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Dialogia e cronotopia no romance histórico Verde vale, de Urda Klueger

RESUMO

Este artigo aborda o gênero romance histórico e suas particularidades a partir dos estudos de Bakhtin. O trajeto se faz em torno do conceito de cronotopo, figurando a indissociabilidade de tempo e espaço. A materialidade de análise é a obra Verde vale, de 1979, da catarinense Urda Alice Klueger. A análise realizada destaca o cronotopo da transmigração como figura que alicerça a narrativa histórica; ele se desdobra em dois temas subordinados: o cronotopo da soleira e o da terra, simbolizando os movimentos observados na construção narrativa do romance. Vinculado a essas representações cronotópicas, o tema da terra, que implica enraizamento e remete também a origem, permite a ampliação da análise aproximando os fenômenos de toponímia e antroponímia, trabalhados como eventos de memória e identidade.

PALAVRAS-CHAVE:
Discurso; Literatura; Romance; Cronotopia

ABSTRACT

This article, based on Bakhtin’s studies, focuses on the historical novel genre and its particularities. The route is based on the concept of chronotope, representing the inseparability of time and space. The materiality of analysis is the novel Verde Vale (1979), by Urda Alice Klueger. The analysis carried out highlights the chronotope of transmigration as a figure that underlies the historical narrative; it unfolds into two subordinate themes: the threshold and soil chronotopes, symbolizing the movements observed in the narrative construction of the novel. Linked to these chronotopic representations, the theme of the soil, which implies rooting and also refers to the origin, allows the expansion of the analysis bringing the phenomena of toponymy and anthroponymy closer together, worked as memory and identity events.

KEYWORDS:
Discourse; Literature; Novel; Chronotopy

Introdução

Neste artigo, refletimos sobre as funções de tempo e espaço para a análise discursiva, a partir da leitura e interpretação do romance histórico catarinense Verde vale, da historiadora e escritora Urda Alice Klueger (2012 [1979])KLUEGER, U. A. Verde vale. 12. ed. Blumenau: Hemisfério Sul, 2012.. Entendemos que a arte literária demarca contextos sociais e históricos apresentados de maneira ficcional, e que, apesar do caráter ficcional, pode sustentar-se por pilares verídicos. Isso ocorre, por exemplo, ao retratar fatos cotidianos e acontecimentos baseados em contextos existentes em um momento do passado que permitem reflexões sobre demandas valorativas vinculadas à existência humana. Verde vale, diz o crítico literário Lauro Junkes (1987, p.290)JUNKES, L. O mito e o rito: uma leitura de autores catarinenses. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1987., é

o livro das origens de Blumenau, o livro do desbravamento, da luta, da coragem, da decisão e persistência dos alemães que acreditaram no Dr. Blumenau1 1 Hermann Bruno Otto Blumenau (1819-1899), fundador da colônia São Paulo de Blumenau. , deixaram sua pátria, e vieram construir, com seu sacrifício e sua dedicação, a colônia que teria o nome do fundador e se transformaria numa das cidades mais marcantes e progressistas do Estado.

Junkes (1987, p.293)JUNKES, L. O mito e o rito: uma leitura de autores catarinenses. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1987. destaca também a constante cosmovisão positiva da autora em seus romances do ciclo literário que ele caracteriza como “romance histórico-regional”.

Ao pensarmos na possibilidade de compreender, por meio da arte ficcional literária, movimentos ligados a contextos sociais específicos, damo-nos conta da importância de um meio significativo para eternizar e, ao mesmo tempo, levar a pensar princípios e valores vinculados a determinado tempo e espaço, neste estudo que tematiza um tempo-espaço catarinense. Essa relação é pensada a partir de duas perspectivas: primeiro, em sua modalidade cronológica e geográfica (a base para um voo configuracional); e, mais centralmente, a partir de uma figuração cronotópica proposta analiticamente – a transmigração2 2 Outras possibilidades para essa figuração seriam: Travessia, Renascimento. –, que se desdobrará temática e figurativamente tratando um subcronotopo como terra, e um segundo como soleira.

Para o desenvolvimento da proposta, apresentamos, primeiramente, princípios norteadores e os atributos do romance histórico, gênero consagrado da modernidade que, por sua mobilidade e versatilidade, como uma das formas do gênero romance, continua em pleno desenvolvimento, até mesmo pela relação às vezes conflituosa entre os dois campos que envolve: a História como ciência e a Literatura como arte. Em continuidade, trazemos algumas considerações sobre a literatura catarinense e tratamos do vínculo entre literatura e cronotopia conforme Bakhtin (2006BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.261-306., 2014BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.71-210.), mostrando a importância desta noção em seu vínculo com aspectos históricos, culturais e sociais. Na sequência, desenvolvemos a análise do romance selecionado, especificando sua temática no sentido histórico, relacionando o tema narrativo específico – imigração3 3 A historiadora Giralda Seyferth (2008, p.4), ao tratar da paulatina mudança de significação da categoria imigrante, no Brasil, diz que a palavra “aparece no campo político no momento de consolidação do Estado brasileiro, na década de 1840, por um lado associada ao povoamento do território e, por outro, ao trabalho livre, tendo em vista as diferentes necessidades do Império e de algumas das províncias”. Antes de 1840, apenas se usava a palavra colono em documentos oficiais. Consta como marco inicial da “imigração” a colônia de Nova Friburgo (RJ), em 1819. – às características literárias e à interpretação cronotópica da obra. Fechamos o estudo com uma síntese da interpretação realizada.

1 Princípios norteadores – o romance histórico

Relativamente ao estudo sobre o gênero romance histórico, buscamos Bakhtin para compreender como o tempo e o espaço demarcam e organizam o romance – em especial, o romance histórico selecionado. Observamos como esse vínculo, caracterizando o movimento narrativo, contribui para o entendimento de noções como memória, história e acontecimento.

Bakhtin (2014)BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.71-210. tematiza o romance na coletânea Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. A partir das reflexões apresentadas, concebemos o literário de uma maneira nova, atentando para uma modalidade de leitura e interpretação regulada pelo registro do tempo e do espaço na forma da narrativa: conta-se uma versão que fica registrada em forma de acontecimento – histórico e ficcional. O autor não pensa o gênero com possibilidade de esgotamento em si, uma vez que está em constante renovação. Essa renovação ocorre de forma permanente pelo vínculo com as representações culturais e sociais, que podem assumir características diferenciadas no contexto em que o romance é produzido.

Em um texto de 1941 (“Epos e romance”), Bakhtin aponta essa sensibilidade ao movimento cultural:

O processo de evolução do romance não está concluído. Ele entra atualmente numa nova fase. Nossa época se caracteriza pela complexidade e pela extensão insólitas de nosso mundo, pelo extraordinário crescimento das exigências, pela lucidez e pelo espírito crítico. Esses traços determinam igualmente o desenvolvimento do romance (2014, p.428).

Como sabemos, essa evolução é perceptível e o romance admite múltiplas modalidades e muitas formas e estilos narrativos. O romance histórico é a modalidade que nos interessa aqui, mas, independentemente da modalidade, entende-se que o “discurso romanesco reage de maneira muito sensível ao menor deslocamento e flutuação da atmosfera social, ou (...) reage por completo em todos os seus momentos” (BAKHTIN, 2014, p.106BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.71-210.). O autor também destaca que o romance é “um gênero que eternamente se procura” (BAKHTIN, 2014, p.427BAKHTIN, M. Epos e romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.397-428.), dada sua plasticidade e o colocar-se em contato com o presente em devir – o que só se manifestou mais claramente a partir do Renascimento. Trata-se de um tempo voltado abertamente para o futuro.

No romance, tempo e espaço balizam a narrativa e norteiam sua estrutura – nas duas perspectivas apontadas. Contudo, se o desenrolar espaço-tempo na cronologia é controlado pela humanidade e reprojetado pelo romancista, o conceito de cronotopia tem uma realidade teórica, a ser possibilitada por quem analisa o romance histórico em sua forma acabada como texto literário. É um olhar externo (distância ou exotopia) e uma perspectiva possível.

