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UMA ANÁLISE DISCURSIVA CRÍTICA DA REPRESENTAÇÃO DAS MULHERES E DO ABORTO NA REVISTA AZMINA

A CRITICAL DISCURSIVE ANALYSIS ON THE REPRESENTATION OF WOMEN AND ABORTION IN REVISTA AZMINA

Resumo

Neste artigo, investigamos como o aborto e as mulheres que abortaram são representados discursivamente na prática jornalística. Dentre as várias facetas da temática, discutiremos, neste trabalho, a prática legal ou despenalizada no Brasil. Para isso, selecionamos sete reportagens da Revista AzMina, um veículo independente de jornalismo digital. Empreendemos uma análise fundamentada teórico-metodologicamente na Análise de Discurso Crítica (ADC) (FAIRCLOUGH, 2001, 2003, 2013). Os resultados apontam que o aborto é representado como campo de disputa jurídica, em certos momentos é legal, em outros, ilegal, e isso depende completamente de decisões que vão além das que as próprias mulheres podem tomar. As reportagens da AzMina visam ora a orientação sobre direitos, ora a humanização da temática ao apresentá-la a partir de vozes de mulheres envolvidas nessa prática.

Palavras-chave:
Análise de Discurso Crítica; Mulheres; Aborto; Jornalismo; Revista AzMina

Abstract

In this paper we investigate the discursive representations of abortion and women who had abortions within the journalistic practice. Among the various facets of the subject, in this paper we will discuss the legal or decriminalized practice in Brazil. For this, we selected seven texts from Revista AzMina. We undertook a theoretical-methodological analysis based on Critical Discourse Analysis (CDA) (FAIRCLOUGH, 2001, 2003, 2013). The results show that abortion is represented as a field of legal dispute, it is sometimes legal, sometimes illegal and completely depends on decisions that go beyond those that women themselves can make. AzMina’s reports aim either to provide guidance on rights, or to humanize the theme by presenting it from the voices of women involved in this practice.

Keywords
Critical Discourse Analysis; Women; Abortion; Journalism; Revista AzMina

Introdução

Em sua face criminalizada, o aborto é um grave problema de saúde pública, pois é uma das principais causas de morte materna no Brasil. O Sistema Único de Saúde (SUS) contabiliza cerca de duzentas mortes anuais por complicações de aborto realizado em condições inseguras. Nesse contexto, a mensuração da prática é difícil, pois “aspectos culturais, religiosos, legais e morais inibem as mulheres a declararem seus abortamentos, dificultando o cálculo da sua magnitude” (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao abortamento - norma técnica. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. Disponível em: https://catarinas.info/wp-content/uploads/2018/04/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf. Acesso em 30 set. 2021.
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, p. 8). A Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), publicada em 2016, estimou em 500 mil o número de abortos ilegais realizados na parte urbanizada do país em 2015. O estudo afirma que a prática é comum e que uma em cada cinco mulheres entre 18 e 40 anos passou por pelo menos um aborto clandestino (DINIZ; MEDEIROS; MADEIRO, 2017DINIZ, Débora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 2, p. 653-660, 2017. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232017222.23812016
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).

Concordamos com Rohden (2003, p. 15)ROHDEN, Fabíola. A arte de enganar a natureza: contracepção, aborto e infanticídio no início do século XX. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003., quando afirma que as questões de sexo, reprodução e controle de natalidade “estão centradas na dimensão das relações de gênero, que traduzem, sobretudo, relações de poder” e que o controle sobre a capacidade reprodutiva é um dos pilares sobre os quais é construído o que se espera das funções sociais desempenhadas por homens e mulheres (ROHDEN, 2003ROHDEN, Fabíola. A arte de enganar a natureza: contracepção, aborto e infanticídio no início do século XX. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003.). Tendo isso em vista e considerando que o jornalismo preenche um papel central na circulação discursiva; que, por meio dele, as pessoas acessam temas debatidos socialmente, como o aborto, e constroem muitas representações sobre essas temáticas, compreendemos que é fundamental investigar como o aborto e mulheres que já abortaram são representados discursivamente no jornalismo. Tal problemática tem sido objeto de investigação em diferentes áreas do conhecimento, mas ainda há poucas centradas na faceta discursiva desse problema social e na análise da sua representação em um veículo independente de jornalismo digital.

Recorrente na mídia, o tema é explorado pelo jornalismo tradicional, que coordena as vozes hegemônicas sobre a prática e detém o poder de direcionar a opinião de cidadãos, legisladores e políticos acerca do assunto. Mas também figura no jornalismo independente, que, mesmo sem o alcance da mídia hegemônica, articula textos, vozes e discursos que insurgem em sociedade apresentando outras possibilidades na recontextualização da prática de aborto. Neste artigo, que é um recorte de uma pesquisa maior, voltamo-nos para o jornalismo independente, representado aqui pelo veículo de comunicação Revista AzMina.

Sobre o trabalho ideológico da mídia tradicional, Fairclough (2001, p. 202)FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Coordenação da Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001. explica que “os jornais tendem a oferecer versões da verdade [...] cada uma das quais se baseia na reivindicação implícita e indefensável de que os eventos podem ser representados transparente e categoricamente e que perspectiva pode ser universalizada”. Em oposição a esse modo de fazer jornalismo, o jornalismo independente e especializado oferece ao leitor interpretações assumidamente parciais, sem privilegiar uma representação elitizada da realidade, e inclui vozes muitas vezes excluídas do jornalismo tradicional.

Por isso, objetivamos investigar as representações discursivas das mulheres que abortaram e do aborto, construídas em sete reportagens publicadas no veículo digital Revista AzMina. Partimos do princípio de que “processos e relações de mediação são processos e relações de recontextualização, que envolve especificamente relações entre o campo da mídia e outros campos sociais” (FAIRCLOUGH, 2013FAIRCLOUGH, Norman. Critical Discourse Analysis: The Critical Study of Language. 2. ed. Londres: Routledge, 2013., p. 78). Sendo assim, textos jornalísticos sobre o aborto recontextualizam elementos da prática social de abortamento, por meio do que são construídas diferentes representações e identificações dela e dos atores sociais nela envolvidos. Essas representações e identificações são realizadas nos textos por meio de escolhas lexicogramaticais e imagéticas, por exemplo. E, para analisá-las, tendo em vista nosso objetivo, baseamo-nos em pressupostos teórico-metodológicos da abordagem dialético-relacional de Análise de Discurso Crítica, e trabalharemos com as categorias intertextualidade, interdiscursividade e vocabulário, dentre as propostas por Fairclough (2003)FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003. para a análise dos significados acional e representacional.

1. Tensões históricas e contemporâneas sobre o aborto

Entendemos ser impossível dissociar as lutas pela autonomia reprodutiva dos processos históricos que designaram à clandestinidade o controle que as mulheres podem exercer sobre sua própria sexualidade e reprodução. Essa história começa muito antes da chegada dos portugueses às terras brasileiras, e tem a Igreja Católica e os Estados, na Europa Medieval (séculos V ao XV), como agentes opressores, que, a partir de necessidades econômicas do Estado, passaram a controlar e punir a agência das mulheres. Na Alta Idade Média (século V ao X), a Igreja demonstrava tolerância às mulheres que estabeleciam limite para suas gestações, principalmente por razões econômicas (FEDERICI, 2017FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução de Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2017.). Contudo, mudanças sociais, como a devastação deixada pela peste-negra nos números populacionais, fizeram o cenário se transformar. Federici (2017, p. 174)FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução de Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2017. percebe, em processos históricos, a intervenção do Estado nos costumes individuais ligados às práticas reprodutivas, para ela, “a principal iniciativa do Estado com o fim de restaurar a proporção populacional desejada foi lançar uma verdadeira guerra contra as mulheres, claramente orientada a quebrar o controle que elas haviam exercido sobre seus corpos e sua reprodução”.

A moralidade católica também desempenha um papel central na criminalização do aborto no mundo moderno. Del Priore (2013, p. 160-161)DEL PRIORE, Mary. Conversas e histórias de mulher. São Paulo: Planeta, 2013. explica que “até o século XIX a Igreja tinha certa tolerância em relação ao aborto”, pois as crenças ao redor do conceito de alma afirmavam que essa “só passava a existir no feto masculino após quarenta dias da concepção e, no feminino, depois de oitenta dias”, assim, o que se passasse “antes da ‘entrada da alma’ não era considerado crime nem pecado”.

No caso do Brasil, é impossível considerar os processos de criminalização do aborto sem observá-los à luz da colonização. O vazio demográfico das terras brasileiras preocupava a metrópole Portugal, e, para lidar com ele, a monarquia portuguesa contou com três pilares, todos articulados com a Igreja Católica e seu poder de ditar costumes que envolviam o âmbito da vida privada relativos aos casamentos e à reprodução (DEL PRIORE, 1994). Entre as medidas estava, inclusive, a proibição da instalação de conventos no território brasileiro. Na prática, a sociedade colonial “reduzia as mulheres [brancas] à categoria de reprodutoras, vedando-lhes, fora da vida conjugal e familiar, outras formas de realização” (DEL PRIORE, 1994, p. 1). O foco no povoamento colocava o aborto como uma prática reprovada tanto pela Igreja quanto pelo Estado.

