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A divulgação científica no Brasil e na Rússia: um ensaio de análise comparativa de discursos

RESUMO

O objetivo do artigo é realizar uma análise comparativa da divulgação científica no Brasil e na Rússia. Os fundamentos teórico-metodológicos dessa comparação foram construídos na confluência entre a teoria bakhtiniana e a análise comparativa de discursos, esta presente nos trabalhos dos pesquisadores do Cediscor. A partir desses fundamentos, construímos um corpus de enunciados das edições brasileira e russa da revista Scientific American e pudemos observar, por um lado, grandes semelhanças nos gêneros artigo e reportagem de divulgação científica nas duas comunidades etno-linguísticas, e, por outro, diferenças no que concerne à relação com o discurso alheio e o uso de tempos e modos verbais.

PALAVRAS-CHAVE:
Divulgação científica; Análise comparativa de discursos; Estudos brasileiros; Estudos russos

ABSTRACT

The objective of this article is to conduct a comparative analysis of scientific popularization in Brazil and in Russia. The theoretical and methodological basis of this comparison was provided by combining Bakhtin's theory and comparative discourse analysis, present in the works of the Cediscor researchers. Based on it, we constructed a corpus of utterances of the Brazilian and Russian editions of the Scientific American magazine. As a result, we were able to observe, on the one hand, significant similarities in the genres "article" and "report of scientific popularization" in both ethno-linguistic communities, and, on the other hand, differences regarding their relation with reported speech and the use of verbal tenses and moods.

KEYWORDS:
Scientific Popularization; Comparative Discourse Analysis; Brazilian Studies; Russian Studies

Construir os alicerces de uma abordagem teórico-metodológica de inspiração bakhtiniana para a comparação de discursos em línguas e culturas distintas é a finalidade principal deste artigo. Essa tarefa será realizada por uma pesquisadora brasileira e outra russa, que têm em comum, além da formação em linguística, o fato de terem realizado pesquisas sobre divulgação ou popularização da ciência. A partir dessa trajetória de pesquisa, pretendemos empreender uma análise comparativa da divulgação científica em duas comunidades etnolinguísticas diferentes, a brasileira e a russa, tomando como objeto enunciados da revista Scientific American.

A realização dessa tarefa está organizada do seguinte modo: iniciaremos com a explicitação da pertinência da teoria bakhtiniana para uma análise comparativa de discursos; na sequência exporemos os princípios da "análise comparativa de discursos" formulada pelos pesquisadores do Cediscor (Centre de recherche sur les discours ordinaires et spécialisés - Sorbonne Nouvelle) com vistas a articularmos seus princípios aos fundamentos bakhtinianos; e finalmente realizaremos uma análise comparativa de enunciados de divulgação científica em português e em russo, com vistas a evidenciarmos a validade e a produtividade do quadro teórico proposto.

1 Fundamentos de uma análise comparativa de discursos: a teoria bakhtiniana

Uma vez que a comparação da divulgação científica no Brasil e na Rússia incidirá prioritariamente sobre as unidades da comunicação discursiva, os enunciados, precisamos primeiramente delimitar os fundamentos teóricos de nossa proposta de análise e, em segundo lugar, argumentar que ela contém elementos pertinentes para uma análise comparativa de discursos. Nossa pesquisa funda-se na metalinguística bakhtiniana que delimita como objeto de estudo as relações dialógicas no interior e entre enunciados, sendo estes unidades da comunicação discursiva compostas por elementos linguísticos e extralinguísticos. No conjunto de textos por meio dos quais essa teoria da linguagem é formulada, encontramos reiteradamente a comparação de fenômenos em culturas e línguas distintas, aspectos que passaremos a evidenciar de modo sucinto.

Nos escritos filosóficos dos anos 1920, por exemplo em O autor e a personagem na atividade estética, Bakhtin, ao teorizar a constituição da personagem e a sua relação com o autor, faz uso de obras e autores de culturas variadas como a italiana, a francesa, a russa, pois o próprio modo de pensar de Bakhtin advém da análise comparativa de culturas (francesa, italiana, alemã, russa etc.) e de esferas de uma mesma cultura (música, dança, literatura, religião etc.).

Semelhantemente, na estilística sociológica desenvolvida nos anos 1930 para a construção de uma teoria do romance, Bakhtin fundamenta-se em uma análise ampla do gênero romanesco em diferentes línguas e culturas europeias. Isso porque, na acepção bakhtiniana, a origem e o desenvolvimento da prosa romanesca (na época helenística, na Roma imperial e no fim da Idade Média) estão intimamente ligados "ao heterodiscurso social das línguas nacionais faladas" (2015, p.172), isto é, a consciência da relatividade ideológico-discursiva e do caráter humano, e não mais mitológico, de uma língua nacional ocorre no seu encontro com outras línguas e culturas, condição para a existência do gênero romanesco:

A resistência de uma língua canônica única, respaldada pela unidade ainda inabalável do mito nacional, continua sendo forte demais para permitir que o heterodiscurso relativize e descentralize a consciência linguístico-literária. Essa descentralização verbo-ideológica só ocorrerá quando uma cultura nacional deixar de ser fechada e autossuficiente, quando ela tomar consciência de si mesma entre outras culturas e línguas. (2015, p.171)

Assentado sobre dois elementos comuns para comparação - o gênero romance e sua estilização de linguagens - Bakhtin analisa romances de Dickens, Sterne, Rabelais, Cervantes e Turguêniev, para mostrar a estilização paródica de linguagens sociais diversas: jurídica, científica, cotidiana etc. A profundidade e abrangência da conceituação bakhtiniana do romance decorre da análise comparativa desse gênero literário em diversas línguas e culturas europeias. De modo similar, em sua tese sobre a obra de François Rabelais, Bakhtin analisa a presença do realismo grotesco no romance inglês de Sterne, em Shakespeare, nos românticos alemães (Lenz, Klinger, Tieck, Hoffman), nos romances filosóficos de Voltaire e Diderot etc.

Em sua obra mais tardia, encontramos uma reafirmação da metodologia de comparação entre culturas. Ao ser indagado sobre a situação dos estudos literários na União Soviética no início dos anos 1970 pela revista Novi Mir [Novo Mundo] Bakhtin (2003b [1970])_______. Os estudos literários hoje. In: Estética da criação verbal. 4.ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003b, p.359-366. [1970] propõe duas tarefas aos estudos literários: primeiramente, compreender a literatura sempre na relação com a cultura contemporânea da qual é uma parte ou, em outros termos, estudar a esfera literária na relação com as demais esferas culturais (religião, moral, ciência, jornalismo, ideologia do cotidiano etc.), e, em segundo lugar, estudar a obra literária no "grande tempo", buscando seus vínculos com obras do passado próximo e longínquo, a fim de identificar visões e assimilações de aspectos do mundo - tradicionais e inovadores - que se revelam de modo privilegiado nos gêneros.

No que diz respeito às pesquisas de obras literárias efetuadas por Bakhtin, a relação com o "grande tempo" permite a aproximação de autores de países distintos. Por exemplo, a influência da Antiguidade Clássica e da cultura popular medieval por meio da cosmovisão carnavalesca foi observada primeiramente na obra do escritor francês François Rabelais, mas inspirou também a análise e a compreensão das obras de escritores russos, como Nikolai Gógol - "A base de Almas mortas, numa análise atenta, revelaria formas de uma alegre caminhada (carnavalizada) pelo inferno, pelo país da morte. Almas mortas constitui o paralelo mais interessante com o Quarto Livro de Rabelais, isto é, a viagem de Pantagruel" (BAKHTIN, 1993_______. Rabelais e Gogol. In: Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. 3.ed. Trad. A. F. Bernadini et al. São Paulo: UNESP/HUCITEC, 1993, p.429-439. [1940-1970], p.432,[1940-1970]); e Fiódor Dostoiévski, cuja cosmovisão carnavalesca descende, de modo mais imediato, de escritores europeus do Renascimento: "As fontes básicas da carnavalização da literatura dos séculos XVII, XVIII e XIX formam os escritos renascentistas, principalmente Boccaccio, Rabelais, Shakespeare, Cervantes e Grimmelshausen" (BAKHTIN, 1997BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 2.ed. Trad. P. Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. [1963].p.159, [1963]). Em particular no caso de Dostoiévski, é por meio da constituição do gênero "romance polifônico" que Bakhtin identifica a evolução da prosa literária europeia. Por conseguinte, a apreensão de visões de mundo seminais na grande temporalidade permite a aproximação de literaturas de países e culturas distintas, como a espanhola, a inglesa, a francesa, a italiana e a russa.