O romance Verde vale, selecionado para análise, trata de aspectos sociais e culturais da imigração alemã no Brasil da segunda metade do século XIX até o início do século XX. A partir dessa materialidade, mostramos como a relação tempo-espaço desenha o viver dos imigrantes em Santa Catarina – imigrantes que, pela natureza de sua história, são também viajantes, e viajantes no espaço e no tempo: cruzar um espaço também é vislumbrar outro tempo, embora isso pareça estranho à primeira vista, e nesse sentido pode provocar a impressão de que uma realidade também se torna um sonho. E isso não diz respeito à latitude ou longitude meramente, mas a memória e historicidade. Buscamos observar esses dois elementos no desenrolar da narrativa, ou melhor, em seus recortes mais significativos.

De forma detalhada, para marcar aspectos culturais, Klueger insere o leitor no cotidiano de uma família alemã que deixa seu país em busca de melhores condições de vida. Eram tempos de crise financeira e política, o que comprometia o sustento econômico e social. O enredo descreve o empenho da família Sonne para se adaptar (aculturar-se) e fixar raízes em um país distinto do seu – mais especificamente, em um mundo definitivamente estranho espacial e temporalmente. Assim, a narrativa contempla os anseios e os medos, assim como as conquistas, frente à nova realidade a que a família alemã tem de se habituar.

Verde Vale marca o início da carreira da escritora; foi escrito no ano de 1979 e conta hoje com treze edições, sendo a última em braile. O romance registra, como fundo, acontecimentos históricos ocorridos na antiga colônia Blumenau, em Santa Catarina, entre os anos de 1857 e 1917. Para trabalhar o distanciamento do tempo da escrita que a obra retrata, evocamos o conceito de distância ou distanciamento4 4 Exotopia foi a tradução divulgada nas primeiras edições de Bakhtin, traduzidas do francês. , também concebido por Bakhtin (2014)BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.71-210., e que nos ajuda a compreender que o distanciamento do olhar do artista é importante para registrar o tempo dos acontecimentos narrados (a diegese da narrativa) relativamente à contemporaneidade e valores da própria vivência do autor. É a manutenção da distância de quem narra, relativamente ao que é narrado (que exige primeiro uma aproximação), que torna possível a abertura para o conhecimento. São papéis distintos.

Com esse embasamento, buscamos dar maior visibilidade às particularidades do gênero romance histórico. A investigação sobre cronotopia permite entender como se organizam a narrativa e suas camadas, inserindo-a em uma rede de narrativas que se aproximam por certas características: de memória, de história, de acontecimento cultural. É preciso observar, contudo, que a perspectiva cronotópica não é basicamente uma característica consciente do escritor como criador, mas uma atitude, em sua criação, relativamente à percepção que desenvolveu do tempo e do espaço em sua relação ao criar personagens, cenários e enredos. Assim, o olhar do pesquisador que analisa pode perscrutar essa sensibilidade e perceber que a visão cronotópica é menos ou mais sensível nas obras. Em princípio, pode-se presumir que um criador de romances históricos, como é o caso aqui, estará bastante aberto a essas características. Mostramos em seguida como a questão se apresenta.

O romance histórico, gênero específico da obra selecionada, precisa, neste ponto, ser caracterizado. Comecemos com o aporte de Bakhtin sobre esta face do gênero romance.

Bakhtin (2006)BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.261-306. comenta que, na Inglaterra e na Alemanha da segunda metade do século XVIII, observa-se grande interesse pelo folclore no trabalho literário. É, para ele, algo como uma descoberta do folclore – mais especificamente, folclore nacional e local. Os contos, lendas e sagas constituíram-se como “um meio novo e poderoso de humanização e intensificação do espaço natal” (BAKHTIN, 2006, p.256BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260.). Ele caracteriza isso como tempo histórico-popular, que influiu especialmente “no desenvolvimento da visão histórica do mundo e, no cômputo geral, particularmente no desenvolvimento do romance histórico” (BAKHTIN, 2006, p.256BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260.). Por quê? É que as imagens folclóricas “são profundamente cronotópicas”, ou seja, saturadas de tempo – ou: o espaço fica saturado de tempo. Esse uso do folclore marcou, portanto, a preparação do romance de caráter histórico.

O escritor escocês Walter Scott (1771-1832) é apontado como o primeiro escritor propriamente dito de romances históricos. Tudo, para ele, que percorria a Escócia natal para explorar uma terra que sentia impregnada da vida de lendas locais, apelava para um tempo lendário. “Seu olhar sabia divisar o tempo no espaço”, diz Bakhtin (2006, p.257)BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260.. Entretanto, para Bakhtin ele ainda não se equiparava a Goethe, que é seu modelo de visão cronotópica do mundo, que seria “a capacidade de ler os indícios do curso do tempo em tudo, começando pela natureza e terminando pelas regras e ideias humanas” (BAKHTIN, 2006, p.225BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260.; grifo no original).

Parece-nos, comumente, que ver e compreender o espaço e as coisas que ocupam o espaço, com sua tridimensionalidade, é uma obviedade, ao passo que sua ligação com o tempo parece invisível, abstrata. Sem o tempo, contudo, não há historicidade, e é para isso que Bakhtin chama a atenção, especialmente na literatura. Por isso integrou, na visão do espaço, a dimensão do tempo, seguindo o impulso da perspectiva da teoria da relatividade geral de Einstein e dos estudos do matemático alemão Hermann Minkowski (1864-1909), como expomos adiante: o tempo é a quarta dimensão do espaço. Nada, no que vemos como espacial, está desvinculado do tempo. Nosso olhar e nossa sensibilidade, contudo, precisam ser orientados para essa percepção. No caso de Walter Scott, Bakhtin diz que sua primeira fase, mesmo com o olhar voltado para o passado (as lendas populares), esse passado seria um mundo fechado, bastando-se a si mesmo, de modo que o que o escritor fazia era ter “lembranças desse passado” (BAKHTIN, 2006, p.258BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260.), não alcançando a plenitude do tempo. Foi no período romanesco propriamente dito5 5 Seus trabalhos literários eram, anteriormente, poéticos; a prosa não recebia a mesma consideração que a poesia, naquele período. que o autor se liberou dessa limitação e produziu trabalhos que apresentavam a “plenitude do tempo necessária ao romance histórico” (BAKHTIN, 2006, p.258BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260.). Com isso, Bakhtin está estabelecendo uma exigência literária para um romance se caracterizar como histórico. E isso tem sido bastante discutido na contemporaneidade.

Evocar essa relação – romance e história – levanta uma série de questões, porque envolve dois campos aparentemente inconciliáveis, e, de fato, muita discussão tem sido feita em torno do tema. É como evocar a relação verdade/ficção vendo aí uma impossibilidade lógica. Na perspectiva da história, a chamada Nova História precisou reconsiderar o problema: como historiar os acontecimentos senão por meio de narrativas? É o que se discute na obra (entre tantas outras6 6 Lembramos ainda a obra de Michel de Certeau (2006) que traz o mesmo título, e cujo original é de 1975. A questão da narrativização na História aí reaparece. ) A escrita da história, organizada por Peter Burke e publicada em 1991. Ele diz que já na época do Iluminismo “se atacava a hipótese de que a história escrita deveria ser uma narrativa dos acontecimentos” (BURKE, 1992, p.327BURKE, P. A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa. In: BURKE, P. (org.). A escrita da história: novas perspectivas. Tradução Magda Lopes. São Paulo: Ed. UNESP, 1992. p.327-348.). No século XX, ouvia-se que não era o caso de narrar acontecimentos, mas analisar as estruturas. É então que Burke relembra Paul Ricoeur, em sua obra Tempo e narrativa (2011), em que ele diz que houve um eclipse da narrativa histórica, defendendo ao mesmo tempo que qualquer história escrita assume uma forma narrativa, ainda que focalize a estrutura.