Ao redor do mundo, diversas lutas organizadas de mulheres foram e são empreendidas para a retomada dos direitos de autodeterminação das mulheres, entre esses, o direito ao aborto realizado sob pedido. Mudanças efervescentes têm ocorrido na região da América Latina, onde historicamente se concentram as legislações mais restritivas sobre aborto e que reúne o maior número de gravidezes não planejadas. Com o ressurgimento da pauta nas demandas e mobilizações populares desde 2018 na Argentina, o aborto induzido até a 12ª semana de gestação foi legalizado no final de 2020. Em setembro de 2021, o México descriminalizou a interrupção voluntária da gravidez por meio de decisão judicial da Suprema Corte do país. Progressos mais lentos também foram feitos na região em 2021, como a decisão do Equador de despenalizar abortos em caso de estupro e a abertura da pauta da legalização no congresso chileno a partir da pressão social gerada por protestos em janeiro de 2021. Mais recentemente, em fevereiro de 2022, feministas colombianas puderam comemorar a ampliação do direito no país com a descriminalização do aborto sob pedido da mulher por decisão da Suprema Corte do país.

No Brasil, a legislação sobre o aborto é a mesma desde 1940 e, somente em 1989, foi estabelecido o primeiro serviço de aborto legal (ROSAS; PARO, 2021ROSAS, Cristião; PARO, Helena B. M. S. Serviços de atenção ao aborto previsto em lei: desafios e agenda no Brasil. Brasília: Cfemea, 2021.). É importante destacar que a história do aborto legal no país entrelaça-se com a ampliação da concepção da medicina como um lugar de cuidado às vítimas de violência. Nesse sentido, o Fórum Interprofissional para Implementação do Atendimento ao Aborto Previsto em Lei, realizado anualmente de 1996 até 2013, possibilitou a troca de experiências entre profissionais em um ambiente com a presença de equipes dos hospitais que prestavam assistências às mulheres, representantes do judiciário e da polícia, organizações feministas da sociedade civil, de conselhos profissionais, de membros da Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e de professores de ginecologia e obstetrícia. Rosas e Paro (2021)ROSAS, Cristião; PARO, Helena B. M. S. Serviços de atenção ao aborto previsto em lei: desafios e agenda no Brasil. Brasília: Cfemea, 2021. apontam que a descontinuidade da realização do Fórum marca a omissão do Estado brasileiro no papel de gestão dos serviços de atendimento às vítimas de violência sexual e na proteção dos direitos sexuais e reprodutivos.

O poder religioso, enquanto proponente e mantenedor de costumes da vida privada, ressurgiu muito fortemente junto ao populismo a partir de 2018. Louzada (2020, p. 28)LOUZADA, Gabriela Rondon Rossi. Constitucionalismo agonístico: a questão do aborto no brasil. 2020. 127 f. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2020. explica que o populismo, enquanto prática política, é moldável e precisa ser acoplado a “ideologias de tipo forte para ser colocado em prática – ao fascismo, liberalismo, socialismo, ou, como aqui proponho, a uma ideologia religiosa”. Para a Louzada (2020)LOUZADA, Gabriela Rondon Rossi. Constitucionalismo agonístico: a questão do aborto no brasil. 2020. 127 f. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2020., o problema entre populismo e constitucionalismo é particularmente relevante à temática do aborto, pois quando consideramos que uma das áreas mais recorrentes de embate entre secularismo e religião se refere ao “papel e impacto das religiões em opor, desacelerar, reverter ou circunscrever o alcance de plena igualdade para as mulheres” (MANCINI; ROSENFELD, 2014 apud LOUZADA, 2020LOUZADA, Gabriela Rondon Rossi. Constitucionalismo agonístico: a questão do aborto no brasil. 2020. 127 f. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2020., p. 29).

A saúde reprodutiva passou a ser vista como um campo legítimo de ação política e de proteção de direitos humanos nas décadas de 1980-90. Podemos citar como exemplo o conceito de direitos reprodutivos afirmado na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento em Cairo (1994), no âmbito da Organização Mundial da Saúde (OMS), e no movimento de mulheres, com importantes diálogos entre feministas dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos (CORRÊA, 1999CORRÊA, Sônia. “Saúde Reprodutiva”, Gênero e Sexualidade: legitimação e novas interrogações. In: GIFFIN, Karen; COSTA, Sarah Hawker (Orgs.). Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999. p. 39-50.; CORRÊA; ALVES; JANNUZZI, 2006CORRÊA, Sônia; ALVES, José E. D.; JANNUZZI, Paulo M. Direitos e saúde sexual e reprodutiva: marco teórico-conceitual e sistema de indicadores. In: CAVENAGHI, S. (Org.). Indicadores municipais de saúde sexual e reprodutiva. Rio de Janeiro: ABEP, Brasília: UNFPA, 2006. p. 27-62.).

A partir de 2016, mudanças no cenário político permitiram a eleição de um governo que continuamente “se empenhou em retirar ou reduzir a participação da sociedade civil em Conselhos Gestores de Programas, Projetos e Instituições Públicas” (VENTORASSI; OLIVEIRA; BENEVIDES, 2020VENTORASSI, Andréa; OLIVEIRA, Dijaci D.; BENEVIDES, Rubens F. Direitos Humanos no Brasil: os ataques às humanidades no governo Bolsonaro. Revista Humanidades e Inovação, v.7, n.20, p. 400-417, 2020., p. 408). Além disso, o cenário de enfraquecimento das instituições acentuou-se no governo neocon-servador e neofacista de extrema direita de Bolsonaro, em que o Twitter teve/tem um destaque central nas comunicações presidenciais e ministeriais (VENTORASSI; OLIVEIRA; BENEVIDES, 2020VENTORASSI, Andréa; OLIVEIRA, Dijaci D.; BENEVIDES, Rubens F. Direitos Humanos no Brasil: os ataques às humanidades no governo Bolsonaro. Revista Humanidades e Inovação, v.7, n.20, p. 400-417, 2020.). Nessa rede social, os direitos sexuais e reprodutivos são constantemente mencionados como algo a ser combatido, especialmente porque a base ideológica do governo a entende como parte da “ideologia de gênero” (VENTORASSI; OLIVEIRA; BENEVIDES, 2020VENTORASSI, Andréa; OLIVEIRA, Dijaci D.; BENEVIDES, Rubens F. Direitos Humanos no Brasil: os ataques às humanidades no governo Bolsonaro. Revista Humanidades e Inovação, v.7, n.20, p. 400-417, 2020.).

Das tensões mais atuais que envolvem a prática social do aborto, podemos citar a audiência pública, em agosto de 2018, primeira para discutir a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação proposta pela ADPF 442, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O pedido de julgamento da ADPF tem como base o argumento de que o Código Penal Brasileiro viola direitos fundamentais garantidos pela Constituição do país. A audiência pública ouviu diversos setores sociais, do Ministério da Saúde, organizações médicas, especialistas, grupos ativistas pró-nascimento e pró-direitos e representantes de diversas doutrinas religiosas. Após a audiência de 2018, a pauta continua estagnada no STF.

Entretanto, em outras instâncias sociais há retrocessos quanto aos direitos sexuais e reprodutivos. Mais recentemente, em 2020, as tensões sobre o abortamento legal no Brasil foram aumentadas. Em junho, dois servidores do Ministério da Saúde (MS) foram exonerados após o presidente Jair Bolsonaro distorcer o conteúdo de uma nota técnica sobre abortamento legal durante o período da pandemia da Covid-19 em suas redes sociais. O texto apenas orientava sobre os casos já permitidos pela lei (VARGAS, 2020VARGAS, Mateus. Ministro da Saúde demite autores de nota distorcida por Bolsonaro que cita aborto legal. Estadão. São Paulo, 05 jun. 2020. Saúde, p. 1-5. Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,ministro-da-saude-demite-autores-de-nota-distorcida-por-bolsonaro-que-cita-aborto-legal,70003326035. Acesso em: 02 nov. 2021.
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).

Em agosto de 2020, após o país se sensibilizar com a história de uma menina capixaba de 10 anos, grávida decorrente de repetidos estupros, a qual foi negado atendimento em seu estado natal, por um argumento de que a gravidez já estaria muito avançada para um aborto, o MS publicou a Portaria 2.282/2020, que “Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS” (BRASIL, 2020aBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.282, de 27 de agosto de 2020. Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS. Diário Oficial da União. Brasília, 2020a. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.282-de-27-de-agosto-de-2020-274644814. Acesso em: 12 dez. 2021.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
). Ela substituiu a Portaria 1.508/2005, que vigorava até então. Entre seus pontos, estavam: a obrigatoriedade de notificação à autoridade policial por parte dos profissionais da saúde ao atenderem mulheres que engravidaram em decorrência de uma violência sexual; a indicação de que o hospital deveria guardar material biológico da atendida, mesmo sem sua ciência e acordo; a aplicação de um termo com detalhamentos sobre o procedimento, considerados desnecessários e cruéis à paciente; e a indicação de que os profissionais de saúde obrigatoriamente deveriam oferecer e indicar às crianças, adolescentes e mulheres atendidas a possibilidade de escutar os batimentos cardíacos do embrião. Rosas e Paro (2021, p. 17-18)ROSAS, Cristião; PARO, Helena B. M. S. Serviços de atenção ao aborto previsto em lei: desafios e agenda no Brasil. Brasília: Cfemea, 2021. afirmam que “a medida constituía-se em um mecanismo de tortura contra meninas e mulheres brasileiras que, apesar de suas convicções morais e religiosas, decidem pela interrupção da gravidez decorrente de estupro”.

