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FARIA, Dominique; PINTO, Marta Pacheco & MOURA, Joana (Eds.). Reframing translators, translators as reframers. Nova York: Routledge, 2023. 304 p.

FARIA, Dominique; PINTO, Marta Pacheco; MOURA, Joana. Reframing translators, translators as reframers. Nova York: Routledge, 2023. 304 p.

Reframing translators, translators as reframers, obra editada por Dominique Faria, Marta Pacheco Pinto e Joana Moura, docentes em universidades portuguesas e especialistas em Estudos de Tradução, integra-se na coleção “Routledge Advances in Translation and Interpreting Studies”. O livro nasce da organização conjunta de um congresso sobre esta temática pela Universidade dos Açores e pelo Centro de Estudos Comparativos da Universidade de Lisboa. A noção de frame e reframe, em inglês, tem sido usada nos Estudos de Tradução enquanto sinónimo de tradução, como produto cultural e atividade de reescrita. O principal objetivo do volume é apresentar a tradução enquanto processo de (re)framing, termo propagado no campo da tradução por Mona Baker nos seus estudos sobre tradução e conflito, que tem em conta não só o co-texto, mas também o contexto do texto traduzido, ultrapassando as conceptualizações tradicionais de tradução enquanto meio de transformação, reprodução, transposição ou transferência.

A maior novidade é a perspetiva interdisciplinar que carateriza o volume, apresentando vários estudos de caso que atravessam diferentes geografias, épocas e pares de línguas (chinês-português; espanhol-português; inglês-francês; inglês-grego; inglês-italiano; italiano-francês; português-francês; português-italiano), bem como a análise da tradução numa abrangência global e sequencial, tendo em consideração material de arquivo, paratextos, campos de trabalho e os vários agentes envolvidos no processo de tradução, como tradutores, autores, editores, revisores, editores, críticos, leitores, etc. Trata-se, pois, de um livro que visa um público de pesquisadores em Estudos de Tradução, mas também em Estudos Comparativos, Estudos da Receção e Estudos Culturais.

O volume é constituído por catorze capítulos, divididos em quatro secções, cada uma com três a quatro capítulos. A primeira secção, “Reframing collaboration”, desenrola-se em torno de abordagens genéticas aplicadas à tradução. É constituída por três capítulos: “John Rodker, revising author and revised translator”, de Patrick Hersant; “Reframing Ling Ling: a genetic approach to collaborative poetic rewriting”, de Ariadne Nunes e Marta Pacheco Pinto e de “Self-translation, collaborative translation and rewriting: the poem ‘Chanson’ by Giuseppe Ungaretti and Jean Lescure”, de Rúbia Nara de Souza.

O capítulo de Patrick Hersant, “John Rodker, revising author and revised translator”, abre o livro. O autor recorre a arquivos e à genética da tradução enquanto elementos e procedimentos invisíveis que desnudam a dimensão hermenêutica da tradução. Para o efeito, Hersant serve-se da correspondência trocada entre John Rodker e os seus tradutores franceses, Savitzky e Montherlant, e do diálogo colaborativo que daí advém. No entanto, não deixa de se alertar para a importância da proficiência do autor no que concerne à língua-alvo da tradução para que esse diálogo seja feito sem ruídos. O texto destaca a polivalência de Rodker, enquanto editor, escritor e tradutor.

Ariadne Nunes e Marta Pacheco Pinto, em “Reframing Ling Ling: a genetic approach to collaborative poetic rewriting”, abordam a reescrita para português de Amores do céu e da terra. Contos de Macau, da autora nascida em Macau, Ling Ling, por Fernanda Dias, coadjuvada na tradução por Stella Lee. A obra inicialmente publicada em 1991, versa sobre o universo de experiências da autora em Macau entre os anos 1940 e 1950, e veio à luz pela mão de Stella Lee e Fernanda Dias, em 2014, visando um público português. O processo colaborativo de reescrita é analisado por Ariadne Nunes e Marta Pacheco Pinto a partir de uma abordagem genética da tradução, no sentido de desvendar esse processo criativo, aqui compreendido enquanto “[...] metaphorically understood as a highly subjective act of translation” (Faria, Pinto & Moura, 2023Faria, Dominique; Pinto, Marta Pacheco & Moura, Joana (Eds.). Reframing translators, translators as reframers. Nova York: Routledge, 2023. 304 p., p. 43). Trata-se de um procedimento (inter)semiótico que as autoras do capítulo identificam enquanto experimental e intercultural.