2 Literatura e cronotopo

Um autor de romance histórico, com suas formas peculiares de expressão, com suas estratégias narrativas, emoções e sentimentos, registra determinadas épocas, fatos históricos, e, esteticamente, vai conduzindo para um único espaço literatura e historicidade, ficção e realidade (passada) promovendo um arremate, por vezes impossibilitando desvinculá-las na narrativa.

Sobre o vínculo com o social na literatura, Candido (2006, p.15-16)CANDIDO, A. O direito à literatura. 4. ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004. observa: “podemos dizer que levamos em conta o fator social, não exteriormente (...) mas como fator da própria construção artística, estudado no nível explicativo e não ilustrativo”. Para o autor, os fatores sociais não são algo ornamental, mas presentes na literatura como parte indissociável dela.

Assim como os fatos históricos, a cultura em geral também se constitui como materialidade da literatura; nessa perspectiva, Bakhtin (2006, p.360-361)BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260. declara:

A literatura é parte inseparável da cultura, não pode ser entendida fora do contexto pleno de toda a cultura de uma época. É inaceitável separála do restante da cultura e, como se faz constantemente, ligá-la imediatamente a fatores socioeconômicos, por assim dizer, passando por cima da cultura. Esses fatores agem sobre a cultura no seu todo e só através dela e juntamente com ela influenciam a literatura7 7 Note-se que o texto de Bakhtin Os estudos literários hoje, de que a citação é um recorte, foi publicado em 1970. Remeta-se, pois, a sequência “como se faz constantemente” a esse período de sua vida, na Rússia socialista. .

A literatura dedicada ao romance histórico configura-se como uma arte que busca compreender e representar a historicidade de determinadas épocas e, principalmente, sua cultura. Isso considerado, é importante destacar que a literatura brasileira se constitui pelo registro de culturas distintas, e a literatura catarinense tem em suas ramificações autores que tratam da imigração e da formação étnica do Estado de Santa Catarina, como Urda Klueger, também historiadora, com a obra Verde vale, que retrata o tema no Estado.

Contudo, o estudo de Sachet (1992)SACHET, C. Literatura catarinense: liberdade para ser autor. Travessia, Florianópolis, n. 25, p.167-181, 1992., escritor e estudioso da literatura, aponta que há muitos pontos a se debater a respeito da literatura catarinense. A partir de discussões provenientes de críticos literários, ele levanta alguns questionamentos sobre o que é literatura catarinense, e se existe, de fato, uma literatura catarinense. O tema requer análise aprofundada. De acordo com o autor:

A literatura que fazem os catarinenses não pode ser medida com os critérios estéticos de uma rigorosa crítica aplicada a Machado de Assis, a Drummond, ou a Guimarães Rosa. A literatura que fazemos, e aquela que os catarinenses precisam fazer, tem que ser vista e respeitada como um patrimônio de nossas terras e de nossas gentes onde o que importa não é a Arte da Estética, mas a Práxis da Cultura (SACHET, 1992, p.171SACHET, C. Literatura catarinense: liberdade para ser autor. Travessia, Florianópolis, n. 25, p.167-181, 1992.).

Seguindo o filamento reflexivo do autor, entendemos que, antes de tudo, há que se reter as singularidades que as regiões suscitam; cada uma delas pode ter em seus registros literários o que lhe pareça interessante para significar as vivências, as culturas, as peculiaridades do local.

Para Sachet (1992, p.171)SACHET, C. Literatura catarinense: liberdade para ser autor. Travessia, Florianópolis, n. 25, p.167-181, 1992., “a literatura contemporânea de Santa Catarina precisa ser analisada, não no valor isolado de um autor ou de uma obra, mas no conjunto de toda a produção/manifestação de uma forma de ser, de pensar e de agir”8 8 Note-se, também aqui, a distância em que nos encontramos do momento em que o autor falava daquela contemporaneidade – quase trinta anos são passados. . Ao fazer tal afirmação, o autor enfatiza a importância de se perceber o todo literário para uma compreensão abrangente da literatura catarinense e, principalmente, responder a questionamentos a esse respeito. Tal estudo demandaria grande disponibilidade, mas nosso objetivo, no presente trabalho, se limita ao romance Verde Vale, entre outros da mesma autora voltados para o tema: aliás, em No tempo das tangerinas, de 1983, ela dá continuidade à história da família de imigrantes que é o foco de Verde Vale. No segundo, a família, que envolve os descendentes do patriarca Humberto Sonne, enfrenta o conflito da Segunda Guerra Mundial.

O conceito de cronotopo é fundamental nesse movimento. É preciso compreender sua formação, suas particularidades e sua função na narrativa desse romance catarinense, nosso objeto de análise, explorando a relação espaço-tempo e sua figuração, também distanciadamente da própria experiência de escritura da autora ao realizar sua obra.

Bakhtin desenvolveu o complexo estudo do cronotopo em 1937-1938, acrescido, em 1974, de observações de atualização. Envolve uma série de estudos e análises que vão desde o romance grego até o cronotopo idílico no romance, apontando a evolução da relação aí implicada e deixando sugestões de abertura para a exploração das modalidades de romance subsequentes.

Sua concepção, basicamente, vincula-se à questão de como, na literatura, ocorre a “assimilação do tempo, do espaço, e do indivíduo histórico real que se revela neles” (BAKHTIN, 2014, p.2011BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.71-210.). Sua definição básica assim se apresenta:

À interligação fundamental das relações temporais e espaciais, artisticamente assimiladas em literatura, chamaremos cronotopo (que significa “tempo-espaço”). Esse termo é empregado nas ciências matemáticas e foi introduzido e fundamentado com base na teoria da relatividade (Einstein). Não é importante para nós esse sentido específico que ele tem na teoria da relatividade, assim o transportaremos daqui para a crítica literária quase como uma metáfora (quase, mas não totalmente); nele é importante a expressão de indissolubilidade de espaço e de tempo (tempo como a quarta dimensão do espaço) (BAKHTIN, 2014, p.2011BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.71-210.; grifo no original).

Repetimos aqui, para complementação, uma citação feita na seção 1: a visão cronotópica do mundo seria “a capacidade de ler os indícios do curso do tempo em tudo, começando pela natureza e terminando pelas regras e ideias humanas” (2006, p.225; grifo no original). O tempo, esse elemento sempre sentido no dia a dia como uma linha que se estende no espaço e que tem como referência cada um que fala dele e nele (o presente) e que se estende para trás (o passado) e para diante (o futuro), é agora transfigurado como uma forma inescapável do espaço, ou seja, mais uma dimensão que não sabemos bem como imaginar e configurar. A capacidade de estar – ou se pôr – num presente (referência da fala no humano), em um lugar, uma situação (cenário) e ler aí mesmo os indícios do curso do tempo é o que Bakhtin propõe e procura examinar nas obras literárias.

O conceito de cronotopo tem imensa relevância para os gêneros literários, já que os cronotopos é que os determinam, com seu vetor temporal, aí compreendidas as imagens figuradas dos indivíduos. Bakhtin (2014, p.212BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.211-362., nota 2) informa, neste ponto, o que deve a Kant (na Crítica da razão pura): o espaço e o tempo são formas indispensáveis de qualquer conhecimento, com a ressalva de que sua compreensão não envolve o “transcendental”, visto que se trata, para ele, de conhecimento da realidade efetiva, tratada como visão artística. Com referência ao papel do cronotopo na existência dos gêneros, cabe este comentário de Machado (2005, p.159)MACHADO, I. Gêneros discursivos. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p.151-166.:

A teoria do cronotopo nos faz entender que o gênero tem uma existência cultural, eliminando, portanto, o nascimento original e a morte definitiva. Os gêneros se constituem a partir de situações cronotópicas particulares e também recorrentes, por isso são tão antigos quanto as organizações sociais.