Atualmente em vigor, a Portaria 2.561/2020 (BRASIL, 2020bBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.561, de 23 de setembro de 2020. Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS. Diário Oficial da União. Brasília, 2020b. Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.561-de-23-de-setembro-de-2020-279185796. Acesso em: 12 dez. 2022.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
) substituiu a anterior. Ela mantém a obrigação de denúncia da violência sexual à polícia, ainda colocando a prática médica submetida a uma ilegal quebra do sigilo profissional. Além disso, continua a indicar a necessidade de encaminhamento dos vestígios da violência às autoridades, mesmo sem o consentimento da mulher. Dessa forma, no Brasil, o aborto segue como um tema tratado ideologicamente pelo governo, com um pedido de descriminalização estagnado no STF e sob orientações do MS que ferem os direitos das mulheres e normas éticas da prática médica.

2. Intertextualidade e interdiscursividade na Análise de Discurso Crítica

Para Fairclough (2001, p. 114)FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Coordenação da Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001., quando falamos em intertextualidade, referimo-nos à “propriedade que têm os textos de ser cheios de fragmentos de outros textos”. O autor segue a noção de intertextualidade que tem base nas discussões de Bakhtin, mais especificamente sobre dialogismo. Para Bakhtin (1997, p. 317)BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 2. ed. Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997., cada “enunciado está repleto dos ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado no interior de uma esfera comum da comunicação verbal”. A partir de Bakhtin (1997)BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 2. ed. Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997., Fairclough (2003)FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003. entende que todo texto é dialógico, em maior ou menor grau. Nesse sentido, a dialogicidade acontece nas relações entre a voz do autor e outras vozes, enquanto elas são “representadas e respondidas, ou contrariamente, excluídas ou suprimidas” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 214, tradução nossa).

A intertextualidade pode ser compreendida como a “combinação da voz de quem pronuncia um enunciado com outras vozes que lhe são articuladas” (RAMALHO; RESENDE, 2011RAMALHO, Viviane C. V. S.; RESENDE, Viviane de M. Análise de discurso (para a) crítica: O texto como material de pesquisa. v. 1. Campinas: Pontes, 2011., p. 134). Destacamos que Fairclough (2001, p. 135)FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Coordenação da Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001. defende que a análise de intertextualidade “deve ser foco principal na análise de discurso”, já que textos (e suas transformações) desempenham um papel central na sociedade contemporânea, no que diz respeito às mudanças sociais e culturais. A análise intertextual é produtivamente combinada com as discussões sobre hegemonia, dado que essa nos permite mapear “as possibilidades e as limitações para os processos intertextuais dentro de hegemonias particulares e estados de luta hegemônica” (FAIRCLOUGH, 2001FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Coordenação da Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001., p. 135). Ademais, Fairclough (2001)FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Coordenação da Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001. argumenta que os processos intertextuais e a reorganização de ordens do discurso afetam a luta hegemônica e são por ela afetados.

Para Fairclough (2003)FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003. há vários modos pelos quais elementos de outros textos são incorporados a um texto. Entre esses, as citações são as formas mais claras de visualizarmos a intertextualidade. Para o autor,

Se pensarmos, por exemplo, na fala, escrita ou pensamento relatado, é possível não apenas citar o que foi dito ou escrito em outro lugar, é possível resumir isso. Esta é a diferença entre o que é convencionalmente chamado de discurso direto (que pode citar a escrita, supostos pensamentos, assim como falas – por exemplo: ‘Ela disse’: “Vou me atrasar”’) e formas de discurso indireto (por exemplo: ‘Ela disse que vai se atrasar’). O primeiro afirma reproduzir as palavras reais usadas, o segundo não; um resumo pode reformular o que foi realmente dito ou escrito. A fala, escrita ou pensamento relatado atribui o que é citado ou sumarizado às pessoas que disseram ou escreveram ou pensaram. Mas elementos de outros textos também podem ser incorporados sem atribuição (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 39-40, tradução nossa).

Fairclough também aponta a relação entre intertextualidade e pressuposições. Segundo o autor, o termo pressuposições é usado “para incluir tipos de implicitude que são geralmente distinguidos na literatura da pragmática linguística (Blakemore 1992; Levinson 1983; Verschueren 1999) como pressupostos, implicações ou implicações lógicas e implicaturas” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 40, tradução nossa). As pressuposições são inevitáveis nos textos, e “o que é ‘dito’ em um texto é ‘dito’ em uma relação de contraste com o que é ‘não dito’, mas compreendido como dado. Assim como a intertextualidade, as pressuposições conectam um texto a outros textos, a um ‘mundo de textos’ como se poderia dizer.” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 40, tradução nossa). Dessa forma, a diferença entre intertextualidade e pressuposição está relacionada à possibilidade de atribuição, sendo a primeira mais facilmente atribuível a outros textos.

Para Fairclough (2003)FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., as negações e as ironias são intertextuais. Segundo o autor “as negações implicam a afirmação ‘em outro lugar’ do que está sendo negado” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 47, tradução nossa). As negações são usualmente utilizadas de forma polêmica e retomam textos (presumidos como ditos em outro lugar) para contestá-los (FAIRCLOUGH, 2001FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Coordenação da Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001.). Já as ironias retomam outros textos, sejam eles ditos anteriormente na mesma conversa, ou em algum outro lugar deixado vago, com o propósito de expressar algum tipo de atitude negativa quanto ao texto que a antecede (FAIRCLOUGH, 2001FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Coordenação da Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001.). A intertextualidade é uma questão de recontextualização, para o autor essa última é “um movimento de um contexto para outro, acarretando transformações particulares decorrentes de como o texto que é movido, recontextualizado, figura dentro desse novo contexto” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 51, tradução nossa).

De acordo com Fairclough, na análise de intertextualidade devem-se questionar quais textos e vozes são incluídos, quais são excluídos e quais ausências são significativas. Neste estudo, além de questionarmos isso, observamos a intertextualidade quanto à: (i) classificação; (ii) atribuição; e (iii) sua orientação para a diferença.

No tocante à classificação, os tipos de intertextualidade são divididos pelo autor entre os mais ou menos dialógicos (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003.). Os tipos mais dialógicos são aqueles que explicitamente atribuem as representações às fontes, às ‘vozes’ e incluem muito da gama de vozes que existe. Dentre os mais dialógicos, em uma escala descendente, temos as citações diretas (discurso direto), citações indiretas (discurso indireto), relatos de ato de fala, as asserções modalizadas e categóricas, não modalizadas. O tipo menos dialógico são as pressuposições: as existenciais, as proposicionais e as de valor. Elas geralmente não são atribuídas ou atribuíveis a textos específicos.

Quando um texto articula outro texto ou voz por meio da citação direta, ele atribui o dizer à fonte (texto ou voz) e nele há uma reprodução das palavras realmente ditas pela fonte, as quais são comumente apresentadas entre aspas. Quando a articulação se dá por discurso indireto, há um resumo do que foi dito ou escrito, o qual não é incluído com aspas e é precedido de uma oração com verbo dicendi. Nessa articulação, há mudanças no tempo verbal e nos elementos dêiticos. Quando a articulação ocorre por meio de relato de ato de fala, o conteúdo não é relatado, mas apenas o ato de fala.

Há também as afirmações modalizadas (epistêmicas e deônticas). A modalidade “é um recurso interpessoal utilizado para expressar significados relacionados ao julgamento do falante em diferentes graus” (FUZER; CABRAL, 2014FUZER, Cristiane; CABRAL, Sara R. S. Introdução à Gramática Sistêmico-Funcional em Língua Portuguesa. Campinas: Mercado de Letras, 2014., p. 114). Acerca das afirmações não modalizadas, podemos dizer que essas não deixam espaço para outras possibilidades (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003.). Elas não tratam, necessariamente, de significados compartilhados com poder de uniformização. No Quadro 1, a seguir, apresentamos exemplos dos tipos mais dialógicos de intertextualidade, retirados do corpus.

Quadro 1
Exemplos dos tipos mais dialógicos de intertextualidade

Quanto às pressuposições, tipo menos dialógico de intertextualidade, as existenciais dizem respeito ao que existe; já as proposicionais falam sobre o que é, pode ser ou será; por fim, as de valor dizem respeito ao que é bom ou desejável. Fairclough (2003)FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003. aponta que as pressuposições podem ser identificadas nos textos a partir de algumas pistas linguísticas, como artigos definidos ou demonstrativos, no caso das existenciais. No entanto, isso não é obrigatório. No quadro 2, a seguir, apresentamos alguns exemplos desses tipos de pressuposição retirados do corpus.

