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Gênero, Raça e Diversidade: Trajetórias Profissionais de Executivas Negras

Resumo

Desde o início desse século a gestão da diversidade se apresenta como um importante tópico de estudos no campo de Administração no Brasil. Entretanto, pesquisas com foco na população negra ainda são escassas no país. A fim de contribuir para preencher essa lacuna, este artigo traz os resultados de uma investigação socioantropológica conduzida com o auxílio do método biográfico e etnográfico das trajetórias profissionais de duas gerações de executivas negras. As trajetórias foram analisadas a partir dos contextos sociais que as emolduraram, considerando gênero, raça e classe sob uma perspectiva interseccional. Os resultados revelam que os percursos de carreira da segunda geração foram construídos em um contexto social bem mais favorável; ele também evidencia, porém, que ainda estamos muito distantes da igualdade de gênero e raça no mundo corporativo brasileiro.

gênero; raça; diversidade; interseccionalidade; trajetórias profissionais de executivas negras

Abstract

Since the beginning of this century diversity management has been present as an important topic of studies in the field Administration in Brazil. However, research on this topic that focuses on the Black population is still scarce. In order to contribute to fill this gap, this article brings the results of a socio-anthropological investigation conducted through the biographical method and ethnographic fieldwork on the professional trajectories of two generations of Black businesswomen. These trajectories were analyzed from the societal contexts that framed them and considering gender, race and class in an intersectional perspective. The results reveal that the career paths of the second generation were built in a much more favorable societal context. However, they also show that we are still very far from gender and racial equality in the Brazilian corporate world.

gender; race; diversity; intersectionality; professional trajectories of Black businesswomen

Introdução

Mais de 15 anos após a publicação do artigo pioneiro de Fleury (2000)Fleury, M. T. L. (2000). Gerenciando a diversidade cultural: experiências de empresas brasileiras. Revista de Administração de Empresas , 40 (3), 18-25. doi:10.1590/s0034-75902000000300003 , a gestão da diversidade se consolida como um importante tópico de pesquisa no campo dos estudos organizacionais no Brasil. Este tema já foi objeto de análise crítica com vistas a denunciar seu caráter ideológico ( Alves & Galeão-Silva, 2004Alves, M. A., Galeão-Silva, L. G. (2004). A crítica da gestão da diversidade nas organizações. Revista de Administração de Empresas , 44 (3), 20-29. doi:10.1590/s0034-75902004000300003 ) ou revelar a distância entre o discurso formal e a prática cotidiana das empresas da área ( Saraiva & Irigaray, 2009)Saraiva, L. A. S., Irigaray, H. A. (2009). Políticas de diversidade nas organizações: uma questão de discurso?. Revista de Administração de Empresas , 49 (3), 337-348. doi:10.1590/S0034-75902009000300008 . No entanto, as pesquisas sobre gestão da diversidade que abordam a população negra ainda são escassas em nosso país. Por esse motivo, Costa e Ferreira (2006)Costa, S., Ferreira, C. (2006). Diversidade e minorias nos estudos organizacionais brasileiros: presença e lacunas na última década. Encontro de Estudos Organizacionais , 4 , 1-13. Retrieved from https://bit.ly/3dkmR59
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apontam que a dimensão racial representa uma das grandes lacunas nos estudos sobre gestão da diversidade realizados no Brasil; Barbosa (2009)Barbosa, E. (2009). A negação da raça nos estudos organizacionais. Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, São Paulo, SP. , por sua vez, fala da negação de raça nos estudos organizacionais brasileiros. Em escritos mais recentes, Rosa (2014)Rosa, A. R. (2014). Relações raciais e estudos organizacionais no Brasil. Revista de Administração Contemporânea , 18 (3), 240-260. doi:10.1590/1982-7849rac20141085 afirma que essa lacuna ainda não foi preenchida, e Jaime, Barreto e Oliveira (2018) argumentaram que, embora pesquisas a respeito de questões raciais estivessem presentes no campo das ciências sociais no Brasil por mais de um século, o tema foi amplamente esquecido pelo campo de estudos de administração na sociedade brasileira.

Este artigo faz uma tentativa de preenchimento dessa lacuna ao analisar as trajetórias profissionais de duas gerações de executivas negras pela lente teórica relacionada a gênero, raça e classe, numa perspectiva interseccional. Já existem, na verdade, pesquisas no campo das ciências sociais que tratam a questão da raça com foco nessa categoria profissional, mas que se aproximam mais de estudos organizacionais. É o caso do estudo de Santana (1999)Santana, I. (1999). Executivos negros em organizações bancárias de Salvador: dramas e tramas do processo de ascensão social. Afro-Ásia , (23), 195-234. doi:10.9771/aa.v0i23.20983 sobre profissionais negros que ocupam cargos de gerência de nível intermediário ou alto em organizações bancárias, que seria o primeiro esforço para abordar os executivos negros no Brasil. Esse estudo, entretanto, difere desta pesquisa aqui apresentada por pelo menos três razões: (a) o autor delimitou a pesquisa empírica à cidade de Salvador, enquanto esta pesquisa tem a cidade de São Paulo como lócus empírico; (b) o autor optou por focar-se em negros de meia-idade com perfil mais experiente, enquanto esta pesquisa compara duas gerações de executivas negras; (c) a pesquisa de Santana não relaciona as trajetórias de carreira dos indivíduos entrevistados com seu contexto social, o que contraria o esforço de relacionar tais trajetórias a debates sobre a questão racial na esfera pública e as respostas produzidas pelo mundo corporativo a esta agenda sociopolítica. Em outro estudo, Santana (2014a, 2014b) analisa as trajetórias dos profissionais negros do setor público de Salvador.

Ladeia (2006)Ladeia, R. (2006). Acesso e mobilidade profissional de afro-descendentes em empresas paulistas . (Tese de Doutorado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, SP. , por sua vez, abordou o acesso e a mobilidade profissional de profissionais negros em empresas brasileiras, também limitando o trabalho de campo à cidade de São Paulo. O autor coletou narrativas de profissionais negros, entrevistou gerentes de Recursos Humanos para elevar suas percepções sobre a questão racial no mundo corporativo e procurou relacionar a trajetória dos cargos desses profissionais negros às iniciativas por diversidade desenvolvidas pelas empresas em que trabalhavam. No entanto, o esforço do autor também é diferente do aqui realizado, já que, apesar de sua pesquisa empírica incluir entrevistas realizadas com jovens entre 20 e 30 anos em diferentes posições da hierarquia organizacional, nenhum deles era executivo – aqui entendido como o profissional que ocupa cargos gerenciais de médio ou alto nível. Esses profissionais também não tinham entrado no mundo corporativo por meio de programas de trainee, ou seja, não estavam preparados para assumir postos de comando. Além disso, Santana (1999)Santana, I. (1999). Executivos negros em organizações bancárias de Salvador: dramas e tramas do processo de ascensão social. Afro-Ásia , (23), 195-234. doi:10.9771/aa.v0i23.20983 e Ladeia (2006)Ladeia, R. (2006). Acesso e mobilidade profissional de afro-descendentes em empresas paulistas . (Tese de Doutorado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, SP. não priorizaram a questão de gênero em seus trabalhos.

Souza (2015)Souza, A. A. (2015). Cor e ascensão profissional: negros em cargos de comando . Belo Horizonte, MG: Mazza Edições. focou na questão de gênero em seu estudo sobre negros em posições de comando no mercado de trabalho. No entanto, sua pesquisa foi realizada em Belo Horizonte e a autora não levou em consideração, em sua análise, o contexto sociopolítico que enquadrava as trajetórias dos profissionais entrevistados.

A literatura internacional também apresenta uma lacuna na análise das trajetórias profissionais de empresárias negras, mesmo que haja muitos estudos a respeito de executivas mulheres (brancas) ou executivos negros (homens). Já existem, na prática, estudos que analisam a trajetória de carreira de executivas negras que ocuparam cargos de liderança em escolas ( Jean-Marie, 2013Jean-Marie, G. (2013). The subtlety of age, gender, and race barriers: A case study of early career African American female principals. Journal of School Leadership , 23 (4), 615-639. doi:10.1177/105268461302300403 ) ou em instituições de ensino superior ( Davis & Maldonado, 2015Davis, D. R., Maldonado, C. (2015). Shattering the glass ceiling: The leadership development of African American women in higher education. Advancing Women in Leadership , 35 , 48-64. doi:10.18738/awl.v35i0.125 ); também é verdade que existem pesquisas dirigidas a mulheres negras que construíram seus caminhos ocupacionais em espaços indistintos do mercado de trabalho ( Allen & Lewis, 2016Allen, T. N., Lewis, A. (2016). Looking through a glass darkly: Reflections on power, leadership and the Black female professional. The Journal of Values-Based Leadership , 9 (2), 1-16. Retrieved from https://bit.ly/39oIHmF
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; Barnes, 2015Barnes, R. J. D. (2015). Raising the race: Black career women redefine marriage, motherhood, and community . New Jersey: Rutgers University Press. doi:10.5860/choice.196038 ; Sokoloff, 2014)Sokoloff, N. (2014). Black women and white women in the professions: Occupational segregation by race and gender, 1960-1980 . London: Routledge. . Esses estudos, porém, não são centrados no mundo corporativo. Além disso, no caso específico de Barnes (2015)Barnes, R. J. D. (2015). Raising the race: Black career women redefine marriage, motherhood, and community . New Jersey: Rutgers University Press. doi:10.5860/choice.196038 , a análise é direcionada às estratégias desenvolvidas por mulheres negras para conciliar seus projetos de carreira com as demandas familiares e comunitárias.

Apresentamos neste artigo, portanto, alguns resultados de uma pesquisa etnográfica sobre executivas negras realizada entre 2006 e 2011 no município de São Paulo. A pesquisa foi dirigida ao mundo corporativo, entendido como composto pelas maiores empresas privadas nacionais e transnacionais que atuam no Brasil. O estudo, por conseguinte, não abrange a administração pública, as pequenas e médias empresas ou os empresários negros.

Este artigo está organizado em seis partes. O problema desta pesquisa será apresentado ainda nesta introdução; algumas informações sobre a discussão teórica, bem como a abordagem metodológica, serão fornecidas nas duas seções subsequentes. Em seguida, serão analisadas as trajetórias profissionais da primeira e da segunda geração de executivas negras e, por fim, as conclusões serão expostas.

Problema de pesquisa

Para apresentar o problema da pesquisa, começaremos com duas informações: a primeira é um mapeamento social, racial e de gênero realizado em 2015 pelo Instituto Ethos (2016) que mostra, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, naquele ano, 51,4% da população brasileira era composta por mulheres, representando 43,6% da População Economicamente Ativa (PEA) do país. Por outro lado, 52,9% dos cidadãos brasileiros eram negros e pardos, correspondendo a 52,8% da PEA. Mesmo assim, a participação de indivíduos desses segmentos no quadro de funcionários das 500 maiores empresas que atuam no país foi muito baixa; as mulheres representavam 31,3% dos cargos de gerência de nível médio e 13,6% dos cargos de gerência de nível alto. A população negra, por sua vez, representavam apenas 6,3% dos cargos de gerência de nível intermediário e 4,7% dos cargos de gerência de nível alto nessas mesmas empresas. Falando mais especificamente da situação das mulheres negras, a desigualdade foi ainda mais impressionante: elas ocupavam 1,6% dos cargos de gerência de nível médio e 0,4% dos cargos de gerência de nível alto dentre as 500 maiores empresas atuantes no Brasil – isso significa que havia apenas duas mulheres negras entre os 548 diretores (negros ou não, de ambos os sexos) dessas empresas.