Se o espaço é social, o tempo caracteriza a historicidade. Isso significa que se formam imagens espaçotemporais na representação estética de gêneros que norteiam o uso da linguagem. Machado (2005, p.159)MACHADO, I. Gêneros discursivos. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p.151-166. explica que, na perspectiva de Bakhtin, as obras “vivem num grande tempo porque são capazes de romper os limites do presente onde surgem”. Nesse sentido, compreendemos que em uma obra literária a base constitui-se da união dos aspectos sociais e históricos: não há limites entre eles.

Uma das observações posteriores que Bakhtin faz é que o estudo dos cronotopos de uma obra permite observar a unidade artística dessa obra e perceber sua constituição em camadas de valores cronotópicos, que podem ser, portanto, “de diferentes níveis e volumes” (2014, p.349), quer dizer, com mais ou menos valor emocional e mais ou menos volume na obra, como vamos exemplificar na análise proposta. A combinação de espaço e tempo pode variar no relacionamento de pessoas (o social) em lugares e tempos de acontecimentos. O autor lembra que a figuração da estrada como lugar de encontros é relativamente comum no romance histórico, como em Walter Scott e em romances russos – mas, em alguns casos, diz mais respeito à travessia do país natal e não de um outro mundo, exótico. Contudo, em outras variantes – e é o caso do romance Verde Vale –, “‘o mundo estrangeiro’, separado do país natal pelo mar e pela distância, tem uma função análoga à estrada” (BAKHTIN, 2014, p.351BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.211-362.). O processo de transmigração, cronotopo que identificamos no romance em pauta, referencia também a longa estrada percorrida em uma viagem que seria sem volta.

Em todos os casos de cronotopos que Bakhtin exemplifica, sobressai o que chama de significado temático, e também figurativo. “Eles [os cronotopos] são os centros organizadores dos principais acontecimentos temáticos do romance” (BAKHTIN, 2014, p.355BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.211-362.). É como dizer que o tempo ganha corpo, deixa de parecer invisível ou imponderável. Ou ainda: ele ganha peso e força na caracterização de cenas do romance. Em última análise, Bakhtin (2014, p.356)BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.211-362. entende que “A linguagem é essencialmente cronotópica, como tesouro de imagens”. A questão, portanto, é como perceber e aproveitar/desdobrar essa propriedade da linguagem.

Saliente-se, por fim, que, em uma obra, pode-se reconhecer um cronotopo que recobre a narrativa literária (cronotopos grandes, dominantes, diz Bakhtin), mas eles podem incluir (por isso falamos em camadas) cronotopos menores, relativos a temas específicos no corpo da obra, e podem inter-relacionar-se de várias formas, formando uma rede dialógica que envolve autor, intérprete, leitor, e portanto a própria existência concreta da obra e a distância cronológica entre subjetividades envolvidas (criador, intérprete, leitor) e o mundo representado no texto. No conjunto, Bakhtin vê aí uma cocriação: “O texto como tal não é inerte” (BAKHTIN, 2014, p.357BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.211-362.): sua criação e tudo o que ele traz “fluem no tempo”; por trás de tudo encontra-se a voz humana. Não é nosso objetivo, contudo, tratar desse tipo de rede cronotópica que envolve o autor criador em seu tempo e as relações que a obra, em cada momento de sua história, vai desenvolvendo com aqueles que recebem sua influência e se tornam cocriadores.

3 Uma proposta de análise cronotópica

As marcas cronotópicas de nosso objeto de estudo (Verde Vale) devem conduzir ao sentido profundo da narrativa em seu movimento e textura. Tratar de uma maneira mais específica o conceito de cronotopo em Verde Vale leva a observar que muitas questões históricas e sociais referentes ao final do século XIX perpassam a obra.

Percorrer a obra significa palmilhar a antiga colônia Blumenau, a partir de 1857, e observar a família Sonne, que representa em muito a coragem, medos e anseios de encarar desafios frente à condição de imigrantes. Mas, com garra e determinação, prosperaram muito. E, de forma ampla, todos os imigrantes da colônia Blumenau conseguiram florescer.

A transmigração abrange a obra em seu movimento narrativo-diegético, enquanto terra e soleira, cronotopos menores em subcamada, simbolizam, respectivamente, a mãe primordial, receptáculo e geradora de alimento e vida, e o “momento da mudança da vida, da crise, da decisão que muda a existência” (BAKHTIN, 2014, p.354BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.211-362.) – a decisão de ser e estar em outro lugar e tempo.

Klueger, usando um contorno nostálgico e poético, permite ao leitor viajar por caminhos que surpreendem – e, ao mesmo tempo, mostram o quanto os aspectos cultural e sócio-histórico marcam a obra. Ela aborda, com conhecimento e experiência, o tema de imigrantes que fizeram/fazem parte da formação e da cultura do povo brasileiro. Pelo caráter também poético da narrativa, não visa somente documentar a história de imigrantes alemães em terras catarinenses. A título de exemplo, apresentamos um recorte da obra que evidencia traços dessa sensação.

Eles não lançavam sementes ao solo apenas para garantir a subsistência até a próxima estação, lançar sementes ao solo era construir o futuro. Seus sonhos e suas esperanças estavam amalgamados àquele húmus que frutificava as sementes, e a cada espiga que florescia, a cada nova safra, os sonhos e as esperanças eram multiplicados como eram os grãos de cereais (KLUEGER, [1979] 2012, p.75KLUEGER, U. A. Verde vale. 12. ed. Blumenau: Hemisfério Sul, 2012.).

A partir deste recorte, constata-se que a linguagem que a autora utiliza faz perceber marcas históricas do cultivo da terra, e as esperanças de um futuro depositadas nela. A cena é narrada por meio de simbolismo (a semente é projeto de futuro) que faz sentir o quanto a frutificação do solo vincula-se à frutificação da vida e dos sonhos (o social vinculado à natureza).

Ao tratar a terra como meio produtivo e de subsistência, a autora fornece uma ilustração do que seria, analiticamente falando, um tema do cronotopo principal: a terra, como símbolo da mãe primordial, húmus, raiz e receptáculo de seres vivos. Em relação a isso, há uma referência de Bakhtin (cf. 2014, p.318)BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.211-362. a um tempo espacial e concreto ligado à terra e à natureza, que seria um tempo produtivo vinculado à coletividade, e “voltado para o futuro” – e que, segundo Bakhtin, reflete um estágio agrícola primitivo de desenvolvimento social, que ele caracteriza como folclórico. Bakhtin está tratando da obra do escritor francês François Rabelais9 9 No tratamento das modalidades do gênero romance, Bakhtin (2006, p.217) cita Rabelais como autor de romances típicos da categoria romance de educação: Gargântua e Pantagruel. Cinco livros foram publicados sobre esses personagens, a partir de 1532. Bakhtin (2006, p.224; itálicos no original) considera que Rabelais conseguiu o melhor resultado na “construção da imagem do homem em crescimento com base no tempo folclórico histórico-popular”. (1494?-1553), que ajudou a mudar o curso da cultura à época, saindo do mundo medieval para um novo mundo, que necessitava de uma percepção de tempo diferente, voltado para o crescimento e a fertilidade. E Bakhtin (2014, p.316)BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.211-362. diz: “Os fundamentos deste tempo construtivo apareciam delineados nas imagens e nos temas do folclore”. Vemos, aqui, que o fundo folclórico coletivo desperta de vez em quando no curso da vida – principalmente em acontecimentos dramáticos. Faz sentido aqui, porque os imigrantes foram desenraizados e tiveram de se enraizar eles mesmos: esse tipo de evento funciona como um recomeço de tudo, tornando-se imperioso pensar no futuro: a terra e as sementes reproduziam o ritual dos começos.