Quadro 2
Exemplos dos tipos menos dialógicos de intertextualidade

De acordo com Fairclough (2003, p. 58, tradução nossa)FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., as pressuposições estão relacionadas às questões de hegemonia e manutenção da dominação, dado que “buscar hegemonia é uma questão de procurar universalizar significados particulares a serviço de alcançar e manter domínio, e este é um trabalho ideológico”. Portanto, elas detêm um poder homogeneizador, diminuindo a dialogicidade, enquanto desempenham um papel de manutenção do discurso dominante. Fairclough (2003, p. 55, tradução nossa)FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003. explica que “todas as formas de comunhão, comunidade e solidariedade dependem de significados compartilhados e podem ser tomados como dados, e nenhuma forma de comunicação social ou a interação é concebível sem esse ‘terreno comum’”. Porém, para ele, a capacidade de estabelecer o campo comum remete a um poder social, da dominação e hegemonia.

Nossa segunda classificação analítica é a atribuição, relacionada à identificação da fonte do texto/voz incluído. Destacamos que nem sempre a intertextualidade é atribuída. Geralmente, citações diretas, indiretas e relatos de ato de fala são acompanhados por atribuição da fonte; por outro lado, as pressuposições quase nunca têm atribuição (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003.). Ademais, o autor apresenta-nos a possibilidade de a intertextualidade ser atribuída vagamente ou de forma imprecisa, como neste trecho retirado do nosso corpus: “‘A única forma de aborto legal é a camisinha ou a pílula’, diz a atendente da maternidade do Hospital das Clínicas de Botucatu (SP)” (FERREIRA; SILVA, 2020FERREIA, Letícia; SILVA, Vitória R. Só 55% dos hospitais que faziam aborto legal seguem atendendo na pandemia. Revista AzMina, 02 jun. 2020, Saúde e Sexo. Disponível em: https://azmina.com.br/reportagens/so-55-dos-hospitais-que-faziam-aborto-legal-seguem-atendendo-na-pandemia/. Acesso em: 11 jun. 2021.
https://azmina.com.br/reportagens/so-55-...
, p. 1, destaque nosso).

Por fim, no que diz respeito à orientação para a diferença, ela está interligada à dialogicidade e a como os falantes/escritores se relacionam com seus ouvintes/leitores. Fairclough (2003, p. 42, tradução nossa)FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003. explica que “todos os textos são direcionados, têm destinatários e leitores específicos, e assumem ou antecipam diferenças entre o ‘autor’ e o destinatário” e que a orientação para a diferença “pode ser entendida como uma questão da dinâmica da própria interação” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 3, tradução nossa). O autor diferencia cinco cenários, apresentadas no quadro 3, a seguir:

Quadro 3
Orientação para a diferença

Com relação à categoria interdiscursividade, contemplada em nossa análise, Fairclough (2003, p. 3, tradução nossa)FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003. salienta que “a análise de texto é vista não só como análise linguística; ela também inclui o que ele chama de ‘análise interdiscursiva’, isto é, ver os textos em termos dos diferentes discursos, gêneros e estilos nos quais se baseiam e os quais articulam”. Ele explica que os discursos, os gêneros e os estilos são tanto elementos textuais quanto sociais e que, “nos textos, eles são organizados juntos em relações interdiscursivas; relações nas quais diferentes gêneros, discursos e estilos podem ser ‘misturados’, articulados e texturizados juntos de modos particulares” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 37, tradução nossa). O autor vê “essa característica interdiscursiva dos textos como realizada em traços semânticos, gramaticais e lexicais (vocabulares) em vários níveis da organização do texto” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 67, tradução nossa).

Para ele, a análise interdiscursiva dos textos é voltada em parte para a identificação de quais discursos são articulados e de como eles são articulados. E “Como identificamos os diferentes discursos no texto?” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 129, tradução nossa). Para responder ao questionamento, o autor indica que “podemos pensar no discurso como (a) representando uma parte específica do mundo e (b) representando-o de uma perspectiva particular” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 129, tradução nossa) e, correspondentemente, na análise textual, podemos realizar observações com base em duas possibilidades: “1. Identificar as principais partes do mundo (incluindo áreas da vida social) que estão representadas - os principais ‘temas’; 2. Identificar a perspectiva ou ângulo específico ou ponto de vista a partir do qual eles são representados” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 129, tradução nossa).

Segundo Fairclough (2003)FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., há várias características linguísticas que podem ser vistas como realizando um discurso e essas características nos possibilitam especificar modos de representar. O vocabulário é apontado pelo autor como sendo um traço distintivo mais óbvio de um discurso, uma vez que os discursos ‘lexicalizam’ o mundo de modos particulares. Para ele, é importante “focar em como os diferentes discursos estruturam o mundo de maneira diferente, portanto, nas relações semânticas entre as palavras” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 129, tradução nossa). Fairclough argumenta que diferentes discursos podem usar as mesmas palavras, mas de forma diferente. Como ele exemplifica, tanto os discursos neoliberais quanto os ‘antiglobalização’ usam ‘globalização’, e é somente focalizando as relações semânticas que se pode identificar as diferenças entre os discursos.

Fairclough (2003, p. 131, tradução nossa)FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003. explica que uma maneira de apontar a “diferença relacional é olhar para colocações, padrões de co-ocorrência de palavras em textos”, ou seja, “simplesmente olhando para que outras palavras precedem e sucedem com mais frequência qualquer palavra que esteja em foco”. Nesse sentido, a análise de padrões de vocabulário observados pode indicar discursos específicos.

3. O caminho metodológico: corpus e categorias análise

A pesquisa da qual este artigo é parte tem caráter qualitativo descritivo-interpretativista. É qualitativo porque, além de se preocupar com o aprofundamento de uma questão, “preocupa-se [...] com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais” (SILVEIRA; CÓRDOVA, 1999SILVEIRA, Denise T.; CÓRDOVA, Fernanda P. A pesquisa científica. In: GERHARDT, Tatiana E.; SILVEIRA, Denise T. (Orgs.). Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. p. 31-41., p. 31). Também é descritivo-interpretativista, porque não só descreve os textos e os modos como a avaliação é realizada nesses textos, como também se propõe a

Examinar uma grande variedade de aspectos do processo social, como o tecido social da vida diária, o significado das experiências e o imaginário dos participantes da pesquisa; a forma como se articulam os processos sociais, as instituições, os discursos e as relações sociais, e os significados que produzem (MAGALHÃES; MARTINS; RESENDE, 2017MAGALHÃES, Izabel; MARTINS, André R.; RESENDE, Viviane M. Análise de Discurso Crítica: um método de pesquisa qualitativa. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2017., p. 25).

Em relação aos procedimentos, caracteriza-se como documental (SILVEIRA; CÓRDOVA, 1999SILVEIRA, Denise T.; CÓRDOVA, Fernanda P. A pesquisa científica. In: GERHARDT, Tatiana E.; SILVEIRA, Denise T. (Orgs.). Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. p. 31-41.), pois é realizada a partir de documentos que, de acordo com Gerhardt et al. (2009, p. 69)GERHARDT, Tatiana E. et al. Estrutura do projeto de pesquisa. In: GERHARDT, Tatiana. E.; SILVEIRA, D. T. (Orgs.). Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. p. 65-88., são tipificados no grupo de fontes primárias (ou de primeira mão). Os documentos desse grupo são “os que não receberam qualquer tratamento analítico”, como os textos de jornais.

O corpus pesquisado é composto pelas sete reportagens sobre aborto publicadas na revista online Revista AzMina nos anos de 2019 e 2020, coletadas para análise em junho de 2021. Para a coleta, utilizamos os mecanismos de pesquisa do próprio site. Para a inclusão dos textos no corpus adotamos os seguintes critérios: estar no período temporal especificado; ter como foco a prática social de aborto induzido; tratar sobre o Brasil ou sobre a população brasileira; ser reportagem.

Selecionamos a Revista AzMina para estudo, pois em seu projeto editorial, a empresa afirma buscar “promover a equidade de gênero por meio da informação e da educação, considerando especificidades de raças, classe e orientação sexual” (REVISTA AZMINA, [s.d.]). No site é explicado que a AzMina é uma instituição sem fins lucrativos “que combate os diversos tipos de violência que atingem mulheres brasileiras” (REVISTA AZMINA, [s.d.]REVISTA AZMINA. Disponível em: https://azmina.com.br/. Acesso em: 10 jun. 2021.
https://azmina.com.br/...
). Fazem parte dos produtos desta instituição uma revista digital, um aplicativo de enfrentamento à violência doméstica, além de serviços de campanhas, palestras, eventos e consultorias. Além disso, fica publicizado que o conteúdo produzido é de viés feminista e gratuito. Para a AzMina, “informação é um direito essencial e, por isso, o conteúdo d’AzMina é aberto e gratuito para todas e todos, para que ela chegue principalmente em quem mais precisa dela, mas que não necessariamente pode pagar por isso. Nossa luta também é contra a desinformação” (REVISTA AZMINA, [s.d.]REVISTA AZMINA. Disponível em: https://azmina.com.br/. Acesso em: 10 jun. 2021.
https://azmina.com.br/...
). Os conteúdos da instituição são caracterizados como livres de direitos autorais, desde que apresentados com a autoria e não podem ser comercializados. Outras instituições e empresas que contribuem com a Revista AzMina são: mamaCash, Open Society Fundations, Mattos Filho Advogados, Fondo de Mujeres del Sur, Plurix, Colletivo, Google News Iniciative. As páginas da AzMina têm mais de 100mil seguidores no Facebook e Instagram.