A segunda informação é que, em agosto de 2006, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados realizou uma reunião com representantes do movimento negro, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) para discutir a inclusão de negros no mercado de trabalho do sistema financeiro. Essa reunião resultou no estabelecimento, por parte do MPT, de exames civis públicos contra os bancos privados por pedido do movimento negro (CDHM, 2007; Lopes, 2000Lopes, O. B. (2000). A questão da discriminação no Trabalho. Revista Jurídica da Presidência , 2 (17), 1-8. Retrieved from https://bit.ly/3fuOxHj
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, 2007Lopes, O. B. (2007). Programa de Promoção da Igualdade de Oportunidades para Todos . Rio de Janeiro, RJ: Instituto Innovare. ). Em resposta a essa pressão social, muitas organizações bancárias implementaram programas de trainee visando a inclusão de jovens negros.

Essas duas informações indicam a presença de dois assuntos distintos. De início, uma primeira geração de empresárias negras, entendidas como profissionais negras de meia-idade com média de idade de 50 anos, que iniciaram suas trajetórias profissionais no final da década de 1970 em um contexto histórico em que as empresas que atuavam no Brasil não estavam preocupadas com a gestão da diversidade. Depois, uma segunda geração de executivas negras, um grupo formado por jovens mulheres negras que entram no mercado de trabalho no início do século XXI numa época em que questões raciais e de gênero estão se tornando uma causa de feroz disputa política no Brasil. Como resultado, as empresas começaram a “reciclar” discursos sobre gênero e raça, relacionando-os à gestão da diversidade ( Jaime, 2018Jaime, P. (2018). Recycling the idea of race: socio-political agenda, transnational business culture, and diversity management in Brazil. Social Identities, 24(5), 647-665. doi:10.1080/13504630.2017.1386356 ).

Na verdade, devido à idade e à recente entrada no mundo corporativo, as representantes dessa segunda geração ainda não ocupam cargos gerenciais, mas participam de programas de trainee como gerentes em potencial. Consequentemente, ao falar delas, referimo-nos mais precisamente a uma segunda geração de executivas negras com carreiras em desenvolvimento.

Esse cenário leva às seguintes questões:

  1. Que mudanças aconteceram nas trajetórias profissionais das executivas negras entre o final da década de 1970 e o início do século XXI?

  2. Em que essas mudanças refletem as transformações ocorridas na sociedade brasileira, especialmente no que se refere à questão racial, durante esse período?

  3. Que consequências essas transformações têm nas identidades raciais e de gênero das executivas negras?

Antes de responder essas perguntas, apresentamos a seguir alguns esclarecimentos a respeito da discussão teórica, da abordagem metodológica e das estratégias de pesquisa.

Discussão teórica

Esta seção é dedicada à apresentação de algumas discussões teóricas que serão mobilizadas para entender as trajetórias profissionais das executivas negras e está dividida em quatro partes. São feitas, a princípio, algumas considerações gerais sobre o conceito de gênero. Então, o mesmo é feito para a ideia de raça. Posteriormente, são apresentadas discussões sobre gênero, raça e classe a partir de uma perspectiva de interseccionalidade e consubstancialidade. Por fim, são apresentadas considerações sobre o gerenciamento da diversidade.

Gênero

Em seu clássico artigo, Scott (1988)Scott, J. (1988). Gender and politics of history (part 3). Columbia: Columbia University Press. doi:10.7312/scot18800-006 afirma que gênero diz respeito à maneira como cada sociedade elabora o próprio significado em relação às diferenças sexuais e como estrutura as relações entre homens e mulheres. Dessa forma, essas diferenças não são dadas por essência, mas estão sendo construídas e reconstruídas. Quando inaugurou-se o campo de estudos de gênero, na década de 1970, vários autores denunciaram a universalidade da dominação masculina. Eles argumentavam que toda sociedade, seja quais fossem seu modelo de organização familiar e sua base econômica, foi estruturada a partir da supremacia masculina ( Rosaldo & Lamphere, 1974Rosaldo, M., Lamphere, L. (1974). Woman, culture, and society . Redwood: Stanford University Press. ). Essa perspectiva é questionada em debates socioantropológicos contemporâneos.

A intenção é superar a maneira estática com que alguns analistas veem as relações de gênero. Bourdieu (2001)Bourdieu, P. (2001). Masculine domination . Redwood: Stanford University Press. , por exemplo, insistiu na ideia de dominação masculina. Por um lado, para a construção de seu argumento, ele critica a pressuposta determinação biológica ao defender que o que realmente acontece é uma busca de legitimidade numa relação de domínio, atribuindo à natureza o que é, na realidade, uma construção social naturalizada. O esforço do autor visa desvendar os mecanismos históricos da produção de desigualdades, sendo, em parte, agentes específicos como a família, a escola, a Igreja e o Estado. Por outro lado, em sua abordagem, tudo corre como se houvesse apenas esforços para manter, e não também para transformar os mecanismos de dominação. Presos a hábitos de gênero, inculcados por processos de socialização, mulheres e até homens não seriam capazes de redefinir as relações hegemônicas de gênero. Portanto, o sociólogo contesta os avanços do movimento feminista, sobretudo desde os anos 1970, bem como a produção teórica de feministas intelectuais ( Fournier, 2002Fournier, M. (2002). A propos de la domination masculine. Sciences humaines: L’oeuvre de Pierre Bourdieu, (n. spe). ). Essa é uma abordagem que não é capaz de explicar certos fenômenos sociais.

Uma alternativa a essa abordagem é fornecida por Moore (1994Moore, H. (1994). Understanding sex and gender. In T. Ingold, Companion encyclopedia of anthropology (pp. 813-830). London: Routledge. doi:10.4324/9780203036327 , 2000Moore, H. (2000). Whatever happened to women and men? Gender and other crises in anthropology. In Moore, H. (Ed.), Anthropological Theory Today . London: Blackwell Publishers. ). A autora sustenta que a identidade de gênero não é algo passivo, adquirido de prontidão pela socialização – ela apoia a ideia de que existe uma relação mais complexa entre identidade de gênero e discursos de gênero; ou melhor, entre gênero enquanto produto de operações de significância e gênero em constante experimentação, negociação e renegociação por indivíduos sociais. Ela destaca que a própria sociedade apresenta uma multiplicidade de discursos de gênero, contraditórios e conflitantes, que operam em diferentes contextos sociais. Embora ordenados hierarquicamente, esses discursos de gênero estão sujeitos a uma mudança histórica. Dessa forma, seria possível não apenas entender a natureza hierárquica das relações de gênero produzidas em cada contexto social, mas também os esforços de transformação nos padrões dessas relações.

Outra questão-chave nos debates contemporâneos nesse campo diz respeito à desconstrução da ideia de gênero como algo relacionado a uma identidade unificada, com base na categoria “mulher”. Se uma pessoa é uma mulher, isso certamente não é tudo o que ela é, porque a identidade de gênero estabelece intersecções com outras condições sociais como classe, raça, etnia e sexualidade. Dessa forma, falar de mulheres no plural seria mais adequado do que pensar essa identidade a partir de uma pretensa homogeneidade ( Butler, 2011Butler, J. (2011). Gender trouble: feminism and the subversion of identity . London: Routledge. doi:10.4324/9780203824979 ). Brah (1991)Brah, A. (1991). Difference, diversity, differentiation. International Review of Sociology , 2 (2), 53-71. doi:10.1080/03906701.1991.9971087 , por sua vez, perguntou como a diferença de gênero está ligada a diferenças e antagonismos relativos a outros marcadores, como raça e classe. Para ela, é essencial pensar nessas interconexões não a partir de metanarrativas ou explicações universalizantes, mas como relações historicamente contingentes e específicas em determinados contextos. Retornaremos a esse ponto mais tarde. Antes, destacaremos alguns aspectos referentes à ideia de raça.

Raça

Em relação à raça, o ponto de partida neste artigo é a suposição de que raça não existe, como biólogos demonstram há mais de 60 anos ( Jacquard, 1986Jacquard, A. (1986). Biologie et théorie des ‘elites’. In C. Frankel, N. Fresco, C. Guillaumin, J. Hiernaux, F. Jacob, A. Jacquard. . . L. Poliakov (Eds.), La science face au racisme (pp. 14-54). Paris: Complexe. ; Cavalli-Sforza & Cavalli-Sforza, 2002Cavalli-Sforza, L., Cavalli-Sforza, F. (2002). Raça e racismo. In L. Cavalli-Sforza, F. Cavalli-Sforza, Quem somos? História da diversidade humana (pp. 303-325). São Paulo, SP: Unesp. ). No entanto, apesar disso, muitas pessoas ainda pensam e agem como se ela existisse – tanto que a ideia de raça continua relevante para a compreensão da dinâmica das relações sociais, como dizem muitos cientistas sociais ( Banton, 2000Banton, M. (2000). Raça como classificação. In E. Cashmore , Dicionário de Relações Étnicas e Raciais . São Paulo, SP: Selo Negro. ; Fassin, 2006a, 2006b; Guillaumin, 1986Guillaumin, C. (1986). Je sais bien mais quand même ou les avatars de la notion de race. Le genre humain , 1 (1), 55-64. doi:10.3917/lgh.001.0055 ; Guimarães, 2002, 20Guimarães, A. S. A. (2002). Classes, raças e democracia . São Paulo, SP: Editora 34. , 2003Guimarães, A. S. A. (2003). Como trabalhar com “raça” em sociologia. Educação e pesquisa , 29 (1), 93-107. doi:10.1590/s1517-97022003000100008 ; Munanga, 2004a). Usando de um jogo de palavras, Guillaumin (1986)Guillaumin, C. (1986). Je sais bien mais quand même ou les avatars de la notion de race. Le genre humain , 1 (1), 55-64. doi:10.3917/lgh.001.0055 deixa bem claro: não, raça não existe. Mas existe, ainda assim. Certamente, raça não é aquilo que dizem ser, mas é, no entanto, a mais tangível, real e brutal das realidades. Dessa forma, neste artigo entendemos raça como uma construção social e política, um instrumento de dominação e exclusão ( Guimarães, 2002, 20Guimarães, A. S. A. (2002). Classes, raças e democracia . São Paulo, SP: Editora 34. , 2005Guimarães, A. S. A. (2005). Racismo e anti-racismo no Brasil . São Paulo, SP: Cortez. ; Munanga, 2004a). Também seguimos Fassin (2010)Fassin, D. (2010). Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire. In D. Fassin (Ed), Les nouvelles frontières de la société française (pp. 147-173). Paris: La Découverte. , que sinaliza a importância de um novo plano de pesquisa sobre a questão racial. Para ele, é precisamente porque as raças não existem biologicamente que é preciso se interessar pelo que leva nossas sociedades a fazê-la existir na linguagem comum e no discurso acadêmico, tanto na maneira de pensar como na de agir. Dessa maneira, pensar em raça é levar em consideração as discussões que ocorrem na esfera pública e as disputas travadas na arena política.

No caso brasileiro, as disputas políticas em torno da questão da raça travada nos últimos 20 anos mostram uma ruptura no discurso da democracia racial, que era hegemônica no país desde o seu início na década de 1930 ( Guimarães, 2006Guimarães, A. S. A. (2006). Depois da democracia racial. Tempo social , 18 (2), 269-287. doi: 10.1590/S0103-20702006000200014 , 2017Guimarães, A. S. A. (2017). Preconceito racial: modos, temas e tempos . São Paulo, SP: Cortez. ; Munanga, 2004b). Essa transformação claramente não aconteceu de um momento para o outro; ela é o resultado de pelo menos dois fatores em desenvolvimento há alguns anos: de um lado, estudos e pesquisas realizados por cientistas sociais desde o final da década de 1960 que demonstram de forma adequada a existência de desigualdade racial no Brasil ( Bastide & Fernandes, 2008Bastide, R., Fernandes, F. (2008). Brancos e negros em São Paulo . São Paulo, SP: Global. ; Fernandes, 2008Fernandes, F. (2008). A integração do negro na sociedade de classes: no limiar de uma nova era (Volume 2). São Paulo, SP: Globo Livros. ; Hasembalg, 1979Hasembalg, C. (1979). Discriminação e desigualdades raciais no Brasil . Rio de Janeiro, RJ: Graal. ; Hasembalg & Silva, 1992)Hasembalg, C., Silva, N. (1992). Relações raciais no Brasil contemporâneo . Rio de Janeiro, RJ: Rio Fundo. . Do outro lado, os esforços acumulados do movimento negro brasileiro que, utilizando discursos e estratégias políticas distintas desde a década de 1930, denunciam a presença de racismo no país ( Andrews, 1998Andrews, G. R. (1998). Negros e brancos em São Paulo, 1888-1988 . Bauru, SP: Edusc. ; Barcelos, 1999Barcelos, L. C. (1999). Struggling in paradise: racial mobilization and the contemporary black movement in Brazil. In R. Reichmann, From indifference to inequality: Race in contemporary Brazil (pp. 155-166). Pennsylvania: Penn Satte Press. ; Pahim; 1993Pahim, R. (1993). O Movimento negro em São Paulo: luta e identidade . (Tese de Doutorado em Antropologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. ; Santos; 2007)Santos, S. A. (2007). Movimento negro, educação e ações afirmativas (Tese de Doutorado em Sociologia). Universidade de Brasília, Brasília, DF. doi:10.1590/s0102-69922008000100010 .