O capítulo escrito por Rúbia Nara de Souza, “Self-translation, collaborative translation and rewriting: the poem ‘Chanson’ by Giuseppe Ungaretti and Jean Lescure”, debruça-se sobre questões de tradução indireta e de tradução colaborativa, analisando o modo criativo da tradução do poema “Canzone”, de La terra promessa, de Ungaretti, por Lescure, com a intervenção do autor. O processo é analisado de forma genética, com recurso, sobretudo, a notas de Lescure e a correspondência trocada entre os dois poetas. Partindo-se de uma tradução literal do próprio autor, Lescure, o que por si já condiciona a liberdade do poeta-tradutor, até uma versão final, a autora do capítulo conclui que a tradução colaborativa permitiu levar ao limite o papel de ambos os intervenientes (autor e tradutor), mas também teve consequências a nível da reescrita, tradução e (re)criação no desenvolvimento criativo dos dois poetas.

A segunda secção, “Reframing creativity”, é constituída por quatro capítulos: “The translator as an ex-isle: literary translation, collaborative pedagogy, and creative writing”, de Margarida Vale de Gato; “Reframing the entremez in the Iberian Peninsula”, de Ariadne Nunes e José Pedro Sousa; “Dancing in the hall of f(r)ame(s): practices of translation and memory in the work of choreographers”, de Vanessa Montesi; e “Reframing of ships past: power and style in two translations of Lobo Antunes’s As Naus”, de Marisa Mourinha. Trata-se de uma secção multidisciplinar, que aborda relações de recriação em domínios como teatro, performance, fotografia, romance.

O título do capítulo de Margarida Vale de Gato, “The translator as an ex-isle: literary translation, collaborative pedagogy, and creative writing”, remete-nos para a desconstrução do tradutor como ser solitário e para a sua reconfiguração como ex-cêntrico e de identidade polissémica. A autora advoga, ao longo do seu texto, que a formação dos tradutores (em particular literários) deverá incluir workshops de escrita criativa, defendendo a importância da literatura e da tradução literária nos planos de Estudos de Tradução: “[...] I would not forego my faith in the usefulness of literature for teaching all translators how to read” (Faria, Pinto & Moura, 2023Faria, Dominique; Pinto, Marta Pacheco & Moura, Joana (Eds.). Reframing translators, translators as reframers. Nova York: Routledge, 2023. 304 p., p. 82). Vale de Gato interroga-se se deveria haver formação diferente para tradutores literários e para tradutores de outro tipo de textos. O capítulo, imbuído da experiência académica, de investigação e de tradução da própria autora, está estruturado em torno de vários focos que têm enformado os Estudos de Tradução: o do tradutor, da criatividade, do multilinguismo e do foco colaborativo. O capítulo não se limita, porém, a reflexões teóricas sobre a centralidade destas correntes. No final, apresenta um modelo de workshop de escrita criativa para tradução literária num curso de mestrado. Este é o capítulo mais panorâmico da obra, que foge aos estudos de caso da generalidade dos capítulos, com vista à reescrita (reframing) do ensino da tradução literária.

Ariadne Nunes e José Pedro Sousa abordam o entremez, enquanto subgénero dramático ibérico, secundarizado, em “Reframing the entremez in the Iberian Peninsula”. Estes autores recuperam este subgénero teatral negligenciado pela academia, apesar dos estudos pioneiros de Vítor Amaral de Oliveira e José Oliveira Barata na década de 1970. O seu texto tem por objetivo comparar Entremés del poeta (espanhol) e Entremez do poeta D. Tristão (português), dos séculos XVII e XVIII, concluindo sobre a reconstrução do entremez pelo tradutor através de estratégias entre a estrangeirização e domesticação, que se devem muito a contextos históricos, sociais e ideológicos da época. Este estudo de caso, enquadrado nos Estudos de Tradução de teatro, contribui para a percepção das várias camadas que enformam os processos de circulação destas farsas ibéricas no período histórico em análise.

