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Formas do grotesco em A amoreira

RESUMO

Este artigo defende a relevância multifacetada da noção bakhtiniana do grotesco para o conto A amoreira, dos Irmãos Grimm. A gravidez da mulher, descrita em relação ao ciclo natural de vida-e-morte, representa tanto o grotesco no corpo individual quanto no seu papel mais amplo de renascimento que ele antecipa. A mãe morre após dar a luz. O pai casa-se novamente com uma mulher agressiva que decapita e cozinha seu enteado num forno, e o pai o come sem saber. O conto destaca a canção carnavalesca "Minha mãe me matou, Meu pai me comeu", cantada por um pássaro nascido na árvore onde os ossos do filho são enterrados. As interpolações de prosa e verso no conto tornam-se centrais para sua descrição do desenvolvimento moral romântico. A canção funciona como um pregão de Paris, para criar um mercado público que faz o diálogo avançar. A performance ainda ilumina o grotesco e conduz a narrativa até que a justiça seja restaurada.

PALAVRAS-CHAVE:
Carnaval; Grotesco: Verso; Conto de fada: Grimm

ABSTRACT

This essay argues for the multifold relevance of the Bakhtinian grotesque to the Brothers Grimm tale The Juniper Tree. The woman's pregnancy, described in relation to nature's life-death cycle, represents both the grotesque on the individual body and its larger role in the rebirth that it advances. The mother dies after giving birth. The father remarries an abusive woman who decapitates and cooks his son in a stew, which the father unknowingly eats. The tale highlights the carnivalesque song, "My Mother Slew Me, My Father Ate Me," sung by a bird born from the tree where the son's bones are buried. The tale's interpolations of prose and verse become central to its depictions of Romantic moral development. The song functions as a cris de Paris to create a marketplace that advances dialogue. The performance further illuminates the grotesque and guides the narrative until justice is restored.

KEYWORDS:
Carnival; Grotesque; Verse; Fairy Tale; Grimm

Minha mãe me matou meu pai me comeu minha irmã Marleninha meus ossos juntou num lenço de seda os amarrou debaixo da amoreira os ocultou piu, piu, que lindo pássaro sou!1 1 No texto original de Grimm: "miin Moder de mi schlacht't / miin Vader de mi att, / miin Swester, de Marleeniken, / söcht alle miin Beeniken / un bindt se in een süden Dook, / legts unner den Machandelboom; / kiwitt, kiwitt, ach watt een schön Vagel bin ick!" (GRIMM; GRIMM, 2007, p.213). Nesta tradução, deixamos a referência usada pela autora (GRIMM; GRIMM, 2002), mas utilizamos a versão em português dos versos encontrada em [http://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/o_junipero].

Introdução

A estrofe acima, um dos elementos-chave do conto de fadas dos Irmãos Grimm Van den Machandelboom (A amoreira) (KHM 47), serve a vários propósitos na narrativa da história2 2 Cada um dos contos recebe um número KHM que se aplica à ordem na qual o conto é listado na coleção Kinder- und Hausmärchen (Children and Household Tales). As citações ao longo do artigo referem-se à edição crítica publicada em 2007 pela Deutscher Klassiker Verlag. A versão estudada neste artigo é de 1827. A versão inicial de Grimm difere dos primeiros exemplos do conto de outros colecionadores, como Achim von Arnim (1808) e Johann Gustav Büsching (1812). Em 1806, o artista romântico Otto Runge tinha duas versões do conto (A e B) e enviou o A para J. Georg Zimmer, a editora de Des Knaben Wunderhorn de Armin e Clemens Bretano, com base em Heidelberg, e o B para seu irmão David. Em 1840 David enviou a versão B aos Irmãos Grimm, que começaram a publicar em 1843 como a versão nesta edição e em duas subsequentes. Para mais informações, conferir Bolte & Polívka (1913, p.412-423) e Scherf (1995, p.1316-1321). Meu artigo utiliza as traduções inglesas de Zipes, que se baseiam na sétima edição, de 1857. . A canção toma os últimos dois terços do conto, tornando-se seu elemento narrativo dominante. Segundo Herbert Halpert e J. D. A. Widdowson, a pesquisa a respeito da canção nos contos de fada tem sido rara por causa do hibridismo do gênero (HALPERT; WIDDOWSON, 2015HALPERT, H.; WIDDOWSON, J. A. Reprint of the two-volume 1996 edition. Folktales of Newfoundland. (RLE Folklore): The Resilience of Oral Tradition. Abingdon, Oxon: Routledge, 2015., p.184). Como resultado, os estudiosos são tentados a tratar tais elementos musicais intertextuais como possíveis subprodutos de uma tradição folclórica, ao invés de examiná-los por eles mesmos3 3 A inclusão de canção nos contos é normal em regiões geográficas onde a tradição oral é comum o suficiente para que os contos de fada não sejam considerados como um gênero híbrido (HARING, 2007, p.466). Isso é especialmente verdadeiro no estudo dos contos folclóricos de áreas onde a inclusão da música é parte da tradição oral de contar histórias, como a África ou o Caribe. . Desse modo, meu objetivo neste artigo é demostrar um caminho em que a análise da canção no conto de fadas leve a uma interpretação literária mais rica. Em primeiro lugar, discuto brevemente o caráter da estrofe dentro do contexto das fábulas inseridas na literatura de tradição europeia. A partir da minha análise textual literária, argumento que a repetição do verso no conto opera espacialmente em conjunto com a prosa para atuar como a estrutura literária do conto. Isso é possível se o conto for compreendido como um exemplo do subgênero cante fable, que intercala lírica e prosa, abre espaço para se perceber seus múltiplos pontos de relevância em relação à teoria bakhtiniana bem como para explicar sua persistência tanto no cânon de Grimm quanto no folclore mundial. Minhas conclusões demostram algo novo: a canção, enquanto uma narrativa miniatura do grotesco, não apenas faz o enredo avançar, mas vai além desta função para criar um mercado público de liberdade de expressão que permite que a justiça seja feita.

No cruzamento dos fenômenos literários, a versão de A amoreira faz parte da coleção dos Irmãos Grimm desde a sua primeira edição em 1812. O conto foi escrito no dialeto pomerano do baixo alemão, sendo um dos dois únicos contos de fadas no dialeto que resta na coleção dos Irmãos Grimm. Segundo Jack Zipes (2011, p.221)ZIPES, J. The Enchanted Screen: The Unknown History of Fairy Tale Films. New York: Routledge, 2011., os contos em dialeto conservam valor para os folcloristas, pois seu uso acrescenta um sentimento de lugar familiar. Sugiro que a inclusão do dialeto alemão também pode ser vista como um forjamento da fábula na crítica social. Arnold Clayton Henderson (1975, p.161) explica que as fábulas têm tido por muito tempo o potencial para uma crítica específica que pode ser alcançada pela voz autoral que deseja romper com a generalidade das fábulas. No caso de A amoreira, defendo que a preservação do dialeto não apenas faz o cante fable socialmente específico, mas também sugere um tempo anterior à padronização do alto alemão. O conto ainda ilustra a tradição por meio da descrição de uma estrutura cíclica natural que precede o papel do relógio na organização da vida social, que começou durante a Renascença. Na primeira sentença do conto, os irmãos Grimm declaram que a história tem mais de dois mil anos (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.209)4 4 Em português: "Há muito tempo, há uns dois mil anos, havia um homem rico, casado com uma mulher muito bonita e piedosa; eles amavam-se muito mas não tinham filhos e, por mais que os desejassem e a mulher rezasse dia e noite para tê-los, não apareciam" (http://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/o_junipero). .

A história começa com o antigo problema da infertilidade, aqui vivenciado por um casal financeiramente estabelecido que, depois de tentar ter filhos por muitos anos, dá a luz a um menino. A gravidez da mulher é descrita como um desenvolvimento coincidente com a mudança da estação, do branco do inverno para o verde da primavera, com o florescimento, germinação (concepção) e crescimento. Todavia, a mãe morre durante o parto, e as ações subsequentes de outros membros da família, após sua morte, dão seguimento à trama. O pai casa-se novamente com uma mulher ambiciosa. Esta dá a luz a uma menina, mata seu enteado, decapita-o e faz um guisado dele, que, sem saber, o pai come. A meia-irmã recolhe e enterra os ossos de seu irmão. O menino, então, renasce como um pássaro cantante, apenas para ser transformado num menino no final do conto, quando se reúne com sua família.

Mikhail M. Bakhtin explica que o ciclo contínuo do renascimento é um traço do grotesco. Ele escreve, em A cultura popular na Idade Média e no Renascimento, que o grotesco é uma maneira de indicar a nossa necessidade de compreender o

[...] devir, o crescimento, o inacabamento perpétuo da existência [...] o que morre e o que nasce; mostra dois corpos no interior de um único, a germinação e a divisão da célula viva. Nas formas mais altas do realismo grotesco e folclórico [...] não resta jamais um cadáver (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. Rabelais and His World. Translated by Helene Iswolsky. Cambridge, MA and London: MIT Press, 1968 [1965]. [1965], p.46)5 5 BAKHTIN, M. A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara F. Vieira. 7.ed. São Paulo: Hucitec, 2010 [1965]. .