Retomando o artigo de Bakhtin à revista Novi mir, constatamos que a proposição da tarefa de estudar a literatura no "grande tempo" vem acompanhada das seguintes assunções sobre a importância da distância temporal, espacial e cultural do indivíduo que compreende em relação ao objeto de estudo:

No campo da cultura, a distância é a alavanca mais poderosa da compreensão. A cultura do outro só se revela com plenitude e profundidade (mas não em toda a plenitude, porque virão outras culturas que a verão e compreenderão ainda mais) aos olhos de outra cultura. Um sentido só revela as suas profundidades encontrando-se e contactando com outro, com o sentido do outro: entre eles começa uma espécie de diálogo que supera o fechamento e a unilateralidade desses sentidos, dessas culturas. [...] Nesse encontro dialógico de duas culturas elas não se fundem nem se confundem; cada uma mantém a sua unidade e a sua integridade aberta, mas elas se enriquecem mutuamente (2003b, p.366. [1970]).

Vemos aqui, em um texto da última fase da produção bakhtiniana, a constatação da importância da comparação entre culturas à compreensão dialógica, à constituição do sentido, isto é, o encontro com o outro permite uma melhor compreensão de si. Esses princípios são reafirmados no texto de arquivo Apontamentos de 1970-1971 (BAKHTIN, 2003a_______. Apontamentos de 1970-1971. In: Estética da criação verbal. 4.ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003a, p.367-392.), em que a necessidade do contato entre o um e o outro é a base da existência do sentido: "Não pode haver 'sentido em si' - ele só existe para outro sentido, isto é, só existe com ele. Não pode haver um sentido único (um). Por isso não pode haver o primeiro nem o último sentido, ele está sempre situado entre os sentidos" (p.382).

Por fim, outro tipo de análise comparativa que percorre a obra bakhtiniana é o contraponto entre diversas esferas da atividade humana ou da cultura. Em particular no texto O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária (1993[1924]), Bakhtin postula que cada campo ou esfera1 1 A tradução brasileira traduziu o termo russo "óblasti" por "domínio", porém trata-se da mesma palavra utilizada em "Os gêneros do discurso" para se referir a "campos da atividade humana". Nesse texto, a palavra "óblasti" ("campo") é utilizada juntamente com o termo "sfiéra" ("esfera"); com base nisso, utilizaremos os termos "campo" e "esfera" para nos referirmos aos domínios de O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. só encontra sua justificativa e seu fundamento nas fronteiras com os demais campos e passa a abordar, entre outros, as diferentes relações que as esferas artística e científica estabelecem com a realidade preexistente. A esfera artística é acolhedora às avaliações contidas na realidade preexistente, sendo um de seus elementos constitutivos indispensáveis, mas, em seguida, individualiza, concretiza e isola essa realidade por meio do ato criativo. Além disso, o autor-criador é um aspecto constitutivo da forma artística. Diferentemente, a esfera científica ou do conhecimento não aceita as avaliações preexistentes, lidando, em decorrência disso, com uma realidade destituída de valores (bom, santo, útil etc.), inacabada e sempre aberta. Outro aspecto é que o ato cognitivo ou de conhecimento científico isolado não é significativo, e o contraponto entre pontos de vista sobre o mesmo objeto é indispensável para a construção de uma obra científica. Por fim, o autor-criador, embora ativo, não aparece, sendo a forma cognitiva encontrada no próprio objeto, ou seja, o autor se apaga em proveito da unidade do objeto.

De todas essas considerações, podemos concluir, primeiramente, que um dos fundamentos bakhtinianos das relações dialógicas entre enunciados, obras e discursos é justamente o encontro entre duas ou mais culturas, aspecto presente na nossa proposta de análise da divulgação científica na Rússia e no Brasil e, em segundo lugar, que o gênero é um candidato privilegiado para constituir o tertium comparationis, pois, assim como ocorre na esfera literária, cremos que as cosmovisões fundamentais na diacronia e na sincronia se materializam nos gêneros discursivos. No caso da divulgação científica, tema deste artigo, Bakhtin novamente ilumina sua especificidade: "O jornalista é acima de tudo um contemporâneo. É obrigado a sê-lo. Vive na esfera de questões que podem ser resolvidas em sua atualidade (ou ao menos num tempo próximo)" (2003a, p.388). Considerando que a esfera jornalística participa ativamente na divulgação da ciência, é na atualidade e não na tradição passada (como no caso da literatura) que poderemos encontrar aspectos importantes da sua cosmovisão. Por fim, Bakhtin postula que a esfera científica, necessariamente envolvida na divulgação científica, tende ao apagamento do autor-criador em benefício da unidade do objeto e ao não isolamento da obra científica dos demais pontos de vista sobre o mesmo objeto.

2 Fundamentos de uma análise comparativa de discursos: os trabalhos do Cediscor

Desde o início dos anos 2000, formou-se, no Centro de pesquisa sobre discursos cotidianos e especializados (Cediscor), um grupo de pesquisadores reunidos em torno de um mesmo objeto, a cultura, e interessados em investigar as "dimensões culturais na produção do discurso por meio de abordagens contrastivas" (CLAUDEL et al, 2013CLAUDEL, C. et al. Langue, discours et culture: vingt ans de recherche en comparaison. In: CLAUDEL, C. et al. (Org.) Cultures, discours, langues. Nouveaux abordages. Limoges: Lambert-Lucas, 2013, p.15-45, p.9)2 2 No original: "dimensions culturelles dans la production du discours en mettant en oeuvre des approches contrastives". , constituindo um novo eixo de pesquisas: "Comparação, língua e cultura em perspectivas discursivas". Quais são as constantes teóricas e metodológicas das pesquisas realizadas nesse eixo?

Em primeiro lugar, o grupo compartilha os princípios da Análise do Discurso que estuda o funcionamento da língua articulado às condições de produção e de circulação dos corpora analisados, o que acarreta o "estabelecimento de relações entre as manifestações linguísticas e os fenômenos extralinguísticos (representações sociais, cultura, ideologia etc.)" (CLAUDEL et al, 2013CLAUDEL, C. et al. Langue, discours et culture: vingt ans de recherche en comparaison. In: CLAUDEL, C. et al. (Org.) Cultures, discours, langues. Nouveaux abordages. Limoges: Lambert-Lucas, 2013, p.15-45, p.16)3 3 No original: "la mise en lien des manifestations linguistiques à des phénomènes extralinguistiques (représentations sociales, culture, idéologie, etc.)." . A esse fundamento teórico de base é acrescentado o objeto da "Análise contrastiva de discurso": a comparação de diferentes culturas discursivas, entendidas como "manifestações discursivas sobre representações sociais circulando em uma comunidade dada sobre objetos em sentido amplo, de um lado, e sobre os discursos a assumir respeito desses objetos, de outro. (CLAUDEL et al., 2013CLAUDEL, C. et al. Langue, discours et culture: vingt ans de recherche en comparaison. In: CLAUDEL, C. et al. (Org.) Cultures, discours, langues. Nouveaux abordages. Limoges: Lambert-Lucas, 2013, p.15-45, p.17)4 4 No original: "les manifestations discursives des représentations sociales circulant dans une communauté donnée sur les objets au sens large, d'une part, et sur les discours à tenir sur ces objets." . A representação discursiva tem um papel de destaque nessas análises, sendo compreendida como a reconstrução das representações mentais do autor por intermédio de marcas linguísticas. Como essas representações normalmente estão ligadas a causalidades institucionais, históricas, materiais etc., a análise adquire uma perspectiva interdisciplinar, uma vez que a interpretação recorre a disciplinas externas às ciências da linguagem.