A valorização da terra e a formação das colônias que se instalavam perpassam a obra. E do cultivo da terra provinha não só o sustento para suprir as necessidades físicas, mas também aquele que possibilitava o florescer pessoal e as expectativas de um destino primoroso.

Campos (2006, p.146)CAMPOS, C. M. A política da língua na era Vargas: a proibição do falar alemão e resistências no Sul do Brasil. Campinas (SP): Ed. Unicamp, 2006., ao trabalhar algumas questões sobre o quanto os imigrantes alemães são responsáveis pela prosperidade brasileira, afirma: “O colono penetra na mata virgem, palmilha o interior do sertão bravio, transforma a floresta num centro de trabalho e de atividade inteligente, e rasga assim, para a terra que escolheu para a sua segunda Pátria e para a Pátria de seus filhos, novos e fecundos horizontes”. Os colonos alemães, com sua perspicácia e altivez, abriram matas, construíram estradas e transformaram lugares inabitáveis em habitáveis pela força de seu trabalho. Assim, a terra demarca um espaço social intenso e relevante na obra.

A convivência na colônia retrata a organização interacional e afetiva com outros que partilhavam os sonhos. A terra, muitas vezes dividida de forma a suprir as necessidades de todos, simbolizava mais do que o lugar para plantar alimentos que matavam a fome: também saciava a fome e o sustento de sonhos, esperanças e anseios daqueles que, mesmo receosos, espalhavam as sementes de seus próprios ideais e vivências.

A proposta do tema cronotópico terra marca um elemento que aparece de maneira acentuada e substancial na obra. O apreço pela terra é forte alicerce para crescimento em outro sentido: era dali que se extraía esperança, desejo e vida. Os imigrantes, ancorados em princípios de organização e estratégias de trabalho, configuraram-se como um povo com sustentação econômica e administrativa, e sobretudo capacitado na construção de um futuro promissor.

Portanto, a obra, constituída por feições sociais e históricas, emolduradas pelo contorno poético da autora, forma um todo literário que testifica o quanto a terra e os imigrantes formam a base de sustentação dessa literatura capaz de transportar o leitor em uma viagem no tempo e no espaço. A partir desse enlace, constata-se o valor do conceito de cronotopo trabalhado por Bakhtin (2014, p.211)BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.211-362.:

No cronotopo artístico-literário ocorre a fusão dos indícios espaciais e temporais num todo compreensivo e concreto. Aqui o tempo condensa-se, comprime-se, torna-se artisticamente visível; o próprio espaço intensifica-se, penetra no movimento do tempo, do enredo e da história. Os índices do tempo transparecem no espaço, e o espaço reveste-se de sentido e é medido com o tempo. Esse cruzamento de séries e a fusão de sinais caracterizam o cronotopo artístico.

O aspecto social automaticamente liga-se ao momento histórico, um não subsiste sem o outro. Por essa via, a ancoragem semântica da narrativa pode ser alcançada em sua amplitude. A percepção dos cronotopos contribui para alargar os caminhos da interpretação das obras.

Verde Vale constitui um marco na literatura catarinense, traduzindo o tempo e o espaço de acontecimentos e personagens que indiciam o forte vínculo com a Alemanha, marcado por uma memória que se erige em ponte, em fio de Ariadne cultural. As palavras de Pollak (1992, p.204POLLAK, M. Memória e identidade social. Tradução Monique Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p.200-212, 1992., grifos no original) são significativas neste sentido:

Podemos […] dizer que a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si.

Em suma, em função de determinações externas – sociais, políticas –, Pollak (1992, p.204POLLAK, M. Memória e identidade social. Tradução Monique Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p.200-212, 1992.; grifo no original) assume que “a memória é um fenômeno construído”. Isso implica que essa construção é consciente e também inconsciente.

Imigrar não significou romper os laços afetivos com o país de origem. A terra alemã se transfigura, pela transmigração, na terra brasileira, que passa a ser uma espécie de retribuição pela perda sofrida no passado. Os imigrantes precisavam buscar novos rumos (novo sentido) para suas vidas, já que a terra venerada da Alemanha não oferecia as condições necessárias para mantê-los lá. Nesse momento de crise econômica e social, restava apenas imigrar para uma nova terra. No século XIX, a Alemanha passou por grandes transformações sócio-político-econômicas, com destaque para o fato de que não existia um Estado alemão antes de 1871. A industrialização desestruturou o sistema existente, levando muitos à pobreza. E havia interesse do governo imperial brasileiro em atrair imigrantes (mão de obra, ocupação de regiões estratégicas, e mesmo a ideia de “branqueamento”10 10 Seyferth (2008, p.10) explica que a tese do branqueamento era um “modo de imaginar, no futuro, uma nação moderna, civilizada, com um povo formado pela miscigenação seletiva com o concurso da imigração europeia”. Essa tese, diz ela, persistiu na política de imigração até meados do século XX. da população). Enfim, a insatisfação e o medo pela perda de terras impeliram grupos a encontrar outro lugar para viver. O grupo de alemães de que trata o romance de Klueger pertenceria a uma segunda fase de imigração, que ocorreu a partir de 184511 11 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em: https://brasil500anos.ibge.gov.br/territorio-brasileiro-e-povoamento/alemaes/condicoes-de-emigracao. . “O velho mundo já não reservava um lugar para eles; tinham que conquistar seu lugar naquele país desconhecido, custasse o que custasse” (KLUEGER, 2012, p.22KLUEGER, U. A. Verde vale. 12. ed. Blumenau: Hemisfério Sul, 2012.).

O Brasil, lugar escolhido e ainda desconhecido, ofertou a possibilidade de crescimento em sentido econômico e financeiro, mas acima de tudo representou o acolhimento necessário aos imigrantes desalentados por deixar a terra natal. Destacamos que, mesmo apreensivos e resistentes frente à nova cultura que se apresentava, mesmo receosos com as aventuras que viriam, foi em terras brasileiras que os imigrantes alemães encontraram a chance de viver novos sonhos e seguir adiante – aqui representa-se o cronotopo da soleira.

O cronotopo da transmigração demarca o distanciamento entre dois mundos cortados pelo oceano, que precisaria ser transposto, significando desligamento e provação. Em outro momento, porém, se permanece o distanciamento geográfico entre Alemanha e Brasil, há a aproximação afetiva e a intensa ligação com o país de origem (trabalho da memória). Temos, nesse fato, a representatividade da história de imigrantes que atravessaram o Atlântico em busca de melhores condições de vida, aliado ao aspecto social afiançado pela plenitude de personagens que tão bem retratam os medos e as ambições de sobrevivência em um país estranho. Contudo, o laço afetivo não é quebrado, mas fortalecido: ainda que distantes da terra natal, os imigrantes não se desfazem do que já lhes era familiar e importante – não há esquecimento.

Nessa perspectiva, nas palavras de Gaelzer (2014, p.57)GAELZER, V. Construções imaginárias e memória discursiva de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul. Jundiaí: Paco, 2014., “os imigrantes que escolheram o Brasil o fizeram na esperança de encontrar para suas famílias melhores condições de vida (...) por isso, ao abandonar seu país de origem, não estavam abdicando de suas raízes, ao contrário, tentavam reproduzir seus costumes em um país tropical”.

Sob essa óptica, a própria autora, em Verde Vale, descreve a intensa ligação que os personagens, representados pelo casal Sonne, tinham com a Alemanha. A saudade apertava, sobretudo quando o Natal se aproximava, e era nessa época que a nostalgia se tornava aguçada – conforme lemos no recorte abaixo:

A saudade veio e tomou conta, as recordações se atropelaram e desfilaram diante de seus olhos doloridos com toda a intensidade que a lente da distância lhes dava (...) Natal e pátria associaram-se a tal ponto dentro da tristeza daquele dia, que se fosse possível usar de um passe de mágica para retornar à pátria distante, mesmo que fosse só por algumas horas, a algum recanto desconhecido, a alegria advinda de SABER que o chão pisado era o da Alemanha, mesmo que fosse apenas de algum lugar ermo do Tirol alemão ou do coração da Floresta Negra, essa alegria seria a maior de todas já experimentadas na vida. Voltar! (KLUEGER, 2012, p.61KLUEGER, U. A. Verde vale. 12. ed. Blumenau: Hemisfério Sul, 2012.; grifo no original).