Enquanto veículo de comunicação, a AzMina pode ser classificada como um veículo independente e alternativo. O jornalismo independente é assim classificado por sua independência econômica dos modelos tradicionais de financiamento de jornais e revistas (LACERDA, 2016LACERDA, Daniela. O jornalismo digital no Brasil e a busca da identidade perdida. 2016. 121 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016.). Além disso, a AzMina também pode ser classificada como alternativa que é caracterizada “por sua contestação ao status quo, por ter um posicionamento ideológico explícito e ser porta-voz dos excluídos socialmente” (MENEZES, 2010MENEZES, Antonio S. Jornalismo de resistência: apropriação das estratégias discursivas do campo midiático pela revista sem terra. 2010. 155 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010., p. 61). O termo alternativo remete “no contexto brasileiro, às publicações que surgiram a partir dos anos 1960, durante a ditadura militar”, no entanto “observa-se a permanência da sua validade, mesmo diante de especificidades que caracterizam as novas formas de comunicação dos grupos e movimentos sociais” (WOITOWICZ, PEDRO, 2010WOITOWICZ, Karina Janz; PEDRO, Joana Maria. Feminismo e ativismo midiático: o jornalismo como estratégia de ação política. In: Fazendo Gênero: Diásporas, Diversidades, Deslocamentos, 9, 2010, Florianópolis. Anais...Florianópolis, SC: Universidade Federal de Santa Catarina, 2010., p. 2). Atualmente, a mídia alternativa não diz respeito somente à oposição política, mas também a outras expressões de grupos sociais que buscam manifestar ideias e lutas sociais por meio da comunicação. A tomada de posição é um importante aspecto do jornalismo alternativo, pois se reflete nas escolhas de pauta, nos direcionamentos dos textos, na política editorial e no funcionamento da empresa. A Revista AzMina ilustra bem todas essas questões.

Na análise, identificamos as reportagens por código e, no quadro 4, a seguir, apresentamos o código do texto, título, autoria e a data de publicação.

Quadro 4
Reportagens da Revista AzMina

A realização da análise foi organizada em quatro etapas. Primeiro, fizemos a leitura das reportagens selecionadas buscando entender os textos de forma geral. Em seguida, relemos as matérias buscando os textos, vozes e discursos acionados pelas jornalistas na construção de suas reportagens, com o objetivo de perceber as representações construídas e quais recursos linguístico-discursivos as indicavam. Realizamos esta etapa com o auxílio do software UAM Corpus Tool (O’DONNELL, 2019O’DONNELL, Mick. UAM Corpus Tool. Versão 3.3, 2019. Disponível em: http://www.corpustool.com/download.html. Acesso em:10 jan. 2020.
http://www.corpustool.com/download.html...
) com a etiquetagem das categorias intertextualidade e interdiscursividade. O programa permite a personalização de esquemas para a análise de textos. Após esse momento, selecionamos as sequências discursivas (SD) mais pertinentes para a análise. Por fim, discorremos de forma mais aprofundada sobre as representações observadas e realizamos algumas indicações de possíveis padrões nos textos da Revista AzMina.

4. Representações discursivas do aborto e das mulheres que abortaram construídas na Revista AzMina

A presente seção está organizada da seguinte forma: primeiro discorremos sobre os principais temas representados nas reportagens analisadas; em seguida, discutimos os resultados das análises de intertextualidade e interdiscursividade de forma geral; depois, passamos para a análise de sequências discursivas representativas do corpus, selecionadas de acordo com o que os dados nos guiaram, nas quais investigamos os discursos articulados nas reportagens e analisamos quais representações são construídas do aborto e das mulheres que o praticaram.

A reportagem Como é feito um aborto seguro? (RA01) apresenta as formas de realização do abortamento seguro, de acordo com as indicações da Organização Mundial de Saúde (OMS), nos casos e lugares onde ele é legal. O discurso médico é predominante neste texto. Apesar de não trazer fatos polêmicos em si, a reportagem repercutiu após ser denunciada por apologia ao crime pela Ministra Damares Alves do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). A reportagem Aborto legal: entenda quando é permitido interromper a gravidez no Brasil (RA04) segue o estilo informativo da RA01. O texto fornece informações sobre o direito das mulheres ao aborto legal, no Brasil, a partir de um ponto de vista legal. O discurso jurídico predomina na RA04.

Três das reportagens analisadas tratam da intersecção entre pandemia e aborto e todas elas efetuam alguma forma de denúncia, a saber: Principal hospital de aborto legal de SP interrompe o serviço na pandemia (RA02) aborda os impactos da pandemia no funcionamento do maior serviço de aborto legal do país; em Elas iam abortar fora do Brasil, mas a pandemia impediu (RA03), discute-se o impacto do fechamento de fronteiras na vida de mulheres que se planejaram para buscar o abortamento legal em outros países; a Só 55% dos hospitais que faziam aborto legal seguem atendendo na pandemia (RA05) dá continuidade à pauta da RA02, mas aborda a questão de maneira ampla, tratando a regressão da disponibilidade do serviço em todo o país.

Em Só um PL propôs a descriminalização do aborto no Brasil na última década (RA06) a jornalista aborda o tema do aborto a partir de sua faceta política. Assim, fala sobre os atores sociais do Poder Legislativo e apresenta os projetos de lei sobre aborto apresentadas no Congresso nos últimos 10 anos. Por fim, a reportagem Tortura em nome de Deus? Justiça condena padre por impedir aborto legal (RA07) aborda a resolução do processo de Tatielle Gomes contra o padre Luiz Carlos Lodi no STF, que terminou com a condenação do padre e determinação de um valor de indenização. Em 2005, Tatielle teve um aborto legal interrompido, no meio do procedimento, por um habeas corpus que a justiça havia concedido ao padre.

Na leitura das reportagens, observamos três agrupamentos de vozes e textos acionados pela revista quanto a seu posicionamento, são eles: o antiaborto ou antidireitos reprodutivos; o pró-direitos reprodutivos; e o não claro. Essa classificação surgiu de forma espontânea durante a leitura, pois notamos quão expressivos eram os dois primeiros posicionamentos para a análise discursiva da recontextualização da prática de aborto em textos jornalísticos. Na análise, tomamos como pró-direitos, textos e vozes que se posicionaram claramente nas reportagens pela manutenção das garantias de aborto legal já existentes e/ou atores sociais que atuam e discursam pela descriminalização e legalização da prática de aborto induzido sob pedido da mulher. Já os antiaborto são posicionamentos contra o abortamento em qualquer situação e defendem mais restrições ao aborto. Os textos e vozes com posicionamento não claro foram assim classificados por não exprimirem nenhuma opinião sobre o aborto.

A revista garante muito espaço para os textos e vozes que se posicionam discursivamente como pró-direitos reprodutivos. Elas correspondem a 26 articulações por discurso direto (DD), 19 por discurso indireto (DI) e 1 relato de ato de fala (RAF). A predominância desse posicionamento não é uma surpresa, principalmente quando relembramos o posicionamento da Revista AzMina como veículo feminista. As vozes e textos com o posicionamento antiaborto totalizam cinco articulações por discurso direto – todos de vozes governamentais – e três em discurso indireto. Das diretas, três pertencem a uma mesma reportagem e criam um padrão de intertextualidade vagamente atribuída, utilizada como um recurso retórico da jornalista, que busca provocar nos leitores a indignação. Já as vozes e textos com posicionamento não claro são incluídas por meio do discurso indireto com 17 ocorrências.

Notamos que esses dados – que revelam que fontes com posicionamento claro são articuladas por discurso direto e indireto; enquanto as fontes sem um posicionamento claro sobre a temática reportada são articuladas por meio de discurso indireto – podem apontar para o funcionamento da prática social jornalística como um todo.

Destacamos que a Revista AzMina se preocupa em trazer como fontes jornalísticas pessoas com relatos de experiência para seus textos, dessa forma, as mulheres e seus companheiros, são acionados e suas vozes exploradas. No entanto, esse movimento no corpus aconteceu apenas em três das sete reportagens analisadas, nas RA01, RA03 e RA07. É importante ressaltar que, quando a reportagem inclui as mulheres que abortaram, a narrativa acontece toda a partir delas; e, se suas histórias fossem suprimidas, deixariam o texto carente de coesão e valor jornalístico.

Na sequência discursiva (SD), a seguir, há a voz da pesquisadora e fundadora do Instituto Anis de Bioética Débora Diniz articulada, na RA06, por meio de discurso direto e indireto.