O gênero é um conceito operacional fundamental na metodologia de constituição e interpretação dos corpora, pois ele é a invariante de partida ao fornecer o elemento similar necessário à comparação de culturas e ao mesmo tempo o "nível de representatividade" ou fim da descrição e interpretação. Além do aspecto metodológico, a concepção de linguagem como um "conjunto de práticas de comunicação em uma dada sociedade" (BEACCO, 2013BEACCO, J-C. Articuler les compétences langagières et les compétences culturelles/interculturelles dans l'enseignement de langues. In: CLAUDEL, C. et al. (Orgs.). Cultures, discours, langues. Nouveaux abordages. Limoges: Lambert-Lucas, 2013, p.165-175., p.166)5 5 No original: "un ensemble des pratiques de communication dans une société donnée." leva à assunção, proveniente da antropologia linguística, de que as práticas de linguagem são culturais e de que os gêneros discursivos são os lugares de articulação mais imediatos da língua com a cultura ou os funcionamentos da sociedade. É nos gêneros que a cultura discursiva existe e é por meio da articulação interpretativa das características de diferentes gêneros discursivos que se faz uma cultura discursiva.

O conceito de cultura e a relação entre língua, discurso e cultura são pontos centrais da análise contrastiva, revelando, ao mesmo tempo, as diferenças entre os pesquisadores do Cediscor. Entre as diferentes acepções, P. von Münchow (2013)MUNCHOW, P. von. Les journaux télévisés en France et en Allemagne. Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, 2005. prefere o conceito "cultura discursiva", tomado como as manifestações discursivas das representações sociais sobre os objetos em sentido amplo e sobre os discursos a respeito desses objetos em circulação em uma determinada comunidade. Segundo os resultados de pesquisa da autora, o conceito de "cultura discursiva" tem a vantagem de permitir a descrição de traços culturais comuns que ultrapassam uma comunidade etnolinguística.

Em todos os trabalhos desenvolvidos no Cediscor, a cultura é "uma construção permanente que só pode ser observada, de modo indireto, nos comportamentos individuais e sobre a qual são exercidas múltiplas influências interiores e exteriores" (VON MUNCHOW, 2013_______. Cultures, discours, langues: aspects récurrents, idées emergentes. Contextes, représentations et modèles mentaux. In: CLAUDEL, C. et al. (Org.). Cultures, discours, langues. Nouveaux abordages. Limoges: Lambert-Lucas, 2013, p.187-207, p.196)6 6 No original: "une construction permanente qui ne peut être observée, de façon indirecte, que dans des comportements individuels et sur laquelle s'exercent de multiples influences intérieurs et extérieures." . A fim de resolver o principal desafio de articular o individual ao coletivo no modo de pensar o discurso na cultura e a cultura no discurso, Von Munchow propõe o conceito de "modelos mentais" de Van Dijk (2012)VAN DIJK, T. A. Discurso e contexto: uma abordagem sociocognitiva. Trad. R. Ilari. São Paulo: Contexto, 2012., que compreende a representação subjetiva de contextos pelos interactantes, representações essas que evoluem no tempo e são culturalmente variáveis. Esse modo de articular o individual e o coletivo fornece uma via alternativa para escapar tanto do determinismo quanto do essencialismo. Encontramos elementos para superar essa dicotomia na síntese dialética operada por Bakhtin/Volochínov (1992)BAKHTIN, M. (VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 6. ed. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC, 1992. [1929]. que, ao discorrerem sobre a relação entre a ideologia (domínio do coletivo) e o psíquico (domínio do individual), propõem que o signo ideológico exterior, por um lado, só existe enquanto tal ao ser absorvido e transformado no psiquismo individual interior, e, por outro, o psiquismo se forma por meio de signos ideológicos exteriores e coletivos.

As relações entre língua, cultura e discurso também são concebidas diferentemente pelos pesquisadores do Cediscor. Entre as posições existentes, aproximamo-nos mais da concepção de G. Tréguer-Felten (2013), para quem há laços estreitos entre língua e discurso, sendo a cultura um substrato profundo e de evolução lenta que, por meio do discurso, deixa suas marcas na língua. Apesar das diferenças, as pesquisadoras do Cediscor defendem posições mais consensuais sobre a ausência de fronteiras nítidas entre língua e discurso. No entanto, Ch. Claudel e G. Tréguer-Felten - que comparam línguas distantes (francês/japonês, francês/russo etc.) - tendem a ver a língua como um fator mais determinante nas diferenças culturais, enquanto P. Von Munchow, que trabalha com línguas mais próximas (francês/alemão), e Philippe d'Iribane enfatizam a relação entre discurso e cultura.

Em relação à metodologia fundadora das pesquisas do Cediscor, observamos três orientações importantes: a articulação descrição/interpretação, o nível de análise e o tertium comparationis. Primeiramente, a articulação entre a descrição das marcas linguísticas e a interpretação de lugares sociais bem como das culturas concernidas levanta, por um lado, a questão do estabelecimento de "categorias interpretativas confiáveis, que permitem ligar os resultados da descrição aos valores culturais repertoriados" (VON MUNCHOW; RAKOTONOELINA, 2006_______. Avant-propos. Discours, cultures, comparaisons. Les carnets du Cediscor, Paris, n. 9, p.9-17, 2006., p.16)7 7 No original: "l'établissement de catégories interprétatives fiables, permettant de relier les résultats de la description à des valeurs culturelles répertoriées." e, por outro, o problema dos elementos não diretamente observáveis nos textos e nas interações, que implicam uma perspectiva interdisciplinar e um movimento de ida e volta constante entre descrição e interpretação. Em segundo lugar, a descrição deve se efetuar no nível dos gêneros, sendo a depreensão de uma cultura discursiva feita por meio da articulação interpretativa das características de diferentes gêneros discursivos. Por fim, a constituição do corpus da pesquisa comparativa se faz com base no tertium comparationis ou elemento de comparação. O gênero discursivo figura como o principal elemento de comparação das pesquisas do Cediscor, por sua capacidade de fazer aparecer o diferente não por meio do que é idêntico, mas sim do que é próximo, comparável.

Outra questão metodológica importante é o lugar do pesquisador nas análises comparativas. A esse respeito, Traverso (2006)TRAVERSO, V. Repères pour la comparaison d'interactions dans une perspective interculturelle. Les carnets du Cediscor, Paris, n. 9, p.39-55, 2006. chama a atenção para uma questão importante: o caráter "estrangeiro" do pesquisador. Na análise das interações orais em diferentes culturas, o pesquisador se vê diante de fatos inesperados que colocam em questão suas expectativas e saberes, o que permite evidenciar seu lugar de interpretante, bem como potencializa sua capacidade de questionar as evidências.

3 A divulgação científica no Brasil e na Rússia

O tertium comparationis de base de nossa pesquisa é o conceito de divulgação científica, tomado, em uma acepção bakhtiniana, como uma modalidade particular de relação dialógica entre a esfera científica e outras esferas da cultura com vistas a ampliar o estado de conhecimentos dos destinatários, dotando-os, por um lado, de valores, saberes, visões de mundo próprios do universo científico e, por outro, sofrendo a influência dos estratos superiores da ideologia do cotidiano (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992BAKHTIN, M. (VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 6. ed. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC, 1992. [1929].). A natureza limiar dos enunciados de divulgação da ciência (entre o científico e o jornalístico, entre o científico e o educacional, entre o científico e o cultural etc.) é responsável, a nosso ver, pelas diferentes designações que esse fenômeno adquire nas duas línguas concernidas: em português, encontramos as designações "divulgação científica", "popularização da ciência", "vulgarização científica", "comunicação científica"; em russo, ocorrem os termos "publicidade científica" ("naútchnaia publitsístika"), "literatura de popularização científica" ("naútchnaia populiárnaia literatura") ou ainda "revista de informação científica" ("naútchno-informatsiónyi jurnál").