A forte ligação com o lugar de origem representa quão significativas são as raízes. O tema da terra incorpora a raiz para simbolizar a origem. Essa figuração mostra a representatividade de personagens enlaçados dessa forma. A título de ilustração, citamos a escolha dos nomes de dois filhos da família Sonne nascidos no Brasil, registrados como Reno (Reno, rio germânico), região onde Humberto Sonne havia crescido, e Monique, nome da filha caçula, que remetia à cidade de Munique, em que a matriarca Eileen Sonne havia nascido e vivido até os dezessete anos. A escolha desses dois nomes não é fortuita, ela se constitui por reminiscência e demonstra o quanto a Alemanha lhes era expressiva, apesar dos anos de residência no Brasil, e apesar dos filhos brasileiros que tiveram.

Faggion e Misturini (2014)FAGGION, C. M.; MISTURINI, B. Toponímia e memória: nomes e lembranças na cidade. Linha D’Água, São Paulo, v. 27, n. 2, p.141-157, dez. 2014. sinalizam, na área da Linguística, o estudo referente ao léxico dos nomes, dividido em Antroponímia (nomes de pessoas) e Toponímia (nomes de lugares). Na obra Verde Vale, observa-se que espaço e sujeito se aproximam memorialisticamente, um levando ao outro (o antes e o depois). Esse processo leva-nos a refletir sobre a representatividade que tem o lugar onde se nasce. A terra natal transmite algo tão íntimo que não importa o quanto se está longe dela, pois o distanciamento afetivo raramente ocorre. A escolha dos nomes de dois personagens corrobora tal conjectura.

No processo de troca/ajuste do topônimo para antropônimo sucede a transmissão da ideia de um passado que não se dissolve com o passar do tempo – antes ressoam as marcas do que ficou longínquo pelo percurso geográfico, contudo próximo pelo sentimento e pela memória. Cunham, neste movimento do nomear (identificar), nomes corporificados em Reno e Monique, que se atualizam nos personagens, com a vida na nova terra, Blumenau.

O novo surge por meio da memória. Assim, o conceito de cronotopo desenvolvido por Bakhtin (2006BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.261-306., 2014BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.71-210.)12 12 Em “O romance de educação e sua importância na história do realismo”, ensaio presente na coletânea Estética da criação verbal, trata-se do texto sobre o tempo e o espaço nas obras de Goethe, em que Bakhtin destaca a “surpreendente habilidade de Goethe para ver o tempo no espaço. […] Goethe tinha um olhar refinado para todos os indícios e sinais visíveis na natureza […]. Tinha um olhar excepcionalmente agudo para todos os indícios visíveis de tempo da vida humana” (BAKHTIN, 2006, p.231-232). No final do texto, insiste na “importância excepcional da própria questão da assimilação do tempo na literatura e particularmente no romance” (BAKHTIN, 2006, p.258). mostra outro aspecto das possibilidades de ligação tempo-espaço. É o de fora e de longe fazendo parte do presente. Convém lembrar que nos referimos à questão da língua. Para o autor, na língua existe sempre o diálogo com outros enunciados. Dizeres alheios sempre habitam nosso dizer: é o outro sendo trazido para tomar parte na história.

Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive as obras criadas) é pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilabilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e de relevância. Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos e reacentuamos (BAKHTIN, 2006, p.294-295BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260.).

Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa (BAKHTIN, 2014, p.88BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.71-210.).

Todo enunciado provém de algum tipo de interação social, presente ou passada, oral ou escrita, cotidiana ou proveniente das ciências e de outras esferas. São dizeres recriados pela função valorativa do falante. Também carregam a expressividade familiar e próxima daqueles com quem se convive. Dessa forma, as palavras constituem-se por meio de um vínculo coletivo, e ao mesmo tempo refletem a subjetividade do falante em cada situação e tempo.

Pelo percurso do outro que se faz presente, entendemos que no romance Verde Vale o de fora, no caso representado pelos nomes dos lugares, se presentifica nos nomes dos filhos por um movimento temporal. Dessa forma, os nomes de lugares transformados em nomes dos filhos denotam o que ficou para trás, mas ainda assim continuam tão dentro que se fazem atuais e familiares.

Faggion e Misturini (2014)FAGGION, C. M.; MISTURINI, B. Toponímia e memória: nomes e lembranças na cidade. Linha D’Água, São Paulo, v. 27, n. 2, p.141-157, dez. 2014., baseados em Dick (1990)DICK, M. V. P. A. Toponímia e antroponímia no Brasil. Coletânea de Estudos. São Paulo: Arquivo do Estado, 1990., dizem que os topônimos estão ligados à história, são veículos de ideologia, e como tal permeiam a memória, a vivência e o imaginário do grupo social que os utiliza. Seguindo essa linha, observa-se que antropônimos também podem fazer ressurgir uma memória nostálgica, uma vivência do passado. A escolha dos nomes de personagens confirma tal proposição. Palavras representam sentimentos e apego ao que há de significativo para a existência humana – deslizam pelo canal da memória.

Humberto Sonne crescera às margens do rio Reno. Foi seguindo o percurso do rio Reno que encontrou a futura esposa, Eillen, em Munique, cidade em que ela havia crescido e enfrentado grandes desafios. Era menina de fino trato, de família abastada; porém, depois de ficar órfã, um tio responsável pela guarda roubou-lhe os bens – não lhe roubou, porém, o principal: o sonho de ser feliz. E foi assim que, ao cuidar de crianças em uma praça em Munique, viu pela primeira vez Humberto Sonne. Depois de alguns encontros na praça, foi num Natal que eles se uniram para formar família. Natal simboliza nascimento, e com o enlace de Eillen e Humberto realiza-se a vontade de permanecer juntos.

O detalhamento dos lugares onde ambos cresceram, caminharam, navegaram e se amaram foram expostos aqui no intento de mostrar que havia razão suficiente para a escolha dos nomes dos filhos: Reno e Monique. Gaelzer (2014, p.21)GAELZER, V. Construções imaginárias e memória discursiva de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul. Jundiaí: Paco, 2014., ao abordar pontos específicos sobre a identidade, diz que “ao tratarmos de questões identitárias dos imigrantes constatamos que é pela língua que os imigrantes guardavam os seus saberes, a sua história e os seus bens simbólicos”. Então, nos nomes Reno e Monique há vestígios do que ficou para trás, porém reflorescido pela transfiguração, tendo como canal a memória.

1857 é o ano em que a família Sonne desembarca no Brasil. Contudo, a primeira edição do romance foi publicada em 1979. Historicamente e do ponto de vista da criação romanesca, isso assinala grande distância temporal: cento e vinte e dois anos em nosso calendário. Bakhtin, que desenvolveu o conceito de distância (distanciamento, exotopia) antes de explorar o de cronotopo, trata, em “Os estudos literários hoje”13 13 Situemos: hoje, no título, remete a uma publicação de 1970. , da compreensão da cultura de uma época:

A grande causa para a compreensão é a distância do indivíduo que compreende – no tempo, no espaço, na cultura – em relação àquilo que ele pretende compreender de forma criativa. (...) No campo da cultura, a distância é a alavanca mais poderosa da compreensão. A cultura do outro só se revela com plenitude e profundidade (mas não em toda a plenitude, porque virão outras culturas que a verão e compreenderão ainda mais) aos olhos de outra cultura. Um sentido só revela as suas profundidades encontrando-se e contactando com outro, com o sentido do outro: entre eles começa uma espécie de diálogo que supera o fechamento e a unilateralidade desses sentidos, dessas culturas (BAKHTIN, 2006, p.366BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260.; grifos no original).