Que fique claro que as relações raciais não são consideradas neste artigo como aquelas que ocorrem entre grupos biológicos distintos, mas sim como relações entre grupos que empregam a ideia de raça na estruturação de suas ações e reações entre si (Milles, 2000a). Desse modo, como aponta Cashmore (2000)Cashmore, E. (2000). Dicionário de relações étnicas e raciais . São Paulo, SP: Selo Negro. , o estudo das relações raciais deve atentar-se a eventos de mudança e interpretá-los de acordo com as condições históricas, políticas e sociais. Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se sugerir que nem todo uso da palavra raça indica a presença de racismo, que pode até ter um sentido inverso, demonstrando envolvimento na luta antirracista. Esse parece ser o cerne do argumento de Banton (2000)Banton, M. (2000). Raça como classificação. In E. Cashmore , Dicionário de Relações Étnicas e Raciais . São Paulo, SP: Selo Negro. , para quem a principal questão não é o que é considerado raça, mas de que maneira o termo é empregado. Assim, é verdade que a ideia de raça se prestou à marginalização de segmentos da população, como foi o caso do racismo científico, que se originou no século XIX e marcou a primeira metade do século XX baseando-se na explícita associação entre biológico e intelectual, estético e moral ( Guillaumin, 1986Guillaumin, C. (1986). Je sais bien mais quand même ou les avatars de la notion de race. Le genre humain , 1 (1), 55-64. doi:10.3917/lgh.001.0055 , Munanga, 2004a; Wieviorka, 1998Wieviorka, M. (1998). Le racisme: une introduction . Paris: La Découverte, 1998. ). Esse também é o caso de formas contemporâneas de racismo, surgidas no final do século XX e ancoradas em conceitos como cultura e identidade ( Wieviorka, 1998Wieviorka, M. (1998). Le racisme: une introduction . Paris: La Découverte, 1998. ). No entanto, a ideia de raça pode ser utilizada pelos mesmos segmentos marginalizados como estratégia de combate a essa marginalização. Ela pode, da mesma forma, ser mobilizada por outros agentes, de outras maneiras. Essas questões são mais bem compreendidas por meio do conceito de racialização.

De acordo com Milles (2000b), o termo racialização tem sido usado para se referir a qualquer processo ou situação em que a ideia de raça é introduzida para definir e qualificar uma população específica, suas características e suas ações. Assim, para ele, em seu uso mais amplo, o conteúdo ideológico do processo de racialização não é necessariamente racista. Milles (2000b) defende que é necessário analisar os sentidos construídos em torno da ideia de raça e considera que os conceitos de racismo e racialização devem ser tratados como analiticamente distintos. Essa perspectiva é corroborada por Fassin (2010)Fassin, D. (2010). Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire. In D. Fassin (Ed), Les nouvelles frontières de la société française (pp. 147-173). Paris: La Découverte. ; para ele, a racialização é frequentemente vista como a expressão do racismo individual e intencional ou coletivo e institucional. No entanto, racialização não se limita a essas formas. Para além delas, por exemplo, a racialização se faz presente na autoidentificação racial de um grupo que se reconhece como negro e se mobiliza como tal para se estabelecer como uma força política. Fassin (2010)Fassin, D. (2010). Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire. In D. Fassin (Ed), Les nouvelles frontières de la société française (pp. 147-173). Paris: La Découverte. sugere que, nesse caso, é possível reverter o raciocínio, e considera que a recusa em aceitar esse reconhecimento que é problemática. Assim, segundo ele, embora a racialização seja inicialmente a imposição de uma categoria racial (explícita ou implícita) a indivíduos e grupos – geralmente para dominá-los, explorá-los ou excluí-los –, ela é, também, um fenômeno mais complexo.

Para lidar com essa complexidade, Fassin (2010)Fassin, D. (2010). Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire. In D. Fassin (Ed), Les nouvelles frontières de la société française (pp. 147-173). Paris: La Découverte. sugere que a racialização deva ser problematizada não como um fenômeno uniforme e unívoco, mas como uma categoria ideológica que se expressa de maneiras diferentes de acordo com as ocasiões, contextos e grupos que se referem ou dão origem a ela. O autor alerta, então, que é necessário que o pesquisador refine suas ferramentas analíticas para lidar com o surgimento da questão racial na esfera pública, com seus múltiplos significados e objetivos.

Nem raça nem gênero, porém, podem ser pensados de maneira isolada. Ambas as categorias ganham inteligibilidade quando pensadas sob uma perspectiva de interseccionalidade e consubstancialidade, em conjunto com outros marcadores sociais da diferença.

Gênero, raça e classe em uma perspectiva de interseccionalidade e consubstancialidade

Esses alertas destacam a importância dos conceitos trabalhados nos campos de estudos de gênero e epistemologia feminista, como a interseccionalidade, a consubstancialidade e coextensibilidade. O termo “interseccionalidade" foi forjado pela jurista afro-americana, professora e ativista antirracismo Kimberlé Crenshaw, no tempo do feminismo americano negro da década de 1970, que teve em Patricia Hill Collins e Angela Davis duas de suas mais importantes representantes ( Hirata, 2014)Hirata, H. (2014). Gênero, classe e raça Interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo social , 26 (1), 61-73. doi:10.1590/S0103-20702014000100005. .

Kimberlé Crenshaw estava interessada em entender como a interdependência das relações de poder em termos de raça, de sexo/gênero e de classe contribui para estruturar as experiências das mulheres em geral – e das mulheres negras em particular. Ela também estava interessada em como essa interdependência faziam-nas afetadas pelas desigualdades produzidas e reproduzidas em vários espaços da vida social, como na família, na educação e no trabalho (Crenshaw, 1991, 2002). Isso a levou a sinalizar a lucratividade analítica da noção de interseccionalidade; segundo ela, esse é um conceito que visa capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos de subordinação. Mais especificamente, ele permite ao pesquisador prestar atenção em como o racismo, o patriarcado, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outros.

A questão da intersecção entre gênero, raça e classe foi abordada por muitos representantes da epistemologia feminista negra. Collins (2002)Collins, P. H. (2002). Black feminist thought: Knowledge, consciousness, and the politics of empowerment . New York: Routledge. doi:10.4324/9780203900055 , por exemplo, tratou da intersecção de sistemas de opressão com base nessas identidades, e também na sexualidade, a fim de entender as experiências das mulheres negras. Em virtude dos objetivos deste artigo, gostaríamos de enfatizar a passagem do trabalho da autora em que se aborda a opressão dessas mulheres no espaço intersticial entre família e trabalho. Ela recupera a literatura que trata do trabalho das mulheres negras no sistema colonial escravo. Collins também discute a participação das mulheres negras no trabalho doméstico e nas profissões que têm menos prestígio e remuneração, como auxiliares de enfermagem e vendedoras em redes de fast-food. Além disso, a autora chamou atenção para o trabalho não remunerado que essas mulheres realizam no contexto familiar, em benefício de seus parceiros e até de políticas sociais implementadas pelo Estado. Em outras palavras, comparadas a outros grupos sociais, as mulheres negras são historicamente mais presentes em empregos economicamente exploradores, exigentes fisicamente e intelectualmente prejudiciais.

Do mesmo modo, como a ideologia tradicional de gênero americana é construída sobre a noção binária entre público e privado (que separa as tarefas domésticas do mercado de trabalho remunerado), a mulher negra passou a ser vista como menos “feminina” por trabalhar fora de casa por pagamento e, portanto, concorre com os homens. Consequentemente, o trabalho as afasta dos filhos. Em outras palavras, Collins (2002)Collins, P. H. (2002). Black feminist thought: Knowledge, consciousness, and the politics of empowerment . New York: Routledge. doi:10.4324/9780203900055 demonstrou como a articulação entre gênero, raça e classe operava para colocar as mulheres negras em posições subalternas no mercado de trabalho enquanto desempenhavam papéis cruciais na organização da vida familiar e da comunidade étnica. Ademais, ela discute o drama vivido pelas raras mulheres negras que conquistaram a mobilidade social, alcançando posições gerenciais nos setores público ou privado. Esse drama refere-se não apenas ao isolamento que sofrem em seus locais de trabalho, mas também à dificuldade de encontrar parceiros conjugais – especialmente se a busca recair sobre homens negros. Isso ocorre porque não se encontra muitos homens desse grupo étnico-racial nesse estrato de classe.

Como apontado anteriormente, a questão da interseccionalidade estava presente nas obras de ativistas e teóricas do feminismo negro, como bell hooks e Angela Davis. Em Raça e gênero , bell hooks (2019Hooks, B. (2019). Raça e gênero. In B. Hooks, O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras (pp. 89-94). Rio de Janeiro, RJ: Rosa dos Tempos. , p. 89) afirma que “todas as mulheres deste país [Estados Unidos da América] sabem que seu status é diferente daquele de mulheres negras/não brancas”. Ela acrescenta que essas mulheres sabem disso desde a infância, porque, ao assistirem televisão ou lerem revistas, viam apenas a própria imagem. Ela conclui que todas as mulheres brancas sabem que a branquitude é uma categoria privilegiada, independentemente de reconhecerem ou negarem esse fato. A partir desse raciocínio, ela constrói uma crítica à relutância que levou as pensadoras feministas brancas a reconhecerem a importância da raça. Ela também enfatiza, porém, o trabalho dos ativistas negros para colocar o racismo no centro das discussões sobre as desigualdades de gênero, estabelecendo a base para um movimento feminista antirracista.

Angela Davis foi com certeza uma dessas ativistas. Em Women, race and class , Davis (2016)Davis, A. (2016). Mulheres, raça e classe . São Paulo, SP: Boitempo. articula racismo e sexismo com a dinâmica capitalista. Ela interpreta a história da questão racial nos Estados Unidos, evidenciando o papel subordinado que as mulheres negras ocuparam. A participação dessas mulheres no trabalho escravo, seu engajamento no movimento sufragista e na campanha pelos direitos civis são temas trabalhados pela autora. Ela também denuncia o fato de que o trabalho doméstico recai desproporcionalmente sobre os ombros das mulheres – especialmente as negras. Finalmente, como hooks, Angela Davis faz parte de uma geração de intelectuais afro-americanos que chamou a atenção para a interseccionalidade, simultaneamente como categoria analítica e como instrumento de ação política.