Esse elemento de comparação orientou a escolha de Scientific American Brasil e V Míre Naúki [No mundo da ciência], que correspondem às edições brasileira e russa da publicação Scientific American8 8 A revista Scientific American teve início em 1845 pela iniciativa do inventor norte-americano Rufus Porter, sendo a publicação sem interrupção mais antiga dos Estados Unidos. Em 1986, Verlagsgruppe Georg Von Holtzbrinck, um grupo editorial alemão, comprou Scientific American. Segundo informações do editorial da primeira edição brasileira (jun. 2002), a publicação é editada em 20 países e em 16 idiomas. Em seu site, os editores declaram que o objetivo é a divulgação dos desenvolvimentos em ciência e tecnologia. . As informações presentes na capa e nos sites dessas duas publicações permitem-nos descrever e interpretar elementos importantes de suas esferas de produção e de circulação, bem como do horizonte ideológico:

A partir desses elementos, podemos apontar diferenças importantes entre as duas revistas: a edição brasileira adotou o título da matriz americana apenas com o acréscimo de "Brasil" em letras bem menores - ambos na mesma cor, já a edição russa adotou um nome russo e acrescentou o da edição americana Scientific American em letras bem menores, enquadradas em outro tom de amarelo; a edição brasileira é financiada pela editora comercial Duetto, enquanto a russa é editada pela Universidade Estatal de Moscou; o segmento da revista é explicitado apenas nos dois primeiros anos da publicação brasileira e está presente desde o início da publicação russa; a edição russa é muito mais antiga do que a brasileira e teve início nos anos 1980, época da União Soviética; a tiragem da edição russa é menos da metade da brasileira; a definição do público alvo é explicitada na revista russa, incluindo em primeiro lugar a comunidade científica e depois os leitores escolarizados.

Essas informações apontam para a criação de identidades distintas por meio de uma maior ou menor proximidade com a revista norte-americana. A adoção do título da matriz acompanhado do país ("Brasil", em letras menores e na mesma cor do título principal Scientific American) e a valorização do fato de a edição brasileira estar ligada à "mais tradicional revista mundial de divulgação científica" materializam verbal e visualmente12 12 Cabe ressaltar que, embora os enunciados de divulgação científica das revistas pesquisadas tenham uma constituição verbo-visual, só abordamos este aspecto na análise dos títulos das revistas, pois os variados esquemas-explicativos, frequentes em Scientific American, se mostraram, neste momento, idênticos em russo e em português e pouco pertinentes para caracterizar as duas comunidades etnolinguísticas. a estreita relação entre a matriz norte-americana e a filial brasileira. Já a edição russa busca marcar sua identidade nacional por meio de título próprio V míre naúki [No mundo da ciência] e de recursos tipográficos (tamanho e cores), que colocam em segundo plano e não valorizam sua filiação à longa tradição da matriz americana. Ao consultarmos as demais filiais, constatamos que as edições internacionais de Scientific American oscilam entre adotar o nome da matriz (Scientific American - Holanda/Bélgica, República Tcheca, Israel, Taiwan) e criar um nome próprio (Investigacion y Ciencia - Espanha, Le Scienze - Italia, Pour la Science - França, Spektrum der Wissenschaft - Alemanha, Swiat Nauki - Polônia), constatação reforçadora de nossa interpretação. É essencial mencionar que a versão russa da revista circula não somente no território da Federação Russa (com toda a sua diversidade cultural e linguística), mas também na antiga União Soviética. De acordo om informações do site13 13 Disponível em http://www.sciam.ru/. Acesso em 28/10/2015. , um dos parceiros da edição é o Comitê Executivo da Comunidade de Países Independentes (http://www.cis.minsk.by) que inclui as Repúblicas do Azerbaijão, da Armênia, da Bielorrússia, do Cazaquistão, do Quirguistão, da Moldávia, do Tadjiquistão e Uzbequistão, e também Turcomenistão e Ucrânia. Isso reforça a ideia da língua russa como uma ferramenta de comunicação em uma sociedade multicultural e multiétnica. A análise comparativa de revistas pertencentes a duas comunidades etnolinguísticas distintas bem como a consulta às demais edições nos permitem iluminar os títulos como signos ideológicos (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992BAKHTIN, M. (VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 6. ed. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC, 1992. [1929].), de natureza verbal e tipográfica: a edição brasileira cria uma identidade mais dependente e se beneficia de sua relação com a matriz americana, enquanto a edição russa busca sua autonomia e identidade nacional, traços reveladores, a nosso ver, de duas culturas discursivas diferentes (MUNCHOW, 2013_______. Cultures, discours, langues: aspects récurrents, idées emergentes. Contextes, représentations et modèles mentaux. In: CLAUDEL, C. et al. (Org.). Cultures, discours, langues. Nouveaux abordages. Limoges: Lambert-Lucas, 2013, p.187-207).

Outro aspecto relevante é o fato de, a despeito de a versão russa ser bem mais antiga, sua tiragem ser bem menor do que a brasileira. A menor popularidade da revista russa pode ser explicada pelo fato de, em 1983, ainda vivermos durante a polarização entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética, o que teria reflexos no horizonte ideológico contemporâneo. Esse dado pode estar correlacionado à busca de uma identidade própria na adoção do título, com o propósito de evitar uma rejeição dos leitores russos. Em outros termos, a menor circulação da revista russa pode se dar por uma espécie de competição entre os dois países, que a adoção de um título próprio procurou minimizar.

Uma vez delineados os traços principais da esfera e o horizonte ideológico das duas revistas, passaremos a definir e a justificar os demais critérios de seleção dos enunciados do corpus. A fim de que os resultados de análise não ficassem restritos a uma área do saber e pudéssemos identificar estabilidades relativas, a escolha seguiu os seguintes princípios: três enunciados sobre três áreas do saber distintas (evolução humana, neurociência e cosmologia); o intervalo temporal entre 2011 e 2014; e os enunciados de capa, por ocuparem o lugar de destaque nas publicações. Com base nesses critérios, chegamos ao seguinte corpus desta pesquisa:

Edição brasileira Edição russa “Como o sono configura a memória” Scientific American Brasil, n. 136, capa e p.28-33, set. 2013. “Kak son vaiáet náchu pámiat” (“Como o sono cria nossa memória”), V míre naúki (“Mundo da ciência”), n. 4, capa e p.42-49, 2015. “A cicatriz do Big Bang”, Scientific American Brasil, n. 150, capa e p.46-55, nov. 2014. “Daliókii ótzvuki bolchógo vzryva” (“Ecos distantes do Big Bang”, V míre naúki (“Mundo da ciência”), n. 12, capa e p.22-32, 2014. “A mente intrigante de nosso primo neandertal”, American Brasil, n. 154, capa e p.26-33, mar. 2015. “Náchi brátia po rázumu” (“Nossos irmãos de inteligência”), V míre naúki (“Mundo da ciência”), n. 4, capa e p.4-14, 2015.

O passo seguinte foi a leitura das 6 matérias de capa, 3 da edição brasileira e 3 da russa, a fim de detectar as semelhanças e as diferenças. Essa primeira leitura foi orientada pelas informações e interpretações sobre a esfera de circulação e o horizonte ideológico das duas comunidades etnolinguísticas, com base nos títulos adotados, ano de fundação, tiragem, segmento da revista e público-alvo, acima descritos.

Ao observarmos que as matérias de capa são traduções de um texto da matriz americana, concluímos que serão as escolhas de tradução que indiciarão as duas culturas discursivas em questão.