Uma vez que morte, vida e renascimento criam um padrão circular interconectado, em A amoreira, o grotesco guia a narrativa do conto de uma maneira e, até certo ponto, desconhecida para as aplicações dos conceitos de Bakhtin aos contos de fadas. Zipes se baseia em Os gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003)6 6 BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: _______. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.261-306. para discutir a evolução dos contos a partir dos enunciados cotidianos (ZIPES, 2013_______. Why Fairy Tales Stick: An Evolution and Relevance of Genre New York: Routledge, 2013., p.16-17). Em outro estudo, ao considerar o filme, Zipes discute o ridículo nos desenhos animados e outras adaptações dos contos de fada a partir das ideias de Bakhtin a respeito do carnaval em A cultura popular na Idade Média e no Renascimento (ZIPES, 2011ZIPES, J. The Enchanted Screen: The Unknown History of Fairy Tale Films. New York: Routledge, 2011., p.54-55). Betty Moss utiliza as ideias bakhtinianas do grotesco no seu estudo feminista sobre o corpo da mulher no conto Peter and the Wolf [Pedro e o lobo] de Angela Carter. Ela compara a apreciação de Bakhtin sobre o corpo grotesco inacabado ao conceito de um corpo textual em contínuo movimento de Hélène Cixous (MOSS, 2001MOSS, B. Desire and the Female Grotesque in Angela Carter's Peter and the WolfIn: ROEMER, D. M.; BACCHILEGA, C. (Eds.). Angela Carter and the Fairy Tale. Detroit: Wayne State University Press, 2001, pp.187-203., p.193).

Ancorada nas ideias de Bakhtin, minha análise do conto de fada A amoreira demonstra que a transformação do menino em um pássaro é um espelho daquilo que Bakhtin se refere a "dois corpos em um: um que dá a vida e desaparece e outro que é concebido, produzido e lançado ao mundo" (2010 [1965], p.23; grifo do autor)7 7 Referência na nota de rodapé 5. . Um pássaro nasce da árvore sob a qual são enterrados os ossos do garoto. O pássaro canta uma canção carnavalesca do crime. Referida pelas líricas dos dois primeiros versos - minha mãe me matou, meu pai me comeu - a canção é a narrativa em miniatura do enredo precedente.

Minha pesquisa indica a importância de estudar o grotesco em A amoreira. Por meio de uma leitura atenta do conto, consigo demonstrar que a ação do pássaro cria um mercado público - uma canção por um item - onde ele chama a atenção para o assassinato do garoto pela madrasta, e, assim, desafia a violência na família, bem como traz uma resolução para a história. O grotesco é uma linha temática ao longo do conto, enfatizado até pelo título da canção: "Minha mãe me matou - Meu pai me comeu". Seu componente musical complementa estruturalmente a prosa e acentua a expressão do grotesco. A canção é uma saída para a história do menino após seu assassinato, uma vez que preenche um vazio deixado pela ausência física após seu corpo material ser enterrado. Como resultado, a canção não somente modela a forma literária de A amoreira, mas também destaca e aprofunda relevância do conto para Bakhtin.

Análise

O que possibilita especificamente esta pintura enriquecida de relevância bakhtiniana é o reconhecimento de A amoreira como um cante fable, um conto que inclui uma mistura de canção e prosa, ou uma "sequência narrativa que contém prosa e verso alternadamente" (Ó HÓGÁIN, 2008Ó HÓGÁIN, D. Cante Fable. In: HAASE, D. (Ed.). The Greenwood Encyclopedia of Folktales and Fairy Tales. v. 1. Westport, Connecticut and London: Greenwood Publishing , 2008, pp.158-159. , p.158)8 8 No original: "narrative sequence that contains alternating prose and verse". . O cante fable combina diferentes gêneros orais e traz problemas de classificação para o folclorista, "Estas são em si formas convencionais de expressão folclórica: os gêneros analiticamente considerados primários dialogam entre si" (BAUMAN, 1992BAUMAN, R. Contextualization, Tradition, and the Dialogue of Genres: Icelandic legends of the kraftaskáld. In: DURANTI, A.; GOODWIN, C. (Eds.). Rethinking Context: Language as an Interactive Phenomenon. Cambridge: Cambridge University Press, 1992, pp.124-145., p.139)9 9 No original: "These are themselves conventional forms of folkloric expression in which what are analytically considered as primary genres are brought into dialogue with each other". . O cante fable também marca passagens importantes de desenvolvimento na trama, uma vez que a inclusão do verso é uma maneira deliberada de ressaltar insights narrativos e momentos de drama (Ó HÓGÁIN, 2008Ó HÓGÁIN, D. Cante Fable. In: HAASE, D. (Ed.). The Greenwood Encyclopedia of Folktales and Fairy Tales. v. 1. Westport, Connecticut and London: Greenwood Publishing , 2008, pp.158-159. , p.158). A origem do cante fable é desconhecida, mas uma combinação da prosa e verso era popular na Europa do século XII, podendo ser até mesmo rastreada às influências do latim (HUNT, 1977HUNT, T. Precursors and Progenitors of "Aucassin et Nicolette." Studies in Philology, Chapel Hill, v.74., n.1, pp.1-19, 1977. , p.3).

A fábula, em uma classificação mais geral, é um gênero mais antigo que o conto de fadas, com raízes pagãs antigas e associações medievais. As fábulas geralmente se mantêm sozinhas ou podem ser inseridas em outro gênero literário "Coleções de fábulas, diferentemente das fábulas incidentalmente inseridas em outros trabalhos, têm seu próprio decorum, baseado na imitação da forma de antigos modelos" (HENDERSON, 1979HENDERSON, A. Animal Fables as Vehicles of Social Protest and Satire: Twelve Century to Henryson. In: GOOSSENS, J.; SODMANN, T. (Eds.). Third International Beast Epic, Fable and Fabliau Colloquium, Münster 1979 Proceedings. Köln and Wien: Böhlau Verlag, 1981, pp.160-173. , p.160)10 10 No original: "Collections of fables, as distinct from fables incidentally embedded in other works, have their own decorum based on imitating the form of antique models". . Nas fábulas clássicas dos romanos, elas refletem o mundo em si e o conflito social. Muitas formas medievais de fábula também existem e têm especificidades ao focalizarem as classes sociais (HENDERSON, 1979HENDERSON, A. Animal Fables as Vehicles of Social Protest and Satire: Twelve Century to Henryson. In: GOOSSENS, J.; SODMANN, T. (Eds.). Third International Beast Epic, Fable and Fabliau Colloquium, Münster 1979 Proceedings. Köln and Wien: Böhlau Verlag, 1981, pp.160-173. , p.163). Por exemplo, Robert Henryson, um mestre escocês do final do século XV, usou fábulas como comentário social explícito (HENDERSON, 1979HENDERSON, A. Animal Fables as Vehicles of Social Protest and Satire: Twelve Century to Henryson. In: GOOSSENS, J.; SODMANN, T. (Eds.). Third International Beast Epic, Fable and Fabliau Colloquium, Münster 1979 Proceedings. Köln and Wien: Böhlau Verlag, 1981, pp.160-173. , p.168). Em outras literaturas europeias medievais, o verso era geralmente incluído para avançar, continuar ou sustentar a narrativa. Ele também intensificava o dramático (REINHARD, 1926REINHARD, J. R. The Literary Background of the Chantefable. Speculum, Cambridge, MA, v. 1, n. 2, pp.157-169, 1926. , p.161-163). Godfrey de Viterbo (por volta de 1120-1196), de origem alemã, compôs Memoria Saeculorum, Um Opus Geminun (HUNT, 1977HUNT, T. Precursors and Progenitors of "Aucassin et Nicolette." Studies in Philology, Chapel Hill, v.74., n.1, pp.1-19, 1977. , p.13). Giovan Francesco Straparola (por volta de 1480-1565), um colecionador dos contos de fada italiano, usou a forma prosimetron, que é semelhante ao cante fable (REINHARD, 1926REINHARD, J. R. The Literary Background of the Chantefable. Speculum, Cambridge, MA, v. 1, n. 2, pp.157-169, 1926. , p.168). Aucassin et Nicolett é o exemplo do Cantefable que se originou na França do século XII ou XIII (HUNT, 1977HUNT, T. Precursors and Progenitors of "Aucassin et Nicolette." Studies in Philology, Chapel Hill, v.74., n.1, pp.1-19, 1977. , p.10). A originalidade do autor anônimo de Aucassin et Nicolett não estava na combinação da prosa e verso, mas em combinar líricas cantadas com a narrativa recitada (HUNT, 1977HUNT, T. Precursors and Progenitors of "Aucassin et Nicolette." Studies in Philology, Chapel Hill, v.74., n.1, pp.1-19, 1977. , p.1)11 11 Antigas narrativas francesas são, em parte, de origem celta, cuja literatura, de maneira semelhante, mostra a prosa se intercalar com o verso (REINHARD, 1926, p.158). "Talvez, o uso artístico e mais gracioso do prosimetron nos tempos modernos tenha sido feito por Dante (1265-1321), em Vita Nuova (ca. 1295). O verso de Dante é, em sua maior parte, uma repetição do que já foi dito na prosa, ou o inverso, a prosa é apenas uma explicação amplificada do que foi dito na rima" (REINHARD, 1926, p.167). No original: "Perhaps the most graceful and artistic use of the prosimetrum in modern times has been made by Dante (1265-1321) in the Vita Nuova (ca. 1295). Dante's verse is usually but a repetition of what has already been told in prose, or rather, the prose is only an amplified account of what has been said in rhyme". . Segundo Leonard Roberts, uma grande porcentagem dos contos de Grimm são cante fables (ROBERTS, 1956ROBERTS, L. The Cante Fable in Eastern Kentucky. Folk Narrative Issue II Adapted from Midwest Folklore, Bloomington, v. VI, pp.69-88, 1956. , p.203).