SD 01: “Para ir ao STF precisamos ter a violação de direitos fundamentais, que nesse caso são o direito das mulheres se manterem vivas, a dignidade da pessoa humana, o direito de se autodeterminar. Temos claramente uma violação”, explica Debora. Há, no entanto, segundo ela, uma desesperança das mulheres seguirem esse caminho, já que ele leva tempo, e na gravidez esse tempo é insuficiente. “A corte é um caminho legítimo, mas acaba não sendo concreto por causa disso”. (RA06)

SD 01: “Para ir ao STF precisamos ter a violação de direitos fundamentais, que nesse caso são o direito das mulheres se manterem vivas, a dignidade da pessoa humana, o direito de se autodeterminar. Temos claramente uma violação”, explica Debora. Há, no entanto, segundo ela, uma desesperança das mulheres seguirem esse caminho, já que ele leva tempo, e na gravidez esse tempo é insuficiente. “A corte é um caminho legítimo, mas acaba não sendo concreto por causa disso”. (RA06)

A voz de Débora é articulada na matéria para trazer a explicação de como a descriminalização do aborto poderia acontecer através do Poder Judiciário. No trecho, ela articula o discurso jurídico aos discursos feminista e pró-direitos, representando a mulher como alguém que tem seus direitos violados, como podemos perceber quando ela elenca os direitos que são negados às mulheres brasileiras pela criminalização da prática: direito das mulheres a se manterem vivas, à dignidade da pessoa humana, direito de se autodeterminar. A caracterização dessas violações permite-nos entender que Débora representa o aborto como uma escolha e como algo que permite a autodeterminação.

Na SD 02 SD 02: “O B.O. não é uma prerrogativa. Aqui é um serviço de saúde, não de justiça. Nós trabalhamos de acordo com a norma técnica do Ministério da Saúde e ela não pede boletim de ocorrência. O que a mulher traz como história de vida é a verdade. O que a permite entrar no protocolo são as datas dos acontecimentos e os exames; então a equipe avalia se caso se encaixa no protocolo”. (RA05) , em seguida, há a voz de Sandra Leite, coordenadora do Centro de Atenção à Mulher Vítima de Violência Sony Santos parte da RA05.

SD 02: “O B.O. não é uma prerrogativa. Aqui é um serviço de saúde, não de justiça. Nós trabalhamos de acordo com a norma técnica do Ministério da Saúde e ela não pede boletim de ocorrência. O que a mulher traz como história de vida é a verdade. O que a permite entrar no protocolo são as datas dos acontecimentos e os exames; então a equipe avalia se caso se encaixa no protocolo”. (RA05)

Sandra articula o discurso médico, o administrativo e o pró-direitos reprodutivos e sua fala representa a mulher como honesta “O que a mulher traz como história de vida é a verdade” e o aborto como procedimento médico. Essas representações resistem ao discurso hegemônico, do qual podemos ver suas repercussões nos dados que demonstram que mais de 40% afirmaram usar da objeção de consciência quando duvidavam de que a mulher estivesse dizendo a verdade (DINIZ; MADEIRO; ROSAS, 2014DINIZ, Débora; MADEIRO, Alberto; ROSAS, Cristião. Conscientious Objection, Barriers, and Abortion in the Case of Rape: A Study Among Physicians in Brazil. Reproductive Health Matters, v. 22, n. 43, p. 141-148, 2014. DOI: https://doi.org/10.1016/S0968-8080(14)43754-6
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).

Na SD 03 SD 03: “É importante que a mulher seja informada do que está dentro da lei e como o procedimento deve ocorrer. Ela tem direito a ter acesso ao prontuário médico, caso receba uma recusa, para conseguir avaliar e levar até a defensoria, caso seja necessário”, explica Paula. (RA04) , temos a voz de Paula Sant’Anna Machado de Souza, coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) da Defensoria Pública de São Paulo e representante do poder judiciário.

SD 03: “É importante que a mulher seja informada do que está dentro da lei e como o procedimento deve ocorrer. Ela tem direito a ter acesso ao prontuário médico, caso receba uma recusa, para conseguir avaliar e levar até a defensoria, caso seja necessário”, explica Paula. (RA04)

Paula articula o discurso pró-direitos reprodutivos ao discurso jurídico. Para ela, a mulher é um sujeito de direitos, que deve ser informada de todos os procedimentos legais. A reportagem da qual faz parte é uma espécie de gênero híbrido, tendo seus objetivos e forma de escrita mais associado a uma cartilha de orientações. No texto, voltado para mulheres que sofreram ou podem vir a sofrer uma violência sexual, são detalhadas questões legais que devem ser respeitadas no atendimento a essas pessoas. Paula é a única pessoa entrevistada em todo o texto e sua voz aparece mais vezes articulada por discurso indireto do que direto. Esse recurso causa uma mistura, não sabemos se quem fala algo é a fonte ou a própria jornalista. Em geral, as vozes governamentais, embora sejam as mais presentes em quantidade, aparecem dessa forma na AzMina. As falas articuladas por discurso indireto acabam carregando pouco destaque no esquema geral dos textos. Essa prática contribui para a inversão da lógica dominante no jornalismo, em que o valor notícia (TRAQUINA, 2005TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo. Volume II - A tribo jornalística: uma comunidade interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular, 2005.) está primeiramente associado aos atores sociais representantes do poder hegemônico.

Na SD 04 SD 04: A enfermeira e epidemiologista Emanuelle Goes estudou como é o atendimento às mulheres que buscam atendimento pós abortamento nos serviços de saúde. “Independentemente do tipo de aborto, elas são maltratadas, passavam por dificuldade no atendimento. Meu estudo fez uma observação entre mulheres negras e brancas e mesmo sendo o aborto um estigma que atinge todas as mulheres, atinge de forma mais potente as mulheres negras, sobretudo as pretas”, conta. (RA01) , a fala de Emanuelle Goes é incluída através de discurso direito. No trecho, ela articula o discurso médico-científico aos discursos feminista e pró-direitos, além de incluir o discurso antirracista ao fazer o recorte de raça em sua fala.

SD 04: A enfermeira e epidemiologista Emanuelle Goes estudou como é o atendimento às mulheres que buscam atendimento pós abortamento nos serviços de saúde. “Independentemente do tipo de aborto, elas são maltratadas, passavam por dificuldade no atendimento. Meu estudo fez uma observação entre mulheres negras e brancas e mesmo sendo o aborto um estigma que atinge todas as mulheres, atinge de forma mais potente as mulheres negras, sobretudo as pretas”, conta. (RA01)

Percebemos que Goes representa o aborto como estigma que atinge sobretudo as pretas, além disso, ao utilizar o processo atingir ela reforça a representação das mulheres que abortaram como vítimas vulneráveis de uma ação negativa nos serviços de atendimento pós-aborto. Há também a representação das mulheres que abortaram como maltratadas, como quem passou por dificuldade no atendimento, em “Independentemente do tipo de aborto, elas são maltratadas, passavam por dificuldade no atendimento”. Virgilio e Gelbes (2021, p. 960, tradução nossa)VIRGILIO, Bianca di; GELBES, Silvia Ramirez. Víctimas o filicidas: La mujer que aborta y el debate parlamentario argentino. Discurso & Sociedad, v. 15, n. 4, p. 950-983, 2021. observaram em sua análise sobre o discurso pró-direitos, o qual elas nomeiam proLIVE , que “A combinação desses atributos recorrentes [criminalizada, estigmatizada, desprotegida e vulnerável] traz a representação da mulher que aborta para a de uma vítima impotente e vulnerável de um sistema que pune sua decisão com perseguição e morte”.

A SD 05 SD 05: Conhecido como stealthing, o ato de tirar o preservativo sem consentimento da mulher é considerado violência sexual e, portanto, é crime no Brasil. Com posse dessa nova informação, Cristina soube então que sua gestação era resultante de uma violência sexual e, portanto, tinha direito ao aborto dentro da lei no Brasil. Procurou então o serviço do SUS e conseguiu interromper a gestação. Apesar de ser um direito, o acesso ao aborto dentro da lei nem sempre é garantido. (RA03) é parte do texto da reportagem 3, de autoria das jornalistas Letícia Ferreira e Vitória Régia da Silva. Elas recorrem ao discurso pró-direitos reprodutivos e ao discurso jurídico e articulam o texto da lei, mesmo sem retomá-la explicitamente.

SD 05: Conhecido como stealthing, o ato de tirar o preservativo sem consentimento da mulher é considerado violência sexual e, portanto, é crime no Brasil. Com posse dessa nova informação, Cristina soube então que sua gestação era resultante de uma violência sexual e, portanto, tinha direito ao aborto dentro da lei no Brasil. Procurou então o serviço do SUS e conseguiu interromper a gestação. Apesar de ser um direito, o acesso ao aborto dentro da lei nem sempre é garantido. (RA03)

O discurso jurídico é identificado a partir do léxico específico: crime, violência sexual, direito, dentro da lei. As jornalistas representam o aborto como direito que nem sempre é garantido, especialmente ligado aos direitos de mulheres em situação de violência. Interessante notar que a AzMina sempre demarca por meio de circunstância de lugar o país e o conjunto de leis sobre o qual fala (no Brasil). Em outras reportagens, como a RA03, a revista retoma as leis de vários países, sempre destacando por circunstância de lugar sobre onde fala.