A relevância desse conceito na análise social, no entanto, foi problematizada pela socióloga e feminista francesa Danièle Kergoat (2010)Kergoat, D. (2010). Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. Novos estudos CEBRAP , (86), 93-103. doi:10.1590/s0101-33002010000100005 . Ela questionou o caráter geométrico dessa noção, argumentando que pensar cartograficamente resulta na naturalização de categorias analíticas. Ela afirmou que, como a noção de multiposicionalidade, a ideia de interseccionalidade apresenta um problema, porque, de seu ponto de vista, “não existem exatamente ‘posições’ ou, mais especificamente, elas não são fixas”. Essas posições são inseridas em relacionamentos dinâmicos; mudam constantemente, envolvendo negociações complexas. Ela sugeriu que, em vez de pensar na imbricação entre gênero, raça, classe e outros marcadores sociais de diferença, é melhor investigar como eles influenciam uns aos outros. Dessa forma, ela propõe os conceitos de consubstancialidade e coextensibilidade. Com esses termos, ela busca enfatizar que as relações sociais de classe, raça e gênero são substanciais, ou seja, “formam um nó que não pode ser desatado no nível das práticas sociais, mas apenas na perspectiva da análise sociológica” (p. 94). Eles também seriam coextensivos, o que significa que “ao desenvolver …[…] eles se reproduzem e se coproduzem” (p. 94). Em outras palavras, ela enfatiza “a intersecção dinâmica e complexa do conjunto de relações sociais, cada uma imprimindo sua marca nas outras, ajustando as demais e se construindo de maneira recíproca” (p. 100).

Kergoat (2010)Kergoat, D. (2010). Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. Novos estudos CEBRAP , (86), 93-103. doi:10.1590/s0101-33002010000100005 também argumenta que a análise nunca deve reificar essas categorias. Para isso, é necessário o imperativo histórico – isso significa que essas categorias precisam ser historicizadas, pois “possuem uma estrutura que permite sua permanência, mas também sofrem mudanças que correspondem a períodos e eventos históricos que podem acelerar seu curso” (p. 100). Esse aviso é especialmente importante neste artigo, já que aqui são comparadas duas gerações de empresárias negras que construíram seus caminhos profissionais em diferentes contextos sociais. Finalmente, a autora chama atenção para como os dominados são capazes de subverter essas categorias de dominação, salientando que essa subversão só pode mudar as relações sociais se for o resultado de uma ação coletiva.

Não é intenção deste artigo avaliar qual desses conceitos é o mais pertinente para a compreensão das formas de subjugação sofridas por mulheres negras. A posição de Hirata (2014)Hirata, H. (2014). Gênero, classe e raça Interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo social , 26 (1), 61-73. doi:10.1590/S0103-20702014000100005. está aqui inscrita: de acordo com ela, há uma convergência entre esses conceitos, pois ambos propõem não hierarquizar as formas de opressão. Hirata argumenta que, se uma autora como Patricia Hill Collins considera a interseccionalidade como “uma das maneiras de combater opressões múltiplas e intrínsecas” sendo ao mesmo tempo um “projeto de conhecimento” e uma “arma política”, essa ideia é realizada por Danièle Kergoat ao afirmar a importância de pensar ao mesmo tempo sobre os domínios precisamente para não contribuir com suas reproduções (p. 70).

Hirata (2014)Hirata, H. (2014). Gênero, classe e raça Interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo social , 26 (1), 61-73. doi:10.1590/S0103-20702014000100005. sugere, portanto, que seria interessante “retomar essas categorias analíticas para avançar no conhecimento da dinâmica e interdependência das relações sociais e no combate às múltiplas formas conjugadas de opressão”. Ela aconselha que ambas as categorias sejam consideradas, em vez de uma ou outra. Ainda de acordo com a autora, isso já foi feito no Brasil em estudos realizados por outros pesquisadores; por Nádia Guimarães e por ela própria. São pesquisas que centram-se nas desigualdades que marcam não apenas as trajetórias profissionais de homens e mulheres, mas também a trajetória profissional de homens brancos e negros e mulheres brancas e negras. Essas pesquisas revelam que mulheres brancas e negras têm trajetórias mais estáveis em ocupações de menor prestígio, cujas condições de trabalho são mais precárias – como o emprego doméstico, atividade em que as mulheres negras estão mais presentes. Esses estudos também mostram que as mulheres desses dois grupos raciais estão mais sujeitas ao desemprego, enquanto homens brancos e negros predominam em empregos formais e autônomos (embora os negros em menor grau).

No campo dos estudos organizacionais, Alvesson e Billing (2009)Alvesson, M., Billing, Y. D. (2009). Understanding gender and organizations . London: Sage. 10.4135/9781446280133
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, Ely e Mayerson (1999) e Holvino (2010)Holvino, E. (2010). Intersections: The simultaneity of race, gender and class in organization studies. Gender, Work & Organization , 17 (3), 248-277.doi:10.1111/j.1468-0432.2008.00400.x
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, entre outros, chamaram atenção para as questões da interseccionalidade e da consubstancialidade ao afirmarem que as organizações não são simplesmente tipificadas por gênero; elas são, também, cruzadas por classe, etnia e sexualidade.

Gestão da diversidade

O tema da gestão da diversidade existe na agenda de pesquisa dos estudos organizacionais desde o final do século XX, e sua origem pode ser encontrada nos Estados Unidos. Ele está associado a políticas de ação afirmativa implementadas no país no final de 1960, após o fim da segregação racial. Essas políticas tinham a intenção de corrigir a desvantagem histórica que certos grupos sociais, inclusive o afro-americano, sofriam no acesso à educação, saúde e emprego ( Collins, 1997Collins, S. (1997). Black corporate executives . Philadelphia: Temple University Press. ). Nesse contexto sócio-histórico, vários artigos sobre o tema foram publicados nos Estados Unidos a partir de 1990. Entre eles, destacam-se as contribuições de Cox e Blake (1991)Cox, T. H., Blake, S. (1991). Managing cultural diversity: Implications for organizational competitiveness. Academy of Management Executive , 5 (3), 45-56. doi:10.5465/ame.1991.4274465 e Ely e Thomas (1996)Ely, R. J., Thomas, D. A. (1996). Making differences matter: A new paradigm for managing diversity. Harvard Business Review , 74 (5), 79-90. Retrieved from https://bit.ly/3wbBoZm
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pela notoriedade internacional que os autores conquistaram como referências sobre o assunto. O ponto central dos argumentos deles é o mesmo: se a diversidade é bem gerenciada, o desempenho dos negócios melhora, o que significa uma importante fonte de vantagem competitiva para as empresas. Isso ocorre porque uma organização que tem um programa consistente de gerenciamento de diversidade atrai e retém os melhores talentos, formando equipes de trabalho com indivíduos de repertórios culturais diferentes. Consequentemente, as pessoas se tornam mais criativas, inovadoras e capazes de atender a diversas demandas de consumidores em uma sociedade multicultural.

No contexto brasileiro, o artigo de Maria Tereza Leme Fleury foi pioneiro na abordagem desse assunto. Nele, Fleury (2000, p. 20) endossa a visão de autores como Taylor Cox e David Thomas e sugere que a diversidade pode ser definida como “uma mistura de pessoas com identidades diferentes interagindo no mesmo sistema social, [no qual] coexistem grupos majoritários e minoritários”. De acordo com essa definição, a autora ainda ressalta que gerenciar a diversidade significa “planejar e executar sistemas e práticas organizacionais de gestão de recursos humanos para maximizar as vantagens potenciais da diversidade e minimizar suas desvantagens”. Ela também enfatiza que esse processo deveria agregar valor à organização. Resumidamente, segundo Fleury (2000)Fleury, M. T. L. (2000). Gerenciando a diversidade cultural: experiências de empresas brasileiras. Revista de Administração de Empresas , 40 (3), 18-25. doi:10.1590/s0034-75902000000300003 , o gerenciamento da diversidade é uma metodologia administrativa que pretende contribuir para a melhoria do desempenho da empresa.

Essa visão a respeito da gestão da diversidade nas organizações permanece ativa mesmo em estudos mais recentes no campo da Administração, como os de Cho, Kim e Mor Barak (2017) e Mehng, Sung e Leslie (2019), que seguiram a mesma perspectiva gerencial. Ambas as pesquisas exploram a relação entre a diversidade da força de trabalho e o desempenho organizacional. Cho et al. (2017)Cho, S., Kim, A., & Mor Barak, M. E. (2017). Does diversity matter? Exploring workforce diversity, diversity management, and organizational performance in social enterprises. Asian Social Work and Policy Review , 11 (3), 193-204. doi:10.1111/aswp.12125 reforçam que essa associação provoca resultados positivos para as empresas, embora os entrevistados, em suas investigações, admitam ter uma menor propensão para implementar o gerenciamento da diversidade. Da mesma forma, Mehng, Sung e Leslie (2019), em sua investigação da relação da diversidade com os aspectos culturais da Coreia do Sul, argumentam que a diversidade de gênero aumentou no local de trabalho coreano, resultando na necessidade de adoção de práticas de gestão de Recursos Humanos que ajudassem a enfrentar os desafios dessa nova realidade. Os autores enfatizam que a cultura sul-coreana é tradicionalmente caracterizada por uma rígida hierarquia de gênero, o que pode dificultar o reconhecimento por parte dos coreanos de que a diversidade é um recurso que proporciona melhorias no desempenho dos negócios. Por isso, essa perspectiva é estabelecida como uma abordagem claramente gerencial, eximindo-se da avaliação crítica a essa metodologia administrativa.

Cappelle et al. (2002)Cappelle, M. C. A., Silva, Á. L., Vilas Boas, L. H. D. B., & de Brito, M. J. (2002). Representações das relações de gênero no espaço organizacional público. Revista de Administração Pública , 36 (2), 253-275. Retrieved from https://bit.ly/3rtoXo9
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, no entanto, vão contra a lógica econômica de vantagens da diversidade para as organizações, ressaltando que ela, na realidade, eleva os conflitos corporativos. O estudo refere-se às relações de gênero em um contexto organizacional predominantemente masculino. Os autores frisam que, com o aumento de contratações de uma força de trabalho mais heterogênea, se faz necessário o gerenciamento das contradições dessas novas relações de trabalho. Os autores também sinalizam que o fortalecimento das desigualdades limita o trabalho feminino e não permite o aproveitamento da riqueza proporcionada pela diversidade no ambiente organizacional.

Para a antropóloga Lívia Barbosa (2002)Barbosa, L. (2002). Globalização e cultura de negócios. In A. M. Kirschner, E. Gomes & P. Cappellin (Eds.), Empresa, empresários e globalização (pp. 211-225). Rio de Janeiro, RJ: Relume/Dumará. , a gestão da diversidade é uma resposta do mundo dos negócios aos movimentos negros, feministas e LGBT. A autora ressalta que o entendimento sobre esses movimentos não pode parar no pressuposto de que é o lucro o grande fator que leva as empresas a desenvolverem ações dessa natureza. Dizer que dentro do sistema capitalista o principal objetivo das empresas é obter lucro é dizer o óbvio; a questão que se coloca, ela alerta, é por que, em certos contextos, a geração de lucro envolve a formulação de certos discursos e práticas relacionados às demandas da sociedade – entre eles, por exemplo, as pautas de sustentabilidade e diversidade.

Seguindo essa linha de raciocínio, entendemos que o gerenciamento da diversidade permite que as empresas transnacionais respondam aos planos social e político contemporâneos estruturados em torno da política das identidades. Dessa forma, o Estado e os movimentos sociais organizados em torno dessa questão também fazem parte do complexo jogo da diversidade nas organizações. Consequentemente, mesmo que as empresas não agreguem valor aos negócios por meio de suas práticas de gerenciamento da diversidade, elas podem ser obrigadas a implementá-las. Isso poderia ser mais consistente quanto mais incisivas as fossem as pressões desses movimentos sociais, ou quanto mais fortes fossem os marcos regulatórios das políticas públicas de combate ao racismo, sexismo, LGBTfobia e outras formas de intolerância no local de trabalho ( Jaime, 2015Jaime, P. (2015). Diversidade nas organizações: entre a riqueza cultural e a disputa política. In C. Peixoto, & M. A. Ferrari (Orgs.), Comunicação, interculturalidade e organizações: faces e dimensões da contemporaneidade (pp. 67-95). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS. ).