A autora de Verde vale teve uma vantagem especial: por um lado, ela também viveu nesse ambiente como descendente de colonizadores, na própria cidade de Blumenau, onde nasceu. E sempre esteve banhada no espaço-tempo dos acontecimentos. Por outro lado, o conhecimento histórico e a pesquisa de campo exigiam o afastamento metodológico para a percepção da cultura daquele período específico. Mas, por sua própria experiência, mesmo que em época afastada do período que focaliza, talvez se compreenda melhor um traço do estilo e cosmovisão da autora tal como delineado por Junkes (1987, p.292)JUNKES, L. O mito e o rito: uma leitura de autores catarinenses. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1987. ao avaliar o trabalho literário de Klueger. Primeiro: ele observa que o enredo se desenvolve “com bastante naturalidade, dentro de sensível otimismo, sadia felicidade, solidariedade e harmonia, mas sem cair no ingênuo simplismo”. Segundo: “Como livro de estreia, revela uma dependência quase total das técnicas narrativo-descritivas, constituindo-se no modo indireto, no resumo panorâmico, na narrativa sumária, técnica que acarreta um certo distanciamento da narrativa”. Neste ponto, Junkes indica que, com técnicas dialógicas e mais narrativa cênica, a ação seria mais presentificada e os personagens surgiriam mais vivos para o leitor. No final, ele sintetiza a avaliação afirmando que a obra tem “força de concepção, fôlego narrativo e uma rica e sadia cosmovisão por parte da autora” (JUNKES, 1987, p.293JUNKES, L. O mito e o rito: uma leitura de autores catarinenses. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1987.).

Voltemos aos conceitos bakhtinianos expostos para encaminhar o fechamento deste tópico de análise. Pelo olhar de Amorim (2006, p.95)AMORIM, M. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, B. Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p.95-114., eis a diferença entre os conceitos de cronotopo e exotopia (esta, traduzida do francês, era usada na época da publicação):

Cronotopo e exotopia são dois conceitos de Bakhtin que falam da relação espaço-tempo. O primeiro foi concebido no âmbito estrito do texto literário; o segundo refere-se à atividade criadora em geral – inicialmente à atividade estética e, mais tarde, à atividade da pesquisa em Ciências Humanas.

O conceito bakhtiniano nos ajuda a refletir que o trajeto temporal de cento e vinte e dois anos que separavam a autora dos acontecimentos narrados na obra Verde Vale exigia um deslocamento do olhar da autora (relativamente à própria ulterior experiência) para compreender essa época. Mais especificamente, no sentido de distanciamento: a autora, em extraposição, tinha condições de compreender a época olhando-a distanciadamente, além disso de modo especializado. Klueger precisou olhar em detalhes o que se passava culturalmente no período retratado e criar narrativamente o enredo (história e literatura associam-se para produzir o romance histórico). Precisava compreender que há um tempo da narração (pelo escritor) e um tempo dos eventos narrados, ou: um tempo da representação e um tempo do que é representado.

A ideia de retrato é trabalhada por Amorim (2006)AMORIM, M. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, B. Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p.95-114., que descreve como a criação estética expressa a diferença entre dois olhares, pontos de vista individualizados tanto do retratista quanto do retratado: há necessidade de distanciamento para reproduzir. Dessa forma, o olhar do artista consiste, conforme Amorim (2006, p.96)AMORIM, M. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, B. Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p.95-114., em dois movimentos:

Primeiro, o de tentar captar o olhar do outro, de tentar entender o que o outro olha, como o outro vê. Segundo, de retornar ao seu lugar, que é necessariamente exterior à vivência do retratado, para sintetizar ou totalizar o que vê, de acordo com seus valores, sua perspectiva, sua problemática.

Ao fazer um retorno de mais de um século, Klueger precisou, pois, compreender as experiências sobre e de imigrantes em meados do século XIX e considerar as questões sociais, econômicas e políticas intervenientes, tanto na Europa como no Brasil. Nesse processo, em retorno, há o olhar da autora em termos de valores, de reflexões da própria vivência. É o passado se atualizando no tempo presente, pelo olhar atento daquela que maneja as palavras. Há um movimento que une o antigo ao contemporâneo – e o histórico à narrativa literária.

Por essa explanação, é possível constatar que os conceitos bakhtinianos de cronotopo e distância (exotopia) são fundamentais na percepção dos eventos.

Considerações finais

Procuramos, aqui, direcionar o estudo para o conceito de cronotopo. O cronotopo que representaria o movimento histórico predominante é o de transmigração (tempo de migração, de mudança, de viagem), que desenha as grandes linhas ou a figura que incorpora um ponto de partida, um ponto de chegada e um desenvolvimento de eventos até o marco de fechamento da narrativa. Ele desenha e contorna, enfim, todos os acontecimentos que receberão a atenção na narrativa – sua diegese, seu caráter de realidade ficcional, o núcleo da atenção (distanciada) da escritora.

Observou-se que, na narrativa, os imigrantes mantêm vínculos afetivos profundos tanto em relação à terra de origem como à nova terra – a que ficou para trás, na Alemanha, e o chão brasileiro que possibilitou a sobrevivência e a construção de novos sonhos. A simbologia da terra, então, funciona como um tema da figuração cronotópica mais abrangente – a transmigração. A terra, para os imigrantes, tem um valor inestimável; para muitos imigrantes, o melhor investimento é ter o próprio pedacinho de chão e cuidar dele, torná-lo seu bem de raiz. Esse fato é manifesto na obra Verde Vale, que registra a historicidade da ocupação da terra pelos imigrantes alemães, como fundo e cenário dos acontecimentos, entre os anos de 1857 e 1917. Mas, à chegada, representa-se a decisão de estar aí, após uma viagem espacial e temporal (porque se trata de outro mundo), e para suportar os eventos posteriores, pelo cronotopo da soleira, que é a entrada, agora inevitável, desse mundo como nova casa, com a esperança possível – de estar melhor, e especialmente de crescer e amadurecer, que é um caráter temporal apontado com destaque por Bakhtin na perspectiva do cronotopo.

Na análise realizada, estudamos também, em vínculo com os sentidos da cronotopia, a relação entre topônimos e antropônimos, tendo-se observado como um deslizamento nos nomes de lugares para nomes de personagens enfatizou, pela memória, a intensa ligação com a Alemanha: simbolizando, como que criando fetiches, uma perda seguida de um achamento. O ato de nomear e identificar Reno e Monique em reminiscência ao país de origem retrata o quanto ainda a família estava ligada à Alemanha, apesar dos longos anos de residência no Brasil. O conflito entre a terra de antes e a terra de agora, na mente dos imigrantes, justifica também o que a toponímia e a antroponímia representam na transmigração. A transmigração configura uma viagem para outro tempo-espaço, desconhecido e inicialmente assustador, travessia dolorosa, mas também renascimento. Lembra, do ponto de vista religioso, a passagem, pós-morte, da alma para outro corpo, em que terá que se adaptar e viver desde então (influência mitológica). Implica descoberta, peregrinação, aquisição de novos conhecimentos. No caso do imigrante, a nova vida permanece cheia de memórias (boas e más) e de saudade, o que fornece uma ligação perene entre duas formas de vida.

O processo de análise permitiu-nos pensar, também, como uma obra literária pode enriquecer os estudos discursivos, já que o deslizamento de sentido (de lugares a pessoas) marca o gesto de autoria que sucede por meio de uma memória que reconfigura o que ficou para trás, renovando a significação e a identidade.