Cristina é uma entre várias mulheres que buscavam, com a ajuda de uma organização feminista, o acesso ao abortamento em outro país da América Latina onde este fosse legalizado. Antes da inclusão da citação direta de sua fala, Cristina é caracterizada pela autora da reportagem, na SD 06 SD 06: Mãe solo, recém-formada e cheia de planos para construir um futuro melhor para si e para a filha, Cristina*, 28 anos, ficou em choque e sem saber o que fazer quando soube que estava grávida. Evangélica, ela era completamente contra o aborto. (RA03) SD 07: “Estive no lugar de tantas outras mulheres e senti o peso dessa situação, as negações, as frustrações, o desespero, a depressão, o isolamento, a solidão. Isso me fez repensar. Então pedi a Deus que me ajudasse, sem colocar minha vida em risco.” [...] “A sensação de impotência, de não ter escolha sobre seu próprio futuro, de não ser respeitada… Pelo contrário, alguns acusam, julgam, apontam como se o futuro fosse deles, como se eles fossem abrir mão de algo, isso é tão frustrante”. (RA03) , como mãe solo, uma recém-formada e como alguém cheia de planos; esses atributos imputados a ela nos permitem perceber que a jornalista a representa como uma mulher batalhadora. Além disso, Cristina também é representada como uma mulher evangélica, e como alguém que passou por uma mudança percebida em: ela era completamente contra o aborto. O processo relacional ser no passado evidencia isso.

SD 06: Mãe solo, recém-formada e cheia de planos para construir um futuro melhor para si e para a filha, Cristina*, 28 anos, ficou em choque e sem saber o que fazer quando soube que estava grávida. Evangélica, ela era completamente contra o aborto. (RA03)

SD 07: “Estive no lugar de tantas outras mulheres e senti o peso dessa situação, as negações, as frustrações, o desespero, a depressão, o isolamento, a solidão. Isso me fez repensar. Então pedi a Deus que me ajudasse, sem colocar minha vida em risco.” [...] “A sensação de impotência, de não ter escolha sobre seu próprio futuro, de não ser respeitada… Pelo contrário, alguns acusam, julgam, apontam como se o futuro fosse deles, como se eles fossem abrir mão de algo, isso é tão frustrante”. (RA03)

Na SD07 SD 06: Mãe solo, recém-formada e cheia de planos para construir um futuro melhor para si e para a filha, Cristina*, 28 anos, ficou em choque e sem saber o que fazer quando soube que estava grávida. Evangélica, ela era completamente contra o aborto. (RA03) SD 07: “Estive no lugar de tantas outras mulheres e senti o peso dessa situação, as negações, as frustrações, o desespero, a depressão, o isolamento, a solidão. Isso me fez repensar. Então pedi a Deus que me ajudasse, sem colocar minha vida em risco.” [...] “A sensação de impotência, de não ter escolha sobre seu próprio futuro, de não ser respeitada… Pelo contrário, alguns acusam, julgam, apontam como se o futuro fosse deles, como se eles fossem abrir mão de algo, isso é tão frustrante”. (RA03) , observamos a articulação do discurso religioso (pedi a Deus) ao discurso pró-direitos reprodutivos ao relatar sua experiência. Cristina se representa como uma mulher sofredora, como notamos em “senti o peso dessa situação, as negações, as frustrações, o desespero, a depressão, o isolamento, a solidão”; e também como uma mulher que é julgada “alguns acusam, julgam, apontam como se o futuro fosse deles”. Além disso, por meio de negações “não ter escolha sobre seu próprio futuro, de não ser respeitada”, ela constrói uma representação implícita do aborto como algo capaz de lhe fornecer direito sobre sua própria vida e o respeito quanto às suas decisões.

Já a SD 08 SD 08: “Eu estava numa forma que custava até andar. Mas andava de ônibus, duas vezes por semana indo ao hospital, para conseguir ao menos tentar salvar a minha vida, já que a do feto não tinha condição”. [...] “Você podia pegar um balde, que era um sangue vivinho, vivinho assim. Passando mal mesmo. E eu ia ao hospital, mas o médico não podia pôr a mão, porque estava em ordem de justiça”, conta. [...] como o previsto, o bebê sobreviveu por pouco mais de uma hora. “Eu acho que nasceu foi por Deus, porque por eles [os médicos], eu tinha morrido”. (RA07) faz parte de uma reportagem que conta detalhadamente a história de Tatielle Gomes. Em 2005, com 19 anos, ela teve uma gravidez em que o feto apresentou a síndrome de body stalk; neste caso a vida fetal era impossível e seguir com a gravidez oferecia risco a vida dela. A reportagem reconta uma história de 15 anos antes, quando Tatielle e seu marido José Ricardo Dias foram orientados a buscar na justiça a permissão para a interrupção da gestação, que conseguiram após a apresentação de sete laudos médicos comprovando a condição. Quando o procedimento já estava em andamento, o hospital recebeu uma decisão judicial que concedia ao padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, um habeas corpus em nome do nascituro. Tatielle foi enviada para casa e teve que seguir com a gravidez até o fim. A SD 08 SD 08: “Eu estava numa forma que custava até andar. Mas andava de ônibus, duas vezes por semana indo ao hospital, para conseguir ao menos tentar salvar a minha vida, já que a do feto não tinha condição”. [...] “Você podia pegar um balde, que era um sangue vivinho, vivinho assim. Passando mal mesmo. E eu ia ao hospital, mas o médico não podia pôr a mão, porque estava em ordem de justiça”, conta. [...] como o previsto, o bebê sobreviveu por pouco mais de uma hora. “Eu acho que nasceu foi por Deus, porque por eles [os médicos], eu tinha morrido”. (RA07) , a seguir, traz trechos da fala dela por citação direta.

SD 08: “Eu estava numa forma que custava até andar. Mas andava de ônibus, duas vezes por semana indo ao hospital, para conseguir ao menos tentar salvar a minha vida, já que a do feto não tinha condição”. [...] “Você podia pegar um balde, que era um sangue vivinho, vivinho assim. Passando mal mesmo. E eu ia ao hospital, mas o médico não podia pôr a mão, porque estava em ordem de justiça”, conta. [...] como o previsto, o bebê sobreviveu por pouco mais de uma hora. “Eu acho que nasceu foi por Deus, porque por eles [os médicos], eu tinha morrido”. (RA07)

Na sequência discursiva, notamos que Tatielle, assim como Cristina, se representa como uma mulher sofredora. Nas palavras dela: “custava até andar”, “um sangue vivinho”, “Passando mal mesmo”. Ela também se representa como uma mulher que luta por sua própria sobrevivência, como em: “para conseguir ao menos tentar salvar a minha vida”. Consequentemente, ela representa o aborto como vida, insurgindo contra a representação hegemônica da prática que a associa com morte. Essas duas representações não são mutuamente excludentes, Virgilio e Gelbes (2021, p. 972, tradução nossa)VIRGILIO, Bianca di; GELBES, Silvia Ramirez. Víctimas o filicidas: La mujer que aborta y el debate parlamentario argentino. Discurso & Sociedad, v. 15, n. 4, p. 950-983, 2021. observam o mesmo em suas análises. Sobre isso elas comentam que no discurso pró-direitos reprodutivos

Encontramos uma mulher que aborta que tem nome, família, central para a discussão, com um direito inalienável de abortar e com uma agência ambivalente. Ela é representada como um ator que toma decisões, mas por essas mesmas decisões ela é vitimada e punida, e as consequências dessa vitimização e dessa punição variam dependendo de sua situação socioeconômica.

O trecho “o médico não podia pôr a mão, porque estava em ordem de justiça” (SD 08 SD 08: “Eu estava numa forma que custava até andar. Mas andava de ônibus, duas vezes por semana indo ao hospital, para conseguir ao menos tentar salvar a minha vida, já que a do feto não tinha condição”. [...] “Você podia pegar um balde, que era um sangue vivinho, vivinho assim. Passando mal mesmo. E eu ia ao hospital, mas o médico não podia pôr a mão, porque estava em ordem de justiça”, conta. [...] como o previsto, o bebê sobreviveu por pouco mais de uma hora. “Eu acho que nasceu foi por Deus, porque por eles [os médicos], eu tinha morrido”. (RA07) ) aponta para outra representação que Tatielle tem de si mesma. Ela se representa como alguém que tem o corpo público, ou seja, alguém que as decisões sobre sua própria sobrevivência pertencem ao Estado. Nesse sentido, podemos depreender a representação do aborto enquanto campo de disputa jurídica, ele ora é legal, ora ilegal e depende completamente de decisões que vão além das que as próprias mulheres podem tomar.

5. Considerações

Neste artigo, buscamos compreender como a prática social de aborto e as mulheres que abortaram são representadas discursivamente em reportagens da Revista AzMina e por quais recursos linguístico-discursivos essas representações são materializadas. Percebemos que a prática social de aborto é representada como: uma escolha, algo ligado à autodeterminação, um procedimento médico, um estigma, algo que permite a vida e campo de disputa. Já as mulheres são representadas como: alguém que tem seus direitos violados, honestas, sujeito de direitos, vítimas, maltratadas, sofredoras e batalhadoras. Percebemos que mesmo as representações negativas sobre as mulheres acontecem à luz da defesa de seus direitos.

A Revista AzMina situa discursivamente o tema aborto na realidade das mulheres. Suas reportagens visam ora a orientação sobre seus direitos, ora a humanização da temática ao apresentá-la a partir de vozes de mulheres envolvidas nessa prática. Diante disso, é importante destacarmos que o jornalismo não é uma profissão com fronteiras estabelecidas e o jornalista atua nas relações entre as práticas e instituições sociais. Dessa forma, tecer a narrativa do presente perpassa pela recontextualização de recortes das práticas, pensados para representar essas práticas a partir do ponto de vista particular de cada veículo de comunicação. Com isso, a articulação de vozes hegemônicas ou insurgentes nas reportagens analisadas serve ao projeto editorial de cada veículo. Na AzMina, mesmo com a predominância de vozes governamentais, há uma percepção do tema como de interesse da população, especialmente de interesse das mulheres, visto que se propõe a realizar um jornalismo feminista.