Abordagem metodológica e estratégias de investigação

O método de pesquisa é qualitativo, com base no que Olivier de Sardan (2008)Olivier de Sardan, J. P. (2008). La rigueur du qualitatif: les contraintes empiriques de l’interprétation sócio-anthropologique . Louvain: Academia Bruylant. denomina como abordagem socioantropológica, e Bertaux (2006)Bertaux, D. (2006). Le récit de vie . Paris: Armand Colin. como perspectiva etnossociológica. Basicamente, uma estratégia dupla de investigação foi usada.

Quanto à primeira geração de executivas negras, as histórias de vida de quatro delas foram reunidas. Para a seleção das entrevistadas, alguns requisitos foram levados em consideração: em primeiro lugar, como no momento em que o trabalho de campo foi realizado, não havia associação nenhuma que reunisse executivos negros. Para localizá-los, portanto, diferentes redes de contato foram utilizadas (profissionais que estavam seguindo um programa de pós-graduação em Gestão de Recursos Humanos, ativistas de ONGs, líderes empresariais, as próprias entrevistadas). No que diz respeito à identidade negra dessas mulheres, foi levada em consideração a orientação clássica de que identidades são jogos de espelho que envolvem a autoidentificação e a identificação por outros. Portanto, se alguém indicasse uma pessoa como executiva negra, isso era considerado como uma pista importante. Se a pessoa concordasse em participar da pesquisa, era decidido que ela poderia ser considerada como uma. Em relação à questão socioeconômica, consideramos como executivas as profissionais que ocupassem cargos de gerência de nível médio ou alto no mundo corporativo, entendido como aquele formado por grandes empresas nacionais privadas e corporações transnacionais que operam no Brasil. Por fim, para a primeira geração, nenhum setor de atividade econômica foi privilegiado por dois motivos: (a) essas mulheres podem ter construído suas trajetórias profissionais por meio de empresas em diferentes segmentos; (b) dada a representação muito baixa de mulheres negras em cargos de alta gerência, como atestam os dados quantitativos citados na introdução, a escolha de um setor da economia aumentaria as dificuldades de encontrar candidatas a serem entrevistadas.

As narrativas biográficas foram reconstruídas da maneira que Kaufmann (2007)Kaufmann, J. C. (2007). L’entretien compréhensif . Paris: Armand Colin. designa como abrangente e Olivier de Sardan (2008)Olivier de Sardan, J. P. (2008). La rigueur du qualitatif: les contraintes empiriques de l’interprétation sócio-anthropologique . Louvain: Academia Bruylant. como entrevista socioantropológica. Para Kaufmann (2007)Kaufmann, J. C. (2007). L’entretien compréhensif . Paris: Armand Colin. , na entrevista abrangente o pesquisador deve assumir uma postura empática e tatear até encontrar a boa pergunta, ou seja: não aquela dada por seu guia, mas a que sempre deve ser descoberta a partir do que foi dito pelos entrevistados. Segundo Olivier de Sardan (2008)Olivier de Sardan, J. P. (2008). La rigueur du qualitatif: les contraintes empiriques de l’interprétation sócio-anthropologique . Louvain: Academia Bruylant. , na entrevista socioantropológica o principal objetivo do pesquisador é entender da melhor maneira possível as lógicas de percepção e ação de seus interlocutores. Para ambos, o pesquisador deveria facilitar a produção de um discurso, uma narrativa, pelo entrevistado. A narrativa aqui é pensada no sentido minimalista proposto por Bertaux (2006)Bertaux, D. (2006). Le récit de vie . Paris: Armand Colin. , para quem um discurso assume a forma narrativa quando uma pessoa conta a outra, pesquisadora ou não, episódios de sua experiência vivida.

As entrevistas foram transcritas e suas análises seguiram as recomendações de Bertaux (2006)Bertaux, D. (2006). Le récit de vie . Paris: Armand Colin. , Crapanzano (1984)Crapanzano, V. (1984). Life-histories. American anthropologist , 86 (4), 953-960. doi:10.1525/aa.1984.86.4.02a00080 e Kofes (1994Kofes, S. (1994). Experiências sociais, interpretações individuais: histórias de vida, suas possibilidades e limites. Cadernos Pagu , (3), 117-141. Retrieved from https://bit.ly/2PIg78M
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; 2001). Para esses autores, ao recorrer a esse método é importante que o pesquisador evite se prender em oposições como macrossocial versus microssocial; realidade objetiva versus realidade subjetiva; sociedade versus indivíduo; estrutura versus ação; história versus biografia – essa ressalva representa uma perspectiva de complementaridade. Nesse horizonte, narrar uma biografia, contar a história de vida de um indivíduo, é falar sobre suas interpretações de suas experiências, as escolhas que ele fez durante sua jornada; portanto, da realidade microssocial e subjetiva. É também abordar as restrições estruturais que surgem no caminho desse indivíduo, do contexto social (espaço e tempo) em que essa trajetória foi construída, ou seja, a dimensão macrossocial, a realidade objetiva.

Em relação à segunda geração de executivas negras, foi realizada uma etnografia multissituada ( Marcus, 1998Marcus, G. (1998). Ethnography in/of the world system: The emergence of multi-sited ethnography. In G. Marcus, Ethnography through thick and thin (pp. 95-117). Princeton: Princeton University Press. ). O trabalho de campo envolveu a observação de participantes em uma corporação transnacional do setor financeiro que dispunha de um programa de diversidade considerado referência no Brasil à época. Esse programa incluía grupos de apoio distintos (mulheres, negros, pessoas com deficiência e LGBT) além de um comitê de diversidade composto por membros representando esses grupos: o Departamento de Recursos Humanos e as áreas de negócios.

Ao final do trabalho de campo etnográfico, foram realizadas entrevistas abrangentes ou socioantropológicas (Kaufman, 2007; Olivier de Sardan, 2008Olivier de Sardan, J. P. (2008). La rigueur du qualitatif: les contraintes empiriques de l’interprétation sócio-anthropologique . Louvain: Academia Bruylant. ) com membros do grupo de apoio às mulheres e do grupo de apoio aos negros. A gerente de diversidade e a diretora de Recursos Humanos da empresa também foram entrevistadas. As gerentes de recursos humanos e as jovens executivas negras de outras empresas também foram ouvidas. Por fim, para entender o impacto social desse programa, foram realizadas entrevistas com representantes de distintos agentes que trouxeram a questão da diversidade para a esfera pública brasileira. Dentre esses agentes, podem ser citadas organizações internacionais, o Estado, o movimento negro, sindicatos, think tanks apoiados por empresas e consultorias especializadas em gestão da diversidade. Ao todo, foram entrevistadas cerca de 50 profissionais e as entrevistas duraram em média duas horas cada.

Para viabilizar a pesquisa, essa parte da investigação se concentrou no segmento bancário. Essa escolha foi direcionada por basicamente um motivo: no contexto do capitalismo contemporâneo, as empresas do setor financeiro, por causa de seus lucros crescentes, têm sido os principais alvos de pressão pela inclusão, realizadas por movimentos sociais brasileiros que trabalham com direitos humanos. Isso se deve ao fato de que uma vitória nesse segmento econômico poderia se espalhar, por imitação organizacional ( DiMaggio & Powell, 2012DiMaggio, P., Powell, W. (2012). The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. In M. Godwyn, J. H. Gittell, Sociology of organizations (pp. 605-615). London: Sage. doi:10.1016/s0742-3322(00)17011-1 ), para empresas de outros setores da economia, que veriam nas iniciativas de diversidade das organizações desse segmento as melhores práticas a serem imitadas.

A primeira geração de executivas negras

A primeira geração de executivas negras é formada por mulheres que montaram suas carreiras em um contexto social desfavorável. No que diz respeito à questão da raça, não havia forma de apoio a nenhum caso de preconceito ou de discriminação racial. O Brasil vivia uma ditadura militar instaurada em 1964, havendo restrições à mobilização da sociedade civil. O moderno movimento negro estava apenas começando a surgir no país com a formação do Movimento Negro Unificado (MNU) em 1978. Por parte do Estado, não havia políticas públicas; nem punição aos atos de discriminação racial de forma mais concreta, nem eliminação das desigualdades raciais ( Barcelos, 1999Barcelos, L. C. (1999). Struggling in paradise: racial mobilization and the contemporary black movement in Brazil. In R. Reichmann, From indifference to inequality: Race in contemporary Brazil (pp. 155-166). Pennsylvania: Penn Satte Press. ; Pahim, 1993Pahim, R. (1993). O Movimento negro em São Paulo: luta e identidade . (Tese de Doutorado em Antropologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. ; Santos, 2007Santos, S. A. (2007). Movimento negro, educação e ações afirmativas (Tese de Doutorado em Sociologia). Universidade de Brasília, Brasília, DF. doi:10.1590/s0102-69922008000100010 ). Além disso, o MNU foi inspirado pela ideologia marxista. Consequentemente, o movimento negro e essa primeira geração de mulheres negras seguiram caminhos bastante distintos ( Andrews, 1998Andrews, G. R. (1998). Negros e brancos em São Paulo, 1888-1988 . Bauru, SP: Edusc. ; Hanchard, 2001Hanchard, M. (2001). Orfeu e poder: o movimento negro no Rio e São Paulo (1945-1988) . Rio de Janeiro, RJ: Universidade do Estado do Rio de Janeiro. ; Pahim, 1993Pahim, R. (1993). O Movimento negro em São Paulo: luta e identidade . (Tese de Doutorado em Antropologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. ). As executivas negras evitavam os laços com a militância a todo custo. O movimento, por sua vez, subvalorizou esses indivíduos, atribuindo a eles o defeito da “burguesia negra”.

As executivas negras dessa geração vivenciaram situações de preconceito e discriminação racial no mundo corporativo. No que diz respeito à questão de gênero, todas as representantes da geração entrevistadas salientaram as dificuldades que as mulheres encontraram no mercado de trabalho no final da década de 1970. Elas notaram desigualdades de remuneração no desenvolvimento de sua carreira em comparação aos colegas do sexo masculino, e relataram situações de assédio moral e/ou sexual sofridas, além de outras formas simbólicas de violência. Elas também indicaram sua condição de exceção no mundo corporativo ao alcançarem cargos gerenciais, uma vez que não viam muitas mulheres – ou quaisquer mulheres negras – em posições semelhantes.

Os seguintes relatos tornam tudo isso evidente. Uma das entrevistadas contou que, quando trabalhava em um banco, um profissional com quem já havia trabalhado em um instituto de pesquisa de marketing havia solicitado a contratação dela como assistente. No entanto, a recepção do chefe do departamento foi terrível: “‘Meu Deus! Você trouxe uma mulher negra para cá?’. Foi minha colega quem me contou isso. Ela também me disse que lhe respondeu o seguinte: ‘Você nos pediu para contratar uma pessoa competente!’” .