O título do capítulo de Vanessa Montesi, “Dancing in the hall of f(r)ame(s): practices of translation and memory in the work of choreographers”, é polissémico, no jogo que estabelece entre reframe e fame, parecendo remeter para a dupla evocação para a canção “Hall of fame”, dos The Script, e para o National Museum of Dance and Hall of Fame, no estado de Nova Iorque, que contém fotografias, vídeos, artefatos, figurinos e biografias. De facto, este é um capítulo em que se aborda a tradução de modo interdisciplinar, como forma de recriação da memória entre a pintura e a coreografia. A partir das representações apresentadas em Woodhorn Museum em Ashington, Reino Unido, em 2016, e a performance online exibida em junho de 2020, a autora propôs-se investigar como a performance da dança contemporânea “Pitman”, coreografada por Eliot Smith (2016), a partir de seis pinturas da coleção do museu Ashington, sobre a vida e trabalho dos mineiros, permite convocar os espectadores a reviver e reescrever a sua memória cultural. Utilizando estratégias de recuperação da memória, produz-se uma recriação intra e intercultural, desafiando memórias, espaço e tempo. Adaptação, tradução cultural e intersemiótica são palavras-chave do capítulo que nos remete para o sentido lato da tradução, a partir da teoria de multimodalidade de Gunter Kress e da tipologia da tradução proposta por Klaus Kaindl. Como escreve Montesi: “[…] the metaphor of translation as reframing allows taking into consideration a wide array of texts as part of a system while stressing agential operations in the process of translation” (Faria, Pinto & Moura, 2023Faria, Dominique; Pinto, Marta Pacheco & Moura, Joana (Eds.). Reframing translators, translators as reframers. Nova York: Routledge, 2023. 304 p., p. 117).

Marisa Mourinha, em “Reframing of ships past: power and style in two translations of Lobo Antunes’s As Naus”, recua a 1988 e ao romance de António Lobo Antunes. Tratando-se de um romance profundamente alegórico, irónico e ambíguo, o trabalho de tradução afigura-se desafiante. A autora comparou as traduções da obra portuguesa para francês e italiano: The return of the caravels, do americano, professor, investigador e tradutor, Gregory Rabassa (2002), e Le navi, da professora e renomada tradutora italiana, Vittoria Martinetto (1997), mas especializada em espanhol. Marisa Mourinha analisa as escolhas dos tradutores, a domesticação de algumas opções e as consequências pela opção de não inclusão de paratextos, concluindo que a falta de informação fornecida ao leitor-alvo da tradução poderá influenciar na interpretação ideológica de As naus. Para isso contribuiu a formação de base dos tradutores. Subtilmente, a autora deste capítulo instiga à reflexão sobre as opções de tradutores que não dominam com mestria a língua e cultura de partida.

A importância dada aos paratextos é transversal ao longo de Reframing translators, translators as reframers. Na secção “Reframing paratexts” essa abordagem é particularmente evidenciada. Esta parte é constituída por três capítulos: “Agency on the margins and supra-individual habitus: Reframing translation through the Greek peritext of Nicholas Gage’s Eleni”, de Kalliopi Pasmatzi; “Translators as (self-)reframers: inquiring into translators’ prefaces to literary works in twenty-first-century Portugal”, de Dominique Faria; “What is an Afro-Scot anyway?: Reframing Jackie Kay’s fluid identities in translation”, de Emilio Amideo.

Kalliopi Pasmatzi, em “Agency on the margins and supra-individual habitus: reframing translation through the Greek peritext of Nicholas Gage’s Eleni”, centra o seu texto na análise de Eleni, um romance (auto)biográfico do autor greco-americano Nicholas Gage, que foi publicado nos Estados Unidos em 1983 e traduzido para o grego no mesmo ano por Alexandros Kotzias. O objetivo de Pasmatzi é identificar estratégias de (re)framing adotadas nesta obra de Gage ao ser traduzida para grego. A partir de um estudo que parte da análise dos paratextos, a autora do capítulo usa como enquadramento teórico os conceitos de habitus, field e agentes de tradução, de Pierre Bourdieu. No final, Pasmatzi conclui que o que chama provisoriamente de “supra-individual habitus”, implicado na tradução enquanto transferência cultural, ou seja, os agentes do contexto tradutório e as suas interferências, de editores, tradutores, editores, críticos, determina o significado do produto cultural final.