Há uma diferença importante entre os enunciados do corpus: 4 (2 em russo e 2 em português) têm autores cientistas, enquanto 2 deles (1 em russo e 1 em português) têm uma autora que é jornalista especializada em divulgação científica nas áreas de paleontologia, arqueologia e ciências da vida. A autoria dos enunciados selecionados tem reflexos importantes no gênero de divulgação científica adotado, pois, conforme Grillo (2013_______. Divulgação científica: linguagens, esferas e gêneros. 2013. 333 f. Tese apresentada ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas como requisito parcial para obtenção do título de livre-docente na área de Filologia e Língua Portuguesa. Universidade de São Paulo, São Paulo.) observou:

O melhor critério para diferenciar os gêneros reportagem e artigo de divulgação científica é a autoria: jornalistas escrevem reportagens de um ponto de vista externo aos fatos científicos relatados, cientistas escrevem artigos de um ponto de vista interno (p.190).

Essa constatação se confirma nos enunciados do nosso corpus: assinados pela norte-americana Kate Wong, editora sênior de Scientific American, "Mentes neandertais" (Scientific American Brasil, n. 154, mar. 2015) e "Rázum Neandertáltsa" ([O intelecto neandertal], V míre naúki, n. 4, abr. 2015) são escritos em terceira pessoa, com a exceção dos títulos e de algumas passagens, em que aparece a primeira pessoa do plural inclusiva (eu + vocês, leitores)14 14 Em dois célebres artigos, Benveniste (1991[1956] propõe dividir os pronomes em duas classes - os de terceira pessoa pertencem à sintaxe da língua e os de primeiro e segunda pessoas às instâncias do discurso -, e distinguir o "nós" em uma forma inclusiva, "eu + vós", e uma forma exclusiva "eu + eles". A abordagem de Benveniste já está presente em gramáticas do português brasileiro (BECHARA, 2003, p.164), um dos instrumentos de descrição e de estabilização da língua. Apesar de Benveniste ser considerado o precursor na abordagem dos pronomes como uma classe especial de palavras para inserir o homem na língua, o linguista alemão Wilhelm Humboldt (1767-1835) já havia tratado do tema em obra publicada postumamente em 1836. ; já nos enunciados assinados por cientistas, além do forma inclusiva, ocorre a primeira pessoa do plural exclusiva, cujos referentes são ora os dois autores do texto (trata-se, portanto, de uma duplicação de eu, isto é, eu + eu), ora os autores mais outros cientistas que pesquisam o mesmo tema (eu + eu + eles):

Scientific American Brasil, n. 154, mar. 2015, grifo nosso V míre naúki, n. 4, abr. 2015, p.4, grifo nosso Autor jornalista (Kate Wong, editora sénior de Scientific American) Evolução humana Evolução do homem Mentes neandertais O intelecto dos neandertais Análises de anatomia, DNA e legados culturais produziram informações fascinantes sobre a vida interior de nossos misteriosos primos extintos [...] (sem itálicos no original) Estudando a anatomia, o DNA e os legados da cultura neandertais, nós podemos penetrar no mundo interior misterioso dos nossos parentes extintos [...] (sem itálicos no original).15 Alguns especialistas sugerem que a miscigenação entre a população neandertal menor e os modernos mais numerosos talvez tenha acabado por levar os neandertais à extinção ao “inundar”, ou dominar seu pool genético (p.33; sem itálicos no original). Alguns experts até supõem que possivelmente a miscigenação de uma grande população de homens racionais com uma população menor de neandertais levou à decadéncia desses últimos por meio da dissolução dos seus genes (sem itálicos no original)16. Autores cientistas (G. Tononi e Chiara Cirelli, professores-pesquisadores de psiquiatria) Scientific American Brasil, n. 136, set. 2013 V míre naúki, n. 10, out. 2013 Por que dormimos Por que nós dormimos Quando despertos, as memórias se formam conforme neurônios que são ativados conjuntamente fortalecem suas ligações (p.30; sem itálicos no original). Quando nós velamos, a memória ocorre por conta de que se ativam os neurônios ao mesmo que se fortalecem as relações17. Em contraste, o enfraquecimento sináptico durante o sono restauraria circuitos cerebrais a um nível basal de força e eficácia, evitando assim o consumo de energia excessivo e o estresse celular. Designamos essa função restauradora da linha de base do sono como de preservação da homeostase sináptica e denominamos a nossa hipótese geral sobre o papel do sono, hipótese da homeostase sináptica, ou SNY, na sigla em inglês (p.31) Ao contrário, no tempo do sono o enfraquecimento da transmissão sináptica restabelece seu nível inicial nos circuitos nervosos, o que permite evitar um gasto excessivo de energia e diminuir a carga de nos neurônios. Nós consideramos que o restabelecimento do nível inicial no sono é necessário à conservação da homeostase sináptica e denominamos nossa hipótese geral sobre o papel do sono de hipótese da homeostase sináptica18. Estamos ansiosos para testar previsões da SNY e explorar suas implicações ainda mais. Esperamos descobrir se a privação de sono durante o desenvolvimento neural leva a mudanças na organização dos circuitos cerebrais, por exemplo (p.33; sem itálicos no original). Nós planejamos verificar as previsões, obtidas com a ajuda da hipótese da homeostase sináptica, e continuar o estudo da possibilidade de suas aplicações. Por exemplo, nós esperamos esclarecer se realmente a privação do sono durante o desenvolvimento do sistema nervoso leva a mudanças na organização das cadeias 19 nervosas19.

Observamos que o uso da primeira pessoa do plural no enunciado assinado pela editora jornalista busca criar uma identificação entre autor e leitor, com o propósito de que o tema seja percebido como próximo e, portanto, do interesse do leitor. Essa função identificadora é reforçada por afirmações que remetem a um universo de conhecimentos e valores socialmente partilhados:

Eram neandertais, nossos primos atarracados, de frontes pesadas, que viveram na Eurásia há entre 350 mil e 39 mil anos - os mesmos neandertais cujo nome se tornou sinônimo de idiotice e rudeza na cultura popular (Scientific American Brasil, mar. 2015, p.28; sem itálicos no original).

Eram os neandertais, nossos parentes atarracados com sobrancelhas espessas e eriçadas, vivendo no território da Eurásia no período entre 350-39 mil anos atrás, - aqueles mesmos neandertais que, na cultura popular contemporânea, tornaram-se personificação de estupidez e tolice20 20 No original: "Eto byli neandertáltsy, nachi korenástye ródstvenniki c navísschimi gusty'mi broviámi, jívchie na territórii Evrázii v períod 350-39 tys. liét tomú nazád, - te sámye neandertáltsy, kotórye v sovremiénnoi pop-kultúre stáli olitsevoréniem túposti e glúposti" (V mípe haúki, n. 4, abr. 2015, p.6; sem itálico no original). .

Em ambas as edições, remete-se, com ligeiras nuances, aos mesmos conteúdos valorados dos leitores presumidos, isto é, à ideologia do cotidiano (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992BAKHTIN, M. (VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 6. ed. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC, 1992. [1929].) que é constituída, entre outros, pelos conhecimentos científicos adquiridos, sobretudo, no processo escolar e nos textos de divulgação científica.

Nos enunciados assinados pelos cientistas, além das formas inclusivas, encontramos verbos na primeira pessoa do plural exclusiva ("estamos ansiosos", "esperamos descobrir", "nós planejamos", "denominamos"), em que os cientistas são os sujeitos agentes dos projetos ou das pesquisas relatadas. O ativismo do sujeito-autor na divulgação científica realizada em Scientific American e em V Míre naúki é muito próximo do seu lugar na esfera científica, pois, assim como propõe Bakhtin (1993, p.32. [1924])_______. Rabelais e Gogol. In: Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. 3.ed. Trad. A. F. Bernadini et al. São Paulo: UNESP/HUCITEC, 1993, p.429-439. [1940-1970], a realidade una do conhecimento na ciência "não é acabada e está sempre aberta [...] no mundo do conhecimento não há, em princípio, atos e obras separadas; é indispensável considerar outros pontos de vista" (itálicos no original). Isso pode ser observado em dois aspectos: primeiro, os cientistas assumem a autoria de suas pesquisas na relação com outros pesquisadores da esfera e, segundo, os artigos se encerram com a apresentação das próximas etapas da pesquisa científica, reafirmando o caráter provisório e aberto dos conhecimentos científicos, como observamos no último fragmento da tabela acima, que é uma parte do último parágrafo dos artigos das edições brasileira e russa.