O caráter velado do racismo foi percebido por outra executiva negra entrevistada. Ela deixou isso claro ao falar sobre seu relacionamento com um dos diretores da empresa, que por alguns anos foi seu chefe:

Ele não me queria na empresa, ele claramente não me queria lá. Ele nunca me treinou, me orientou ou pelo menos teve uma conversa amigável comigo. Nunca. Ele nem ao menos me cumprimentava assim: ‘Bom dia! Você está bem?’. Pelo contrário, ele era hostil, ele sempre pedia uma auditoria do meu trabalho. Acho que o sonho dele era encontrar algum erro que justificasse a minha demissão. Você pode imaginar o que é trabalhar por três ou quatro anos com uma pessoa assim? (Joana, entrevistada #1, 2016)

Quando não é por meio de insultos diretos ou por uma sutil rejeição, o racismo aparece no estereótipo. A mulher negra não se encaixa na imagem do executivo como é tido no mundo dos negócios. A executiva negra que trabalhou com a pesquisa de marketing citada acima relatou uma experiência que a envergonhou:

Uma vez fui ver um possível cliente. Tínhamos acabado de falar por telefone. Quando nos encontramos pessoalmente, ele me disse: “Uau, eu imaginei você tão diferente! Eu imaginei você mais baixa, branca…”. Ela disse, um pouco envergonhada. Muitas vezes senti essa estranheza no olhar dos clientes, porque não lidava com assistentes e normalmente negociava diretamente com os gerentes, com os profissionais que contrataram a pesquisa. (Mara, entrevistada #2, 2016)

Para essa primeira geração de executivas negras, às vezes as coisas não aconteciam indiretamente, mas sim por lesões raciais explícitas. Outra entrevistada narrou a seguinte situação pela qual passou:

Naquela época, o assédio sexual era muito comum. A lógica dos supervisores da linha de produção era a seguinte: Se você não transa comigo, não receberá uma promoção! Eles preferiam as meninas brancas, então por sorte isso não aconteceu comigo. Mas, como resultado disso, eles me designavam os piores trabalhos, em setores onde havia mais problemas. Quando a demanda caiu, a sede nos Estados Unidos solicitou cortes de pessoal. Então, a certa altura, eles disseram que iriam demitir não sei quantas pessoas da produção. Eles coletaram os crachás dos funcionários para fazer a avaliação e, ao pegar o meu, um supervisor branco disse o seguinte a um dos diretores: “Você pode cortar isso, porque ela é um entulho e, além disso, ela é negra!”. Não fui demitida porque outro supervisor com quem eu já havia trabalhado e que me considerava uma boa funcionária pediu minha transferência para sua equipe. Mas ouvi o cara dizer essas palavras e isso me chocou. E absolutamente nada aconteceu com ele. (Vanda, entrevistada #3, 2016)

No relato a seguir, ela narra uma experiência que revela o extremo ao qual a postura sexista e racista pode chegar:

Uma vez aconteceu algo que eu não esperava. Eu sabia que era uma estratégia sindicalista. Fiz um treinamento que nos alertou que, ao sentarem em uma mesa de negociação com uma mulher, tentam constrangê-la de alguma forma para que ela perca o foco no que está sendo discutido. No entanto, confesso que não esperava que isso acontecesse comigo; não estava pronta naquele dia. Foi uma reunião de empresas de eletrônicos com vários sindicatos. Estávamos à mesa e, como sempre, de um lado estavam os representantes das empresas e, do outro lado, os representantes dos sindicatos. Um grupo de frente para o outro. Na minha frente, um homem alto e branco. Os debates foram muito ferozes. Em um ponto da discussão, quando eu estava falando, esse homem colocou o pé na minha perna debaixo da mesa e empurrou meus joelhos. Na verdade, eu poderia ter perdido o meu raciocínio naquele momento, de tão chocada que fiquei. Ele colocou o pé e tentou pressionar com a ponta do tênis para que eu pudesse abrir meus joelhos. Continuei falando e ele insistiu. Então, quando ele empurrou com mais força, puxei a cadeira um pouco para trás, abri minhas pernas um pouco para não ficar vulgar e perguntei em voz alta: “Você está mais confortável assim?”. Então foi ele quem se desestabilizou, porque a pessoa que estava conduzindo a reunião pediu respeito. Eu já passei por situações de extrema crueldade como essa. (Vanda, entrevistada #3, 2016)

Essa narrativa evidencia a interseccionalidade e a consubstancialidade entre gênero, raça e classe ( Crenshaw, 1991Crenshaw, K. (1991). Mapping the margins: Intersectionality, identity politics, and violence against women of color. Stanford Law Review , 43 (6), 1241-1299. 1241. doi:10.2307/1229039 ; Hirata, 2014Hirata, H. (2014). Gênero, classe e raça Interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo social , 26 (1), 61-73. doi:10.1590/S0103-20702014000100005. ; Hirata & Kergoat, 2007Hirata, H., Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de pesquisa , 37 (132), 595-609. doi:10.3895/rts.v6n11.2557 ). Essa executiva negra estava em uma posição de poder em termos de relações de classe. Ela representava a empresa (o capital) em um confronto contra o sindicato (o trabalho). Era seu interlocutor, supostamente, que estava em uma posição subalterna. Mas ela era uma mulher, em um espaço onde havia apenas homens. O homem usa uma estratégia que ele não usaria em combate se o oponente fosse outro homem: subjugação sexual. Seu pé estava investido de um poder fálico – era como um pênis penetrando, sem consentimento, aquele corpo feminino. Ela era uma mulher negra. O seu oponente, branco. No imaginário do sistema colonial escravo que marca a formação da sociedade brasileira, o homem branco está em uma posição assimétrica no relacionamento com a mulher negra. Ele pode seduzi-la com seu poder e riqueza, quando não a estupra. Ela é propriedade dele, afinal. É nesse imaginário duplamente cruel, sexista e racista, que esse homem concreto busca inconscientemente referências para construir uma estratégia para desestabilizar a oponente. O relacionamento entre líderes empresariais e representantes sindicais é geralmente tenso, especialmente nos anos 1980, contexto em que ocorre esse caso. Essa estratégia teria sido usada na disputa se o sindicalista fosse uma mulher e o líder empresarial um homem, ou se o representante do sindicato fosse um homem negro com uma mulher branca à sua frente como representante das empresas?

No entanto, todas essas situações não significam que as executivas negras dessa geração foram vítimas passivas de racismo, condenadas à estagnação no jogo organizacional. Não foi o caso. Elas desenvolveram estratégias para atingir seus objetivos, caracterizadas por comportamentos solitários e defensivos. Elas tentaram se proteger de novas situações de preconceito e discriminação racial como as já vividas ao longo de suas carreiras. Além disso, elas evitavam conflitos ao resolver situações que não poderiam deixar de prever. Portanto, a primeira geração de executivas negras consiste em um conjunto de trajetórias individuais.

Os relatos abaixo tornam isso evidente:

Eu não estava ciente do racismo na época. Quando essas coisas aconteciam, ficava pensando: o que me falta? O que faço que não agrada meu diretor? Isso me fez melhorar meu trabalho, então minha ignorância sobre racismo e discriminação contra as mulheres acabou me ajudando de alguma maneira. Minha filosofia era a seguinte: sair do caminho daqueles que não gostavam de mim. O que eu ganharia se insistisse? Se eu não estivesse satisfeita, iria embora. Não poderia consertar a situação. Se a empresa tivesse essa cultura, não seria eu a pessoa a modificá-la. Por exemplo, quando fui contratada, meu salário era inferior ao dos outros gerentes. Eles tinham mais benefícios do que eu. Isso é discriminação racial? É desigualdade de gênero? Eu nunca fiz esse tipo de pergunta. Apenas aceitei. De qualquer forma, eu ganhava bem. (Maria, entrevistada #4, 2016)

Além disso, as barreiras raciais e de gênero que elas encontravam não estavam apenas no local de trabalho; elas também relataram obstáculos em suas vidas privadas ( Davis, 2016Davis, A. (2016). Mulheres, raça e classe . São Paulo, SP: Boitempo. ; hooks, 2019Hooks, B. (2019). Raça e gênero. In B. Hooks, O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras (pp. 89-94). Rio de Janeiro, RJ: Rosa dos Tempos. ). Apenas uma das entrevistadas continuou casada após o avanço de sua carreira. A maioria delas se divorciou e uma apenas se casou aos 50 anos. Ela não teve filhos, apesar de ter cultivado esse sonho. Todas relataram dificuldades em conquistar um casamento estável e/ou uma vida familiar organizada, o que teria ocorrido em parte devido ao sexismo e ao racismo. No que diz respeito à questão do sexismo, elas apontaram, por exemplo, que os homens de sua geração não aceitaram ficar em casa esperando que suas esposas voltassem do trabalho porque tinham compromissos profissionais que iriam além do horário formal de trabalho. Elas também enfatizaram as dificuldades dos maridos em lidar com esposas que ganhavam mais do que eles.

Sobre a questão do racismo, apontaram as dificuldades das mulheres negras com diploma universitário em encontrar parceiros para se casar ( Davis, 2016Davis, A. (2016). Mulheres, raça e classe . São Paulo, SP: Boitempo. ; hooks, 2019Hooks, B. (2019). Raça e gênero. In B. Hooks, O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras (pp. 89-94). Rio de Janeiro, RJ: Rosa dos Tempos. ). Por um lado, por causa da ideologia racista, os homens brancos de sua geração não as viam como esposas desejáveis. Eventualmente como mulheres desejáveis para um caso, mas não desejáveis para o casamento. Por outro lado, devido à incorporação da ideologia racista, os homens negros de sua geração que possuíam ensino superior procuraram se casar com mulheres brancas, mesmo que menos instruídas. Homens negros com menos escolaridade, por sua vez, devido à cultura sexista da época, não apoiavam o sucesso profissional delas como mulheres de negócios. O discurso de uma das entrevistadas é bastante claro a esse respeito:

Naquela época, os negros que buscavam ascensão social tinham um grande interesse em se casar com mulheres brancas. Era uma maneira de “melhorar” a raça. O fato é que todas as mulheres negras da minha faixa etária que conheço, e que são bem-sucedidas, são solteiras! (Vanda, entrevistada #3, 2016)

Por fim, vale ressaltar também que, a nível institucional, ainda não havia políticas públicas no Brasil com o intuito eliminar as desigualdades de gênero e raça no local de trabalho. A sociedade brasileira era tida como uma democracia racial e o racismo era considerado um simples delito, e não um crime.

A segunda geração de executivas negras

A segunda geração de executivas negras é formada por indivíduos que entram no mundo dos negócios no início do século XXI, em um contexto social bem mais favorável. A respeito da questão da raça, elas contam com um aparato de assistência que fornecia apoio em casos de preconceito e discriminação racial. Desde a (re)democratização do país, iniciada em 1985 e marcada pelo fortalecimento da sociedade civil, o movimento negro brasileiro passou por um processo de institucionalização e profissionalização ( D’Adesky, 2001D’Adesky, J. (2001). Pluralismo étnico e multiculturalismo: racismos e anti-racismos no Brasil . Rio de Janeiro, RJ: Pallas. ; Santos, 2007Santos, S. A. (2007). Movimento negro, educação e ações afirmativas (Tese de Doutorado em Sociologia). Universidade de Brasília, Brasília, DF. doi:10.1590/s0102-69922008000100010 ; Telles, 2003Telles, E. (2003). Racismo à brasileira: uma perspectiva sociológica . Rio de Janeiro, RJ: RelumeDumará. ).

Os primeiros anos da década de 1990 testemunharam o início de ONGs “negras” articuladas em redes de defesa transnacionais nas quais havia intensa produção e circulação de ideologias antirracistas ( Agudelo, 2006Agudelo, C. (2006). Les réseaux transnationaux comme forme d’action dans les mouvements noirs d’Amérique latine. Cahiers des Amériques latines , (51-52), 31-48. doi:10.4000/cal.8114. Retrieved from https://bit.ly/39oIHmF
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). O arquivo discursivo dessas ideologias (heterogêneo, fragmentado e conflituoso) inclui elaborações pós-socialistas. Essas ONGs “negras” lutam contra o discurso da democracia racial, hegemônico no Brasil desde 1930, e exigem um método de abordagem por parte do Estado brasileiro de não apenas punir comportamentos racistas de forma mais concreta, mas também adotar políticas de ação afirmativa ( Guimarães, 2008Guimarães, A. S. A. (2008). Prefácio. In F. Fernandes, A integração do negro na sociedade de classes (volume 2, pp. 9-20). São Paulo, SP: Globo. ; Munanga, 1996Munanga, K. (1996). O anti-racismo no Brasil. In K. Munanga (Org.), Estratégias e políticas de combate à discriminação racial (pp. 79-94). São Paulo, SP: Edusp. ).