Entendemos que a prática jornalística fundamenta, em maior ou menor grau, as representações do aborto e das mulheres que abortaram que circulam socialmente, visto que é nos textos mediatizados que a sociedade consegue, amplamente, acessar a recontextualização da prática de aborto. Assim, é também por meio do jornalismo, que os discursos se estabelecem como hegemônicos e, também, é nele que conseguimos observar discursos dissidentes em ascensão. Acreditamos que questionar o paradigma hegemônico da produção jornalística é necessário para a boa narrativa jornalística. Esta última deve ser centrada nas relações humanas e deve equilibrar a demanda social concreta com a informação científica.

Ressaltamos a importância de pesquisas sobre a prática social do aborto e sobre os atores sociais que dela participam no Brasil contemporâneo. Nesse sentido, defendemos que a pesquisa de materializações discursivas resultantes da recontextualização da prática de aborto nas práticas de comunicação é vital para a compreensão dos processos culturais de representação da mulher. Especial destaque deve ser conferido ao momento em que vivemos, no qual decisões governamentais concretizam retrocessos quanto aos direitos sexuais e reprodutivos arduamente conquistados nos anos passados. Nesse contexto, o jornalismo tem um papel de responsabilidade na luta contra essas decisões e a favor da garantia dos direitos humanos.

Entendemos que o recorte do estudo apresentado tem suas limitações por tomar como material de análise apenas reportagens publicadas em um único veículo em um recorte temporal de dois anos, mas acreditamos que ele pode jogar luz às representações discursivas do aborto e da mulher que já abortou construídas no jornalismo independente e ao papel desse jornalismo na sociedade. Para pesquisas posteriores, sugerimos que a prática social de aborto seja investigada por meio de estudos discursivo-etnográficos que incluam as mulheres como colaboradoras, pois são as mais impactadas por esse problema social.

Notas

  • 1
    Este trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), Brasil. Código do financiamento 001.
  • 2
    Nessa pesquisa, analisamos vinte reportagens da versão online do jornal Folha de São Paulo e sete reportagens da revista digital Revista AzMina.
  • 3
    Para Barroco (2022)BARROCO, Maria Lúcia da S. Direitos humanos, neoconservadorismo e neofascismo no Brasil contemporâneo. Serviço Social & Sociedade, n. 143, p. 12-21, 2022. DOI: https://doi.org/10.1590/0101-6628.268
    https://doi.org/10.1590/0101-6628.268...
    , o neoconservadorismo associa o conservadorismo clássico ao neoliberalismo. Além disso, o caráter neofacista do governo citado escancara-se na desumanização e na violência tomadas como virtudes políticas. Quanto à posição desse governo no espectro político, consideramos que, no Brasil e mundialmente, a extrema-direita concentra-se ao redor de premissas como nacionalismo, patriotismo, anticomunismo, antissemitismo, racismo e xenofobia (BARROCO, 2022BARROCO, Maria Lúcia da S. Direitos humanos, neoconservadorismo e neofascismo no Brasil contemporâneo. Serviço Social & Sociedade, n. 143, p. 12-21, 2022. DOI: https://doi.org/10.1590/0101-6628.268
    https://doi.org/10.1590/0101-6628.268...
    ).
  • 4
    No original: “Are represented and responded to, or conversely excluded or suppressed” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 214).
  • 5
    Para Fairclough (2001)FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Coordenação da Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001., as ordens do discurso são a dimensão social das práticas sociais ou redes de práticas, além de serem configurações específicas de gêneros, discursos e estilos.
  • 6
    No original: “If we think, for instance, of reported speech, writing or thought, it is possible not only to quote what has been said or written elsewhere, it is possible to summarize it. This is the difference between what is conventionally called ‘direct speech’ (which may quote writing and purported thoughts as well as speech – e.g. ‘She said, “I’ll be late”’) and forms of ‘indirect speech’ (e.g. ‘She said she’d be late’). The former claims to reproduce the actual words used, the latter does not; a summary may reword what was actually said or written. Reported speech, writing or thought attributes what is quoted or summarized to the persons who said or wrote or thought it. But elements of other texts may also be incorporated without attribution” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 39-40).
  • 7
    No original: “I use the general term ‘assumptions’ to include types of implicitness which are generally distinguished in the literature of linguistic pragmatics (Blakemore 1992, Levinson 1983, Verschueren 1999) as presuppositions, logical implications or entailments, and implicatures” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 40).
  • 8
    No original: “What is ‘said’ in a text is ‘said’ against a background of what is ‘unsaid’, but taken as given. As with intertextuality, assumptions connect one text to other texts, to the ‘world of texts’ as one might put it” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 40).
  • 9
    No original: “Denials imply the assertion ‘elsewhere’ of what is being denied” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 47).
  • 10
    No original: “A movement from one context to another, entailing particular transformations consequent upon how the material that is moved, recontextualized, figures within that new context” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 51).
  • 11
    No original: “Seeking hegemony is a matter of seeking to universalize particular meanings in the service of achieving and maintaining dominance, and this is ideological work” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 58).
  • 12
    No original: “All forms of fellowship, community and solidarity depend upon meanings which are shared and can be taken as given, and no form of social communication or interaction is conceivable without some such ‘common ground’” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 55).
  • 13
    No original: “All texts are addressed, have particular addressees and readers in view, and assume and anticipate differences between ‘author’ and addressees” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 42).
  • 14
    No original: “As a matter of the dynamics of the interaction itself ” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 42).
  • 15
    No original: “Text analysis is seen as not only linguistic analysis; it also includes what I have called ‘interdiscursive analysis’, that is, seeing texts in terms of the different discourses, genres and styles they draw upon and articulate” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 3).
  • 16
    No original: “In texts they are organized together in interdiscursive relations, relations in which different genres, discourses and styles may be ‘mixed’, articulated and textured together in particular ways” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 37).
  • 17
    No original: “Realized in semantic, grammatical and lexical (vocabulary) features of the text at various levels of text organization the interdiscursive character of a text (the particular mix of genres, discourses and styles) as realized” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 67).
  • 18
    No original: “How do we go about identifying different discourses within a text?” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 129).
  • 19
    No original: “We can think of a discourse as (a) representing some particular part of the world, and (b) representing it from a particular perspective” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 129).
  • 20
    No original: “(1) Identify the main parts of the world (including areas of social life) which are represented – the main ‘themes’. (2) Identify the particular perspective or angle or point of view from which they are represented” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 129).
  • 21
    No original: “On different ways of wording the same aspects of the world, it is more productive to focus on how different discourses structure the world differently, and therefore on semantic relationships between words” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 129).
  • 22
    No original “One way of getting at this relational difference is through looking at collocations, patterns of co-occurrence of words in texts, simply looking at which other words most frequently precede and follow any word which is in focus, either immediately or two, three and so on words away” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. Londres: Routledge, 2003., p. 131).
  • 23
    Todo o processo de trabalho com o software pode ser encontrado em Souza (2022)SOUZA, Bianca Mara G. de. Vozes hegemônicas e vozes insurgentes: uma análise discursiva crítica sobre a representação do aborto na mídia. 2022. 173f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2022. DOI: http://doi.org/10.14393/ufu.di.2022.61
    http://doi.org/10.14393/ufu.di.2022.61...
    , a pesquisa maior do qual este artigo é parte.
  • 24
    No original: “La combinación de estos atributos recurrentes acerca la representación de la mujer que aborta a una víctima impotente y vulnerable de un sistema que castiga su decisión con la persecución y la muerte” (VIRGILIO, GELBES, 2021VIRGILIO, Bianca di; GELBES, Silvia Ramirez. Víctimas o filicidas: La mujer que aborta y el debate parlamentario argentino. Discurso & Sociedad, v. 15, n. 4, p. 950-983, 2021., p. 960).
  • 25
    No original: “Nos encontramos con una mujer que aborta nombrada, familiar, central en la discusión, con un derecho inalienable a abortar, y con una agencia ambivalente. Es representada como un actor que toma decisiones, pero por esas mismas decisiones es victimizada y castigada, y las consecuencias de esta victimización y ese castigo varían dependiendo de su situación socioeconómica.” (VIRGILIO; GELBES, 2021VIRGILIO, Bianca di; GELBES, Silvia Ramirez. Víctimas o filicidas: La mujer que aborta y el debate parlamentario argentino. Discurso & Sociedad, v. 15, n. 4, p. 950-983, 2021., p. 972).

Referências

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    » https://doi.org/10.1590/0101-6628.268
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    » https://catarinas.info/wp-content/uploads/2018/04/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf
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    » https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.282-de-27-de-agosto-de-2020-274644814
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.561, de 23 de setembro de 2020. Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS Diário Oficial da União. Brasília, 2020b. Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.561-de-23-de-setembro-de-2020-279185796 Acesso em: 12 dez. 2022.
    » https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.561-de-23-de-setembro-de-2020-279185796
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Reportagens analisadas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2022
  • Aceito
    31 Maio 2022
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