Nessas mesmas situações, o enunciado assinado por jornalista usa a terceira pessoa ("alguns especialistas sugerem", "Alguns experts até supõem"), marcando a sua posição exterior à comunidade científica. Além disso, enquanto os dois artigos dos cientistas se encerram com a assunção de aspectos ainda obscuros no presente e com proposições de pesquisas futuras, a reportagem da jornalista é concluída com o discurso direto dos cientistas que reforçam a tese geral do texto.

Outros aspectos enunciativos são bastante distintos nos enunciados assinados por jornalistas e cientistas, entre os quais destacamos a relação com o discurso alheio ou a presença do discurso citado. Diferentemente, porém, do uso da primeira pessoa do plural, cujo uso semelhante serve, a despeito do fato de os editores das revistas chamarem ambos os textos de "artigos", para diferenciar uma reportagem de divulgação científica de um artigo de divulgação científica, a relação com a palavra alheia não só permite diferenciar os gêneros, mas também observar diferenças entre as comunidades etnolinguísticas brasileira e russa, como passamos a mostrar a partir dos seguintes fragmentos:

Scientific American Brasil, n. 154, mar. 2015. V míre naúki, n. 4, abr. 2015. Discurso citado Cérebros de neandertais eram um pouco mais achatados que os nossos, mas igualmente volumosos; de fato, em muitos casos eles eram maiores, explica o paleoneurologista Ralph Holloway, da Colúmbia University (p.28). O paleoneurologista Ralph Holloway da Universidade de Colúmbia escreve que o cérebro dos neandertais é mais achatado do que o nosso, mas igualmente volumoso e muitas vezes de maior tamanho21. Hawks salienta que um problema maior na tentativa de descobrir como cérebros neandertais funcionavam a partir de seus genes é que, de modo geral, pesquisadores não sabem como genes afetam pensamentos em nossa própria espécie. “Não sabemos praticamente nada sobre cognição neandertal a partir da genética, porque não sabemos quase nada sobre cognição humana [moderna] a partir da genética”, resume ele. (p.31) Hawks fala que a influência dos genes dos antigos humanos sobre as particularidades de seu cérebro é um grande problema, uma vez que os pesquisadores não sabem muito sobre a influência dos genes mesmo sobre o pensamento do homem moderno22. As similaridades com achados de sítios de humanos modernos primitivos eram notáveis. “Independentemente de como classificamos os dados, não houve diferenças significativas entre os grupos”, relata Henry. “As evidências que temos agora não sugerem que os humanos modernos mais primitivos na Eurásia fossem mais eficientes no acesso a alimentos de origem vegetal” (p.33) A semelhança com achados nos sítios de humanos racionais foi simplesmente impressionante. Nas palavras de Henry, “as visões mudaram: diferenças significativas entre esses grupos agora já não existem”. Ela admite que, pelos dados deles, o homem moderno anatômico não teve vantagens no acesso a alimento vegetal23.

A relação com o discurso alheio segue tendências ligeiramente distintas nas duas edições: nos lugares em que a edição brasileira usa o discurso direto preparado, a edição russa utiliza a modificação analítico-objetual. No discurso direto preparado, segundo Bakhtin/Volochinov (1992)BAKHTIN, M. (VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 6. ed. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC, 1992. [1929]., a subjetividade discursiva torna-se mais clara e ocorre na direção em que o autor precisa. Conforme atestam pesquisas feitas por Grillo (2004)GRILLO, S. V. C. A produção do real em gêneros do jornal impresso. São Paulo: Humanitas/Fapesp, 2004., o discurso direto preparado é muito frequente na esfera jornalística brasileira, em que ocorre um trabalho de apropriação interpretativa das fontes e de sua exibição literal, produzindo um efeito de fidelidade, legitimador de um enunciado cuja autoria é externa à comunidade científica. A modificação analítico-objetual predomina, também segundo Bakhtin/Volochinov (1992)BAKHTIN, M. (VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 6. ed. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC, 1992. [1929]., em contextos cognitivos e retóricos (no científico, no filosófico, no político etc.), nos quais é necessário expor as opiniões alheias sobre o assunto, comparando e discordando delas. Nossa hipótese é que, enquanto o estilo jornalístico teria influenciado a edição brasileira - publicada por um editor comercial e com tradutores profissionais contratados -, o estilo científico teria influenciado a russa, fato reforçado pelo fato de esta ser editada por uma instituição científica, a Universidade Estatal de Moscou, e os tradutores dos artigos serem cientistas e professores dessa mesma instituição, conforme pudemos atestar nas edições e em e-mails trocados com o tradutor.

Por fim, um segundo aspecto diferenciador das comunidades etnolinguísticas brasileira e russa são os tempos verbais, conforme podemos observar nos fragmentos abaixo, todos os três retirados dos dois artigos de cientistas:

Scientific American Brasil, n. 136, set. 2013 V míre naúki, n. 10, out. 2013 O sono, nessa narrativa, preservaria a capacidade de os circuitos do cérebro formarem continuamente novas memórias ao longo da vida de uma pessoa, sem saturação ou obstrução de memórias mais antigas. (p.30) Desse modo, o sono permite ao cérebro durante a vida preservar de modo ininterrupto as possibilidades de formar novas memórias, evitando a supersaturação ou a eliminação de memórias antigas24. Scientific American Brasil, n. 150, capa e p.46-55, nov. 2014. V míre naúki (“Mundo da ciência”), n. 12, capa e p.22-32, 2014. Em 1980, Alan Guth, um jovem físico-doutorado, refletia sobre esses paradoxos quando encontrou a solução: o Universo imaginado por ele, baseado na física de partículas, poderia ter se inflado rapidamente longo após o Big Bang (p.49). Em 1980 o jovem físico Alan Gut refletia sobre esses dois paradoxos e encontrou a solução: nosso Universo pôde expandir de modo precipitado logo após a Grande explosão25. Como no caso do campo de Higgs, o campo de quebra de simetria produziria partículas massivas e exóticas, mas as massas envolvidas no processo eram muitos maiores que a massa da partícula de Higgs. Na verdade, seria necessário construir um acelerador 10 trilhões de vezes mais poderoso que o LHC para explorar diretamente as teorias que respaldam esse fenômeno (p.52). Como no caso do campo de Higgs, a quebra da simetria pelo campo hipotético deve gerar partículas exóticas e muito massivas, mas as massas atraídas nesse processo devem ser muito maiores do que a massa da partícula de Higgs. De fato isso significa que para a busca direta das confirmações experimentais é necessário criar um acelerador 10 trilhões de vezes mais forte do que o BAK26.

Do ponto de vista dos tempos, modos e aspectos verbais, nas passagens em que a tradutora brasileira utilizou o futuro do pretérito que, em português, manifesta "opinião de modo reservado" (CASTILHO, 2010CASTILHO, A. T. Gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010., p.434) ou "fatos dependentes de certa condição" (BECHARA, 2003BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003., p.222), a tradutora russa optou por três formas verbais: primeiramente, pelo perífrase verbal com núcleo (pozvoliáet) no presente do indicativo, que em russo "ação que realmente existe (existiu ou existirá)" (ROZENTAL, 1991ROSENTAL, D. E et al. Sovremiénnyi rússkii iazyk (Língua russa contemporânea). Moscou: Víschaia chkóla, 1991., p.294),27 27 No original: "déistvie, kotóroe reálno suchestvúet (suchestvovála ili búdet suchestvovát)" e no aspecto imperfeito, que em russo "representa a ação em desenvolvimento, em processo" (ROZENTAL, 1991ROSENTAL, D. E et al. Sovremiénnyi rússkii iazyk (Língua russa contemporânea). Moscou: Víschaia chkóla, 1991., p.286)28 28 No original: "ono predstavliéno v razvítii, protsiésse". ; em segundo lugar, pelo pretérito imperfeito do indicativo (moglá), que indica ação que realmente existiu e ação em processo; e, por fim, a versão russa utilizou perífrases verbais com um verbo auxiliar modalizador (deve gerar/doljnó porojdát) ou de caráter modalizador (permite preservar/pozvoliáet sokhraniát), que em russo indicam "desejo, possibilidade, intenção, possibilidade de realizar uma ação" (ROZENTAL, 1991ROSENTAL, D. E et al. Sovremiénnyi rússkii iazyk (Língua russa contemporânea). Moscou: Víschaia chkóla, 1991., p.283)29 29 No original: "vozmójnoct, veroiátnost soobcháemogo, predpolojiénie, somniénie" .