No governo de Fernando Henrique Cardoso, cuja administração começou em 1995, e principalmente após a eleição de Lula da Silva em 2003, o Estado brasileiro tem respondido positivamente a essas demandas. O Escritório para a Promoção de Políticas de Igualdade Racial foi criado e, em clima de tensão e disputas acirradas, muitas universidades adotaram políticas de ação afirmativa para a inclusão de negros ( Carvalho, 2005Carvalho, J. J. (2005). Inclusão étnica e racial no Brasil: a questão das cotas no ensino superior . São Paulo, SP: Attar Editorial. ; Santos, 2007Santos, S. A. (2007). Movimento negro, educação e ações afirmativas (Tese de Doutorado em Sociologia). Universidade de Brasília, Brasília, DF. doi:10.1590/s0102-69922008000100010 ; Souza, 1997Souza, J. (1997). Multiculturalismo e racismo: uma comparação Brasil – Estados Unidos . Brasília, DF: Paralelo 15. ; Telles, 2003Telles, E. (2003). Racismo à brasileira: uma perspectiva sociológica . Rio de Janeiro, RJ: RelumeDumará. ).

As empresas precisavam responder a essas mudanças em um contexto social. Buscando uma resposta, elas encontraram o gerenciamento da diversidade no arquivo de tecnologias gerenciais que faz parte da nova cultura comercial transnacional. Essa ferramenta de gestão representou a solução que lhes permitiu traduzir as pressões do movimento negro em um idioma comercial, reduzindo, portanto, o conflito em potencial nas relações raciais. Como resultado dessa tradução, é possível notar o desaparecimento de disputas políticas que marcam tanto a origem da gestão da diversidade nos EUA – no contexto do movimento dos direitos civis e seu questionamento à supremacia masculina, branca, protestante e anglo-saxônica – e sua recepção no Brasil. Essa recepção foi mediada pelas demandas da sociedade civil após a (re)democratização ( Alves & Galeão-Silva, 2004Alves, M. A., Galeão-Silva, L. G. (2004). A crítica da gestão da diversidade nas organizações. Revista de Administração de Empresas , 44 (3), 20-29. doi:10.1590/s0034-75902004000300003 ; Barbosa, 2002)Barbosa, L. (2002). Globalização e cultura de negócios. In A. M. Kirschner, E. Gomes & P. Cappellin (Eds.), Empresa, empresários e globalização (pp. 211-225). Rio de Janeiro, RJ: Relume/Dumará. .

A diversidade, no entanto, é apresentada em uma equação que envolve: (a) o aumento da criatividade das equipes de trabalho por causa das experiências pessoais trazidas a elas por indivíduos com diferentes origens; (b) a expansão da habilidade da empresa em responder às demandas de diferentes segmentos de mercado e, portanto, a criação de uma vantagem competitiva; (c) a melhoria do desempenho dos negócios, em última instância ( Cox & Blake, 1991Cox, T. H., Blake, S. (1991). Managing cultural diversity: Implications for organizational competitiveness. Academy of Management Executive , 5 (3), 45-56. doi:10.5465/ame.1991.4274465 ; Ely & Thomas, 1996Ely, R. J., Thomas, D. A. (1996). Making differences matter: A new paradigm for managing diversity. Harvard Business Review , 74 (5), 79-90. Retrieved from https://bit.ly/3wbBoZm
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; Fleury, 2000Fleury, M. T. L. (2000). Gerenciando a diversidade cultural: experiências de empresas brasileiras. Revista de Administração de Empresas , 40 (3), 18-25. doi:10.1590/s0034-75902000000300003 ; Hanashiro, 2008)Hanashiro, D. (2008). Convivendo com a diversidade cultural. In D. Hanashiro, M. L. M. Teixeira, & L. M. Zaccarelli (Orgs.), Gestão do fator humano: uma visão baseada em stakeholders (2a ed.,pp. 45-78). São Paulo, SP: Saraiva. . Ou seja, o discurso empresarial sobre diversidade é marcado pela lógica pragmática e triunfal, que procura neutralizar o potencial disruptivo do movimento multicultural na tentativa de transformá-lo em algo agradável aos interesses dos negócios.

Na verdade, o desenvolvimento da segunda geração de executivas negras reflete um momento em que a questão racial se torna um objeto de disputa política no Brasil ( Carvalho, 2005Carvalho, J. J. (2005). Inclusão étnica e racial no Brasil: a questão das cotas no ensino superior . São Paulo, SP: Attar Editorial. ; Guimarães, 2008Guimarães, A. S. A. (2008). Prefácio. In F. Fernandes, A integração do negro na sociedade de classes (volume 2, pp. 9-20). São Paulo, SP: Globo. ; Santos, 2007Santos, S. A. (2007). Movimento negro, educação e ações afirmativas (Tese de Doutorado em Sociologia). Universidade de Brasília, Brasília, DF. doi:10.1590/s0102-69922008000100010 ). As jovens que compõem essa geração estão entrando no mundo corporativo por meio de programas de trainee feitos para negros e criados sobre estruturas de programas de diversidade.

Esse movimento ocorre em um contexto econômico marcado por processos de reengenharia e downsizing , principalmente no setor bancário ( Gussi, 2005Gussi, A. (2005). Pedagogias da experiência no mundo do trabalho: narrativas biográficas no contexto de mudanças de um banco público estadual (Tese de Doutorado). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. ; Rodrigues, 2004Rodrigues, L. (2004). Metáforas do Brasil. Demissões voluntárias, crise e ruptura no Banco do Brasil . São Paulo, SP: Annablume. ). Tanto que o fato de muitas dessas jovens serem contratadas antes mesmo de concluírem a graduação é bastante revelador sobre o fortalecimento do movimento negro. A segunda geração de executivas negras é então o resultado do encontro entre as demandas das ONGs “negras” e a tradução dessas demandas pelas empresas. Essa geração, então, não é um conjunto de trajetórias individuais, mas o fruto da ação coletiva.

No que diz respeito à questão de gênero, a segunda geração de executivas negras também encontrou um cenário mais favorável que a primeira – principalmente por causa das reclamações feitas pelas ONGs e pela maior fiscalização do Estado brasileiro em relação ao assédio moral e/ou sexual e às desigualdades de gênero no mercado de trabalho. No entanto, as jovens negras com quem conversei ressaltam a persistência da ideologia racista e sexista como uma barreira concreta que encontraram tanto no local de trabalho quanto em seus relacionamentos emocionais.

Os relatos de algumas dessas jovens profissionais revelam isso claramente. Elas estavam iniciando suas trajetórias no mundo corporativo por meio de programas de trainee voltados à população negra que as empresas estavam criando em resposta às pressões do movimento negro. No entanto, esses programas nem sempre eram bem estruturados; uma entrevistada disse que costumava chamar seus colegas negros para participar das reuniões do Comitê Negro que a empresa em que trabalhava havia criado. Muitos deles, porém, tinham medo. “Eles disseram: ‘Ah, mas uma reunião de duas horas? O que meu chefe vai pensar? Não sei, não acho que seria bem-visto’” , disse ela – e acrescentou que compartilhava o medo dessas pessoas. “Muitos gerentes consideram um absurdo os funcionários de sua equipe pausarem o trabalho para um treinamento no meio do expediente. Agora, imagine se você dissesse que iria a uma reunião do Comitê Negro por duas horas!” , ela contemplou.

Outra jovem negra passou por um constrangimento mais concreto. Ela relatou que, quando ingressou na empresa em cujo programa de trainee havia participado, foi designada a um departamento pelo qual outra estagiária negra havia passado. Essa outra estagiária tinha sofrido bullying . Os colegas fizeram brincadeiras ofensivas, ridicularizando seus cabelos. Além disso, como ela não tinha um bom desempenho, diziam que ela não seria contratada. Foi nesse contexto que ela chegou ao departamento. Ela procurou se impor nesse ambiente adverso.

Se a outra estagiária permitiu esse tipo de piada, eu não. Fazer com que eles me respeitassem levou tempo; cerca de oito ou nove meses. E foi uma luta, eu tive que ser agressiva com algumas pessoas, mas esse comportamento me protegeu de comentários preconceituosos . (Helena, entrevistada #5, 2016)

Essa situação revela que, na maioria das vezes, as executivas negras desta segunda geração encontraram um contexto mais favorável para afirmar sua identidade negra. Sobre isso, uma gerente de Recursos Humanos de uma empresa narrou:

Ao contrário do que pensávamos, as jovens se integraram aos funcionários e trouxeram sua negritude à empresa. Elas não alisaram os cabelos. Elas costumavam usá-los em um estilo black. Há uma situação que nunca esqueço: Marina trabalhou comigo, eu era a chefe dela. Se alguém se referisse a ela assim: “Morena, por favor…”, ela logo respondia: “Não me chame de morena. Você pode se referir a mim como negra. Eu sou negra!”. (Sophia, entrevistada #6, 2016)

A mesma jovem fez um relato que mostra como a intersecção entre raça e classe foi determinante em sua trajetória:

Conforme eu tentava me diferenciar da estagiária anterior, eles me colocavam em um nível de igualdade com os outros estagiários. É difícil quando você percebe que não tem o mesmo histórico. Eles dominam o Excel, são capazes de fazer coisas nesse software que para mim são muito complexas. E não é apenas no Excel, é o caso de idiomas e outras habilidades que têm a ver com a história da sua família, com o fato de você ter estudado em escola pública, enquanto os outros estagiários estudaram em escola particular, sabe? Quando viajam de férias, vão para os EUA, para a Europa e até para o Japão, enquanto você mal vai ao Rio de Janeiro ou à Minas Gerais para visitar a família. (Sophia, entrevistada #6, 2016)

Essa passagem mostra que elas se sentiram sobrecarregadas pelo fato de não possuírem certas habilidades técnicas ou experiências culturais necessárias para acessar as posições de prestígio. Esse desconforto também envolve a questão racial, como fica claro na narrativa a seguir:

Neste mundo, roupas, gestos, tudo é padronizado; é padronizado com o estilo branco em mente. E quando você traz algo diferente… Esta semana trancei meu cabelo. Eu estava preocupada porque eles estão acostumados a ver meu cabelo preso ou escovado. Quando cheguei, todo mundo ficou estranho. Minha gerente olhou para mim e disse: “É… é moda seu cabelo, não é?”. Eu não acho que ela sabia o que dizer. A falta de naturalidade do comentário dela era visível, sabia? Um cara até me disse: “Uau! Agora você parece uma verdadeira mulher negra.”. Eu fiquei pensando: “O quê? Por acaso eu mudei a cor da minha pele? Antes eu não era negra?” Mas não entrei no mérito da questão. Você consegue entender como o ambiente se torna hostil? (Ana, entrevistada #7, 2016)

Outra entrevistada fez um relato semelhante: “As meninas brancas podem cortar, alisar, cachear ou pintar os cabelos, mas você… Quando você muda, perguntas como ‘Isso é real? Eles vão ficar assim para sempre? Você pode lavá-lo?’. É muito chato ter que ouvir essas coisas” , disse.

Eles perceberam claramente que gênero, raça e classe estavam interligados ( Crenshaw, 1991Crenshaw, K. (1991). Mapping the margins: Intersectionality, identity politics, and violence against women of color. Stanford Law Review , 43 (6), 1241-1299. 1241. doi:10.2307/1229039 ; Hirata, 2014Hirata, H. (2014). Gênero, classe e raça Interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo social , 26 (1), 61-73. doi:10.1590/S0103-20702014000100005. ; Hirata & Kergoat, 2007Hirata, H., Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de pesquisa , 37 (132), 595-609. doi:10.3895/rts.v6n11.2557 ) tornando suas trajetórias ainda mais difíceis do que as dos jovens negros que também faziam parte do programa. Uma das entrevistadas afirmou que a empresa na qual ela ingressou era muito tradicional e depois enfatizou: “Eles só querem homens em cargos de gerência sênior. Isso é declarado. Eu ouvi isso do meu próprio chefe. Ser mulher é um obstáculo; ser mulher negra, então…”.

