As You Like It; The Taming of the Shrew; All's Well that Ends Well (duas ocorrências); Henry IV, Part 2; Henry V; Richard III; Troilus and Cressida (três ocorrências); Titus Andronicus; Hamlet e Antony and Cleopatra. Semelhante à morte, oblivion é brutalmente eficaz no aniquilamento de coisas, fatos, pessoas.

No famoso monólogo de Jaques em As You Like It (ato II, cena VII), conhecido como "The Seven Ages of Men", a velhice é descrita como carregando em si "second childishness and mere oblivion" (SHAKESPEARE, on-lineSHAKESPEARE, William. The Complete Works of William Shakespeare. Disponível em: <Disponível em: shakespeare.mit.edu/ >. Acesso em: 18 jul. 2022.
shakespeare.mit.edu/...
), numa formulação tão poética quanto terrível.13 13 Optei por não utilizar nas citações da obra de Shakespeare a excelente tradução de Barbara Heliodora, por uma razão simples: nem sempre a tradutora preserva em português o vocábulo "olvido", preferindo perífrases, eventualmente mais adequadas ao ritmo do verso em nossa língua. Também optei por manter no meu próprio texto os nomes das personagens tal como figuram no original. Não fosse a inclinação à leveza e à graça e caso fosse dado à poesia e à ênfase, o conselheiro Aires poderia subscrever esse trecho do discurso de Jaques, quando diz que os velhos vão ainda mais depressa do que os mortos, na passagem citada acima, correspondente à penúltima anotação de seu diário.

Em outras peças, é comum uma espécie de animização do olvido, que é descrito como uma figura saturnal, capaz de tudo engolir, sombria e cega: "[...] in the swallowing gulf/ Of blind forgetfulness and dark oblivion" (Richard III, ato III, cena VII, 128-129); "[...] and blind oblivion swallow'd cities up" (Troilus and Cressida, ato III, cena II, 194). Frequentemente assemelhado à morte, oblivion vem metaforizado como "tomb" e ao lado de adjetivos como "damned": "[...] Where dust and damn'd oblivion is the tomb/ Of honour'd bones […]" (All's Well That Ends Well, ato II, cena III, 147-148); "[…] things of worthy memory,/ which now shall die in oblivion […]" (The Taming of the Shrew, ato IV, cena I, 85); ou, ainda, identificado à dissolução de tudo: "[…] What's past and what's to come is strew'd with husks/ And formless ruin of oblivion […]" (Troilus and Cressida, ato IV, cena V, 166-167) (SHAKESPEARE, on-lineSHAKESPEARE, William. The Complete Works of William Shakespeare. Disponível em: <Disponível em: shakespeare.mit.edu/ >. Acesso em: 18 jul. 2022.
shakespeare.mit.edu/...
).14 14 Cito pelas edições eletrônicas disponíveis em <http://shakespeare.mit.edu/>. Todos os grifos são meus.

Reservei para comentar por último o emprego do substantivo oblivion em Measure for Measure, certamente uma das mais desconcertantes peças de Shakespeare, com a qual, de resto, Machado já revelava familiaridade desde seu primeiro romance, Ressurreição (1872). Em Measure for Measure, Shakespeare me parece superar-se na concisão com que descreve o poder de extinção de que é dotado o olvido. Na cena única do último ato, o duque Vincentio reaparece numa Viena perdida na devassidão, da qual fingira ter-se afastado, deixando Angelo no governo da cidade, com a missão precípua de fazer cumprir com rigor as leis que coíbem o desregramento sexual. Já tem conhecimento de que, movido pela luxúria, Angelo falhara torpemente na missão e propusera a Isabella poupar seu irmão, condenado precisamente por ter tido relações sexuais com a noiva, Juliet, antes do casamento. A condição é perversa: para obter o perdão para o irmão, Isabella teria de entregar-se a ele, Angelo. O duque é, decerto, personagem extremamente complexa, de uma dubiedade que beira o abjeto, como assinala Harold Bloom, "dado a disfarces, provocações sádicas e desígnios dúbios" (BLOOM, 2001BLOOM, Harold. Shakespeare: a invenção do humano. Tradução de José Roberto O'Shea. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001., p. 462). Aqui, na cena final da peça, vai em breve desmascarar o vilão, mas a princípio finge acreditar nele e o exalta:

O, your desert speaks loud; and I should wrong it,

To lock it in the wards of covert bosom,

When it deserves, with characters of brass,

A forted residence 'gainst the tooth of time

And razure of oblivion. […] (SHAKESPEARE, on-lineSHAKESPEARE, William. The Complete Works of William Shakespeare. Disponível em: <Disponível em: shakespeare.mit.edu/ >. Acesso em: 18 jul. 2022.
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, v. 10-14, grifo meu).15 15 Na tradução de Barbara Heliodora: "Seu mérito é enorme, e eu erraria/ Se o escondesse no fundo do meu peito/ Quando merece, com letras de bronze,/ Um firme lar contra o ataque do tempo/ E o apagar do olvido. [...]" (SHAKESPEARE, 2009, v.1, p. 1601).

Seu mérito seria de tal ordem a demandar ser gravado em bronze, a tornar-se morada solidamente construída, que resistisse "ao dente do tempo e à razura do olvido". A palavra inglesa "razure", às vezes confundida com "rasure", é muito frequentemente traduzida em português simplesmente como "rasura", isto é, como "risco ou raspagem na parte escrita de um texto, documento etc., para tornar inválidas ou ilegíveis palavras ali contidas, ou substituí-las por outras" ¬ como nos ensinam os dicionários HouaissGRANDE DICIONÁRIO HOUAISS. Disponível em: <Disponível em: https://houaiss.uol.com.br/ >. Acesso em: 18 jul. 2022.
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e AuleteAULETE, Francisco J. Caldas. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. 2. ed. brasileira. Rio de Janeiro: Delta, 1964. v. 4.. Entretanto, no texto shakespeariano a palavra é "razure", que traz na sua etimologia "razor", "navalha", remetendo a algo bem mais radical do que uma simples "rasura". No Dicionário da Língua PortuguesaSILVA, Antônio de Morais. Dicionário da língua portuguesa. 8. ed. Rio de Janeiro: Empresa Literária Fluminense, 1890., de Antônio de Morais Silva, edição de 1890, existe o termo "razura", que remete a "rasoura", que por sua vez, designa, entre religiosos, "o ato de fazer a barba, e o cabelo, ou a coroa", presumivelmente com uma navalha. Bem faz Barbara Heliodora ao não usar "rasura" na sua tradução da peça. No entanto, a escolha da tradutora, "apagar", me parece sugerir algo mais suave do que a radicalidade conotada no original, que dá conta do caráter feroz do olvido. Talvez pudéssemos sugerir "E o extirpar do olvido", por guardar esse verbo a noção de "eliminar", "cortar pela raiz", como o faz uma navalha, um bisturi.

Em Ressurreição se coloca, por via de Shakespeare, uma das questões mais fundas e recorrentes na ficção machadiana, a questão da dúvida. Na "Advertência da primeira edição", lê-se: "Minha ideia ao escrever este livro foi pôr em ação aquele pensamento de Shakespeare: Our doubts are traitors,/ And make us lose the good we oft might win,/ By fearing to attempt." (ASSIS, on-lineASSIS, Machado de. Romances e contos em hipertexto. Disponível em: <Disponível em: machadodeassis.net >. Acesso em: 18 jul. 2022.
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).