Dominique Faria recupera parte do título da obra em “Translators as (self-)reframers: inquiring into translators’ prefaces to literary works in twenty-first-century Portugal”. Colocando a ênfase nos tradutores enquanto (sel-)reframers, o objetivo deste capítulo é identificar algumas conceções de tradutores portugueses, a partir de 20 textos escritos por eles entre 2000 e 2017. Apresenta, assim, algumas pistas sobre o habitus (Bourdieu) de tradutores portugueses da atualidade. Numa abordagem que combina análise textual, análise textual e abordagem sociológica, a autora do capítulo conclui que, a partir da visibilidade, ou não, que lhes é dada pelos editores e/ou pelos paratextos que usam nas suas traduções, estes tradutores moldam a sua própria identidade. No final, Dominique Faria alerta para o facto de o seu estudo não ser exaustivo, no entanto, permite retirar algumas conclusões curiosas: os tradutores analisados são self-reframers na medida em que utilizam os paratextos como mecanismo de retórica, apresentando o seu trabalho enquanto procedimento que possa ser entendido como canónico. No entanto, não se privam de usar estratégias de recriação, num jogo duplo de enquadramento da tradução em relação ao que consideram serem as expectativas dos leitores e de reenquadramento pela originalidade que acrescentam à tradução.

A tradução para o italiano de literatura africana, mesmo que eurófona, permanece exígua. Em “What is an Afro-Scot anyway?: Reframing Jackie Kay’s fluid identities in translation”, Emilio Amideo apresenta um estudo de caso sobre translocation de identidades múltiplas e fluídas de Jackie Kay, uma escritora escocesa com pai nigeriano. A análise recai na tradução para italiano da poesia da autora de The adotion papers (1991), por Carlotta Scarlato (2004), e Fiere (2011), por Floriana Marinzuli e Bernardino Nera (2018), através da análise contrastiva de elementos paratextuais dos textos de partida e dos textos de chegada. No final, com base na exploração realizada de paratextos destas duas obras de Jackie Kay, para italiano, o autor conclui sobre a importância de dar voz às minorias numa perspetiva intercultural de valorizar a diferença: “[...] so long as her translation as reframing in other languages remains consistent with her refusal to homogenize differences” (Faria, Pinto & Moura, 2023Faria, Dominique; Pinto, Marta Pacheco & Moura, Joana (Eds.). Reframing translators, translators as reframers. Nova York: Routledge, 2023. 304 p., p. 210).

Finalmente, a secção “Reframing gender” é constituída por quatro capítulos em que são abordados estudos de caso de recriação–tradução de escrita no feminino: “’A transnational star is born’: reframing Chimamanda Ngozi Adichie for the Italian reader”, de Eleonora Federici; “Reframing gendered narrations across cultures: adressing The secret lives of Baba Segi’s wives by Lola Shoneyin to the Italian public”, de Luisa Marino; “Who’s afraid of Jane Eyre? Translating as reframing in the Portugal of the 1940s and 1950s”, de Alexandra Lopes, e “Reframing the femane voice: the case of translations of Annie Vivanti’s Circe”, de Anita Kłos.

No capítulo de Eleonora Federici, Chimamanda Ngozi Adichie é apresentada como uma estrela transnacional, do Sul para o Norte, destacada no panorama literário italiano. Eleonora Federici serve-se do debate sobre literatura transnacional e da noção de literatura mundo para a análise desta autora nigeriana. O ponto de vista da autora sobre a importância da literatura, vai, neste livro, ao encontro de Margarida Vale de Gato, no capítulo 10: “[...] I believe that the performative value of literature can change society and our way of reading the world; it can help readers look at the interior of their house by looking at the world outside” (Faria, Pinto & Moura, 2023Faria, Dominique; Pinto, Marta Pacheco & Moura, Joana (Eds.). Reframing translators, translators as reframers. Nova York: Routledge, 2023. 304 p., p. 220). Como exemplo de feminismo transnacional e do estilo e pensamento de Adichie, é referida a tradução para italiano da sua obra Americanah (2013), por Andrea Sirotti, não apenas como uma tradução literário-cultural, mas enquanto tradução que é a própria Adichie, apresentada como produto cultural e ideológico, dado o percurso mediático da autora nigeriana. O título do capítulo, “’A transnational star is born’: reframing Chimamanda Ngozi Adichie for the Italian reader”, remete-nos ab initio para o jogo de palavras/intertextualidade com outras realidades artísticas, no caso o filme “A star is born”, de Bradley Cooper (2018), procedimento usado também, por exemplo, por Vanessa Montesi. Neste caso, ao destacar Adichie como uma estrela, evidenciam-se as escolhas editoriais a partir da influência cultural de uma autora.