As mulheres negras dessa geração estavam cientes de que as dificuldades que encontrariam na construção de suas trajetórias sociais e profissionais não se limitariam à dinâmica das próprias empresas ( Davis, 2016Davis, A. (2016). Mulheres, raça e classe . São Paulo, SP: Boitempo. ; hooks, 2019Hooks, B. (2019). Raça e gênero. In B. Hooks, O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras (pp. 89-94). Rio de Janeiro, RJ: Rosa dos Tempos. ).

Em uma entrevista com jovens profissionais negros de ambos os sexos, eles foram convidados a falar um pouco sobre a questão de gênero no relacionamento com os parceiros. As mulheres disseram que os “meninos” ainda consideram que precisam ser o provedor da casa. Elas também mencionaram que “uma mulher independente assusta os homens”. Uma delas afirmou que “conforme a mulher negra cresce socialmente, o número de homens negros com quem é provável que se case diminui. Quem chegou lá nem sempre tem a visão de que a mulher negra também é bonita” . Naquele momento, os homens ficaram um pouco estranhos. Oscilaram entre posturas defensivas e abertura a críticas. Alguns deles reconheceram que teriam dificuldade em se relacionar com uma mulher cujo salário fosse maior do que o deles – apenas um deles afirmou que isso não seria um problema.

De qualquer forma, é inegável que as mulheres que representam a segunda geração de executivas negras encontraram um contexto social muito mais favorável para construir suas carreiras no mundo corporativo do que aquelas que compõem a primeira geração.

Enquanto isso, esse quadro mais positivo não deve fazer os olhos críticos relaxarem. A experiência empresarial em que foi realizada a observação participante revela o quanto a questão racial ainda é fonte de tensão na sociedade brasileira. Uma breve comparação explica esse ponto: observando dois grupos de apoio que fazem parte do programa de diversidade dessa empresa (para mulheres e negros), podemos ver que a autonomia do grupo de negros é bastante inferior ao do grupo de mulheres.

As mulheres que criaram esse grupo eram profissionais brancas colocadas em posições superiores ou intermediárias. Elas mesmas selecionam quem coordenará o grupo e quais serão os planos e as estratégias de ação. Além disso, o programa de diversidade antecipa a indicação de um patrocinador para cada grupo, alguém que estivesse em uma posição de liderança, sendo responsável por reunir as demandas coletivas e levá-las ao comitê de diversidade. No entanto, as integrantes do grupo de mulheres optaram por não apelar para esse recurso. Dado o lugar que ocupavam na estrutura organizacional, elas possuíam uma ampla rede ( Brunstein & Jaime, 2009Brunstein, J., Jaime, P. (2009). Da estratégia individual à ação coletiva: grupos de suporte e gênero no contexto da gestão da diversidade. Revista de Administração de Empresas , 8 (2). doi:10.1590/s1676-56482009000200004 ).

Agora, no caso do grupo dos negros, a dinâmica é diferente. Apesar de confiarem formalmente em um líder, essa pessoa, na verdade, tem apenas um papel figurativo. A coordenação permanece, de fato, sob a responsabilidade de um gerente de diversidade. Isso não aconteceu na primeira formação. O profissional que fundou o grupo tinha um posto intermediário dentro da empresa. Ele, mesmo assim, deixou a organização insatisfeito com a direção e o ritmo do programa de diversidade. O coletivo é atualmente quase todo formado por jovens membros que participam do programa de trainee . Ansiosos por uma oportunidade no mundo corporativo, eles praticamente não formulam nenhuma demanda.

Além disso, enquanto o trabalho de campo era realizado, houve uma manobra que depôs o então líder do grupo, o único membro que naquela época tinha uma posição gerencial. Para o cargo vago, foi apresentado um profissional que até aquele momento não havia participado da experiência. Ela era subordinada do executivo branco, patrocinador do grupo. Tudo aconteceu em uma eleição forjada, sendo que o ex-líder não foi comunicado e não pôde, portanto, avaliar a possibilidade de se candidatar à eleição.

Resumidamente, ainda há um longo caminho até que o sexismo e o racismo não sejam mais barreiras para a construção da trajetória profissional das executivas negras. Esse raciocínio fica claro quando se percebe que as práticas de gestão da diversidade focadas na inclusão racial estão longe de se espalharem pelo mundo corporativo brasileiro. Como podemos ver na Figura 1 , uma pesquisa realizada pelo Instituto Ethos (2016) mostra que, entre as 500 maiores empresas que operam no Brasil, o percentual de empresas que afirma ter políticas com metas e ações planejadas para incentivar a participação de mulheres e pessoas negras em seus diferentes níveis hierárquicos são muito baixos.

Figura 1
– Incentivar a participação de mulheres e pessoas negras entre as 500 maiores empresas que operam no Brasil

Esses dados e a discussão realizada neste artigo revelam que, apesar dos progressos já realizados, ainda há um longo caminho a percorrer no Brasil até que o país possa promover a igualdade racial e de gênero no mundo corporativo.

Conclusão

Este artigo aborda a questão racial no mundo dos negócios. Jaime et al. (2018)Jaime, P., Barreto, P., Oliveira, C. (2018). Lest we forget! Presentation of the Special Issue “Racial dimensions in the corporate world”. Organizações & Sociedade , 25 (87), 542-550. doi:10.1590/1984-9250870 argumentam que esse tema está presente há mais de um século na produção científica dos campos da sociologia e da antropologia desde a fundação dessas áreas de estudo no Brasil. Eles também afirmam que essa questão tem sido uma das dimensões esquecidas de pesquisas realizadas no campo da Administração no Brasil. Essa lacuna já havia sido apontada por Barbosa (2009)Barbosa, E. (2009). A negação da raça nos estudos organizacionais. Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, São Paulo, SP. , Costa e Ferreira (2006)Costa, S., Ferreira, C. (2006). Diversidade e minorias nos estudos organizacionais brasileiros: presença e lacunas na última década. Encontro de Estudos Organizacionais , 4 , 1-13. Retrieved from https://bit.ly/3dkmR59
https://bit.ly/3dkmR59...
e Rosa (2014)Rosa, A. R. (2014). Relações raciais e estudos organizacionais no Brasil. Revista de Administração Contemporânea , 18 (3), 240-260. doi:10.1590/1982-7849rac20141085 . No entanto, sua presença se expandiu nos últimos anos pelo meio acadêmico devido ao esforço de pesquisadores negros e acadêmicos brancos ( Jaime et al., 2018Jaime, P., Barreto, P., Oliveira, C. (2018). Lest we forget! Presentation of the Special Issue “Racial dimensions in the corporate world”. Organizações & Sociedade , 25 (87), 542-550. doi:10.1590/1984-9250870 ; Nascimento, Teixeira, Oliveira & Saraiva, 2016). No caso específico de sua ocorrência no mundo corporativo, os debates sobre gestão da diversidade representam uma importante contribuição para a inserção desse tema nos planos empresariais, como atestam as pesquisas pioneiras de Alves e Galeão-Silva (2004)Alves, M. A., Galeão-Silva, L. G. (2004). A crítica da gestão da diversidade nas organizações. Revista de Administração de Empresas , 44 (3), 20-29. doi:10.1590/s0034-75902004000300003 e Fleury (2000)Fleury, M. T. L. (2000). Gerenciando a diversidade cultural: experiências de empresas brasileiras. Revista de Administração de Empresas , 40 (3), 18-25. doi:10.1590/s0034-75902000000300003 .

Este artigo teve como objetivo contribuir nesse sentido, trazendo à discussão os resultados de uma pesquisa sobre as trajetórias profissionais de duas gerações de executivas negras: uma primeira composta por profissionais negras que iniciaram suas trajetórias de carreira no final da década de 1970, e uma segunda, composta por mulheres negras que chegaram ao mercado de trabalho no início do século XXI. Esta pesquisa interrogou os caminhos profissionais dessas gerações a partir das lentes teóricas sobre gênero, raça e classe em uma perspectiva interseccional. Esta investigação foi estruturada a partir das seguintes questões de pesquisa:

  1. Que mudanças aconteceram nas trajetórias de carreira das executivas negras desde o final da década de 1970 até o início do século XXI?

  2. Como essas mudanças refletem as transformações que ocorreram na sociedade brasileira, especialmente no que se refere à questão racial, durante esse período?

  3. Que consequências essas transformações têm nas identidades raciais e de gênero das executivas negras?

A partir das evidências empíricas aqui apresentadas, acreditamos que é possível responder a essas questões da seguinte forma:

  1. Comparando o final da década de 1970 e o início do século XXI, é possível notar uma mudança na construção de trajetórias profissionais das executivas negras, que se dá pela passagem de estratégias individuais para ações coletivas.

  2. Essa mudança reflete uma transformação no contexto social, de maior politização dos debates sobre a questão racial travada na esfera pública brasileira. Esse fenômeno é fruto de alterações na estratégia política do movimento negro brasileiro, que desde o final do século XX vem absorvendo a nova agenda presente nas redes transnacionais de defesa do antirracismo. Isso levou o mundo corporativo brasileiro a traduzir o novo plano social e político nos termos de uma linguagem empreendedora, recorrendo a uma tecnologia gerencial (a gestão da diversidade) que circula dentro dos fluxos globais que caracterizam a cultura transnacional dos negócios.

  3. A maior politização dos debates sobre a questão racial travada na esfera pública brasileira no final do século XX e a tradução da nova agenda social e política do mundo corporativo para os termos da linguagem empreendedora representam um contexto social mais adequado para que as executivas negras possam construir ou reconstruir identidades negras mais positivamente afirmadas.

No entanto, mesmo o contexto social mais favorável encontrado pela segunda geração de mulheres negras não leva a uma visão muito otimista da igualdade racial no mundo corporativo. As trajetórias analisadas neste artigo não podem ser tomadas como referência para o entendimento de todas as mulheres negras. Os dados apresentados no final da última seção mostram o percentual das 500 maiores empresas que operam no Brasil que planejaram ações para incentivar a participação de negros em cargos de alta ou média gerência ainda é praticamente insignificante. Isso ocorre apesar do fato de a presença de negros nesses postos (4,7%) estar bem abaixo de sua participação na composição demográfica da sociedade brasileira (54,9%). Além disso, esse pequeno grupo de gerentes negros é composto quase exclusivamente por homens; apenas duas mulheres estão neste seleto clube. A intersecção ou consubstancialidade entre gênero, raça e classe ( Crenshaw, 1991Crenshaw, K. (1991). Mapping the margins: Intersectionality, identity politics, and violence against women of color. Stanford Law Review , 43 (6), 1241-1299. 1241. doi:10.2307/1229039 ; Hirata, 2014Hirata, H. (2014). Gênero, classe e raça Interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo social , 26 (1), 61-73. doi:10.1590/S0103-20702014000100005. ; Hirata & Kergoat, 2007Hirata, H., Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de pesquisa , 37 (132), 595-609. doi:10.3895/rts.v6n11.2557 ) exerce forte influência nas trajetórias sociais das mulheres negras, dificultando a construção de carreiras executivas.

Apesar das contribuições para a comunidade acadêmica, assim como para o movimento negro, sindicatos e empresas, este artigo apresenta limitações. Essas restrições podem ser superadas por estudos adicionais sobre esse tema. Resumidamente, destacamos a necessidade de aprofundar a análise a partir da perspectiva oferecida pelos conceitos de interseccionalidade e consubstancialidade. Destacamos, também, a relevância da análise comparativa realizada a partir de pesquisas sobre as trajetórias profissionais de executivas negras em outras cidades brasileiras ( Souza, 2015Souza, A. A. (2015). Cor e ascensão profissional: negros em cargos de comando . Belo Horizonte, MG: Mazza Edições. ), ou mesmo em outros países ( Wingfield, 2012Wingfield, A. H. (2012). Changing times for Black professionals . New York: Routledge. ). Resumidamente, há muito espaço para todo um programa de pesquisa que leve ao aprofundamento de nossa compreensão desse fenômeno.

Agradecimentos

Este trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2017
  • Aceito
    28 Maio 2020
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