No último capítulo, o narrador retoma a citação, traduzindo livremente um fragmento dos versos e adaptando-os à melhor descrição de sua personagem, através da qual "pusera em ação" o pensamento de Shakespeare: "A natureza o pôs nessa classe de homens pusilânimes e visionários, a quem cabe a reflexão do poeta: 'perdem o bem pelo receio de o buscar'" (ASSIS, on-lineASSIS, Machado de. Romances e contos em hipertexto. Disponível em: <Disponível em: machadodeassis.net >. Acesso em: 18 jul. 2022.
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). No entrecho romanesco, o médico Félix, por duvidar constantemente do amor e da fidelidade da noiva, Lívia, acaba por furtar-se ao casamento e à felicidade. Essa espécie de incompetência para ser feliz, cujo fundamento é o ciúme, nascido por sua vez da dúvida, encontrará a expressão mais bem acabada, na obra de Machado de Assis, em Dom Casmurro (1900).

Desde a década de 1960, Silviano Santiago já nos chamava a atenção para a necessidade de se compreender a obra de Machado como "um todo coerentemente organizado, percebendo que certas estruturas primárias e primeiras se desarticulam e rearticulam sob forma de estruturas diferentes, mais complexas e mais sofisticadas, à medida que seus textos se sucedem cronologicamente" (SANTIAGO, 1978SANTIAGO, Silviano. Retórica da verossimilhança [1969]. In: ______. Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 29-48., p. 30). O caso Ressurreição-Dom Casmurro é exemplar. Todos se lembrarão de que, depois de criar em si mesmo a "verdade" do adultério de Capitu, o narrador Bento Santiago, que jamais dá voz à mulher, que a silencia implacavelmente, a exila na Suíça, para onde a leva e onde a deixa com o filho, Ezequiel, ainda criança.

Em grego clássico, a partir do nome do rio do Hades com que comecei estas considerações, a palavra Λήθη (lethe) quer dizer "esquecimento". Curiosamente, o vocábulo "verdade" se constrói a partir de "esquecimento", com a anteposição do prefixo "a", que denota privação, negação: άλήθεια (alétheia), ou seja, o "não-esquecimento". Quero propor que a "verdade" do narrador de Dom Casmurro é uma falsa verdade, porque, se ele não esquece, se escreve para lembrar, o exílio a que sujeita Capitu é a eternização do silêncio a que também a submete. Tal exílio equivale a uma morte social, a um isolamento da mulher que finge visitar a cada ano ou dois. É como se a prendesse num sótão, como Rochester prende a supostamente louca primeira mulher, a tristemente famosa "mad woman in the attic" de Jane Eyre. Mas é pior: porque Bertha Mason se manifesta, grita, reage, acaba por incendiar a casa. A Capitu não é dada essa chance. Ela não é presa num sótão, mas, metaforicamente, numa oubliette, tipo específico de masmorra, cujo único acesso se dava por um alçapão, no teto, encontrada em castelos medievais europeus, em que o condenado era confinado e, literalmente, esquecido.

Enquanto não a resgata pela narrativa, na qual constrói, muitos anos depois, a sua verdade, o seu não-esquecimento, parcial e tendencioso, aquilo a que Bentinho submete Capitu é, na expressão radical e definitiva de Shakespeare, a razure of oblivion.