Meu artigo também se volta para o significado da inclusão da canção em A amoreira, o que já foi reconhecido nos estudos sobre os contos de fada. No sistema de classificação de Aarne-Thompson-Uther (ATU), o conto é listado como o tipo 720.12 12 Os contos de fada são mais comumente classificados por uma sequência episódica ou outros motivos compartilhados (ABRAHAMS, 1985, p.308). O número do índice ATU inclui uma breve descrição para identificar contos semelhantes. Neste caso, a canção é de vital importância na determinação do tipo de conto. Como outros contos classificados como ATU 720, "os choros dos assassinados ou almas transformadas são muitas vezes postos em verso" (GOLDBERG, 2010GOLDBERG, C. Folktale. In: MCCORMICK, C.; KENNEDY WHITE, K. (Eds.). Folklore: An Encyclopedia of Beliefs, Customs, Tales, Music and Art. v. 1. Santa Barbara, California: ABC-CLIO, 2010, pp.558-569. , p.562)13 13 No original: "the plaints of murdered or transformed souls are often versified". . Embora as definições do cante fable variem, de acordo com Ó HÓGÁIN, A amoreira parece se classificar como cante fable, pela abundância de verso no conto. Geralmente, num cante fable, a prosa e o verso se complementam na narrativa. Este padrão pode ser identificado em A amoreira, onde uma forma textual começa onde a outra acaba. Sua estrofe de sete linhas é cantada oito vezes. Num estudo recente de Stephen Benson a respeito do cante fables e suas adaptações pós-modernas, ele afirma que inexiste evidência conclusiva em relação ao status de A amoreira como um cante fable (BENSON, 2015BENSON, S. The Soul Music of The Juniper TreeIn: TATAR, M. (Ed.) The Cambridge Companion to Fairy Tales. Cambridge: Cambridge University Press, 2015, pp.166-185., p.169). Segundo Benson, o cante fable deveria ter mais canção, mas o A amoreira dos Grimms contém quatro vezes mais canção do que um protótipo cante fable. Richard Bauman afirma que o conto de Grimm O osso que canta (Der singende Knochen) (KHM 28, ATU 780) é "muitas vezes citado como o protótipo do cante fable" (BAUMAN, 1992BAUMAN, R. Contextualization, Tradition, and the Dialogue of Genres: Icelandic legends of the kraftaskáld. In: DURANTI, A.; GOODWIN, C. (Eds.). Rethinking Context: Language as an Interactive Phenomenon. Cambridge: Cambridge University Press, 1992, pp.124-145., p.139)14 14 No original: "often cited as the prototype of the cante fable". . Ele contém uma estrofe de seis versos, cantada apenas duas vezes; nela, "o segredo é revelado por meio de um verso cantado pela flauta (assim, cante fable, conto cantado)" (BAUMAN, 1992BAUMAN, R. Contextualization, Tradition, and the Dialogue of Genres: Icelandic legends of the kraftaskáld. In: DURANTI, A.; GOODWIN, C. (Eds.). Rethinking Context: Language as an Interactive Phenomenon. Cambridge: Cambridge University Press, 1992, pp.124-145., p.139)15 15 No original: "the secret is brought to light by means of a verse sung by the bone flute (hence cante fable, singing tale)". . Em sua apresentação de A amoreira, Johannes Bolte e Georg Polívka também mencionam uma versão louisiana de O osso que canta, por causa de sua semelhança com a versão alemã de A amoreira. Nesta versão norte-americana de O osso que canta, um pássaro canta a canção por toda a cidade para vingar o assassinato do menino pela madrasta (BOLTE; POLÍVKA, 1913BOLTE, J.; POLÍVKA, G. Van den Machandelboom. In: Anmerkungen zu den Kinder-und Hausmӓrchen der Brüder Grimm vol. 1. Leipzig, Dieterich'sche Verlagsbuchhandlung Theodor Weicher, 1913, pp.412-423., p.421).

Na versão de A Amoreira, dos Irmãos Grimm, o pássaro representa uma nova ordem. A canção marca especificamente o fim da narrativa de uma infância terrível e um mundo potencialmente mais gentil. O pássaro canta a mesma canção carnavalesca oito vezes - duas vezes para o ourives, o sapateiro e para os trabalhadores do moinho, antes de cantar para sua família. Depois de cantar uma vez, os homens da cidade lhe pedem para repetir a canção, e ele concorda em troca de um presente. Dessa maneira, a canção funciona como um pregão de Paris, a forma identificada por Bakhtin como um elemento de liberdade da fala no carnavalesco. Segundo Bakhtin, os pregões de Paris, ou as canções dos vendedores de rua, "eram colocados em versos e cantados com diversas melodias" para atrair fregueses no comércio medieval e na Renascença (2010 [1965], p.132)16 16 Referência na nota de rodapé 5. . Como um pregão de Paris, a canção permeia a história e é repetida para atrair a atenção para as mercadorias à venda. No conto, o pássaro canta a canção como uma propaganda de si mesmo e, assim, cria um comércio para a sua mensagem. Essa troca, uma canção por um presente, também fornece uma estrutura para o conto, após a morte do menino. Ela avança a trama enquanto constrói suspense em direção ao final dramático e feliz, no qual a harmonia familiar é restaurada.

A canção da fábula "Minha mãe me matou, Meu pai me comeu" funciona como uma forma de o menino-pássaro exercer poder sobre a sua vida pós-morte. Ao ter estabelecido anteriormente a capacidade de analisar a inclusão do cante fable como uma parte integral da fábula, sustento que a canção permite que, por fim, a justiça prevaleça no final do conto. Enquanto uma criança vitimada, ele é impotente vivendo sob as regras da madrasta após a morte de sua mãe. Transformada em um pássaro, ele é capaz de cantar uma canção que documenta o crime e muda o equilíbrio prévio de poder por meio de seu controle da narrativa. Cantada ao povo da cidade, a performance cria um registro oral do assassinato, desafiando, assim, a história que a madrasta forja a respeito de sua ausência (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.211-212). O cante fable opera no conto como uma correção da injustiça.

Anterior a este período sombrio, os modos de o conto estabelecer a fase inicial de harmonia confirmam, em termos bastante específicos, os insights de Bakhtin sobre a ênfase cíclica do grotesco. No começo do conto, a mãe do garoto-vítima é descrita exclusivamente passando tempo no jardim durante sua gravidez. Pelas suas ações, seu corpo torna-se associado com a natureza. Ela está do lado de fora quando corta seu dedo, ao descascar uma maçã debaixo da amoreira, e anseia por uma criança ao ver o sangue. Nas fábulas, o sangue simbolicamente representa a concepção, uma vez que o sangramento menstrual é uma pré-condição para a vida (BETTELHEIM, 2010BETTELHEIM, B. The Uses of Enchantment: The Meaning and Importance of Fairy Tales. New York: Vintage Books, 2010 [1976]. [1976], p.202). A mulher se desfigura ao carregar a criança por toda a gestação (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.209). Além disso, a mudança em seu corpo reforça o elemento cíclico do grotesco. Os Irmãos Grimm adotaram a imagem de nono mês de gravidez de Otto Runge, o que marca a história como romântica e a distingue de versões posteriores em outras coleções de fábulas que não incluem uma descrição paralela da natureza (SCHERF, 1995_______. "Van den Machandelbaum." Das Märchen Lexikon. Zweiter Band: L-Z. Munich: Verlag C. H. Beck, 1995, pp.1316-1321., p.1319). Aqui, sua gravidez se desenvolve com as estações, o que também é caraterístico da tradição grotesca: "[n]os períodos iniciais ou arcaicos do grotesco, o tempo aparece como uma simples justaposição (praticamente simultânea) das duas fases do desenvolvimento: começo e fim, inverno-primavera, morte-nascimento" (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. Rabelais and His World. Translated by Helene Iswolsky. Cambridge, MA and London: MIT Press, 1968 [1965]. [1965], p.22)17 17 Referência na nota de rodapé 5. . Em sua gravidez, ela cheira as florações do fruto maduro da amoreira, come, e pelo comer do fruto, metaforicamente torna-se uma substituta para Mãe Terra. Para Bakhtin, "o corpo revela sua essência como princípio em crescimento que ultrapassa os seus próprios limites" em atos como "a gravidez, o parto, a agonia, o comer, o beber e a satisfação das necessidades naturais" (2010 [1965], p.23)18 18 Referência na nota de rodapé 5. . Ela continuamente se volta à amoreira para as suas necessidades durante a gravidez, o que também fortalece sua associação com a natureza.19 19 Zipes afirma que as pessoas acreditavam que o fruto da amoreira tem propriedades mágicas e valor medicinal, visto que são utilizados como remédios naturais para muitas doenças. Além disso, sua madeira protege as casas contra os demônios e o fogo (ZIPES, 2011, p.222). As características físicas de sua criança igualmente reforçam essa relação biológica, quando dá à luz a criança que desejou: "branco como a neve, vermelho como o sangue"20 20 No original: "white as snow, as red as blood". Este mantra é uma descrição bem conhecida da criança, Branca de Neve. Muitas sagas retratam um corvo sangrento na neve. As origens desta imagem podem ser rastreadas até o romance medieval alemão de Wolfgang von Eschenbach, Parzival (SCHERF, 1995, p.1129). . O recém-nascido torna-se uma extensão da conexão de sua mãe com a natureza após sua morte: "'Se eu morrer,' ela diz, 'enterrem-me debaixo da amoreira' [...] Então, ela dá a luz a uma criança branca como a neve e vermelha como o sangue. Quando ela viu o bebê, ficou tão encantada que faleceu" (GRIMM; GRIMM, 2002_______. The Complete Fairy Tales of the Brothers Grimm. Translated by Jack Zipes. New York: Bantam Books, 2002., p.159)21 21 O texto de Grimm: "'wenn ick starve, so begrave mi ünner den Machandelboom.' Do wurde se gans getrost un freute sick, bet de neegte Maand vörbi was, daar kreeg se een Kind, so witt as Snee un so rood as Blood: un as se dat sach, so freute se sick so, dat se sturv" (GRIMM; GRIMM, 2007, p.209). . Este processo se encaixa com o conceito de grotesco de Bakhtin: "Na cadeia infinita da vida corporal, elas fixam as partes onde um elo se prende ao seguinte, onde a vida de um corpo nasce da morte de um outro mais velho" (2010 [1965], p.278; grifos do autor)22 22 Referência na nota de rodapé 5. . Esta continuidade de vidas é marcada pela árvore, que evoca a mãe e conforta cada membro da família, com exceção da madrasta. Seu reino é a cozinha, onde ela trama contra o enteado.