O discurso literário apresenta também, na construção da narrativa, um misto de vozes que trazem em si marcas de discursos outros presentes na fala dos personagens, bem como na fala do narrador (seu caráter plurilinguístico). São os traços de discursos alheios que se materializam em um aparente único discurso. “A unidade da linguagem literária não é a de um sistema linguístico uno e fechado, mas sim a unidade profundamente peculiar das ‘linguagens’ que entram em contato e que se reconhecem umas às outras (...)” (BAKHTIN, 2014, p.101BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.71-210.). É um efeito de plurilinguismo.

O romance Verde Vale, da catarinense Urda Alice Klueger, tem um interesse especial por tratar de um tema de relevância social e histórica sobre a imigração alemã no território brasileiro, enlaçando historicidade, aspectos sociais e políticos, arrematados, em sua prosa, por um estilo poético.

  • 1
    Hermann Bruno Otto Blumenau (1819-1899), fundador da colônia São Paulo de Blumenau.
  • 2
    Outras possibilidades para essa figuração seriam: Travessia, Renascimento.
  • 3
    A historiadora Giralda Seyferth (2008, p.4)SEYFERTH, G. Imigrantes, estrangeiros: a trajetória de uma categoria incômoda no campo político. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 26, 2008, Porto Seguro. Anais... Porto Seguro: Universidade Federal da Bahia, 2008., ao tratar da paulatina mudança de significação da categoria imigrante, no Brasil, diz que a palavra “aparece no campo político no momento de consolidação do Estado brasileiro, na década de 1840, por um lado associada ao povoamento do território e, por outro, ao trabalho livre, tendo em vista as diferentes necessidades do Império e de algumas das províncias”. Antes de 1840, apenas se usava a palavra colono em documentos oficiais. Consta como marco inicial da “imigração” a colônia de Nova Friburgo (RJ), em 1819.
  • 4
    Exotopia foi a tradução divulgada nas primeiras edições de Bakhtin, traduzidas do francês.
  • 5
    Seus trabalhos literários eram, anteriormente, poéticos; a prosa não recebia a mesma consideração que a poesia, naquele período.
  • 6
    Lembramos ainda a obra de Michel de Certeau (2006)CERTEAU, M. A escrita da história. Tradução Maria de Lourdes Menezes. Rev. técnica Arno Vogel. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. que traz o mesmo título, e cujo original é de 1975. A questão da narrativização na História aí reaparece.
  • 7
    Note-se que o texto de Bakhtin Os estudos literários hoje, de que a citação é um recorte, foi publicado em 1970. Remeta-se, pois, a sequência “como se faz constantemente” a esse período de sua vida, na Rússia socialista.
  • 8
    Note-se, também aqui, a distância em que nos encontramos do momento em que o autor falava daquela contemporaneidade – quase trinta anos são passados.
  • 9
    No tratamento das modalidades do gênero romance, Bakhtin (2006, p.217)BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260. cita Rabelais como autor de romances típicos da categoria romance de educação: Gargântua e Pantagruel. Cinco livros foram publicados sobre esses personagens, a partir de 1532. Bakhtin (2006, p.224BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260.; itálicos no original) considera que Rabelais conseguiu o melhor resultado na “construção da imagem do homem em crescimento com base no tempo folclórico histórico-popular”.
  • 10
    Seyferth (2008, p.10)SEYFERTH, G. Imigrantes, estrangeiros: a trajetória de uma categoria incômoda no campo político. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 26, 2008, Porto Seguro. Anais... Porto Seguro: Universidade Federal da Bahia, 2008. explica que a tese do branqueamento era um “modo de imaginar, no futuro, uma nação moderna, civilizada, com um povo formado pela miscigenação seletiva com o concurso da imigração europeia”. Essa tese, diz ela, persistiu na política de imigração até meados do século XX.
  • 11
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em: https://brasil500anos.ibge.gov.br/territorio-brasileiro-e-povoamento/alemaes/condicoes-de-emigracao.
  • 12
    Em “O romance de educação e sua importância na história do realismo”, ensaio presente na coletânea Estética da criação verbal, trata-se do texto sobre o tempo e o espaço nas obras de Goethe, em que Bakhtin destaca a “surpreendente habilidade de Goethe para ver o tempo no espaço. […] Goethe tinha um olhar refinado para todos os indícios e sinais visíveis na natureza […]. Tinha um olhar excepcionalmente agudo para todos os indícios visíveis de tempo da vida humana” (BAKHTIN, 2006, p.231-232BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260.). No final do texto, insiste na “importância excepcional da própria questão da assimilação do tempo na literatura e particularmente no romance” (BAKHTIN, 2006, p.258BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260.).
  • 13
    Situemos: hoje, no título, remete a uma publicação de 1970.

REFERÊNCIAS

  • AMORIM, M. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, B. Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p.95-114.
  • BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.205-260.
  • BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal Tradução Paulo Bezerra. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.261-306.
  • BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.71-210.
  • BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.211-362.
  • BAKHTIN, M. Epos e romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução do russo Aurora Fornoni Bernardini et al 7. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2014. p.397-428.
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  • CAMPOS, C. M. A política da língua na era Vargas: a proibição do falar alemão e resistências no Sul do Brasil. Campinas (SP): Ed. Unicamp, 2006.
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Parecer I

O(A) articulista apresenta um trabalho muito bom: escolha apropriada no que respeita ao título, o qual abarca questões fundamentais desenvolvidas no artigo; explicitação clara do objetivo com amparo em bibliografia pertinente para atingir a proposta do estudo; andamento coerente da exposição, seguindo a metodologia previamente apresentada, com argumentos consistentes e discussão aprofundada; pleno domínio na apresentação do aparato teórico e na articulação deste com a análise do romance. Observa-se ainda que o exame da obra, apoiado nas elaborações teóricas do cronotopo, caminha com fluidez na discussão de questões importantes levantadas acerca do romance histórico (relações entre os aspectos históricos e socioculturais e a literatura; acerca da exotopia etc.), comprovando-se, nas considerações finais, a relação intrínseca entre esse gênero e as figurações cronotópicas inscritas na narrativa, em especial, a transmigração. Esse enfoque oferece um tratamento original à leitura da cronotopia, o que resulta em representativa contribuição aos estudos desse conceito e do romance histórico. Linguagem clara, correta e adequada ao trabalho científico. Há raras gralhas e equívocos de expressão, que podem ser facilmente resolvidos. APROVADO

Aurora Gedra Ruiz Alvarez - https://orcid.org/0000-0002-1055-9233; auroragedra@hotmail.com; Universidade Presbiteriana Mackenzie, Centro de Comunicação e Letras, São Paulo, São Paulo, Brasil.

Parecer II

Trata-se de um trabalho muito bem escrito (incluindo o resumo em inglês), sobre o romance Verde vale, da escritora catarinense Urda Alice Klueger, que versa sobre a imigração alemã em Santa Catarina. Com base no pensamento de Mikhail Bakhtin, o artigo se propõe a analisar o que denomina cronotopo de “transmigração” (como migração não somente para uma nova terra, mas também para uma nova vida), mais precisamente os subcronotopos da terra (a terra de adoção como lugar de um futuro promissor) e da soleira (a nova terra relacionada com a evocação da terra natal). O texto revela sólido conhecimento dos conceitos de Bakhtin, associado com questões relacionadas com o romance como gênero e as especificidades do romance histórico, além de conhecimento do contexto cultural do romance. A parte analítica é muito breve, consistindo mais em paráfrases com pouca análise do texto da obra. Apesar dessa falha, é um trabalho muito esclarecedor sobre a obra abordada e as questões teóricas que a envolvem. Recomendo sua publicação na revista Bakhtiniana. APROVADO

João Vianney Cavalcanti Nuto – https://orcid.org/0000-0001-8091-2912; litcult.unb@gmail.com; Universidade de Brasília – UnB, Instituto de Letras, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Brasília, Distrito Federal, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    05 Dez 2021
  • Aceito
    02 Jun 2022
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