Referências

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  • ______. Eclogues, Georgics, Aeneid, Books 1-6. Tradução de H. Rushton Fairclough. Ed. revista com nova introdução. Cambridge, MA; Londres: Harvard University Press, 1999. (Loeb Classical Library).
  • VIRGÍLIO. Eneida. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Disponível em: <Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/eneida.html#6 >. Acesso em: 22 jul. 2022.
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    » https://www.scielo.br/j/mael/a/gF9QPDqV5BbzFTjk88St4qf/?lang=pt
  • 1
    Cito pela edição eletrônica disponível em <www.machadodeassis.net>. Acesso em: 18 jul. 2022.
  • 2
    Ao mesmo tempo que era um seguidor de Bacon e seu método indutivo, pedra de toque da ciência moderna, Browne dizia acreditar em feitiçaria, como era comum no século XVII.
  • 3
    O artigo foi traduzido e publicado em Machado de Assis em Linha, v. 7, n. 13, jun. 2014, na seção da revista dedicada à divulgação de artigos da tradição crítica machadiana.
  • 4
    Woodbridge remete a Eugênio Gomes (Espelho contra espelhoGOMES, Eugênio. Espelho contra espelho: estudos e ensaios. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949.) ao mencionar a nota "Ao leitor", assinada por Brás Cubas, na primeira edição em livro do romance.
  • 5
    Não deixa de ser curioso o fato de que o conto gira em torno do esquecimento, ou, mais precisamente, da perda temporária de memória de uma das personagens, que perde a noção do que seja "pagar" e de ideias correlatas, e vai acumulando dívidas, até ser curado pelo médico holandês, dr. Jeremias Halma, que nunca tem coragem de cobrar-lhe o tratamento.
  • 6
    John Woodbridge comenta a diminuição da idade do homem sobre quem se faz a reflexão, de Browne (setenta ou oitenta anos) para Lamb, que, talvez por citar de memória, fala em sessenta ou setenta anos, para Machado-Brás Cubas, que faz a reflexão ao completar cinquenta anos.
  • 7
    Para Arthur Chuquet (1909CHUQUET, Arthur. Littérature allemande. Paris: Armand Colin, 1909., p. 225), "Lénore" é "la meilleure ballade de l'Allemagne et [...] cria le genre".
  • 8
    Valho-me da edição on-line da tradução de Manuel Odorico Mendes, originalmente publicada em 1854, conhecida como Eneida brasileira, que Machado de Assis tinha em sua biblioteca. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/eneida.html#6>. Acesso em: 22 jul. 2022. No original latino, a pergunta está nos versos 711-712. Para o texto latino, valho-me da edição Loeb Classical Library______. Eclogues, Georgics, Aeneid, Books 1-6. Tradução de H. Rushton Fairclough. Ed. revista com nova introdução. Cambridge, MA; Londres: Harvard University Press, 1999. (Loeb Classical Library)..
  • 9
    A edição eletrônica que utilizo, a qual não assinala a numeração dos versos, está disponível em <http://classics.mit.edu/Virgil/aeneid.6.vi.html>. Acesso em: 22 jul. 2022.
  • 10
    A tradução on-line que da qual extraio esses cinco versos está disponível em: <http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.02.0054%3Abook%3D6%3Acard%3D724>. Acesso em: 22 jul. 2022.
  • 11
    De acordo com A Complete Concordance or Verbal Index to Words, Phrases, and Passages in the Dramatic Works of ShakespeareBARTLETT. John. A Complete Concordance to Shakespeare. Londres: The Macmilan Press, 1990 [1894]., de John Bartlett, são elas: Twelfth Night;Henry IV, Part 2; Richard III; Julius Caesar; Hamlet e Antony and Cleopatra.
  • 12
    Measure for Measure; As You Like It; The Taming of the Shrew; All's Well that Ends Well (duas ocorrências); Henry IV, Part 2; Henry V; Richard III; Troilus and Cressida (três ocorrências); Titus Andronicus; Hamlet e Antony and Cleopatra.
  • 13
    Optei por não utilizar nas citações da obra de Shakespeare a excelente tradução de Barbara Heliodora, por uma razão simples: nem sempre a tradutora preserva em português o vocábulo "olvido", preferindo perífrases, eventualmente mais adequadas ao ritmo do verso em nossa língua. Também optei por manter no meu próprio texto os nomes das personagens tal como figuram no original.
  • 14
    Cito pelas edições eletrônicas disponíveis em <http://shakespeare.mit.edu/>. Todos os grifos são meus.
  • 15
    Na tradução de Barbara Heliodora: "Seu mérito é enorme, e eu erraria/ Se o escondesse no fundo do meu peito/ Quando merece, com letras de bronze,/ Um firme lar contra o ataque do tempo/ E o apagar do olvido. [...]" (SHAKESPEARE, 2009______. Teatro completo. Tradução de Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009. 2v., v.1, p. 1601).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2022
  • Aceito
    26 Set 2022
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