Logo depois da morte da mãe e do período de luto do pai, começam os problemas do garoto, uma vez que o foco da família muda da criação na natureza para o controle da propriedade. A reorientação ocorre quando o pai se casa novamente; rapidamente, o casal tem sua própria criança, uma menina, que recebe tratamento preferencial em relação ao menino, por causa da herança da família. O foco da madrasta na casa, ao invés da natureza, mostra seu caráter e interesses como anormais (sob as sombras da memória da primeira esposa). A madrasta anseia controlar a riqueza da família, o que causa discórdia familiar, abuso da criança, e leva ao assassinato do seu enteado. Ela demostra sua motivação por meio do controle da família e de sua propriedade. Por exemplo, com prazer ela dá à sua filha uma maçã, quando ela pede. Mais tarde, oferece ao enteado uma maçã da mesma caixa, mas não com a mesma intenção honorável. Pelo contrário, ela usa a caixa com uma grande fechadura de aço para decapitá-lo quando ele pega uma maçã.

O assassinato exibe um dos primeiros exemplos de som no conto. A sua descrição lexical representa o som. Um barulhento bratsch! descreve a pancada na cabeça do menino, vindo do violento fechar da caixa23 23 No final do conto, o som é repetido enquanto a nó de moinho esmaga a cabeça da madrasta. A palavra Bratsch une as mortes do menino e da madrasta e estabelece a ação do pássaro em matar a madrasta como retribuição por maltratar o menino. Rölleke afirma que Bratsch é uma Motivreim, ou uma alusão literária que reverte e contrasta a morte precoce do menino. A definição para o verbo Bratschen é "golpear com a mão aberta" [no original: mit der offenen hand schlagen] (DÄHNERT, 1781, p.54). O substantivo Bratsch não existe no Dicionario de Dähnert. Contudo, Bratsch é descrita como um som usado para mostrar que o menino está sendo golpeado no Wörterbuch der altmärkisch-plattdeutschen Mundart: "crash, um som na natureza que serve para indicar a batida contra o corpo. Crash, ele recebeu do ferreiro" [no original: "Bratsch, ein Naturlaut, dessen man sich bedient, um den Schlag gegen einen Körper zu bezeichnen. Bratsch! kreg he von de Smäd'n Slag] (DANNEIL, 1859, p.24). Na introdução, Danneil afirma que o manuscrito do dicionário foi compartilhado com Jacob Grimm, que acreditou ser o projeto uma empreitada que valia a pena (III). . "Crash" [Bratsch] é um termo do dialeto Mark Brandenburg-Pomerano linguisticamente associado com o bater de uma parte do corpo. Heinz Rölleke, no comentário de seu conto, afirma que a palavra Bratsch é um exemplo de onomatopeia ou a criação de palavras para imitar um som (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.1218). Ela funciona como um prenúncio percursivo de uma reversão da justiça, assim como uma virada decisiva ao grotesco na sua expressão de violência contra os restos mortais do jovem. Para esconder sua transgressão, a madrasta engana sua própria filha, fazendo-a crer que ela é culpada pela morte de seu irmão. Seguindo o conselho da madrasta, a filha golpeia a cabeça do irmão que cai, como se já estivesse separado do corpo. Convencida de que havia assassinado seu próprio irmão, a filha torna-se cúmplice dos crimes adicionais da madrasta, visto que ela vigia, enquanto o corpo do menino é trucidado e feito um cozido. A partir de então, ela se mantém horrorizada pela violência e fica sozinha em luto (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.210).

Bakhtin explica que o mundo geralmente não fica alienado no conto de fadas, uma vez que a alienação é uma característica do realismo grotesco, em que "o habitual e próximo torna-se subitamente hostil e exterior. É o nosso mundo que se converte de repente no mundo dos outros" (2010 [1965], p.42; grifos do autor)24 24 Referência na nota de rodapé 5. . Contudo, a cena da decapitação no conto A amoreira mostra até que ponto as crianças são alienadas. A partir do discernimento de Bakhtin entre os dois gêneros, sigo outra linha do seu pensamento, demostrada em outro lugar em A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. Lá ele critica o estudo de G. Schneegan na sua obra The History of Grotesque Satire [A história da sátira grotesca] (1894), por ignorar a importância do folclore como uma fonte do grotesco (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. Rabelais and His World. Translated by Helene Iswolsky. Cambridge, MA and London: MIT Press, 1968 [1965]. [1965], p.265)25 25 Referência na nota de rodapé 5. . A relação dos contos folclóricos e o grotesco explica o porquê de os modos do grotesco serem encontrados em múltiplos níveis, incluindo a maneira como o conto mostra a desolação emocional das crianças.

A adequação das ideias de Bakhtin para a sequência de histórias de horror fica evidente na cobertura das transgressões da madrasta. Quando o pai volta para casa, a madrasta lhe diz que seu filho foi visitar um parente. Os restos mortais do corpo do menino não precisam ser escondidos; em vez disto, eles devem ser consumidos. O comer é uma característica do grotesco, que

[...] despedaça o mundo, fá-lo entrar dentro de si, enriquece-se e cresce às suas custas. O encontro do homem com o mundo que se opera na grande boca aberta que mói, corta e mastiga é um dos assuntos mais antigos e mais marcantes do pensamento humano (BAKHTIN, 2010 [1965]BAKHTIN, M. Rabelais and His World. Translated by Helene Iswolsky. Cambridge, MA and London: MIT Press, 1968 [1965]., p.245; grifos do autor)26 26 Referência na nota de rodapé 5. .

No conto de fadas, o pai é consolado com o guisado, que foi temperado com as lágrimas de Marlene:

'Oh, aquilo me entristece,' o homem falou. 'Não está certo. Ele deveria ter dito: Adeus! para mim.' Em seguida ele começou a comer e disse: 'Marlene, por que está você chorando? Seu irmão voltará logo mais.' Sem hesitar, ele falou: 'Oh mulher, a comida é gostosa! Dê-me mais comida!' (GRIMM; GRIMM, 2002_______. The Complete Fairy Tales of the Brothers Grimm. Translated by Jack Zipes. New York: Bantam Books, 2002., p.160)27 27 O texto de Grimm: "'Ach', sed de Mann, 'mi is so recht trurig, dat is doch nich recht, he had mi doch Adjüs seggen schullt.' Mit des fung he an to eeten, un sed 'Marleenken, wat weenst du? Broder ward woll wedder kamen.' 'Ach, Fru', sed he do, 'wat smeckt mi dat Eten schön! giv mi meer'" (GRIMM; GRIMM, 2007, p.211-212). .