Luisa Marino continua a análise de autoras nigerianas, que contribuem para a desconstrução do par Centro-Periferia, apresentando o caso de The secret lives of Baba Segi’s wives, de Lola Shoneyin. Baseando-se na perspetiva de cultural turn (Bassnett e Lefevere), a autora do capítulo destaca a importância do estudo cultural e linguístico, numa análise comparativa que realiza entre o texto de origem e o texto traduzido para desvendar estratégias de recriação. Partindo da teoria dos polissistemas (Even-Zohar), a autora adota uma abordagem interdisciplinar a partir de Estudos de Tradução, estudos de género, estudos sobre paratextos e crítica centrada no feminismo africano. No final, conclui-se que as escolhas na tradução para italiano de The secret lives of Baba Segi’s wives, por Ilaria Tarasconi, em 2012, afetam a receção e perceção do leitor italiano sobre o texto final. Ainda assim, trata-se de textos não-neutrais de literaturas menos conhecidas no Ocidente e que se vão integrando num sistema linguístico, social e cultural estrangeiro.

Alexandra Lopes discute, no capítulo “Who’s afraid of Jane Eyre? Translating as reframing in the Portugal of the 1940s and 1950s”, as três traduções para português europeu que a obra teve em Portugal nesse período. Numa perspetiva comparativa que inclui análise linguística e recurso a paratextos, a autora analisa as traduções de 1941 (João Gaspar Simões e Mécia), 1951 (Leyguarda Ferreira) e 1958 (Fernanda Cidrais). Usando processos de adaptação/domesticação, ajustadas ao contexto histórico português da época, que incluía a censura de textos, a autora conclui que as traduções produziram diferentes narrativas, defendendo que se deve olhar para a tradução enquanto forma de circulação textual.

Anita Kłos fecha o livro com o capítulo “Reframing the female voice: the case of translations of Annie Vivanti’s Circe”. Kłos debruça-se sobre a poeta, autora e repórter plurilingue Annie Vivanti Chartres (1866-1942), na perspetiva de multilinguismo e autotradução. Anita Kłos atenta, sobretudo, na obra Circe, uma biografia ficcional da condessa ucraniana Maria O’Rourke Tarnowska, publicada em italiano como folhetim, em 1912, depois editada em volume em 1920, e autotraduzida para o francês como Le roman de Marie Tarnowska. A investigadora constata que há divergências substanciais na estrutura narrativa das duas versões. Assim como no caso de Adichie, desenvolvido neste volume por Eleonora Federici, também já Vivanti utilizava mecanismos de manipulação e marketing da sua obra, sendo, pois, uma autora desafiante para a análise multiníveis, intervenção de vários atores, fenómenos de transnacionalidade, transferência cultural indireta e autotradução.

Reframing translators, translators as reframers é, pois, um volume com abundantes exemplos de recriação artística por meio de processos de tradução, aqui entendida no seu sentido amplo, que coloca em diálogo um variado número de pares de línguas. Logo na introdução, as editoras clarificam que “[...] reframing in translation is about setting a new frame for a moving text, by acting as a filter that embeds the reframed textual object in a new con­figuration” (Faria, Pinto & Moura, 2023Faria, Dominique; Pinto, Marta Pacheco & Moura, Joana (Eds.). Reframing translators, translators as reframers. Nova York: Routledge, 2023. 304 p., p. 1). Para as editoras, “[...] reframing is as much a mode of representation – of a text and associated agents – as it is a mode of reading, interpreting, and constructing reality” (Faria, Pinto & Moura, 2023Faria, Dominique; Pinto, Marta Pacheco & Moura, Joana (Eds.). Reframing translators, translators as reframers. Nova York: Routledge, 2023. 304 p., p. 3). Neste sentido, reframing compreende o processo em continuum, transformativo, criativo e o contexto alvo da tradução.