Na edição brasileira, ao se usar a forma verbal do futuro do pretérito, acentuam-se reservas em relação à factualidade do narrado e procura-se preservar o aspecto mais hipotético, provável, dos fatos científicos. Já na tradução russa, apesar de os verbos modais atenuarem um pouco o caráter assertivo do modo indicativo, as formas verbais do presente e pretérito do indicativo no aspecto imperfeito asseguram a certeza diante dos fatos e hipóteses postulados. Parece-nos novamente que essas escolhas são motivadas pela influência do estilo científico nos artigos em russo, cuja tradutora é uma cientista e professora na Universidade Estatal de Moscou. Segundo Kotiúrova, o discurso científico em russo apresenta as seguintes propriedades:

O caráter categórico é típico do discurso científico por diversas razões. A relatividade da autenticidade do conhecimento científico, a mudança da sua importância à sociedade científica se revela somente no processo de seu desenvolvimento, isto é, "de modo estratégico". No próprio momento da formulação do conhecimento, da busca de argumentos a favor de uma hipótese apresentada, o autor está convencido da sua autenticidade e está orientando de modo comunicativo para persuadir o leitor ou o ouvinte sobre a naturalidade e a lógica do processo do seu pensamento (KOTIÚROVA, 2011KOTIÚROVA, M. P. Idiostilístika naútchnoi riétchi. Náchi predstavliéniia o rietchevói individuálnosti utchiónogo: monográfiiia (Idioestilística do discurso científico. Nossas representações da individualidade discursiva do cientista: monografia). Perm: Perm. Gos. Universitiét, 2011., p.243)30 30 No original: "Kategorítchnost svóistvenna naútchnoi rietch po riádu pritchín. Otnocítelnost dostoviérnosti naútchnogo znániia, izmeniénie ego znatchímosti dlia naútchnogo sotsiéma vlyiavliáiutsa lich v protsiésse ego razvítiia, to est "strateguítcheski". V momiént je polutchiéniia znániia, poiska argumentov v polzy vydvinytoi guipotezy avtor ubejdién v eio dostoviérnosti i dommunikativno orientiróvan na to, chtóby ubedit tchitátelia ili sluchátelia v estiéstvennosti e zakonomiérnosti khoda svoéi mysli." .

Nossa hipótese é que a maior assertividade dos enunciados de divulgação científica em russo ocorre em razão do caráter mais categórico do discurso científico russo, conforme atestado no fragmento acima, o qual exerce uma maior influência sobre a divulgação científica da edição russa, devido aos elementos extralinguísticos acima apontados.

Considerações finais

Construir uma abordagem teórico-metodológica para comparar enunciados de duas comunidades etnolinguísticas distintas foi o principal objetivo deste artigo. Para isso, constatamos, primeiramente, que a abordagem bakhtiniana das relações dialógicas, do enunciado, do heterodiscurso contém princípios e conceitos (autoria, gênero discursivo, esfera ideológica, signo ideológico, discurso citado, horizonte ideológico, destinatário presumido, ideologia do cotidiano) extremamente produtivos à comparação de enunciados em línguas e culturas distintas, pois permitem tanto descrever a materialidade linguística, quanto produzir interpretações sobre as especificidades das culturas discursivas envolvidas.

As pesquisas do Cediscor, por sua vez, apresentaram possibilidades de análise comparativa de enunciados não literários, pouco presentes nos trabalhos bakhtinianos. Além disso, a assunção do gênero discursivo como tertium comparationis pertinente para a comparação do semelhante e para a configuração da comunidade discursiva foi ao encontro dos trabalhos bakhtinianos sobre os gêneros discursivos, permitindo uma articulação enriquecedora a ambas as teorias. A metodologia de abordagem do corpus é outro ponto de encontro entre as duas teorias, no sentido de que o lugar do pesquisador é teorizado como um sujeito que, imbuído de seu referencial teórico e cultural, vai ao corpus de enunciados não com categorias prontas, mas com conceitos flexíveis que permitem a descoberta do inesperado e a volta à teoria, num movimento constante de vai e vem.

Essa abordagem teórico-metodológica orientou a constituição do corpus da pesquisa, bem como propiciou a comparação das culturas discursivas brasileira e russa. Do ponto de vista das semelhanças, observamos que os gêneros artigo e reportagem de divulgação científica possuem características muito semelhantes nas duas culturas e que a diferença entre eles pode ser explicada pela autoria. Do ponto de vista das diferenças, a edição russa sofreu uma maior influência do estilo científico - ocasionada pela instituição produtora da revista e pelo tradutor cientista - que se materializou em uma

maior assertividade e no uso da modificação analítico-objetual do discurso citado; já a edição brasileira sofreu a influência do estilo jornalístico - ocasionada pela editora comercial e pela tradutora não-cientista - que se materializou no uso do discurso direto preparado e de formas verbais indicadoras do caráter mais provisório e hipotético dos conhecimentos científicos tratados.

Por fim, este estudo exploratório permitiu identificar aspectos importantes a serem melhor resolvidos na continuidade das pesquisas. Entre eles destacamos uma melhor compreensão das relações complexas entre língua, discurso e cultura, uma exploração mais consequente do conceito de cultura, o papel da estilística nas escolhas verbais das duas comunidades etnolinguísticas, um desenvolvimento dos procedimentos metodológicos à comparação de discursos em duas línguas e culturas distintas, e a inclusão da dimensão visual, uma vez que os enunciados de divulgação científica em revistas têm uma constituição verbo-visual.