Bakhtin comenta que tristeza e comida são geralmente incompatíveis, visto que a imagem de comer está associada com as festividades de banquetes (2010 [1965], p.245)28 28 Referência na nota de rodapé 5. . Contudo, em A amoreira o pai devora o guisado: "Quanto mais ele comia, mais ele queria! 'Dê-me mais!' Ele falou. 'Não vou partilhar a comida com você! De alguma maneira, sinto como se fosse todo meu'" (GRIMM; GRIMM, 2002_______. The Complete Fairy Tales of the Brothers Grimm. Translated by Jack Zipes. New York: Bantam Books, 2002., p.160)29 29 O texto de Grimm: "Un je meer he at, je meer wuld he hebben, un sed 'gevt mi meer, gi söllt niks daaraf hebben, dat is as wenn dat all miin weer'" (GRIMM; GRIMM, 2007, p.211-212). . O seu apetite enfatiza a conexão biológica entre o pai e o filho ao invés da famosa aquisição de poder como na horrível cena em Branca de Neve, na qual a rainha malvada pede os órgãos da enteada para o jantar. De fato, a consideração das semelhanças em A amoreira a partir das considerações de Bakhtin a respeito do consumação não é absoluta, pois liga-se de maneira mais forte à sua compreensão do movimento cíclico no grotesco: "O homem degusta o mundo, sente o gosto do mundo, o introduz no seu corpo, faz dele uma parte de si" (BAKHTIN, 2010 [1965]BAKHTIN, M. Rabelais and His World. Translated by Helene Iswolsky. Cambridge, MA and London: MIT Press, 1968 [1965]., p.245)30 30 Referência na nota de rodapé 5. . As experiências do filho parecem completar o movimento circular da vida, iniciado pelo gentil paradigma mãe - filho, no qual sua mãe come os frutos do jardim e morre no parto. Como consequência, as duas cenas ilustram o aspecto rejuvenescente do grotesco:

[...] os principais acontecimentos que afetam o corpo grotesco [...] a gravidez [...] o desmembramento, a absorção por um outro corpo - efetuam-se nos limites do corpo e do mundo ou nos do corpo antigo e do novo (BAKHTIN, 2010 [1965]BAKHTIN, M. Rabelais and His World. Translated by Helene Iswolsky. Cambridge, MA and London: MIT Press, 1968 [1965]., p.277; grifos do autor)31 31 Referência na nota de rodapé 5. .

Aqui, pela experiência do jantar, o pai permite que o filho retorne ao seu corpo e, finalmente, para casa. O pai deixa cair os ossos de seu filho no chão, e Marlene os recupera para enterrar. As ações dela conduzem à "possibilidade de um mundo verdadeiro em si mesmo, o mundo da idade do ouro, da verdade carnavalesca [...] o mundo existente é destruído para renascer e renovar-se em seguida" (BAKHTIN, 2010 [1965]BAKHTIN, M. Rabelais and His World. Translated by Helene Iswolsky. Cambridge, MA and London: MIT Press, 1968 [1965]., p.42)32 32 Referência na nota de rodapé 5. . Ela coloca os ossos debaixo da amoreira, a árvore balança, os ossos desaparecem, e um pássaro nasce das chamas da árvore33 33 O conto folclórico russo The Wondrous Wonder, the Marvelous Marvel, contém um exemplo humorístico do motif. A filha do czar colhe os ossos do ganso cozido, o que se assemelha ao pássaro ser assado e comido novamente (SINYAVSKY, 2007, p.55). . A alienação de Marlene em relação à sua família, após a morte do irmão, lhe permite compreender a falsa estabilidade de sua vida doméstica.

Num estudo recente sobre este conto, Jeana Jorgensen tratou da caraterização de Marlene no contexto da transgressão do corpo dentro do corpus dos contos de fada dos Irmãos Grimm. Embasada nas teorias feministas sobre corpos grotescos, estranhos e abjetos, ela examina o modo pelo qual o gênero, a idade e outras características são representadas nos contos de fada. Jorgensen conclui que Marlene é construída no conto como desamparada (JORGENSEN, 2014JORGENSEN, J. Quantifying the Grimm Corpus: Transgressive and Transformative Bodies in the Grimms' Fairy Tales. Marvels & Tales: Journal of Fairy-Tale Studies, Detroit, v. 28, n. 1, pp.127-141, 2014. , p.136). Contudo, o texto ilustra um lado diferente de Marlene, quando ela se responsabiliza pelo funeral do irmão; um ato humanista de evocação que ela executa com decoro e como um ato de amor. Marlene se recompõe e coleta os ossos de seu irmão para enterrá-los debaixo da amoreira: "Marlene foi ao seu guarda-roupa e escolheu seu melhor cachecol de seda da gaveta mais baixa, juntou todos os ossos que estavam embaixo da mesa, atou no seu cachecol de seda e os carregou para fora da porta" (GRIMM; GRIMM, 2002_______. The Complete Fairy Tales of the Brothers Grimm. Translated by Jack Zipes. New York: Bantam Books, 2002., p.160)34 34 O texto de Grimm: "Marleenken averst ging hen na eere Commode, un namm uut de unnerste Schuuf eeren besten siiden Dook, und halt all de Beenken und Knaben ünner den Disch herut, un bund se in den siiden Dook, un drog se vör de Döör..." (GRIMM; GRIMM, 2007, p.212). . O agenciamento de Marlene completa o renascimento do irmão iniciado pelo pai. Além disso, ela honra a memória de seu irmão, distanciando ambos da vitimização.

Um breve exame da recepção da história reconhece o modo como o ato heroico de bondade de Marlene inscreveu seu nome na história. Variações de seu nome permanecem nas coleções de contos de fada. Além dos Irmãos Grimm, ela tem seu nome em pelo menos, três versões diferentes do conto, provenientes de outras áreas da Alemanha e França: Stralsund (Marleneken) e Höxter próximo a Firmenich (Marleineke), e próximo a Sébillot na França (Marguerite) (BOLTE; POLÍVKA, 1913BOLTE, J.; POLÍVKA, G. Van den Machandelboom. In: Anmerkungen zu den Kinder-und Hausmӓrchen der Brüder Grimm vol. 1. Leipzig, Dieterich'sche Verlagsbuchhandlung Theodor Weicher, 1913, pp.412-423., p.418). Variações adicionais dos nomes da filha também existem em vários outros contos, partindo desde Lehne, em Silésia, até Leenechen, em Anhalt a Berline, na Dinamarca (BOLTE; POLÍVKA, 1913BOLTE, J.; POLÍVKA, G. Van den Machandelboom. In: Anmerkungen zu den Kinder-und Hausmӓrchen der Brüder Grimm vol. 1. Leipzig, Dieterich'sche Verlagsbuchhandlung Theodor Weicher, 1913, pp.412-423., p.415-416)35 35 Para uma comparação extensiva das variantes do conto, ver Bolte e Polívka (1913, p.412-423). . Todos esses contos a evocam em edições e traduções de um modo notável, comparado a outras personagens. Consideravelmente, nenhuma outra personagem tem um nome em muitos dos contos, incluindo os contos de Grimm. Por meio de sua ação, Marlene demonstra seu próprio agenciamento e é redimida, embora seja maculada por causa de sua cumplicidade com os crimes da mãe. Os sapatos vermelhos que o pássaro posteriormente lhe dá representam a sua perda de inocência. No começo do conto, ela é apresentada como uma criança ingênua. Mais tarde, ela sente remorso após o assassinato da mãe e de ela servir o corpo do seu irmão num guisado. Sua ação posterior de enterrá-lo permite sua transformação num pássaro, o que novamente ilustra o princípio de Bakhtin do movimento circular da vida como um aspecto do grotesco.

Além disso, o desenvolvimento de Marlene e a transformação de seu irmão trazem uma nova compreensão do conceito bakhtiniano do "romântico grotesco". Tendo estabelecido anteriormente que ambas as crianças são incorporadas na natureza e aliadas às mudanças da estação, o conto se move em direção a uma ilustração do ideal romântico de uma individualidade mais forte e mais completa. No contexto romântico alemão, a transformação do menino pode ser vista como uma característica do período literário no qual os Irmãos Grimm colecionaram e publicaram os contos de fada. A incompletude da forma literária romântica permite um infinito imaginado com um futuro que promete equilíbrio, harmonia e perfeição (RAUBER, 1969RAUBER, D. F. The Fragment as Romantic Form. Modern Language Quarterly, Durham, v. 30, n. 2, pp.212-221, 1969., p.214). O termo "grotesco romântico" de Bakhtin reflete a semelhança desta trajetória àquela do grotesco. O conceito híbrido de romantismo e realismo grotesco incorpora o ato de tornar-se e aponta para renovação: "Ao morrer, o mundo dá à luz" (BAKHTIN, 2010 [1965]BAKHTIN, M. Rabelais and His World. Translated by Helene Iswolsky. Cambridge, MA and London: MIT Press, 1968 [1965]., p.42)36 36 Referência na nota de rodapé 5. . A destruição serve como um mecanismo para a renovação, uma ideia que segue a tradição humanística: "Na realidade, o grotesco, inclusive o romântico, oferece a possibilidade de um mundo totalmente diferente, de uma ordem mundial distinta, de uma outra estrutura da vida" (BAKHTIN, 2010 [1965]BAKHTIN, M. Rabelais and His World. Translated by Helene Iswolsky. Cambridge, MA and London: MIT Press, 1968 [1965]., p.42)37 37 Referência na nota de rodapé 5. . Dessa maneira, a morte inicia um processo de mudança que os contos de fada prometem. Por exemplo, em A amoreira, este processo significa o despertar do homem, um momento que Bakhtin geralmente associa com o jovial ato de comer (2010 [1965], p.245)38 38 Referência na nota de rodapé 5. . Comer representa esta nova consciência. A morte do menino começa a transformação. Enquanto um pássaro, ele transcende simbolicamente a injustiça para operar em direção à harmonia, quando ele voa pela cidade e canta a crueldade de sua família. A habilidade do pássaro de relembrar aquilo que o menino assassinado vivenciou e formular a memória em narrativa possibilita que o menino conte sua história após sua morte. A sua ação transforma uma história de desolação em uma de esperança por justiça para o menino assassinado. O seu ato de cantar torna-se um registro oral do assassinato. Quando o pássaro termina de cantar, cerca de trinta pessoas de todos os níveis de camadas econômicas ouviram a história: donos de pequenos negócios, suas famílias, empregados e moleiros. A canção é espalhada de tal modo entre a população que a mensagem do pássaro não será facilmente esquecida. Ademais, a inclusão dos membros da comunidade de várias origens socioeconômicas é uma característica da atmosfera do mercado público grotesco, descrito por Bakhtin (2010 [1965], p.138)BAKHTIN, M. Rabelais and His World. Translated by Helene Iswolsky. Cambridge, MA and London: MIT Press, 1968 [1965]. 39 39 Referência na nota de rodapé 5. .