O ato de tradução revela-se, portanto, ao longo do livro, como um fluxo de criação de novas estórias. Para isso, nos capítulos são usadas metodologias ecléticas, apostando em abordagens descritivas, de análise de paratextos, comparativas, geneticamente orientadas e/ou baseadas em arquivos. Na obra, reframing é analisado de forma temporal e espacial (Nunes e Sousa; Montesi; Mourinha; Pasmatzi; Frederici; Marino; Lopes; Kłos) e de modo genético (Hersant; Sousa; Nunes e Pinto; Pasmatzi).

O livro apresenta estudos sobre os atores da tradução, os (re)framers (tradutores, editores, outros agentes da tradução) através de estudos linguísticos, mas sobretudo, paratextos (peritextos – prefácios, introduções, capas de livros, ilustrações – e epitextos – correspondência entre autores e tradutores, notas de tradutores, pareceres, etc.), como operações de (re)framing, destacando-se, assim, a tradução como uma polifonia de vozes, a que se refere Kłos. A coesão do livro dá-se não apenas em torno da temática reframing translators, mas também através do diálogo ideológico, metodológico e intertextual, que estabelece um discurso interartes. A diversidade do volume, sintetizada desde logo pelo título, vai ao encontro da questão que as editoras da obra colocam no final da introdução: “[...] frames are structures that support windows and doors, which provide or, on the contrary, hinder access to other worlds. After all, what is translation if not an opening into a new world – if not, a frame?” (Faria, Pinto & Moura, 2023Faria, Dominique; Pinto, Marta Pacheco & Moura, Joana (Eds.). Reframing translators, translators as reframers. Nova York: Routledge, 2023. 304 p., p. 9).

As editoras do volume fazem uma apresentação bastante completa, na “Introdução”, o que permite um panorama claro sobre os conteúdos e contributos do livro. Porém, dada a variedade das temáticas, obras e autores abordados, o leitor ganharia com uma maior sistematização dos capítulos através, por exemplo, de um resumo e de palavras-chave. Por outro lado, nem sempre se verifica uma informação mais aprofundada sobre os autores e obras em análise nos capítulos, já que o foco de abordagem é, sobretudo, o processo de tradução, visto como modo de reescrita. Ainda assim, algum enquadramento de autores e obras poderia enriquecer os textos e guiar o leitor, o que nem sempre acontece. É certo, porém, que devido à forma instigante como os capítulos estão escritos, o leitor menos familiarizado com determinados autores e obras de bibliografia ativa poderá iniciar a sua própria investigação, abrindo caminhos a outras abordagens no âmbito dos Estudos Comparativos, Estudos Culturais, Estudos de Género, etc.

Ao longo dos capítulos, o leitor tem também acesso à informação sobre alguns projetos de investigação a decorrer nesta área. Verifica-se a remissão para projetos desenvolvidos pelos autores, como ENTRIB – entremezes ibéricos: inventariação, edição e estudo (Nunes e Sousa), antologias e bases de dados de tradução (Vale de Gato), só para referir alguns.

Este é, pois, um volume que atesta bem que a tradução é uma tarefa exigente que requer competências específicas, como refere no seu capítulo Dominique Faria, concluindo-se, na síntese de Emilio Amideo, que “[...] the process of translation inevitably detaches a text from its original cultural context to reframe it into another” (Faria, Pinto & Moura, 2023Faria, Dominique; Pinto, Marta Pacheco & Moura, Joana (Eds.). Reframing translators, translators as reframers. Nova York: Routledge, 2023. 304 p., p. 208).

Agradecimento

Análise realizada no âmbito do Projeto Científico RP/FLT-10/2022, financiado pela Universidade Politécnica de Macau.

Referência

  • Faria, Dominique; Pinto, Marta Pacheco & Moura, Joana (Eds.). Reframing translators, translators as reframers Nova York: Routledge, 2023. 304 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Nov 2022
  • Aceito
    10 Abr 2023
  • Publicado
    Maio 2023
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