  • 1
    A tradução brasileira traduziu o termo russo "óblasti" por "domínio", porém trata-se da mesma palavra utilizada em "Os gêneros do discurso" para se referir a "campos da atividade humana". Nesse texto, a palavra "óblasti" ("campo") é utilizada juntamente com o termo "sfiéra" ("esfera"); com base nisso, utilizaremos os termos "campo" e "esfera" para nos referirmos aos domínios de O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária.
  • 2
    No original: "dimensions culturelles dans la production du discours en mettant en oeuvre des approches contrastives".
  • 3
    No original: "la mise en lien des manifestations linguistiques à des phénomènes extralinguistiques (représentations sociales, culture, idéologie, etc.)."
  • 4
    No original: "les manifestations discursives des représentations sociales circulant dans une communauté donnée sur les objets au sens large, d'une part, et sur les discours à tenir sur ces objets."
  • 5
    No original: "un ensemble des pratiques de communication dans une société donnée."
  • 6
    No original: "une construction permanente qui ne peut être observée, de façon indirecte, que dans des comportements individuels et sur laquelle s'exercent de multiples influences intérieurs et extérieures."
  • 7
    No original: "l'établissement de catégories interprétatives fiables, permettant de relier les résultats de la description à des valeurs culturelles répertoriées."
  • 8
    A revista Scientific American teve início em 1845 pela iniciativa do inventor norte-americano Rufus Porter, sendo a publicação sem interrupção mais antiga dos Estados Unidos. Em 1986, Verlagsgruppe Georg Von Holtzbrinck, um grupo editorial alemão, comprou Scientific American. Segundo informações do editorial da primeira edição brasileira (jun. 2002), a publicação é editada em 20 países e em 16 idiomas. Em seu site, os editores declaram que o objetivo é a divulgação dos desenvolvimentos em ciência e tecnologia.
  • 9
    Informações do site http://www.sciam.ru/. Acesso em: 28/05/2015.
  • 10
    No original: "Iejemiéssiatchnyi naútcho-informatsiónnyi jurnál".
  • 11
    No original: "Nache izdánie adressóvano kak naútchnoi i tekhnítcheskoi intelliguéntsii, tak i chirókomu krúgu obrazóvannykh tchitátelei, stremiáschikhsia byt v kúrce posliédnykh dostijénii mirovói obschéstvennoi i naútchnoi mysli".
  • 12
    Cabe ressaltar que, embora os enunciados de divulgação científica das revistas pesquisadas tenham uma constituição verbo-visual, só abordamos este aspecto na análise dos títulos das revistas, pois os variados esquemas-explicativos, frequentes em Scientific American, se mostraram, neste momento, idênticos em russo e em português e pouco pertinentes para caracterizar as duas comunidades etnolinguísticas.
  • 13
    Disponível em http://www.sciam.ru/. Acesso em 28/10/2015.
  • 14
    Em dois célebres artigos, Benveniste (1991[1956]BENVENISTE. E. Estrutura das relações de pessoa no verbo. Problemas de linguística geral I. 3. ed. Trad. M. da G. Novak e M.L. Neri. Campinas: Pontes/Unicamp, 1991, p.247-259. propõe dividir os pronomes em duas classes - os de terceira pessoa pertencem à sintaxe da língua e os de primeiro e segunda pessoas às instâncias do discurso -, e distinguir o "nós" em uma forma inclusiva, "eu + vós", e uma forma exclusiva "eu + eles". A abordagem de Benveniste já está presente em gramáticas do português brasileiro (BECHARA, 2003BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003., p.164), um dos instrumentos de descrição e de estabilização da língua. Apesar de Benveniste ser considerado o precursor na abordagem dos pronomes como uma classe especial de palavras para inserir o homem na língua, o linguista alemão Wilhelm Humboldt (1767-1835) já havia tratado do tema em obra publicada postumamente em 1836.
  • 15
    No original: "Evoliútsiia tcheloviéka / Rázum neandertáltsa / Izytcháia anatómiiu, DNK i sliedy' kultúry neandertáltsiev, my mójem proníknut v zagádotchnyi vnútrennii mir náchikh vy'merchikh ródstvennikov" (sem itálicos no original.
  • 16
    No original: "Niékotorye ekspiérty daje polagáiut, chto, vozmójno, smechénie bolchói populiátsii tcheloviéka razúmnogo i menchei populiátsii neandertáltsiev priveló k upádku posliédnikh pútiem rastvoriéniiia ikh guénov v óbschei másse" (p.13; sem itálicos no original).
  • 17
    No original: Kogdá my bódrstvuem, zapominánie proiskhódit za schiot togo, chto miéjdu odnovriémenno aktivíruiuschimisia neurónami ucílivaiutsia sviázi (p.44; sem itálicos no original).
  • 18
    No original: Naoborót, vo vrémia sna oslabliénie sinaptítcheskoi peredátchi vosstanávlivaet ieió iskhódnyi úroven v niérvnykh tsépiakh, chto pozvoliáet izbeját tchrezmiérnogo potrebliéniia enérgii i snízit nagrúzku na otdélnye neiróny. My stchitáem, chto vosstanovlénie iskhódnogo úrovnia vo snié nújno dlia sokhranénia sinaptítcheskogo gomeostáza, i nazváli náchu guipótezu o róli sna guipótezoi sinaptítcheskogo gomeostáza (p.45; sem itálicos no original)
  • 19
    No original: My planíruem proviérit predskazániia, polútchennye s pómoschiu guipótezy sinaptítcheskogo gomeostáza, i prodóljit izutchénie vozmójnostei ieió primeniénii. Naprimiér, my nadiéemsia vyiasnit, deistvítelno li lichénie sna vo vriémia razvítiia niérvnoi sistemy privódit k izmenéniiam v organizátsii neirónnykh tsépei (p.48; sem itálicos no original).
  • 20
    No original: "Eto byli neandertáltsy, nachi korenástye ródstvenniki c navísschimi gusty'mi broviámi, jívchie na territórii Evrázii v períod 350-39 tys. liét tomú nazád, - te sámye neandertáltsy, kotórye v sovremiénnoi pop-kultúre stáli olitsevoréniem túposti e glúposti" (V mípe haúki, n. 4, abr. 2015, p.6; sem itálico no original).
  • 21
    No original: "Paleonievrólog Ralph Holloway iz Kolumbíiskogo universitiéta píchet, chto mozg neandertáltsa bolee plóskii, tchem nach, no takógo je, a zatchastúiu i bólchego razmiéra" (p.7).
  • 22
    No original: "Hawks govorít, chto vliiánie guiénov driévnikh liudéi na ossóbennosti ikh mózga predstavliáet sobói ieschió bólchuiu probliému, poskólku issliédovateli mnógogo ne znáiut o vliiánii guiénov na mychlénie dáje u sovremiénnogo tcheloviéka" (p.10).
  • 23
    No original: "Skhódstvo s nakhódkami na stoiánkakh tcheloviéka razúmnogo bylo prosto porazítelnym. Po slovám Khenri, "vzgliády izmenílis: znatchítelimykh razlítchii miéjdu étimi grupami tepiér niet". Ona otmetcháet, chto, po ikh dánnym, u anatomístcheski sovremiénnogo tcheloviéka ne bylo preimúschestva v dóstupe k rastítelnoi pische" (p.13).
  • 24
    No original: "Takím óbrazom, son pozvoliáet mózgu v tetchénii jízni neprery'vno sokhraniát sposóbnosti formirovát nóvye vospominániia, izbegáia perenasyschéniia ili unitchtojéniia stáryh vospominánii" (p.42-43; sem itálicos no original).
  • 25
    No original: "V 1980 godú molodói fízik Alan Gut razmychliál nad étimi dvumiá paradóksami i nachiól rechéniie: nácha Vselénnaia moglá stremítelno razdútsia srázu je pósle Bolchógo vzry'va" (p.25; sem itálicos no original).
  • 26
    No original: "Tak je kak v slútchaie pólia Higgsa, narucháiuscheie simmétriiu guipotetítcheskoie póle doljnó porojdát ekzotítcheskiie i ótchen massívnyie tchastítsy, no vovletchénnyie v étot protsés mássy doljny' byt gorázdo bólche, tchem mássa rígsovskoi tchastítsy. Faktítcheski eto oznatcháiet, chto dliá priamógo póiska sootvétstvuiuschikh eksperimentálnykh podtverjdénii neobkhodímo sozdát uskorítel v 10 milliárdov raz moschnéie, tchem BAK" (p.28; sem itálicos no original).
  • 27
    No original: "déistvie, kotóroe reálno suchestvúet (suchestvovála ili búdet suchestvovát)"
  • 28
    No original: "ono predstavliéno v razvítii, protsiésse".
  • 29
    No original: "vozmójnoct, veroiátnost soobcháemogo, predpolojiénie, somniénie"
  • 30
    No original: "Kategorítchnost svóistvenna naútchnoi rietch po riádu pritchín. Otnocítelnost dostoviérnosti naútchnogo znániia, izmeniénie ego znatchímosti dlia naútchnogo sotsiéma vlyiavliáiutsa lich v protsiésse ego razvítiia, to est "strateguítcheski". V momiént je polutchiéniia znániia, poiska argumentov v polzy vydvinytoi guipotezy avtor ubejdién v eio dostoviérnosti i dommunikativno orientiróvan na to, chtóby ubedit tchitátelia ili sluchátelia v estiéstvennosti e zakonomiérnosti khoda svoéi mysli."

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2015
  • Aceito
    11 Jan 2016
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