O pássaro viaja de uma localidade para outra agradando as pessoas com sua canção, e, como resultado, elas vêm para a rua para negociar com ele. As canções do mercado, pregão de Paris, eram um tipo de propaganda que incitava os negócios e criava uma atmosfera de troca, segundo Bakhtin (2010 [1965], p.132)BAKHTIN, M. Rabelais and His World. Translated by Helene Iswolsky. Cambridge, MA and London: MIT Press, 1968 [1965]. 40 40 Referência na nota de rodapé 5. . Diferente das canções cantadas nas igrejas, cortes e palácios, o mercado se tornou um espaço imbuído de um discurso familiar de "liberdade, franqueza e familiaridade" (BAKHTIN, 2010 [1965]BAKHTIN, M. Rabelais and His World. Translated by Helene Iswolsky. Cambridge, MA and London: MIT Press, 1968 [1965]., p.132)41 41 Referência na nota de rodapé 5. . Argumento que, no conto de fada, a performance da canção para outros negociadores e seus empregados cria uma atmosfera semelhante.

Isto é visto, por exemplo, quando o ourives interrompe o seu projeto para seguir a linda voz do pássaro empoleirado no seu telhado. Ele se concentra exclusivamente na música, perdendo um chinelo no caminho, em um dia radiante, mas mantém a caminhada até encontrar a fonte da música. Ele pede para ouvir a canção uma segunda vez, e o pássaro concorda em troca do colar dourado na sua mão. A situação do sapateiro é semelhante: ao correr para a porta, ouve o pássaro e encobre seus olhos do sol brilhante42 42 "Die klare Sonne bringt's an den Tag" (The Bright Sun Will Bring It to Light), na coleção dos Irmãos Grimm, usa-se o sol como uma imagem no seu conto homônimo, no qual um assassinato que havia sido mantido em segredo torna-se conhecido à comunidade (GRIMM; GRIMM, 2007, p.489-490). O símbolo da luz é antigo, pois, pela luz, se conquista a escuridão no livro do Gênesis (NAB, Gen. 1.3-5). . Reagindo ao cantar do pássaro, ele chama toda a sua família e empregados para ouvir o lindo pássaro com plumas e olhos que brilham como estrelas. O sapateiro troca os sapatos vermelhos pela repetição da apresentação. Finalmente, o pássaro voa para o moedor, onde pousa numa tília. O ritmo do trabalho do moinho "clic-clac, clic-clac, clic-clac" e o som do cinzelamento "clic-clac, clic-clac, clic-clac" inicialmente acompanham a canção do pássaro (GRIMM; GRIMM, 2002_______. The Complete Fairy Tales of the Brothers Grimm. Translated by Jack Zipes. New York: Bantam Books, 2002., p.163)43 43 O texto de Grimm lê "klippe klappe, klippe klappe, klippe klappe" e "hick hack, hick hack, hick hack" (GRIMM; GRIMM, 2007, p.214). . Aqui, a escolha lexical expressa um sentimento de música. Embora o conto não inclua o tom vocal do pássaro, os sons descritos pela batida das ferramentas no moinho possibilitam a sensação do ritmo da canção para acompanhar a letra. Pouco a pouco, cada empregado suspende o seu trabalho para escutar: no começo, apenas um homem para, mas, posteriormente, após um verso, mais dois, continuando dessa maneira até que o último ponha no chão suas ferramentas para ouvir as palavras finais do pássaro. Esta desintegração do coro dos trabalhadores do moinho para a repetida performance solo do pássaro parece ser um exemplo do diálogo que Brandist explica em seu artigo em relação à mudança bakhtiniana da linguagem para imagens históricas, enredos e a linguagem que formou o conceito de carnaval (2016, p.23). Diálogos posteriores se sucedem, e os trabalhadores se reúnem em uníssono para cantar "Expulsão! Expulsão! Expulsão!" enquanto erguem a mó ao redor do pescoço do pássaro, em troca de uma reprise (GRIMM; GRIMM, 2002_______. The Complete Fairy Tales of the Brothers Grimm. Translated by Jack Zipes. New York: Bantam Books, 2002., p.164)44 44 No texto de Grimm, lê-se "hu uh uhp, hu uh uhp, hu uh uhp" (GRIMM; GRIMM, 2007, p.215). . A combinação da canção e ação dos trabalhadores inscreve o som à mó, finalizando o conto com uma barulheira nesta sinfonia do mercado. O pássaro retorna à tília para cantar a cappella para os trabalhadores do moinho; a veracidade de sua mensagem não necessita qualquer acompanhamento. Conforme as performances repetidas precedentes, o conto não ilustra qualquer resposta adicional da audiência. Embora pouco seja conhecido da melodia atualmente, a letra indica uma tristeza aparente, visto que a canção conta a história de crimes precedentes de extrema violência contra as crianças. Não obstante a mensagem, a canção conquista toda a população. Estes ficam intrigados pelo som, bem como pela imagem visual do pássaro45 45 O conto foi incluído sem nenhuma ilustração no Kleine Ausgabe (1825), uma edição abreviada para crianças da coleção dos Grimm, embora tenha sido o primeiro volume dos Irmãos Grimm que inclui imagens. Moritz von Schwind ilustrou o conto em 1845 (SCHERF, 1995, p.1319). Embora Johann W. Goethe fosse mais velho do que os Irmãos Grimm, ele tinha conhecimento do conto de fada muito tempo antes de sua publicação, desde a sua infância (BOLTE; POLÍVKA, 1913, p.416). Ele o incorpora no Faust I (1808) enquanto Gretchen canta uma versão da canção na sua cela da prisão, esperando sua execução por causa do infanticídio (HART, 2005, p.15). .

Para começar a explicar esta discrepância, volto-me para o Von musikalischen Schӧnen (On the Musically Beautiful) de Eduard Hanslick, que trata do aspecto técnico da criação musical em sua relação com a beleza. Hanslick afirma que o compositor responsável pela criação de uma trilha sonora imagina o que a audiência poderia achar bonito quando as pessoas escutam46 46 A música não provém da natureza, apesar de o senso comum afirmar que sim. Por exemplo, uma canção de pássaro é apenas uma inspiração para a música (HANSLICK, 1966, p.148). . Durante uma apresentação, a audiência contempla a composição e vivencia uma sensação. A sensação é a reação típica à música, consistindo de uma resposta inicial à qualidade percebida (HANSLICK, 1966_______. Von musikalischen Schӧnen: Ein Beitrag zur Revision der Ӓsthetik der Tonkunst. Wiesbaden: Breitkopf & Härtel, 1966., p.6). De forma semelhante, as cante fables também levam a uma resposta da audiência, que não está necessariamente relacionada com a beleza, mas, ao contrário, à mensagem que a música enfatiza: "Eles (os cante fables) possibilitam que a audiência reconheça e responda a certas seções centrais da história" (HALPERT; WIDDOWSON, 2015HALPERT, H.; WIDDOWSON, J. A. Reprint of the two-volume 1996 edition. Folktales of Newfoundland. (RLE Folklore): The Resilience of Oral Tradition. Abingdon, Oxon: Routledge, 2015., p.xlix)47 47 No original: "They [cante fables] allow the audience to recognize and respond to certain core sections of the story on the other". . Hanslick acentua que a música é uma entidade indiferente e independente de outros aspectos: "a beleza é e permanece bela, mesmo quando os sentimentos não são despertados, percebidos ou pensados" (HANSLICK, 1966_______. Von musikalischen Schӧnen: Ein Beitrag zur Revision der Ӓsthetik der Tonkunst. Wiesbaden: Breitkopf & Härtel, 1966., p.5)48 48 No original: "Das Schӧnheit ist und bleibt schӧn, auch wenn es keine Gefühle erzeugt, ja wenn es weder geschaut noch betrachtet wird" (HANSLICK, 1966, p.5). . Contudo, a hibridização do gênero conto de fada para incluir a canção é integralmente relativa ao conteúdo do conto. No conto, o pedido da audiência para ouvir a canção uma segunda vez é uma afirmação de sua resposta inicial positiva ao canto do pássaro. Antes que a audiência possa responder à sua segunda performance, o pássaro voa para o próximo local para cantar. Não é dado espaço textual às audiências para confirmar suas respostas iniciais. A ausência de respostas secundárias pareceria indicar que elas não são tão importantes para dar seguimento à trama quanto o pássaro em seu passeio cantante, mas a beleza funciona como o ímpeto para escutar a canção uma segunda vez. A canção cativa a atenção deles e inicia uma troca de presente por uma repetição da performance. A performance da canção completa possibilita a trama avançar em direção a restauração de justiça e forma, enquanto a canção se encaminha para um final feliz.

Considerações Finais

O cante fable conclui com sucesso e traz de volta o conto à prosa. Por fim, a habilidade do pássaro de expressar a situação bárbara do abuso infantil na sua canção restitui a forma literária, assim como a justiça social. Voltando para casa, o pássaro canta no jardim para chamar a atenção da família. Cada membro da família sai da casa e recebe um presente do pássaro, o que reflete o tratamento anterior de cada um deles em relação ao menino. Até a metade do primeiro refrão, o pai do menino vem para fora para ouvir a canção e lhe é dado um colar de ouro que o pássaro havia recebido anteriormente do ourives. Daí em diante, o pássaro atira para Marlene os sapatos vermelhos do sapateiro. Finalmente, a madrasta corre para fora para aliviar-se do temor que sente, quando o pássaro deixa cair a mó em sua cabeça. "Logo que ela saiu da porta, crash! O pássaro atirou a pedra de moinho sobre sua cabeça, e ela a esmagou até morrer" (GRIMM; GRIMM, 2002_______. The Complete Fairy Tales of the Brothers Grimm. Translated by Jack Zipes. New York: Bantam Books, 2002., p.166)49 49 O texto de Grimm: "Un as se ut de Döör kamm, bratsch! smeet eer de Vagel den Mählensteen up den Kopp, dat se gans tomatscht" (GRIMM; GRIMM, 2007, p.217). . Após sua morte, o foco muda: da reação da família sobre o pássaro para a restauração da harmonia que a madrasta quase chegou a destruir por sua cobiça. A morte da madrasta reverte os danos que ela causou, e o menino renasce. O final feliz do conto é dramático: "fumo, chamas e fogo estavam subindo do local, e quando tudo terminou, o pequeno menino estava ali" (GRIMM; GRIMM, 2002GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.166)50 50 O texto de Grimm: ": [...]daar ging een Damp un Flam un Füür up van de Steed, un as dat vorbei was, da stund de lüttje Broder, [...]" (GRIMM; GRIMM, 2007, p.217). . O menino volta à vida e à sua família. Eles dão as mãos e entram na casa para jantar, não mais sob o controle da madrasta. A reunião de jantar da família confirma o grotesco: Bakhtin explica que geralmente jantar juntos simboliza a celebração da vitória sobre as lutas da vida (2010 [1965] p.246)51 51 Referência na nota de rodapé 5. 52 52 Rölleke sugere que o alimentar-se aqui é um exemplo de Metrikreim (GRIMM; GRIMM, 2002, p.1218). Nas versões Eslováquia e Romena do conto, o menino permanece um pássaro (KÖHLER-ZÜLCH, 2008, p.876). O conto Romeno "Why Does the Cuckoo Call 'Cuckoo'?" contém uma canção com somente uma estrofe de cinco linhas cantada uma vez (GASTER, 1915, p.284-288). . Este final reforça a expressão multifacetada do grotesco. A refeição celebratória insinua uma festa que é tradicionalmente parte do carnaval (BAKHTIN, 2010 [1965]BAKHTIN, M. Rabelais and His World. Translated by Helene Iswolsky. Cambridge, MA and London: MIT Press, 1968 [1965]., p.4)53 53 Referência na nota de rodapé 5. . A celebração do desenvolvimento moral do romântico que era baseado na natureza e percebido por meio do pregão de Paris é o cumprimento da promessa a respeito da alienação para uma nova harmonia familiar.

  • 1
    No texto original de Grimm: "miin Moder de mi schlacht't / miin Vader de mi att, / miin Swester, de Marleeniken, / söcht alle miin Beeniken / un bindt se in een süden Dook, / legts unner den Machandelboom; / kiwitt, kiwitt, ach watt een schön Vagel bin ick!" (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.213). Nesta tradução, deixamos a referência usada pela autora (GRIMM; GRIMM, 2002_______. The Complete Fairy Tales of the Brothers Grimm. Translated by Jack Zipes. New York: Bantam Books, 2002.), mas utilizamos a versão em português dos versos encontrada em [http://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/o_junipero].
  • 2
    Cada um dos contos recebe um número KHM que se aplica à ordem na qual o conto é listado na coleção Kinder- und Hausmärchen (Children and Household Tales). As citações ao longo do artigo referem-se à edição crítica publicada em 2007 pela Deutscher Klassiker Verlag. A versão estudada neste artigo é de 1827. A versão inicial de Grimm difere dos primeiros exemplos do conto de outros colecionadores, como Achim von Arnim (1808) e Johann Gustav Büsching (1812). Em 1806, o artista romântico Otto Runge tinha duas versões do conto (A e B) e enviou o A para J. Georg Zimmer, a editora de Des Knaben Wunderhorn de Armin e Clemens Bretano, com base em Heidelberg, e o B para seu irmão David. Em 1840 David enviou a versão B aos Irmãos Grimm, que começaram a publicar em 1843 como a versão nesta edição e em duas subsequentes. Para mais informações, conferir Bolte & Polívka (1913, p.412-423)BOLTE, J.; POLÍVKA, G. Van den Machandelboom. In: Anmerkungen zu den Kinder-und Hausmӓrchen der Brüder Grimm vol. 1. Leipzig, Dieterich'sche Verlagsbuchhandlung Theodor Weicher, 1913, pp.412-423. e Scherf (1995, p.1316-1321)SCHERF, W. Sneewittchen. Das Märchen LexikonZweiter Band: L-Z. Munich: Verlag C. H. Beck, 1995, pp.1127-1133.. Meu artigo utiliza as traduções inglesas de Zipes, que se baseiam na sétima edição, de 1857.
  • 3
    A inclusão de canção nos contos é normal em regiões geográficas onde a tradição oral é comum o suficiente para que os contos de fada não sejam considerados como um gênero híbrido (HARING, 2007HARING, L. Hybrid. In: HAASE, D. (Ed.). Greenwood Encyclopedia of Folktales and Fairy Tales vol. 1. Westport, Connecticut and London: Greenwood Publishing, 2007, pp.463-467., p.466). Isso é especialmente verdadeiro no estudo dos contos folclóricos de áreas onde a inclusão da música é parte da tradição oral de contar histórias, como a África ou o Caribe.
  • 4
    Em português: "Há muito tempo, há uns dois mil anos, havia um homem rico, casado com uma mulher muito bonita e piedosa; eles amavam-se muito mas não tinham filhos e, por mais que os desejassem e a mulher rezasse dia e noite para tê-los, não apareciam" (http://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/o_junipero).
  • 5
    BAKHTIN, M. A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara F. Vieira. 7.ed. São Paulo: Hucitec, 2010 [1965].
  • 6
    BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: _______. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.261-306.
  • 7
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 8
    No original: "narrative sequence that contains alternating prose and verse".
  • 9
    No original: "These are themselves conventional forms of folkloric expression in which what are analytically considered as primary genres are brought into dialogue with each other".
  • 10
    No original: "Collections of fables, as distinct from fables incidentally embedded in other works, have their own decorum based on imitating the form of antique models".
  • 11
    Antigas narrativas francesas são, em parte, de origem celta, cuja literatura, de maneira semelhante, mostra a prosa se intercalar com o verso (REINHARD, 1926REINHARD, J. R. The Literary Background of the Chantefable. Speculum, Cambridge, MA, v. 1, n. 2, pp.157-169, 1926. , p.158). "Talvez, o uso artístico e mais gracioso do prosimetron nos tempos modernos tenha sido feito por Dante (1265-1321), em Vita Nuova (ca. 1295). O verso de Dante é, em sua maior parte, uma repetição do que já foi dito na prosa, ou o inverso, a prosa é apenas uma explicação amplificada do que foi dito na rima" (REINHARD, 1926REINHARD, J. R. The Literary Background of the Chantefable. Speculum, Cambridge, MA, v. 1, n. 2, pp.157-169, 1926. , p.167). No original: "Perhaps the most graceful and artistic use of the prosimetrum in modern times has been made by Dante (1265-1321) in the Vita Nuova (ca. 1295). Dante's verse is usually but a repetition of what has already been told in prose, or rather, the prose is only an amplified account of what has been said in rhyme".
  • 12
    Os contos de fada são mais comumente classificados por uma sequência episódica ou outros motivos compartilhados (ABRAHAMS, 1985ABRAHAMS, R. (Ed.). African American Folktales: Stories from Black Traditions in the New World. New York: Pantheon Books, 1985. , p.308). O número do índice ATU inclui uma breve descrição para identificar contos semelhantes.
  • 13
    No original: "the plaints of murdered or transformed souls are often versified".
  • 14
    No original: "often cited as the prototype of the cante fable".
  • 15
    No original: "the secret is brought to light by means of a verse sung by the bone flute (hence cante fable, singing tale)".
  • 16
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 17
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 18
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 19
    Zipes afirma que as pessoas acreditavam que o fruto da amoreira tem propriedades mágicas e valor medicinal, visto que são utilizados como remédios naturais para muitas doenças. Além disso, sua madeira protege as casas contra os demônios e o fogo (ZIPES, 2011ZIPES, J. The Enchanted Screen: The Unknown History of Fairy Tale Films. New York: Routledge, 2011., p.222).
  • 20
    No original: "white as snow, as red as blood". Este mantra é uma descrição bem conhecida da criança, Branca de Neve. Muitas sagas retratam um corvo sangrento na neve. As origens desta imagem podem ser rastreadas até o romance medieval alemão de Wolfgang von Eschenbach, Parzival (SCHERF, 1995SCHERF, W. Sneewittchen. Das Märchen LexikonZweiter Band: L-Z. Munich: Verlag C. H. Beck, 1995, pp.1127-1133., p.1129).
  • 21
    O texto de Grimm: "'wenn ick starve, so begrave mi ünner den Machandelboom.' Do wurde se gans getrost un freute sick, bet de neegte Maand vörbi was, daar kreeg se een Kind, so witt as Snee un so rood as Blood: un as se dat sach, so freute se sick so, dat se sturv" (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.209).
  • 22
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 23
    No final do conto, o som é repetido enquanto a nó de moinho esmaga a cabeça da madrasta. A palavra Bratsch une as mortes do menino e da madrasta e estabelece a ação do pássaro em matar a madrasta como retribuição por maltratar o menino. Rölleke afirma que Bratsch é uma Motivreim, ou uma alusão literária que reverte e contrasta a morte precoce do menino. A definição para o verbo Bratschen é "golpear com a mão aberta" [no original: mit der offenen hand schlagen] (DÄHNERT, 1781DÄHNERT, J. Bratschen. In: Platt-Deutsches Wörter-Buch: nach der alten und neuen pommerschen und Rügischen Mundart. Stralsund, Christian Lorenz Struck, 1781. Available at: [https://www.archive.org/details/plattdeutschesw00dhgoog]. Access on: 13 Sept. 2015.
    https://www.archive.org/details/plattdeu...
    , p.54). O substantivo Bratsch não existe no Dicionario de Dähnert. Contudo, Bratsch é descrita como um som usado para mostrar que o menino está sendo golpeado no Wörterbuch der altmärkisch-plattdeutschen Mundart: "crash, um som na natureza que serve para indicar a batida contra o corpo. Crash, ele recebeu do ferreiro" [no original: "Bratsch, ein Naturlaut, dessen man sich bedient, um den Schlag gegen einen Körper zu bezeichnen. Bratsch! kreg he von de Smäd'n Slag] (DANNEIL, 1859DANNEIL, J. Bratsch! In: Wörterbuch der altmärkisch-plattdeutschen Mundart. Salzwedel, J. D.Schmidt, 1859. Available at: [https://www.archive.org/details/wrterbuchderal00dannuoft]. Access on: 13 Sept. 2015.
    https://www.archive.org/details/wrterbuc...
    , p.24). Na introdução, Danneil afirma que o manuscrito do dicionário foi compartilhado com Jacob Grimm, que acreditou ser o projeto uma empreitada que valia a pena (III).
  • 24
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 25
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 26
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 27
    O texto de Grimm: "'Ach', sed de Mann, 'mi is so recht trurig, dat is doch nich recht, he had mi doch Adjüs seggen schullt.' Mit des fung he an to eeten, un sed 'Marleenken, wat weenst du? Broder ward woll wedder kamen.' 'Ach, Fru', sed he do, 'wat smeckt mi dat Eten schön! giv mi meer'" (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.211-212).
  • 28
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 29
    O texto de Grimm: "Un je meer he at, je meer wuld he hebben, un sed 'gevt mi meer, gi söllt niks daaraf hebben, dat is as wenn dat all miin weer'" (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.211-212).
  • 30
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 31
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 32
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 33
    O conto folclórico russo The Wondrous Wonder, the Marvelous Marvel, contém um exemplo humorístico do motif. A filha do czar colhe os ossos do ganso cozido, o que se assemelha ao pássaro ser assado e comido novamente (SINYAVSKY, 2007SINYAVSKY, A. Ivan the FoolRussian Folk Belief: A Cultural History. Translated by Joanne Turnbull and Nikolai Formozov. Moscow: Glas, 2007., p.55).
  • 34
    O texto de Grimm: "Marleenken averst ging hen na eere Commode, un namm uut de unnerste Schuuf eeren besten siiden Dook, und halt all de Beenken und Knaben ünner den Disch herut, un bund se in den siiden Dook, un drog se vör de Döör..." (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.212).
  • 35
    Para uma comparação extensiva das variantes do conto, ver Bolte e Polívka (1913, p.412-423)BOLTE, J.; POLÍVKA, G. Van den Machandelboom. In: Anmerkungen zu den Kinder-und Hausmӓrchen der Brüder Grimm vol. 1. Leipzig, Dieterich'sche Verlagsbuchhandlung Theodor Weicher, 1913, pp.412-423..
  • 36
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 37
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 38
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 39
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 40
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 41
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 42
    "Die klare Sonne bringt's an den Tag" (The Bright Sun Will Bring It to Light), na coleção dos Irmãos Grimm, usa-se o sol como uma imagem no seu conto homônimo, no qual um assassinato que havia sido mantido em segredo torna-se conhecido à comunidade (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.489-490). O símbolo da luz é antigo, pois, pela luz, se conquista a escuridão no livro do Gênesis (NAB, Gen. 1.3-5).
  • 43
    O texto de Grimm lê "klippe klappe, klippe klappe, klippe klappe" e "hick hack, hick hack, hick hack" (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.214).
  • 44
    No texto de Grimm, lê-se "hu uh uhp, hu uh uhp, hu uh uhp" (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.215).
  • 45
    O conto foi incluído sem nenhuma ilustração no Kleine Ausgabe (1825), uma edição abreviada para crianças da coleção dos Grimm, embora tenha sido o primeiro volume dos Irmãos Grimm que inclui imagens. Moritz von Schwind ilustrou o conto em 1845 (SCHERF, 1995SCHERF, W. Sneewittchen. Das Märchen LexikonZweiter Band: L-Z. Munich: Verlag C. H. Beck, 1995, pp.1127-1133., p.1319). Embora Johann W. Goethe fosse mais velho do que os Irmãos Grimm, ele tinha conhecimento do conto de fada muito tempo antes de sua publicação, desde a sua infância (BOLTE; POLÍVKA, 1913BOLTE, J.; POLÍVKA, G. Van den Machandelboom. In: Anmerkungen zu den Kinder-und Hausmӓrchen der Brüder Grimm vol. 1. Leipzig, Dieterich'sche Verlagsbuchhandlung Theodor Weicher, 1913, pp.412-423., p.416). Ele o incorpora no Faust I (1808) enquanto Gretchen canta uma versão da canção na sua cela da prisão, esperando sua execução por causa do infanticídio (HART, 2005HART, G. K. Errant Strivings: Goethe Faust and the Feminist Reader. In: ORR, M.; SHARPE, L. (Eds.). From Goethe to Gide: Feminism, Aesthetics and the French and German Literary Canon 1770-1936. Exeter, UK: University of Exeter Press, 2005, pp.7-21., p.15).
  • 46
    A música não provém da natureza, apesar de o senso comum afirmar que sim. Por exemplo, uma canção de pássaro é apenas uma inspiração para a música (HANSLICK, 1966_______. Von musikalischen Schӧnen: Ein Beitrag zur Revision der Ӓsthetik der Tonkunst. Wiesbaden: Breitkopf & Härtel, 1966., p.148).
  • 47
    No original: "They [cante fables] allow the audience to recognize and respond to certain core sections of the story on the other".
  • 48
    No original: "Das Schӧnheit ist und bleibt schӧn, auch wenn es keine Gefühle erzeugt, ja wenn es weder geschaut noch betrachtet wird" (HANSLICK, 1966_______. Von musikalischen Schӧnen: Ein Beitrag zur Revision der Ӓsthetik der Tonkunst. Wiesbaden: Breitkopf & Härtel, 1966., p.5).
  • 49
    O texto de Grimm: "Un as se ut de Döör kamm, bratsch! smeet eer de Vagel den Mählensteen up den Kopp, dat se gans tomatscht" (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.217).
  • 50
    O texto de Grimm: ": [...]daar ging een Damp un Flam un Füür up van de Steed, un as dat vorbei was, da stund de lüttje Broder, [...]" (GRIMM; GRIMM, 2007GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.217).
  • 51
    Referência na nota de rodapé 5.
  • 52
    Rölleke sugere que o alimentar-se aqui é um exemplo de Metrikreim (GRIMM; GRIMM, 2002GRIMM, J.; GRIMM, W. Kinder- und Hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm. Edited by Heinz Rölleke. Frankfurt a. M.: Deutscher Klassiker Verlag, 2007., p.1218). Nas versões Eslováquia e Romena do conto, o menino permanece um pássaro (KÖHLER-ZÜLCH, 2008KÖHLER-ZÜLCH, I. Slavic Tales. In: HAASE, D. (Ed.). The Greenwood Encyclopedia of Folktales and Fairy Tales. v. 3. Westport, Connecticut and London: Greenwood Publishing , 2008, pp.871-881., p.876). O conto Romeno "Why Does the Cuckoo Call 'Cuckoo'?" contém uma canção com somente uma estrofe de cinco linhas cantada uma vez (GASTER, 1915GASTER, M. Why Does the Cuckoo Call 'Cuckoo'? The Story of the Little Boy and the Wicked Step-Mother. In: Rumanian Bird and Beast Stories. London: Sidgwick and Jackson, 1915, pp.284-288. Available at: [https://archive.org/details/rumanianbirdbeas00gastuoft]. Access on: 14 August 2015.
    https://archive.org/details/rumanianbird...
    , p.284-288).
  • 53
    Referência na nota de rodapé 5.
  • Traduzido por Mario D'Agostini
  • Revisado por Oseas Bezerra Viana Júnior - vianajunior@gmail.com

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2015
  • Aceito
    22 Out 2016
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